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João Damasceno e a pericorese
Mesmo aos que não creem o conceito de pericorese é importante porque torna a ideia de relação algo mais substancial, embora já se admita que o homem é um ser relacional, a relação está cheia de dualismos e interpretações não trinitárias (no caso dos cristãos) e pode levar a indiferença.
Depois de resolvido o dogma trinitário pelos padres capadócios, que explicaram que Deus é Uno e Trino, são pessoas (hipóstase) e mantem a unidade (ousia), Damasceno vai se debruçar sobre a relação entre as três pessoas e cria um termo usado também na filosofia: pericorese, a interpenetração nas relações, isto é a possibilidade de ouvir o Outro não apenas por respeito, que já seria um passo, mas tentando penetrar e entender as razões de seu pensamento.
Foi João Damasceno (675-749) ou de Damasco foi um padre Sirio, que estudo direito e musica e na teologia estudou relação de pericorese ou a relação trinitária, o termo emerge propondo a articulação entre a unidade e a comunhão na Trindade, parece simples dizer isto, mas difícil de entender e praticar, pois a maioria das relações excluem o Outro que é diferente, seja ele de cor, raça, credo ou cultura, muito a frente do seu tempo João Damasceno era amigo dos sarracenos, mas tarde a igreja católica o tornou santo.
No seu percurso teológico histórico procurou buscar algo que explicasse a relação, que estive de acordo com aquilo que as escrituras diziam de Deus e sua relevância na história: a articulação entre o conceito de Deus que é trino e uno, mas sendo cada um, uma pessoa singular (prosopon) e Deus, João estruturou a via intra-trinitária, a partir do conceito grego de pessoa: hipóstase.
Na palavra grega significa hypo, o que é sub, debaixo, e stasis, o que está sub-posto, como se fosse um suporte, porém como relação divina este conceito devia ser ampliado e explicado.
O termo pericorese emerge nesta Teologia Patrística, como a articulação entre unidade e comunhão da Trindade, mas indo além, assim o Pai é uno no Filho e o Filho uno no Pai, e ambos unos no Espírito Santo, assim há uma interprenetração, é mais que pura relação, é Ser no Outro.
O problema de algumas interpretações religiosas é a relação estática dos três, que é a relação dualista que vem da filosofia idealista, onde sujeito e objeto estão separados e são relacionais por um tipo de transcendência, que na verdade nada tem a ver com o mistério Divino nem é religiosa.
O mistério divino tem a ver com o período Pascal, morte e ressurreição numa relação trinitária, na filosofia há algo semelhante que é a epoché, a suspensão de conceitos (ou juízos religiosos) porém colocados entre parênteses, gera assim uma abertura que permite a relação, e como resultado que cada pessoa é compreendida, ela não perde sua identidade e é capaz de entender o Outro.
Numa ascese espiritual mais profunda é o esforço de entender e amar o Outro que é diferente, que não é meu espelho, não tem os meus conceitos e juízos, não classifica o mundo como eu, a grande tragédia de nossos dias é a falta de pericorese, e assim de relações trinitárias.
Penso que a pandemia nos mostra isto, mesmo tendo uma grande dor que mata a todos e que sensibiliza muita gente, que abre o coração para olhar o sofrimento do outro, há aqueles que se fecham em grupos, ideias e esquemas para não olhar a dor, a fome e o desespero que a pandemia gerou, ou acordamos juntos ou perecemos juntos, ficar na nossa trincheira é não relacional.
Translatio studiorum e as técnicas da escrita
O longo período que foi desde o início da escrita registrada, a scriptura, até o surgimento dos copistas, chamado de oralidade mista, é chamado de translatio studiorum, onde a própria escrita vai passar por muitas variações técnicas, e nelas se destacam São Jerônimo que compilou e elaborou a primeira versão da Bíblia.
Neste período se destacam os chamados padres capadócios, Gregorio de Nissa (335, morto em 394), seu irmão Basílio, o Grande, e Gregório de Nazianzeno, cuja escrita é importante para o que tanto Hannah Arendt quanto Byung Chull Han vão analisar na vita activa, e aqui liga-se a informação em tempos de novas mídias, mas será feito no decorrer da semana.
Translation Studiorum, período de transferência de saberes, de uma época para outra quando as técnicas da cultura estão variando, e assim sua antropotécnica, entre diferentes culturas e religiões, sobretudo no Ocidente e no Oriente Médio, onde há a cultura do originária do livro das três grandes religiões abraamicas (vem do Pai Abraão), o Alcorão, a Torah e a Bíblia.
O translatio corresponde assim ao período de auge e decadência do pensamento greco-cristão, que possui mais enlaces do que é aparente, e que seria preservado e teria continuidade no mundo ocidental sob a forma de uma doutrina filosófica dominante e influente a trinitária e neoplatônica.
De Trinitate de Santo Agostinho é tão revelador quanto seu popular livro Confissões, e a influência de Plotino tanto não pode ser negada, como não pode ser supervalorizada, não é negada porque a concepção de Uno da alma em Plotino é essencial, e supervalorizada porque a conversão de Agostinho o desloca do centro deontológico de Platão, o Sumo Bem, para o ontológico: o Ser pessoa e trinitário do pensamento cristão.
Porém os padres capadócios trazem conceitos que podem ser explorados a luz do pensamento atual, Ousía (οὐσία, pronúncia correta é “ussía”), é traduzida um substantivo da língua grega dando origem a essência e substância, mas sendo feminina e conjugação no particípio presente do verbo “ser”, a interpretação heideggeriana é “presente” ou presentidade (ser-presente).
Também exploraremos o sentido da palavra hypostasis, do grego prosopon, vem da teologia grega com o significado de pessoa, e em articulação com o ousia dá um sentido ao trinitário.
A dignidade humana e convicções aceitáveis
A morte por asfixia do afro-americano George Floyd pelo policial branco Derek Chauvin chocou o mundo e desencadeou uma série de manifestações violentas em todos Estados Unidos, incluindo no dia de ontem a capital Washington, ao mesmo tempo que no Brasil a acusações e manifestações entre grupos a favor e contra Bolsonaro crescem.
No caso brasileiro são as palavras destemperadas do presidente, e uma reunião de ministros que tornou-se um escândalo público pela maneira como foram tratadas questões sérias de estado, em um momento de pandemia que deveria ser motivo de união, o palco político vai aquecendo.
Não era a linha de raciocínio deste blog, mas não se pode omitir quando se percebe o grave momento no cenário mundial e nacional, e dois pontos devem ser considerados, sem esquecer que a pandemia deveria ser o nosso principal foco, mas a gravidade nos obriga a tocar nestes pontos.
No caso americano, a própria família de Floyd através da autópsia esclareceu a morte por asfixia e assim pediu que fosse considerado homicídio culposo, quando há intensão de matar e não doloroso quando não há intensão, Derek Chauvin o policial que o matou já tinha 20 queixas e duas cartas de repreensão.
No caso brasileiro, há diversa manifestações em defesa da democracia e dos princípios que regem a carta constitucional brasileira, pessoalmente assinei um que chama a todos os democratas de diferentes convicções a defender estes princípios.
Quero ressaltar que tanto no caso americano, onde o irmão de Floyd agradeceu o apoio e pediu para que os atos fossem pacíficos, como no Brasil também considero fundamental o combate a violência e o respeito aos poderes constitucionais em manifestações contra o autoritarismo.
Platô do corona no Brasil
Defendemos aqui o uso de LockDown, sendo que na semana passada já seria tardio, agora o que a curva mostra é um platô em 1 mil mortes durante 14 dias (sem o LockDown a curva alongou), dependo de quando começará a cair é que se pode avaliar a extensão do platô e a perspectiva de queda, como foi feito um feriadão a uma semana, com resultado pequeno, espera-se alguma resposta em uma semana.
A perspectiva será de uma queda tão lenta quando a subida, contando só a partir de março para ficar fácil a projeção (março, abril e maio) teremos a retração da curva só em agosto (junho, julho, agosto) que coincide inclusive com o final do inverno, assim a “nova normalidade”, pois não há como prever o que pode acontecer depois inclusive se houver uma segunda onda de infecção, só mesmo em setembro.
Qualquer plano que pretende uma abertura maior, que conte com a colaboração e educação da população que não aconteceu até agora, é uma aventura, um mergulho no escuro.
O sensato seria permitir abertura de comércio com severas restrições e punições, a colaboração é de metade da população no máximo, o que é insuficiente para conter a contaminação, e contamos ainda com a desinformação as vezes auxiliadas por governantes.
Sairemos da pandemia mais divididos que antes, com a moral baixa porque não fomos liderados e nem tivemos capacidade de nos unir, e procurar culpados vai ser pior do que a própria pandemia porque teremos que enfrentar uma situação económica grave a seguir.
Ter esperanças que alguma lição tiremos disto, os milhares de médicos, enfermeiros, auxiliares, motoristas, socorristas e seguranças que ajudaram a salvar vidas, a solidariedade de quem socorre a população desempregada e as instituições que lutam para manter este socorro.
Podia ser pior, sim se não houvesse o isolamento social e os hospitais de campanha que ampliaram a capacidade do sistema de saúde, se não houvesse a ajuda emergencial para os desempregados e trabalhadores informais, além da ajuda do bolsa-familia, mas fica no povo a impressão que faltou uma decisão mais firme de um isolamento social maior.
A pandemia não passou, e a queda da curva vai depender da população e da vigilância.
O que é espírito e transcendência hegelianos
Já fizemos vários posts para explicar que a transcendência de Kant nada mais é que a separação de sujeitos e objetos, porém Hegel completa e sistematiza toda esta filosofia em Fenomenologia do Espírito, obra que influenciou profundamente as filosofias do direito, da história, da estética e da religião, o próprio Marx e muitas correntes que daí derivam, não escaparam disto.
Também já fizemos posts sobre a questão da consciência histórica de Gadamer, crítica as ideias principalmente de Dilthey sobre a história, agora analisemos o “espírito” em Hegel.
Primeiro como o nome diz é uma fenomenologia, portanto não um conjunto de fatos ou mesmo de realidades tangíveis, mas um conjunto de fenômenos colocados sob um certo esquema (veja ao lado).
Hegel entende a história, a arte, a religião e a própria filosofia como fenômeno objetivo, e como tal (ou seja, um objeto) está direcionado ao espírito para um autoconhecimento.
Sua capacidade de síntese, fará que sua história da filosofia, com esquemas e elementos específicos sobre a transcendência e a metafísica na filosofia, deem força ao seu pensamento, e a Fenomenologia do Espírito é central para este esquema.
Para entender o que ele pensava como fenômeno, é preciso entender o que ele chama de “consciência natural” que era o que abria caminho para o conhecimento filosófico, e é por ela que vai fazer uma leitura da história da filosofia e assim elaborar o que é conhecimento.
Só para fazer um contraponto, por isso Husserl vai dizer ao contrário, que só existe consciência de “algo”, enquanto Hegel constrói esta categoria como sendo “natural” e nela está a objetividade.
Mas o “natural” de Hegel não é só natural e sim histórico, portanto, sua introdução a um sistema de filosofia, é construído no percurso histórico do pensamento, parece “natural”, mas é sua ideia de filosofia da história.
O que está escondido por trás deste esquema é o que Nietzsche vai chamar de genealogia da moral, mas depois surgiram outras genealogias a viragem linguística a partir de Wittgenstein por exemplo, vai ver os objetos na sua relação com os outros: “também não podemos pensar em nenhum objeto fora da possibilidade de sua ligação com outros” (Wittgenstein, Tractatus, 2.0121).
Para entender o que é Espírito em Hegel, e que influencia profundamente as concepções de artes, história e religião de hoje, são as formas correlacionadas a uma ideia de subjetividade absoluta, portanto “fora” do objeto, e relacionada a ela por um tipo especial de lógica essencial que leve ao conhecimento da realidade, por isto não é um realismo fenomenológico como vê Husserl, está separado da existência na “ontologia” de Hegel (ramo superior do esquema acima).
O espiritual e transcendente em Hegel é “o mais interior, do qual toda a construção do mundo espiritual ascende”, era aquilo que Marx chamava do “céu para a terra” e que ele (Marx) a inverteria, construindo assim uma história da filosofia, e dizia que se tratava de “colocar em ação” a filosofia, porém, a separação de sujeito e objeto permanecerá, assim espiritual é um tipo de Espírito Absoluto da Religião (veja também no esquema).
Entre a essência e o Ser
Como o dualismo permanece presente hoje, se concebe a essência por analogia ao Ser, e esta também era a doutrina tomista, ela permaneceu como uma onto-teologia até o século XX, foi preciso todo um percurso da fenomenologia para encontro o Outro, o não-Ser não como contradição, que o fim do dualismo entre Ser e essência iniciasse.
A longa discussão do período medieval entre realistas e nominalistas, tinha como base um termo hoje desconhecido que era a quididade, que significa que coisa a coisa é, desde a hylé grega até os modelos modernos da metafísica de Heidegger, onde a coisa que pode ser material ou não, e também o que pensamos sobre ela, na linha de Husserl só existe consciência de algo, ou da coisa.
Mas existiu um filósofo na idade média, Duns Scotto (1266-1308) que não fazia distinção entre a coisa que existe (si est) e o que ela é (quid est), e teologicamente era complicado pois a tese de Tomás de Aquino (1225-1274) era pela analogia, ou seja, o significado de semelhança entre coisas ou fatos (dicionário Houaiss, 2009, p. 117), e os religiosos sempre apressados cuidado porque no século XX Duns Scotto foi aceito dentro da doutrina cristã católica, tornando—se beato (João Paulo II o declarou).
A sua teoria do conhecimento usava as duas distinções conhecidas distinctio realis (distinção real) e existe entre dois seres da natureza, e a distinctio rationalis (distinção de razão) que se dá entre dois seres, mas na mente do sujeito que conhece, mas rompe o dualismo ao criar uma terceira possibilidade a distinctio formalis (distinção formal) que se dá no ente percebido e não é nem real e nem na mente.
Assim além de seu discípulo William de Ockham, famoso pelo princípio a simplificação chamado Navalha de Ockham, mas de certa forma Descartes, Leibniz, Hobbes e Kant tiveram sua influência.
Porém a recuperação de Duns Scotto é fundamental para superar o dualismo nominalismo/ realismo e a superação do puro realismo pelo hermenêutica filosófica, e assim também o correspondente moderno do nominalismo que é a viragem linguística faz sentido e abre diálogo.
Não é, portanto, a afirmação do realismo nem do nominalismo, mas o fato que podem dialogar dentro de um círculo hermenêutico é que importa, a recuperação filosófica do nominalismo na viragem linguística, e na fé cristã do nominalismo de Duns Scotto não é sua verdade, mas sua importância para o diálogo filosófico.
Em tempos de pandemia seria muito mais importante a fraternidade de socorrer vítimas, que o debate ainda incerto da ciência e das “crenças” que este ou aquele procedimento é certo, em ambientes hostis quem venceu foi a morte, assim dogmáticos e autoritários só atrapalharam.
A fenomenologia e as hermenêuticas históricas
Qualquer leitura por mais simples ou complexa que seja envolve uma interpretação, e em qualquer que seja a cultura do interpretante ela está fundamentada na linguagem, em especial a escrita para povos que ultrapassaram a linguagem oral, assim se fala da interpretação de textos.
É claro que o imaginário e as diversas linguagens, por exemplo, agora as midiáticas, tem uma influência diferenciadora, porém ainda estarão fundadas naquela escolarização primários dos diversos interpretantes e ainda é na escola primária a interpretação de textos.
Já dissemos no post anterior que ela começa com a maiêutica (ato de parir ideias) de Sócrates, não por acaso o nascimento da escola como conhecemos hoje, depois vieram a acadêmica platônica e o liceu aristotélico, o longo período chamado de “translatio studiorum” da baixa e alta idade média, até chegar a prensa de Gutenberg e a escola moderna, vinculada ao iluminismo moderno.
A hermenêutica contemporânea, cujo ponto de partida para diversos autores é Schleiermacher (1768-1834) foi contemporâneo de Hegel, porém com influencia direta de Kant e Fichte, não optou pelo subjetivismo idealista, e como religioso luterano, também fugiu da ortodoxia católica.
Porém a hermenêutica vai encontrar outro solo em Franz Brentano, que até romper com a visão escolástica católica (ele foi inclusive um clérigo), em 1871, ele faz uma reinterpretação da intencionalidade escolástica-aristotélica “a in-existência intencional” (a referência é de Safranski) distinguindo dois modos de ser: o esse naturale, ser natural ou real situado fora independente do sujeito que o percebe, e o esse intentionale, o ser mental ou intencional dos objetos que existem imanente ao sujeito que o conhece.
Esta digressão filosófica é importante para entender que em Franz Brentano e depois em Husserl, a hermenêutica passou por uma mudança profunda, conservando sua raiz ontológica, mantendo assim a relação a um conteúdo, porém mergulha na questão mental ou psicológica.
Husserl aluno de Franz Brentano vai provocar outra mudança na hermenêutica agora na direção da crise epistemológica da ciência em meados no início do século XX, Husserl responde com uma ruptura ao dualismo kantiano entre o objeto e o sujeito cognoscente, com uma pergunta: “eu existo, logo todo o não eu é simples fenômeno e se dissolve em nexos fenomenais?” (HUSSERL, 1992, p. 43).
A evolução deste pensamento passará por Heidegger, aluno de Husserl, que em o Ser e Tempo (1986), explicando que estas elaborações desde Platão e Aristóteles estavam presas aos fenômenos naturais: “A representação dominante no Ocidente da totalidade da natureza (o mundo) foi, até ao século XVII, determinada pela filosofia platónica e aristotélica …” (pag. 86) e que agora a questão do Ser deveria ser retomada, é assim um passo grande na hermenêutica filosófica.
A maturidade deste pensamento, elaborando o método do círculo hermenêutico é desenvolvida por Gadamer, para quem interpretar “… não é tomar conhecimento do que se compreendeu, mas elaborar possibilidades projetadas na compreensão”, é assim uma abertura nos pré-conceitos.
Referências
GADAMER, H.-G. Verdade e Método. Petrópolis: Editora Vozes, 1999.
HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. São Paulo: Vozes, 1986.
HEIDEGGER, M. Que é uma coisa? Lisboa: Edições 70, 1987. (pdf em inglês)
HUSSERL, E. A ideia da fenomenologia. Lisboa: Ediçoes 70, 1992
A verdade, o método e a vida
O conceito contemporâneo de verdade, embora bastante preso ao logicismo e idealismo, nasce da maiêutica de Sócrates, técnica de valorização do diálogo para a parturição (vem de parto) de ideias que são consolidadas de acordo com as condições concretas do conhecimento (diz-se material, mas o hilé grego é algo diferente de matéria hoje) onde se questiona o que é inabalável e absoluto.
Entre as verdades modernas fortemente influenciada por Hegel, há uma dose elevada de subjetivismo, dita da seguinte forma em Fenomenologia do Espírito: “… tudo decorre de entender e exprimir o verdadeiro não como substância, mas também, precisamente, como sujeito. Ao mesmo tempo, deve-se observar que a substancialidade inclui em si não só o universal ou a imediatez do saber mesmo, mas também aquela imediatez que é o ser, ou a imediatez para o saber. […] “, assim parece referir-se ao Ser e ao Espírito, porém é subjetiva e fluida.
O que resultou do hegelianismo foi a formulação da ideia de Poder exercída pelo Estado e dela decorrerá grande parte das formulações modernas, até chegar ao relativismo geral, ou seja, em termos rudes “cada um tem a sua verdade”, retornamos a doxa grega, a mera opinião.
Torna-se necessário assim discutir o método, porém também as metodologias modernas estão penetradas de dogmatismo, a mera repetição de conceitos abstratos, a construção lógico-teórica de teorias formais, o empirismo, segundo Popper o maior perigo da ciência moderna, e a base da retórica idealista: a verdade abstrata.
A hermenêutica inicialmente e mais tarde a círculo hermenêutico a partir de Heidegger e consolidado em Verdade e Método de Hans-Georg Gadamer, reconstrói uma maiêutica moderna, onde não só o diálogo se viabiliza, como também a possibilidade de uma fusão de horizontes torna-se possível, inclusive em diálogo com a ontologia clássico e a historicidade moderna.
O método hermenêutico tem profunda relação com a vida, o Lebenswelt de Husserl, é eficaz para o diálogo com visões de mundo diferentes, assim favorece a relação ente pessoas que expressam culturas diferentes, e assim é crucial para a interpretação de textos nos campos do direito, da teologia e da literatura, sem fundamentalismo e falsa ortodoxia que esconde o erro e a doxa.
A hermenêutica numa relação pandêmica faz pessoas agirem juntas mesmo com uma leitura política, médica e social diferente, é ela que ajuda discursos distantes a se solidarizarem pela vida, o bem comum e no futuro próximo traça planos para a recuperação da sociedade pós-traumática.
Pandemia e poder
Uma situação de catástrofe se enfrenta com solidariedade, compaixão com os que a sofrem diretamente, apoio aos que devem enfrenta-la de frente e principalmente com todo apoio daqueles que podem e devem dar condições para o enfrentamento da catástrofe.
É também uma situação nova, que exige que todos revejam ações, conceitos e o próprio estilo de vida pode e deve mudar, aqueles que se comportam tentando evitar a nova rotina, atrapalham o enfrentamento da catástrofe e a pioram pessoal e socialmente.
Tudo isto envolve poder, os poderes centrais e os micro-poderes, o filósofo Foucault desenvolveu o conceito de biopoder, ou seja, o controle dos fenômenos coletivos a partir dos processos de natalidade, longevidade, mortalidade e fecundidade, já em filosofia recente Byung Chul Han criou o conceito de psicopoder, aquele que através das mídias e da comunicação controla o meio social.
A pandemia parece ter conjugado os dois, e ainda mais aprofundado a antropologia humana no seu retorno a casa, usa tanto a questão do controle da mortalidade como a comunicação, em especial a digital, para tarefas, compras e trabalho em casa, assim como o controle pelo poder.
As instituições do estado são mobilizadas, assim o Estado Moderno entra em cena, para solidarizar ou para abrir suas contradições ao meio social, hospitais, instituições de ensino e meios de comunicação de massas são todos mobilizadas pelas forças do poder.
Aparecem as faces mais fraternas e mais hostis do modelo idealista, na ânsia de substituir a saúde e o poder da solidariedade intrinsicamente fraterna da família, da espiritualidade e do bem-comum social ele poderá apontar para uma saída ou colocar o conjunto da vida em xeque.
O poder religioso também está em xeque, com os templos fechados ou dão respostas sérias e concentras ou ficam no subjetivismo espiritual de frases e chavões conhecidos que não explicam nem resolvem nada, o dualismo subjetivismo/objetivismo desmorona e pedem um transcendente.
Na leitura cristã de João (Jo 15,15) pode se ler: “Já não vos chamo de servos, mas de amigos pois o servo não sabe o que faz o seu Senhor”, e isto é fundamental numa pandemia, e gera solidariedade.
E para aqueles que vão além da amizade e geram o amor fraterno, há uma promessa divina que consola e nos fortalece neste momento (Jo 14,21): “Ora, quem me ama, será amado por meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele”, e terão paz interior para enfrentar a guerra exterior que a pandemia gerou.
A pandemia e o sinal de Jonas
Nínive (atual Mossum) foi uma das maiores cidades durante o reinado dos assírios, para os padrões da época tinha mais de 100 mil habitantes e era bastante alargada já que a Bíblia revela que Jonas levou 3 dias para explorá-la e pedir a mudança de conduta de seus habitantes.
A data em que aconteceu a pregação em Nínive é incerta e o próprio autor do livro que leva o nome deste profeta também é desconhecido, mas como se refere ao reinado de Jeroboão II como rei de Israel, a data deve estar entre os anos 700 e 742 a.C., pela escrita do texto num aramaico típico do hebraico tardio, tanto em estilo como em gramática, é pós-exílio o que significa entre 722 e 742 a.C.
Do final do século XVII a.C. (quando o Império Neoassírio caiu), até meados do século VII, era uma entidade geopolítica, governada por outros povos, os assírios eram conhecidos por sua impiedade e violência, onde podia-se até matar por dívida, e a narrativa bíblica disse que o profeta Jonas que devia pregar e pedir a mudança e conversão do povo, teve medo de fazer sua missão.
Não se sabe ao certo qual era a praga que poderia vir ao povo ali, mas o povo incluindo o rei todos mudaram de atitude e se converteram, e a praga não aconteceu naquela região, a pandemia atual já tem o seu sinal de mudança de hábitos e a exigência da solidariedade com todos, mas há ainda aqueles que pensam que a pandemia vai passar sem nenhuma mudança de atitude.
Os livros de história não registram exatamente qual foi a mudança, mas foi durante o governo de Assurbanipal, filho Assaradão, que faleceu em 667 a.C., que a Assíria viveu seu período mais profícuo, construindo inclusive a primeira Biblioteca da história, justamente a Biblioteca de Nínive, que é onde se encontram os milhares de textos (crônicas, cartas reais, decretos, religião, mitos e muitos outros) escritos em tabuleta de barro cozido.
A mudança que precisamos não apenas para evitar o número de mortes que cresce, vai desde hábitos pessoas até a preocupação com a alimentação e manutenção de vida dos que já não tinham emprego, os que agora não tem e os que devem perder com o crescimento da pandemia.
Para os que creem devem também repensar em que creem e vivenciar o que creem, senão é só uma lenda ou fábula contada como uma bela estória.