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As meditações cartesianas e a fenomenologia
Um pequeno livro de Edmund Husserl, que foi uma compilação de uma conferência em Paris, foi o opúsculo Meditações Cartesianas, onde faz cinco aportes e é a partir daí que dá origem a uma formulação consistente da fenomenologia.
O caminho de um Ego Transcendental, diferente da transcendência idealista em direção ao objeto, é uma direção ao Outro, ou outros eu´s, uma superação do estatuto do transcendente ligado ao objeto, assim descreve Husserl: “…. imediatamente se torna patente que o alcance de uma tal teoria é muito maior do que parece à primeira vista, dado que ela também conjuntamente funda uma teoria transcendental do mundo objetivo …” (HUSSERL, 2010, p. 134).
Ao admitir e se relacionar com a subjetividade alheia (um outro alter ego) tanto os objetos da cultura como o mundo compartilhado, cria uma intersubjetividade (HUSSERL, 2010, p. 134-35), agora do fenômeno transcendental “mundo” é retirada uma camada de sentido que possa ser remetida à constituição intersubjetiva.
A crítica da experiência feita por Husserl no início das Meditações, leva a primazia da experiência Imanente (apodítica do cogito, preso a lógica) enquanto a experiência transcendente (o mundo exterior e os outros incluídos) não se reduzindo a experiência transcendental em direção ao objeto.
Husserl usa também o conceito de solipsismo que é a ideia que que só existe o ato de pensar e o próprio eu, veja que neste raciocínio a própria existência do objeto é postar em dúvida o que é resolvido pela experiência, neste caso há um solipsismo gnosiológico onde os outros entes (seres humanos e objetos) só existem na mente e não na consciência.
A doutrina fenomenológica fundamenta-se que o mundo objetivo da ciência está voltado a experiência e no pensamento pré-reflexivo e pré-científico porque está ligado a subjetividade, para modificar esta relação de ser no mundo, incorporando o mundo da vida (Lebenswelt) de onde surge a necessidade de uma antropologia filosófica e uma epistemologia que responda estas a este desafio.
Como consequência deste pensamento surgiu a ontologia fenomenológica como uma possibilidade clara no próprio projeto de Husserl, embora não tenha aprovado num primeiro momento o trabalho de Heidegger.
Outra possibilidade de uma hermenêutica filosófica como foi elaborada por Hans-Georg Gadamer também estava ali desenhada e o círculo hermenêutico já estava em projeto no pensamento de Heidegger.
HUSSERL, E. Meditações cartesianas e conferências de Paris. Tradução de P. M. S. Alves. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2010.
O pensamento moderno e a verdade
Grande parte das questões apontadas na modernidade referem-se ao “cogito” cartesiano, e que este separaria corpo de espírito, na verdade mente de espírito, porém desconhece-se que a questão é anterior e é ao significado de substância.
Vê-se na obra cartesiana que mente e espírito estão muito ligados, pode-se dizer isto sim que a mente é submetida ao espírito, lê-se na sexta meditação: “mens cerebro tam intime conjuncta sit” (Adam e Tennery, 1996, VII, p. 437).
A origem de duas formas de pensamento, Karl Popper dirá que a afirmação de Parmênides é ontológica “o ser é e o não ser não é” no sentido de não existe (existencial e não lógico), e Heráclito de Éfeso “tudo não é está passando a ser” visto como “dialético”, na verdade é ontológico também.
Para Aristóteles a substância significava o suporte ou substrato no qual a hylé (concepção grega de matéria) se constituía em algo dando uma forma (morphe), Tomás de Aquino vai pensar a partir daí, e acrescentar um novo componente na noção de substância, além desses dois, a saber, o ato de ser (esse/actus essendi), o ato de ser de onde parte sua ontologia. Estas questões já estavam presentes em Platão e Sócrates.
Dai parte as famosas noções de ato e potência, um exemplo, a semente é em potência arvore.
Aristóteles tinha 4 causas: Causa material: de que a coisa é feita? Fazendo como exemplo uma casa, seriam os tijolos. Causa eficiente: o que faz com a coisa? seria a construção. Causa formal: o que lhe dá a forma? A própria casa. Causa final: o que lhe deu a forma? A intenção do construtor.
Mas a intentio em Tomás é subcategoria da consciência, e voltará a ser categoria para Franz Brentano, mas modificando-a como categoria principal como consciência dirigida a algo, assim muito diferente do uso cotidiano de intenção.
O que Husserl aluno de Brentano vai pensar em Meditações Cartesianas, é principalmente na quinta e não na sexta tese, onde questiona se Descartes não suspenso o juízo, mas não o ego.
Interpela o Eu da angústia cartesiana, sem entender qual caminho da imanência do Eu para a transcendência do Outro? Reconfigura a psicologia através da fenomenologia. Através do método da redução fenomenológica atinge-se o Eu Transcendental, pois isto a suspensão de Husserl e seus seguidores é uma epoché hermenêutica, um colocar entre parêntesis.
Toda a questão de Heidegger (aluno de Husserl) e Lévinas estão dirigidas a este Outro e o Tempo.
ADAM, C.; TANNERY, P. (org) Oeuvres de Descartes, Paris: Vrin, 1996. Citado em Amir d. Aczel: O caderno secreto de Descartes, São Paulo: Zahar, 2007.
Consciência e verdade
Um dos truques mais comuns é dizer uma meia-verdade, uma mentirinha sem maldade ou aquilo que suaviza nossa consciência quando sabemos que estamos fazendo o que está errado, não se trata do politicamente correto, pois em muitos casos pode-se dizer aquele político “bom” se corrompeu, tornou-se ditador ou é incapaz de diálogo.
Uma frase conhecida de William Shakespeare é “Sabemos o que somos, mas ainda não sabemos o que podemos chegar a ser”, que é uma frase tão interessante quanto “To be or not to be”, porque significa que podemos Ser além do ser atual, assim há um devir, assim not to be and I will be.
A esfera interior na qual saciamos vazios emocionais, frustrações ou ansiedades, por exemplo na bebida ou na comida, estamos preenchendo o vazio saciando temporariamente, mas ele voltará de tempos em tempos.
A relação com a filosofia é ampla, desde Platão que definiu o mito da caverna como passar do mundo das sombras, onde nos vemos como projeções no fundo da caverna para uma esfera elevada, autêntica e onde há verdadeira liberdade, e o medo das meias-verdades some.
A verdadeira consciência não é nem um despertar, nem uma iluminação, mas um “desvelar” tirar o véu, e o primeiro passo é que a consciência seja consciência de algo, onde encontrei limites ou um NÃO inesperado, não só uma dor, mas um obstáculo à primeira vista intransponível.
A psicologia Gesltat, com forte influência da hermenêutica, define como dar-se conta de algo (awareness) e encontramos correspondente na filosofia japonesa, por exemplo, como “satori”, tirar as camadas superficiais para encontrar o núcleo de algo.
Os três passos para adentrar estas camadas são: despertar para nossa zona mais profunda, no aspecto emocional, nossos medos, angústias e inquietações, o segundo requer o que acontece no seu exterior, o contexto, as pessoas e situações que invisto sem resultados, e o terceiro, bem mais complexo sabe o que sente, o que acontece em seu exterior, mas há preconceitos, barreiras e algo que o faz se defender e não passar de certos limites.
Exerça uma mudança, não basta encontrar os pontos fortes, é justamente nos pontos fracos que suas defesas estão fragilizadas, e, elas estão articuladas com seus enganos e vivências.
Tempo de pós-verdade ou de hermenêutica
Uma hermenêutica é aquela que permite uma visão do mundo e uma interpretação dos fatos diferentes, não significa manipulação da verdade, mas exatamente ou desenvolve aquilo que ideologias e teorias não práticas ocultam (não há phronesis, práticas práticas) ou ou exercem práticas voluntárias sem reflexão .
O que acontece é que na busca de espírito absoluto, ou estabelecimento de verdades totais, na verdade eram totalitária, isto é, não admite uma visão de mundo diferente, numa era de diálogo simplesmente ligam a uma verdade já pré-existente, assim como existem verdades a priori para visões totalitárias.
O conhecimento para Emanuel Kant começa com uma experiência, e a razão organizadora dessa matéria de acordo com suas formas estabelecidas, com as estruturas existentes no conhecimento, assim como a formação séria uma forma de organizar a matéria que vem da experiência.
Embora “a priori” se refira a um modo geral como adjetivo de conhecimento, também é usado como adjetivo para modificar substantivos, como uma verdade, assim propor uma verdade a priori, e é um dos dogmas do idealismo.
Porem a verdade por séculos permaneceu velada, sempre foi usada como forma de poder, mas é o tempo em que as verdades são reveladas, não por jornalistas e grupos controlados que fazem parte de torcidas, mas com armas de fotos e celulares, câmeras presentes em muitos locais e em celulares, mas o grande salto é a consciência dos fatos.
Não é por acaso que este é o grande tema atual, desde a questão da filosofia hermenêutica, uma questão de consciência que deixa ser determinista, romântica ou dogmática, até um questionamento, se as máquinas inteligentes terão consciência e na última instância “imitar” o homem .
Para a cultura cristã, isso pode ser um noutro ponto, um tempo que a verdade é revelada, conforme o evangelista Mateus 10,26-29: “Não tenha medo dos homens, pois nada há descoberto que não seja revelado, e nada há de escondido que não seja revelado. O que você diz na escuridão, dizei-o à luz do dia; o que escuta ao pé do ouvido, proclama-o sobre os telhados! Não tenha medo daqueles que matam o corpo, mas não pode matar a alma! Pelo contrário, temei aquele que pode destruir a alma e o corpo no inferno! ”.
O filósofo Peter Sloterdijk, que não é cristão, disse que uma pandemia nos colocou “todos os joelhos”, direção que nem todos ainda aceitam, e.há aqueles que não admitem o mistério, além da nossa capacidade de leitura e entre os religiosos que ainda não se.põem ds joelhos, ao menos por compaixão com os que sofrem, a hermenêutica é esta abertura ao outro discurso, ao diferente, com sinceridade.
A Hermeneutica de Scheilemacher a Gadamer
O renascimento da hermenêutica, ela esteve confinada na cultura clássica antiga como uma vertente da filosologia clássica, feito por Schleiermacher (1768-1834).
Para Heidegger, a hermenêutica é equivalente a fenomenologia da existência, ou seja, coisas que são passíveis de interpretação, devem ser analisadas de acordo com as possibilidades de existir e se manifestar em seu tempo histórico, mas sua compreensão de história é diferente de Dilthey.
Seu trabalho encontra o primeiro eco em Wilhelm Dilthey (1833-1911), que separa a ideia de interpretação em dois campos explicação das ciências naturais e compreensão nas ciências humanas.
Paul Ricoeur (1913-2005) e Hans-Georg Gadamer (1900-2002) vão superar esta dicotomia criando uma hermenêutica filosófica, para Ricoeur compreender um texto é encadear um novo discurso no discurso do texto, assim o texto deve estar aberto, ou seja, passível de apropriação de um sentido.
Por outro lado, a reflexão, é para Ricoeur, a meditação sobre os signos presentes, assim não há explicação sem a compreensão do mundo e de si mesmo.
Hans-Georg Gadamer vê na concepção histórica de Dilthey certo idealismo, e sua hermenêutica como a de Ricoeur, que são filosóficas, no entanto ele a vê numa estrutura circular onde há sempre uma pré-compreensão, onde é possível uma fusão de horizontes o que permitirá uma reinterpretação e uma nova formulação da compreensão.
No círculo hermenêutico, inspirado em Heidegger, foi pensado assim “Toda interpretação, para produzir compreensão, deve já ter compreendido o que vai interpretar”, porém foi Gadamer que o sistematizou.
Em Gadamer a ideia de horizonte é: o conteúdo singular é apreendido a partir da totalidade de um contexto de sentido, que é pré-apreendido e co-apreendido, onde há um diálogo entendido como: A compreensão sempre é apreensão do estranho e está aberta à modificação das pressuposições iniciais diante da diferença produzida pelo outro (o texto, o interlocutor).
A compreensão do contexto no sentido de tradições, cultura, etnias e crenças são fundamentais para entender como o círculo hermenêutico acontece.
A experiência se realiza segundo a troca dialogal dentre de uma língua e ela é sempre produtiva não apenas reprodutiva: “o sentido de um texto supera seu autor, não ocasionalmente mas sempre”, assim a hermenêutica filosófica a vê como presente nas culturas e línguas.
O resultado deste círculo é a produção de um saber prático usa uma palavra grega phronesis (não há teoria x prática) que não é um saber privado mas social, onde realiza as minimizações e exacerbações da autocriação do eu e no âmbito social a criação de dogmas retirando da ética a sua estetização social, e, preserva as sabedorias práticas de culturas e crenças que atuam nos processos respeitando a diversidade.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método: Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
Da fenomenologia de Brentano a Ontologia de Heidegger
Entre as contribuições de Brentano, além da intencionalidade da consciência, que é consciência de algo ou do objeto, está o que alguns autores (Boris, 1994) chama de Filosofia do Presente, onde o aqui e agora é a única experiência possível, rompendo com a ideia do empirismo de que uma experiência só é científica se puder ser repetida, e também rompe com a neutralidade do espectador, pois ele é parte do experimento, o que torna-o uma hermenêutica.
Da intencionalidade de seu mestre Brentano, Edmund Husserl (1859- 1938) guardará o aspecto da experiência de “ser consciente de alguma coisa”, mas modificará a fenomenologia empírica, para torná-la transcendental, não no sentido ainda espiritual, mas das vivências cognoscitivas, deixará de lado a visão de empírica, pela de uma objetividade imanente.
Husserl afirma em Ideias da Fenomenologia (1986) que: “As vivências de conhecimento possuem, isso pertence à sua essência, uma intentio, visam algo, se reportam de tal ou tal maneira a uma objetividade”, com isto abandona a ideia do empírico do mestre Brentano, e retoma o conceito de objetividade imanente como uma revisão dos conceitos Aristotélico e Tomista, como “essência”.
Em sua obra da maturidade A crise das ciências Europeias Husserl torna o conceito de transcendência mais vivo, dentro de sua Lebenswelt (Mundo da Vida), o transcendente “o transcendente é o mundo exterior” enquanto o transcendental “é o mundo interior” da consciência (HUSSERL, 2008, p. 18), porém esta dicotomia entre mundo exterior e interior vai fazer os filósofos existencialistas evitar o termo consciência.
Heidegger (1989) aluo de Husserl foi o primeiro a evita, pois a relação entre homem e mundo sempre foi perseguida pelos fenomenólogos com objetivo de superar o fantasma idealista da relação sujeito-objeto, a análise intencional e descritiva da consciência definia as relações essenciais dos atos mentais e o mundo externo, apesar de amadurecer Husserl a questão da redução fenomenológica.
Martin Heidegger (1889-1976), via Husserl como intelectualista e cartesiano, abandona os termos consciência e intencionalidade, centrais na fenomenologia transcendental de Husserl, na obra O ser e o tempo (1927), não aprovada por Husserl, o aluno supera o conceito de consciência e propõe o conceito de Dasein, inaugurando a fenomenologia existencial.
A “finitude” humana, a temporalidade e a historicidade (o ser no tempo) serão fundamentais na análise heideggeriana do Dasein, uma teoria que se funda na “destruição” da cisão sujeito-objeto.
BORIS, G. D. J. B. Noções básicas de fenomenologia. Insight. Psicoterapia (São Paulo). v. 46, pp. 19-25, novembro, 1993.
Heidegger, M. Ser e tempo (Vols. 1-2). Petrópolis, RJ: Vozes, 1989.
HUSSERL, E. A crise da humanidade europeia e a filosofia. Porto Alegre; EDIPUCRS, 2008.
Da episteme grega a fenomenologia de Husserl
Os primeiros filósofos, pensando em filosofia como amigos da sabedoria, foram na história ocidental os pré-socráticos, o que eles procuravam era uma ruptura entre o mito e a filosofia, onde no primeiro a verdade é estabelecida pelos oráculos e a segunda é procurada, o que em Platão está simbolizado pelo mito da Caverna.
Platão separou a doxa da mera opinião pela episteme, a sistematização do conhecimento, que em Aristoteles ganharia uma organização chamada de Organon, podendo ser traduzido como “ferramenta”, “instrumento”, no entanto é sua episteme organizada em: categorias e estruturas, no qual estabelece seu método, apesar de não estar declarado explicitamente por Aristóteles, seus comentadores latinos estabelecem que esta lógica era o instrumento para as ciências.
A querela dos universais foi uma filosofia que surgiu a partir de um fragmento encontrado da Obra de Boécio, se existem “conceitos” universais, ou seja, se podemos classificar as ciências em categorias, o que se constituiu uma polêmica entre nominalistas e realistas, Duns Scotus (1266-1308) foi realista moderado (criou o princípio da e hecceidade, a qualidade e propriedade de ser “isto”) e seus discípulo Wilhem Ockam (1285-1347) um nominalista.
Tomás de Aquino (1225-1274) da corrente realista, elabora que era possível uma elaboração que unisse os universais vindo das categorias gregas com uma procedência direta formal (lógica) entre o objeto e sua essência (que representa a forma ideal do objeto), e assim formula a ideia de substância, para Scotus o principal era a experiência.
A ontologia de Tomás de Aquino parte da ideia que alguma coisa existe em essência, se de alguma forma existe mesmo não tendo existencial material, esta coisas que existem em essência existe ontologicamente, estava formada então uma onto-teologia.
Franz Brentano (1838-1917) vai elaborar bem mais tarde o conceito de intencionalidade, a partir de uma sub-categoria de substância, a categoria da consciência.
A categoria “intencionalidade” é uma revisão naquilo que a escolástica tomista chamava de in-existência (ou o existir em, dentro de) intencional de um objeto na consciência, ou o que pode ser chamado de referência a um conteúdo (Beziehung) ou direcionamento (Richtung) a um objeto.
Assim em Brentano o fenômeno psíquico que produz a existência de uma “intentio” significa, literalmente a existência dentro do que pretende ser, como um encaixe dentro dele.
Assim o ideal da neutralidade científica, que pressupõe uma cisão sujeito-objeto, cria um problema para o conhecimento, por que ele supõe que a informação fora pode tornar-se uma compreensão dentro, assim o problema epistemológico é um problema de organização do objeto fora para uma compreensão dentro, ou seja, ontológica, uma in-existência (existir dentro).
Será Edmund Husserl (1859-1938), aluno de Franz Brentano, que proporá o método da fenomenologia transcendental, que significa “vasculhar” o fenômeno, recuperando um conceito grego do epoché, colocar todos os conceitos entre parêntesis, e ao mesmo tempo fazer a redução eidética (diferente das ideias que é um conceito do racional-idealismo), através dos conceitos de noese e noema.
Enquanto noesis é o ato intencional ou a percepção imediata do objeto, noema é o conteúdo intencional, ou aquilo que remete a noesis ao objeto, é a possibilidade de conhecimento.
Assim ao relacionar um conjunto de noesis com conteúdos relacionados a um objeto (noema) estamos criando uma fenomenologia existencial, e esta é essencialmente uma hermenêutica.
A covid ainda avança no Brasil
O flagelo da pandemia que poderia ter unido ao Brasil agora transforma o medo em terror, as taxas continuam avançando mesmo que o número de mortes permaneça num platô em torno das mil mortes diárias, com variações para cima e para baixo.
O resultado que dá uma sentença agora é a taxa de contaminação por mil habitantes, e o inverno chega no país na próxima semana, cidades que abriram o comércio começam a recuar, mostra uma política vacilante entre salvar a economia ou reduzir o número de mortes, e a luta política.
A polarização existente desde as eleições ameaça voltar com mais radicalidade, não há um cenário que nos dê esperança, nem de reduzir a mortalidade, que deveria ser prioridade, nem de resolver a crise política que poderia dar um alento e conduzir a uma política forte de isolamento social.
Assim o país vai se tornando o caso mais crítico e contribui para um isolamento internacional, os que queriam salvar a economia ainda não entenderam que uma política séria de combate ao covid minimizaria os resultados econômicos, salvaria vidas e talvez unisse um país cada dia mais dividido.
Não faltam comentaristas no mínimo maldosos, li de um famoso filósofo midiático que depois haverá alegria e euforia, gostaria de acreditar nisto, mas como só o desemprego já é enorme.
Se não houverem mentes sensatas e interessadas em salvar vidas (que também minimiza os custos econômicos) navegaremos em situações confusas e que os dados já mostram, não há nenhum sinal que a convid pode recuar, defendíamos no início de maio o #lockdown, se vier agora virá como medida de desespero, e sem apoio popular, os 3 meses de quarentena mal feita, esgotaram o ânimo da população.
Não é um conflito causado pela mídia, pela oposição ou pela ideologia, é falta de sensatez e sabedoria, colocamos aqueles que estão na frente da batalha: os médicos, enfermeiros e socorristas, além dos trabalhadores de serviços essenciais em situação difícil, cansaram de nos pedir: fiquem em casa, não foram ouvidos.
A esperança é que a própria doença estacionada no platô de mil morte diárias comece a recuar.
Matris in gremio, a relação de sangue e a aórgica
Para entender a digressão 10 de Sloterdijk é preciso entender sua relação com a tragédia, e um texto que certamente é do conhecimento do filósofo é a interpretação que Hörderlin faz da tragédia grega Édipo Rei de Sófocles, onde usa o termo aórgico para a busca de Épico para saber quem é, quando mais busca a consciência menos consciente torna-se em direção a tragédia.
A tragédia é que o pai Laio, havia ouvido do oráculo de Delfos, que o filho o mataria e se casaria com a mãe Jocasta, o rei o entrega a um pastor pobre para mata-lo, mas o pastor o cria e depois ele vai parar nas mãos de Políbio, rei de Corinto que o cria como filho, mas a tragédia se cumpre e depois Édipo mata o rei Laio que era seu verdadeiro pai e desposa Jocasta ao tomar consciência da verdade cega-se, a tragédia tem mais detalhes, aqui é só para entender o aórgico.
Porém Sloterdijk inverte esta história e retoma a mariologia cristã, em sua digressão 10 Matris in gremio (colo ou regaço da mãe), onde após analisar o texto De humanitae conditionis in miseria de Lotário de Segni (1160-1216) que viria a tornar-se o papa Inocencio III, que afirma que o líquido que se alimentaria a criança é o mesmo da menstruação que seria interrompida com a gravidez.
Sloterdijk, mesmo não acreditando que existam religiões (assim ele não tem esta questão), vai dizer “não há dúvida que Jesus, mesmo in gremio, deve ter sido provido de um diferente plano alimentar” (Sloterdijk, 2016, p. 557), e vai usar a Questio 31 do terceiro livro da Summa Teológica de Tomás de Aquino.
O argumento de Tomás de Aquino é que “nem mesmo um sangue melhor teria bastado para gerar o corpo de Cristo, porque, pela mistura com o sêmen humano, ele se torna geralmente impuro” (idem), e “ … a comunhão de Jesus com a mãe deveria realizar-se, ao contrário, por meio de um sangue que merecesse ser classificado como particularmente casto e puro”, e cita Tomás:
“… pois, pela ação do Espírito Santo, esse sangue é recolhido do regaço da Virgem e conformado em feto. E por isso se diz que o corpo de Cristo foi formado pelo sangue mais casto e puro da virgem” (Aquino, Suma Teológica III, 31, 5, 3, SP: Loyola, 2001-2002).
Antes de Tomás de Aquino, João Damasceno que já falamos da pericorese trinitária, vai levar ao extremo esta relação de sangue entre Maria e seu feto, citada assim por Sloterdijk: “Dado que a pericorese sempre implica a primazia da relação sobre o lugar exterior, ou justamente porque a própria relação funda o lugar em que se encontraram os que se interpenetram, o corpo de Maria não pode ser sepultado, após a morte de uma maneira usual” (SLOTERDIJK, 2016, pag. 558).
E assim nasceu a ideai de Maria ter sido levada ao céu, mas também é o nascimento 11 séculos antes de ser aceito, o dogma de sua Imaculada Concepção (que por uso popular tornou-se Conceição), assim “é a própria matriz de Deus que ofereceu miraculosamente ao escultor o material de sua escultura, e a Deus o material para tornar-se homem …” (Damasceno apud Sloterdijk, 2016, p. 558), que assim pré-nuncia a ação aórgica de Maria com Jesus e Deus-Pai, como uma pericorese in extremis (na foto, também usada por Sloterdijk, Virgem com Abertura, final do século XIV, Museu de Cluny em Paris).
SLOTERDIJK, P. Esferas I: bolhas. São Paulo: Estação Liberdade, 2016.
Pandemia: futuro incerto
Após tentativas de controle do isolamento social, de dificuldades para tomar medidas mais duras, agora o Brasil mergulha num futuro incerto: faltam dados, uma política clara e planejamento.
Os dados oficiais dependerão agora da seriedade das Secretarias da Saúde regionais e do trabalho duro dos médicos e hospitais, e o planejamento da responsabilidade de autoridades locais, no plano mais geral há a proposta de uma abertura planejada, porém poderá ser desordenada.
Os dados que se dispõem indicam um aumento durante a semana que passou acima das mil mortes chegando a um pico de 1473, que recuou no fim de semana para o patamar de mil mortes.
A curva que traçamos parece refletir o cenário de instabilidade, embora defasada de 7 a 14 dias, pois as mortes são o reflexo de infecções nos dias passados, elas são os dados reais, pois mesmo que o grau de infecção esteja caindo para baixo de um, uma pessoa infecta outra, isto não significa que o contágio e a letalidade reduziram, no caso brasileiro é preciso entender a interiorização dos casos e os recursos regionais para o combate, como é o caso da Amazônia e regiões pobres.
A pressão dos grupos econômicos para abertura do mercado, a incerteza política e o jogo de alianças que é feito devido este cenário, tiram o foco da pandemia e se desloca ao cenário político, um quadro triste para o país.
Apesar de grandes grupos que realizam ações solidarias, do esforço dos médicos e enfermeiros, a lição que vamos tirando desta pandemia como povo é a pior possível, não temos apreço ao povo simples, nem mesmo com muitas mortes e do cansaço de quase 3 meses de pandemia.
Alguns países sairão melhores da pandemia como nação, o Brasil não, fomos incapazes de unir as forças, de sermos solidários nacionalmente com as dores de um flagelo e incoerentes com nosso amor que declaramos ao país, resta-nos fazer nossa parte e ter esperança que o vírus recue.