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Arquivo para a ‘Ciência da Informação’ Categoria

Alma, Mundo e unidade

08 jul

Há alguma coisa em nossa consciência que não podemos definir exatamente o que é, um espírito, um mecanismo de decisão, uma “visão de mundo”, o certo é que o que chamamos de interioridade tem uma camada profunda que os filósofos da antiguidade clássica chamaram de “anima”, aquilo que dá vida, que anima e que é em ultima instância também uma visão de mundo.

Queiramos ou não, temos na interioridade, uma “anima”, já o filósofo pré socrático Pitágoras (580-496 aC) acreditava na metempsicose que era a transmigração da alma de um corpo para o outro após a morte, e assim na sua cosmovisão acreditava na imortalidade da alma.

Também Plutarco foi autor do “Consumo da Carne”, tema que não apenas fala da alma, mas inicia uma separação entre a corpo da carne e a alma imortal.

O tema é aprofundado por Platão em A república, a sua anima mundi (“alma do mundo, do latim antigo tinha outro sentido que era o “psyché tou pantós”), tem a cosmovisão de uma alma compartilhada ou força regente do universo pela qual o pensamento divino pode se manifestar em leis que afetam a matéria, assim há uma força imaterial, que é ao mesmo tempo inseparável da matéria, que provê forma e movimento.

A sua doutrina não foi endossada por Aristóteles, que em sua obra De anima, aproxima-se mais de conhecimento ou intelecto ativo, do qual partirão reflexões das escolas estóicas e neoplatônicas, assim a ligação indireta entre Plotino e Platão passa por Aristóteles.

Plotino (205-260) será um raro filósofo da antiguidade a tentar um conceito não dualista de alma, a alma una descrita em sua obra Enéadas, parte do conceito de hipóstase que procede do poder criador, que na verdade é uma terceira hipóstase, um “nous” que gera a alma do mundo.

Entre os pensadores medievais que mantiveram as ideias de anima mundi estão Ficino, Pico dela Mirandola e Giordano Bruno com ensinamentos herméticos, os plantonistas de Cambridge, os vitalistas alemães Angelus Silesius, Goethe e Schelling, que tiveram grande influência em Bergson e através dele Vladimir Vernadsky e Teilhard de Chardin.

Schelling escreveu Da Alma do Mundo (1798), apesar da influência idealista guardava uma cosmovisão tentando unir a natureza orgânica e inorgânica conectando-a num continuum.

A noosfera é aqui a ideia que uma “alma mundo” pode cooperar com o mundo contemporâneo não sendo possível uma visão totalizante, a visão de mundo do planeta como “casa comum” e que tem uma “alma mundo” presente e que pode sustentar uma cidadania planetária.

Roger Scruton (75 anos) é um autor contemporâneo que aborda de modo polêmico o tema.

 

Democracia ou política identitária

01 jul

Tão logo se popularizou o termo, inicialmente política identitária, aquela dos gêneros, raças e culturas que buscam algum respeito e direitos, não faltaram aqueles que apressadamente já se lançam sobre o tema e não aprofundam a questão
Entre os que aprofundam o tema, está o cientista política e pensador americano Mark Lilla, cuja especialidade é a história da intelectualidade, já que falar em filosofia não é mais comum, professor da Universidade de Nova York, tem um dos artigos mais lidos sobre o tema, e tem um vídeo de sua participação no Fronteiras do Pensamento.
Faz três perguntas essenciais: o que é democracia hoje? Como os jovens encaram seus ideais? Como a solidariedade se tornou uma defesa radical da individualidade?
Esta última parece estranha, mas não é, postamos inúmeros comentários sobre o idealismo e a sua profunda influência na cultura contemporânea, a história intelectual de Mark Lilla vai num outro caminho, mas não deixa de tocar esta questão essencial: o individualismo.
luta pela igualdade conquistou direitos e transformou a sociedade de forma louvável e inquestionável. Até que algo mudou. A busca por um mundo melhor passou a ser a luta para que o mundo me reconhecesse.
Mark Lilla explica as mudanças geradas por este novo paradigma. O que é democracia atualmente? Como os jovens encaram seus ideais? Como a solidariedade se tornou uma defesa radical da individualidade?
Seu artigo mais lido no ano passado no New York Times, enfatiza que as identidades e as bandeiras de grupos minoritários, a chamada política identitária abraçada pelo Partido Demorata, é a principal responsável pelas seguidas derrotas da esquerda nos Estados Unidos, estaria certo ? se olharmos as eleições brasileiras creio que está certo.
Antes de mais nada não se trata de abandonar estas justíssimas bandeiras, mas repensá- las para tornar o progresso da humanidade de novo possível e evitar um retrocesso.
Segue o vídeo de Mark Lilla, lembrando que as legendas podem ser ativadas:

 

A gratitude, a questão da ciência e do senso comum

22 jan

Uma pessoa pode ser grata, sem entender os objetivos de sua gratidão, mas não entenderá os objetivos se não conhecer as verdadeiras motivações da gratidão, isto quer dizer, permanecer na gratidão pode ser livre de conhecimento, mas ter gratitude (torná-la um hábito saudável) exige ir além do simples ato gratuito, conhece-lo e cultivá-lo para co-laborar em sociedade.
Assim é preciso separar o senso comum, que é apreciável, do conhecimento objetivo que é dissecar o objeto de conhecimento que pode ser feito tanto de forma indutiva quanto intuitiva, ambos caminhos são válidos, assim não é preciso ciência convencional, mas intencional.
Falar de ciência é preciso falar de Karl Popper, também ele especulou sobre estar coisas, afirmava sobre o senso comum é válido, mas sustentar as verdades deste é algo maior.
Mas o conhecimento objetivo dizia ele, era uma eterna busca de sua vida, em suas palavras: “Os ensaios deste livro rompem com uma tradição que pode ser rastreada até Aristóteles – a tradição dessa teoria do conhecimento, de senso comum. Sou grande admirador do senso comum, que, afirmo, é essencialmente autocrítico”, ou seja, não se trata de negá-lo.
Porém para sustenta-lo como verdade é preciso mais: “… se estou disposto a sustentar até o fim a verdade essencial do realismo do senso comum, considero a teoria do senso comum do conhecimento como uma asneira subjetivista. Essa asneira tem dominado a filosofia ocidental”, entenda-se por sentimentos, paixões e mesmo sustentar questões não objetivas.
E avança: “Tenho tentado erradicá-la e substituí-la por uma teoria objetiva do conhecimento, essencialmente conjectural. Isto pode ser uma pretensão audaciosa, mas não peço desculpas por ela” (Popper, 1975, p. 07).
A divisão em três mundos feitas por Popper mostra uma fragilidade em sua teoria, ao separar o conhecimento em três mundos: P1 o mundo da natureza (ou físico, no sentido da physis), o mundo das mentes (Mundo 2) e o mundo das ideias (Mundo 3), prioriza este último.
Numa solução para um problema, a pessoas podem atacar ou acatar a solução encontrada, mas não a pessoa que a apresentou, assim dá um valor maior que o mundo das ideias (Mundo 3) têm para Popper, ao invés do Mundo das mentes (Mundo 2) que as desenvolveram.
A gratitude é justamente o oposto, pois é mais importante as mentes que desenvolvem as soluções ao problema (Mundo 2), do que as ideias que as impulsionam (Mundo 3), ainda que o subjetivismo, ou seja o que é próprio do sujeito, possa também ter fragilidades.
O que abraça estes três aspectos que são distintos: Natureza, Conhecimento e Ideias, são aspectos ontológicos, pois os três são próprios do Ser, a gratitude é um destes aspectos.

Em tempos de pandemia é bom lembrar de Popper porque ele dizia que é científico o que pode ser refutável, e o que temos hoje é um “afirmacionismo” ou “negacionismo” ambos anti-científicos.

POPPER, K. Conhecimento objetivo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1975.

 

Aporética e maiêutica digital

10 dez

No período pré-socrático, a filosofia chamada sofista tinha como pressuposto criar discursos para favorecer os governantes e isto logo levou a democracia grega a definhar e a um relativismo moral, Sócrates que viveu no séc. IV a.C. propôs um método para enfrentar isto que foi desenvolver a maiêutica, um método de perguntar que desenvolvia o logos.

Porém o estado aporético que de vivia era necessário mais que perguntar, um interlocutor devia abandonar seus pré-conceitos e o relativismo das opiniões exigia algo mais do que apenas perguntar, algo que fizesse um parto no pensamento novo, daí o nome maiêutica que era a arte de parir, assim não se tratava de “criar” conhecimento, mas de o parir.

Não há dúvida que o meio digital tornou-se torcidas de “opiniões”, a doxa como chamava os gregos, mas pode-se parir e indagar no meio digital ? é possível uma maiêutica digital, o caso não é apenas o modo como torcidas (claques em Portugal) se organizam, mas como são manipuladas por sofismas, hoje atualizada como “fake news”.

O sofisma existe na história, nunca deixou nem deixará de existir, em tempos digitais o problema é o processo viral, mas os grupos editoriais através de jornais e canais de TV já fizeram isto e sempre houve uma maiêutica que se contrapôs a manipulação aos fatos.

Retornemos ao método de Sócrates, este não tinha inicialmente saber algum, não fazia seus juízos segundo a tradição, os costumes, as opiniões, nem era dono de um episteme, ou um método elaborado, apenas perguntava, o problema hoje é que as questões são amplas e a modernidade já criou um saber “organizado” (no sentido sistemático e não como verdade), mas podemos usar isto para uma nova maiêutica digital, repelindo discursos equivocados.

Penso que não por acaso que a Inteligência Artificial esteja evoluindo, mas a inteligência prática, a phronesis unida a techné e a própria práxis (que é, portanto, uma parte da prática) poderão ajudar, então o discurso de Martha Nussbaum faz muito sentido.

Muita gente fala em manter o “foco” (mas ele pode estar errado) ou inteligência emocional, que desligada de uma sabedoria prática (a phronesis) pode cair em paralisia ou alienação.

Tudo o que temos hoje não é devido o mundo digital, embora afete o mundo, ele é um complexo meio e por isto é incorreto vê-lo como causa final ou inicial, nem mesmo foi a revolução industrial que causou isto, mas o conjunto de valores e sentimentos construídos na sociedade moderna, que nada mais são que uma forma de ser-no-mundo, um dasein como Heidegger mostrou.

Os recursos digitais parecem bem-vindos, mas ainda temos a barreira dos pré-conceitos, uma hermenêutica humana elaborada é necessária.

 

 

Disrupção, sabe as palavras mais usadas?

04 dez

Para que vocês usam hashtags? para expressar um pensamento, fazer pressão ou para criar “torcidas”?
O ano 2018 será marcado por diversas disrupções, entre elas a inteligência artificial que chegou para ficar, você pode pensar que ela está longo, mas aonde há mais código não é nem no celular no facebook, mas no carro, por isto é uma disrupção.
A segunda é o uso de palavras no Instagram que tornaram-se comuns e nem todo mundo conhece, a hashtag #instagood deveria ser usada só para as melhores fotos, mas os usuários acabaram usando tanto que é a segunda palavra mais usada no Instagram (com número de uso de 574.190.28, abaixo apenas de #love que passou de 1 bilhão.
A terceira no Instagram também é pouco conhecida e comprida: #photooftheday, mas se ler direitinho vai ver que é simples: a foto do dia, mais de 407 milhões, se for unida a outra palavra usada no mesmo sentido # picoftheday provavelmente seria a segunda.
Será um pouco difícil saber qual foi a palavra “da moda” em 2018, mas em Portugal por causa de um programa de humor “Gato Fedorento”, a palava “esmiuçar” conhecida dos brasileiros, aqui entrou na moda em 2009, por causa do excelente humor Ricardo de Araújo Pereira, prometi ler ele o ano passado (vejam meu post) e não me arrependi.
Ainda não há uma palavra eleita, a iniciativa em Portugal é da Porto Editora, há votações no site www.palavradoano.pt até dia 31 de dezembro, portanto só no ano novo saberemos.
Em inglês eu leio em sites que entraram na moda o “perf” de perfect e a “lineswoman”, o nosso juiz de linha em inglês seria o árbitro do futebol americano, creio que pode significar mulheres decididas ou tomar decisão.
No Brasil, fake news foi muito usada, além dos usos eleitorais de #elenão e #mito, nada mais despolitizado, deu no que deu, nem mesmo o futuro governo tem um futuro claro a frente.
A evolução de situações de fundamentalismo religioso em todo mundo, e talvez agora também no Brasil poderá criar uma nova palavra, mas sem dúvida há um retorno ao nacionalismo e às fundamentações religiosas sem precedentes na história, até o pacífico budismo está afetado.
Que palavra foi usada para isto, além de fundamentalismo? Por enquanto nenhuma. Que palavra foi usada para o retorno ao nacionalismo, até na Europa? Nenhuma, então minha conclusão em meus posts, há um problema de diagnóstico, a palavra seria noite do pensamento, uso então uma palavra grega: Aporia.

 

O caso do nascimento de Jesus

03 dez

É dogma cristão que Jesus era Deus, e se de fato ressuscitou então o era, mas o fato que nasceu não é dogma, apesar de controversas no texto bíblico de Lucas (2,1-5), houve um recenseamento em seu tempo e ficou registrado.
“Naqueles dias apareceu um edito de César Augusto, ordenando o recenseamento de todo o mundo habitado. Esse recenseamento foi o primeiro enquanto Quirino era Governador da Síria. E todos iam-se alistar, cada um na própria cidade. Também José subiu da cidade de Nazaré na Galiléa para a Judéia, na cidade de Davi, chamada Belém, por ser da casa e da família de Davi, para se inscrever com Maria, sua esposa, que estava grávida”.
Mas a controversa não é o Censo e o nascimento de um menino chamado Jesus, e sim o fato que quando Quirino era prefeito da Síria e Herodes rei da Judéia, lembre-se que Herodes queria matar o menino que seria “rei” achando que roubaria seu trono, e depois faz um infantíssimo, acontece que isto não é simultâneo com Quirino na Síria, mas é só uma querela.
O fato é que também não foi fácil, primeiro tiveram que ir a Belém, terra Natal de José uma imposição do censo, e não encontraram casa, depois tiveram que fugir para o Egito devido a morte das crianças que Herodes mandou por não saber quem era o menino-rei.
Enfim os tempos não eram fáceis, comparado ao nosso tempo podemos dizer que é Natal sim, apesar da data ser imprecisa, para nós cristãos, os que não creem também fazem festa, é um tempo para ter esperança, desejar a “clareira” e lutar para um futuro melhor.
Desculpem os que fazem outra leitura do cristianismo, mas quem perseguiu, quem matou e torturou foi o império romano, os cristãos e o povo simples, as crianças mortas por Herodes, eram inocentes.
Serão tempos difíceis, mas aqueles que lutam pela justiça não devem perder a esperança, em Lc 3,6: “E todas as pessoas verão a salvação de Deus”.

 

Serenidade, diagnóstico e educação

29 nov

A aparente causa de nossos problemas cotidianos parecem ser os avanços mais recentes, as inovações, a vida social, as “midias” de redes sociais e o sobre trabalho humano em diversas áreas, embarcamos no discurso fácil da liquidez, da hipercomunicação e do excesso de informação, este diagnóstico está correto.

Com diagnóstico errado receitamos o remédio errado, colocamos em nossas vidas mais exercícios, uma “vida de exercícios” diria Sloterdijk, mais alimentação natural e mais vida activa para isto, culpa do erro de diagnóstico e de ausência de um futuro claro.

A clareira só pode vir do pensamento, o apelo a prática é o pior remédio deixamos de ter um fim de semana de descanso e de atividades recreativas pois há assuntos “urgentes”.

O diagóstico deste drama atual estava já em Nietzsche (1834-1900), escreveu em Humano demasiado Humano: ‘’Por falta de repouso nossa civilização caminha para uma nova barbárie. Em nenhuma outra época os ativos, isto é, os inquietos, valeram tanto. Assim, pertence às correções necessárias a serem tomadas quanto ao caráter da humanidade fortalecer em grande medida o elemento contemplativo’’, uma mostra clara da datação do problema atual.

Pode ser até mesmo anterior, Kierkegaard (1813-1855) escreveu: “o remédio para a ansiedade é sermos como verdadeiramente somos”, apontando no início da modernidade o problema ontológico do qual padece grande parte da humanidade, querer ser o que não se é, ainda que seja bom a ousadia e a busca de novos horizontes, ela deve ser feita solidariamente com o Outro.

O diagnóstico, apontou o Padre Manuel Antunes, cujo nascimento comemorou 100 anos dia 3 de novembro, é contrapor o homo misericors ao homo mechanical, fruto da modernidade, que criou o que o sábio português chamou de “homem espuma”: ligeiro, sem consistência, sem fidelidades e sem convicções fortes.

A educação que deve decorrer daí precisa ser altamente dialógica, abrangente e transdisciplinar, defendeu isto o padre Manuel Antunes, defender Edgar Morin, Basarab Nicolescu e tantos outros, porém é necessário método para que não pare no discurso.

O método proposto por Gadamer, em sua leitura de Heidegger é o círculo hermenêutica, a possibilidade que a partir de pré-conceitos chegamos a uma fusão de horizontes e uma maior possibilidade de releitura da atualidade delineando caminhos para o futuro.

 

Phronesis e serenidade

28 nov

Não por acaso Gadamer adota a Phronesis como um dos elementos chave em seu discurso sobre Verdade e Método, incompletamente traduzida como prudência, o termo na verdade dever-se-ia ser confundido com “sabedoria” prática da serenidade, tradução livre.

Isto porque a nosso ver, Gadamer é reabilitador da filosofia prática, os que clamam por pratica, objetividade (sic! bem idealista), são pouco práticos por ausência de sabedoria, são impulsivos e activos (no sentido de vita activa de Chul-Han), típicos da sociedade do cansaço.

No sentido grego, está agregada a ética, mas não é um saber privado no sentido da moral e sim público e social, que visa minimizar exacerbações da impulsividade egocêntrica do eu, quando colocada numa perspectiva da obra de arte atinge um patamar de princípio universal.

Esta inclui a obra de arte porque foi a excessiva centralização no eu que reduziu a relação da ética com a estética, a amoralidade pública, o escrachado não é uma nova estética, nem mesmo a negatividade as vezes necessária a arte, é a sua ausência por falta de relação com a ética e o processo formativo.

Gadamer recupera a phronesis a partir da proposta de Aristóteles na Ética a Nicômaco, onde busca estabelecer a articulação entre o universal e o particular, mais ainda entre o indivíduo e a sociedade, dentro de formas históricas da vida, mas com um ethos comum.

Pode-se assim estabelecer uma relação com a educação, num momento que se fala em escola sem partido é preciso pensar que há um outro, sem desejar a neutralidade porque ela será uma ilusão, exploramos num post a seguir.

Falta estabelecer a relação da phonesis com a techné e a episteme, que é o saber teórico e o saber fazer da techné, que está ligada etimologicamente a arte (τέχνη) e ao artesanato.

A harmonia entre as três formas de sabedoria resulta numa sabedoria prática, a práxis.

 

Tempo de pausa: será que conseguimos

26 nov

Ainda há um resto de novembro e dezembro já aparece no horizonte, em todo mundo é um tempo esperado para algo que deveríamos fazer sempre: pausa, espera e encontro com os amigos e familiares, a questão é: será que conseguimos?
Olhando o mundo os sinais sombrios continuam, maiores que os líquidos, pois se algo fosse realmente mudado de estado, do sólido para o líquido, até seria desejável porque algo estaria se movendo, mas parece a mesmice, tudo vai ficando com cara parecida.
Os protestos contra Macron e seus impostos, não é tão diferente de Portugal ou do Brasil, o Estado é enorme e pesa para a sociedade, quem pagará as contas, e os aposentados serão os que pagarão a conta ? incertezas e uma única coisa realmente clara: crise de época.
Há sinais de algum reflorescimento, palavra usada pela filósofa Martha Nussbaum, diria que sim, mas justamente onde as críticas mais pesadas caem: o mundo globalizado, a internet e o Estado “sólido” que vai tomando um feito mais sombrio, perigos à direita.
Participei de um evento de 100 anos do Padre Manuel Antunes, esse homem transdisciplinar, foi o tema de uma palestra escrita com um amigo, em sua obra Repensar Portugal, dizia que era preciso buscar em política, as “zonas temperadas” onde a natureza humana se sente mais confortável, porém a amostra de 2018 é de regiões mais radicalizadas, no sentido mal do termo.
É preciso pausa, ainda que forçada e no desconforto, olhar o futuro de modo que seja possível ter esperança, a paz e uma maior aproximação dos povos, o radicalismo nacional é perverso, a Europa costura um acordo possível para a saída da Inglaterra do bloco, o chamado Brexit.
Os EUA terminam o final do ano com o sonhado muro de Trump, e mexicanos pressionando do outro lado do muro, o que prova que não foi uma solução, mas o anúncio de uma crise.
Novos governos à direita no Brasil e na Colômbia, a esquerda no México vence depois de muitos anos de um partido monopolizar o poder, enquanto Nicarágua e Venezuela desfilam catastróficos governos de esquerda, Bolivia, Equador e Uruguai ficam em zonas temperadas.
Pensar um mundo mais integrado, a questão climática e a distribuição de renda se tornou mais difícil, o que se pode esperar é uma vigorosa reação do pensamento humano, o homem sempre foi capaz de enfrentar os desafios que apareceram, talvez o recuo seja uma retomada.

 

A verdade para além da prática e da ação

22 nov

A verdade da assim chamada pós verdade, deve ser lida não a partir de fake news, de grupos editoriais que são quase sempre polarizados e cheios da “doxa” (opiniões particulares), mas vista de uma busca teleológica da verdade além das culturas, das intolerâncias e das ideologias.

A interpretação de como Gadamer vê esta questão relacionando violência/não violência vem das lições dadas por Heidegger nos anos 20 nas Interpretações fenomenológicas de Aristóteles (Heidegger, 1992), onde penetra na estrutura dialógica da Phronesis, que é a sabedoria direcionada a prática, que na filosofia grega distingue-se da episteme e techné.

Abro um parêntesis, porque isto é importante e qual a relação com uma política cada vez mais sujeita ao direcionamento “prático” da ação e de certo tipo de violência, porque nem mesmo a perspectiva de mudança consegue distanciar-se do que Jacques Ranciére chama de Engagment, diria sendo mais direto, que há falta de prudência e de tato com a prática.

Falta uma noção de mutualidade, uma noção fundamental no pensamento de Gadamer, ressalta o traço dialógico e prático presente no seu projeto da hermenêutica filosófica, que pode parecer um distanciamento da práxis no sentido puro de engagment, mas não o é, no dizer do próprio Gadamer é uma prática que se volta a ela própria sem perceber seus fundamentos e sem compreendê-la como fruto de reflexão e por isto de teoria.

Vamos a obra de arte ou ao campo da educação, ou ainda ao domínio das relações com as questões econômicas, o engagment pode roubar a essência do fazer artístico, pedagógico ou económico, e isto não quer dizer arte, educação ou economia desumanizada.

De acordo com as aulas de Heidegger e a filosofia Aristotélica da retórica, além da phronesis (prática), há outros dois recursos do “ethos”, os apelos a aretê (virtude) e a eunoia, ou seja, o bom pensamento ou a boa vontade que cultiva outros a recebe-la.

Assim a ação prática sem o necessário aceite dos demais, então entra o Outro, sem a virtude pode tornar-se hipocrisia ou inconfiável, sem a simpatia do ouvinte poderá se tornar um discurso repugnante e sem apelo, mesmo com palavras amáveis e doces.

 

HEIDEGGER, Martin.Phenomenological Interpretations with Respect to Aristotle: Indication of the Hermeneutical Situation. Trad. de Michael Baur. In Man and World, 25, p. 355-393, 1992.