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Arquivo para a ‘Ciência da Informação’ Categoria

Wikipedia e Inteligência Artificial

24 out

Tendo já quase superada a questão do ponto de singularidade (ver nosso post), o ponto que a máquina ultrapassaria a inteligência humana, a questão se volta agora para a consciência e um ponto bastante abordado é a questão da consciência.

Neste sentido a crítica principal é a perpetuação de preconceitos, o que evitaria o que chamo de hermenêutica, mas é uma visão incorreta da evolução da tecnologia digital, por exemplo, o uso de Ontologias Digitais e a capacidade de buscar estudos científicos fora do Wikipedia.

É o que anunciou recentemente um artigo do The Verge, e a omissão mais grave depois de pesquisar cientistas que são omitidos no Wikipedia, foi observar que 82% das biografias escritas são sobre homens.

Em um post no seu blog, conforme o site The Verge, John Bohannon, diretor da ciência da Primer, explica o desenvolvimento da ferramenta Quicksilver para ler 500 milhões de documentos originais, peneirar os números mais citados e depois escrever um artigo básico sobre o trabalho destes cientistas não citados no Wikipedia.

Dois exemplos de mulheres ilustres encontradas e para as quais foram escritas artigos em AI são o de Teresa Woodruff, uma cientista que projetou ovários para ratos com uso de impressoras 3D, foi citada pela revista Time em 2013, com uma das pessoas mais influentes no mundo científico, e outro caso é o de Jessica Wade, uma física do Imperial College London, que escreveu a nova entrada de Pineau.

Wade foi uma das cientistas que afirmou para a “Wikipedia é incrivelmente tendencioso, e a sub-representação das mulheres na ciência é particularmente ruim”, e elogiou o Quicksilver afirmando que com ele você pode encontrar rapidamente grande quantidade de informações muito rapidamente.

A Wikipedia terá que evoluir com ferramenta de Machine Learning, isto poderá acontecer nos próximos anos, o fato que existem ferramentas específicas para isto não invalida o Wikipedia, mostra que tem pontos fracos e devem ser corrigidos.

 

A expulsão do Outro

23 out

O olhar de Byung-Chul Han sobre a contemporaneidade não poderia ser mais autentico para o autor da Sociedade do Cansaço, da Salvação do Belo e do Aroma do Tempo, entre outros livros é claro, mas tem logo em suas primeiras páginas, a relação com tudo isto e com o belo: “Se uma flor tivesse em si mesma a sua plenitude ôntica, não teria necessidade de que a contemplassem” (Han, 2016, p. 13), parece paradoxal esta frase mas não é, está no seu livro “A expulsão do Outro” (HAN, 2016).

O autor analisa questão [em Max Scheler] de Santos Agostinho atribuir “de uma forma estranha e perigosa° uma necessidade às plantas:

“de que os homens as contemplem, como se, graças a um conhecimento do seu ser guiado pelo amor, experimentassem alguma coisa de análogo à redenção” [Han apud Scheler, 2016, p. 13).

Han esclarece que o conhecimento visto desta forma é redenção, mas note-se que não há como nesta forma separar sujeito de objeto na ação de contemplação, o que é longamente analisado em outro livro seu A sociedade do cansaço, aqui a relação amorosa com o objeto enquanto outro.

Nisto o autor distingue a simples notícia ou informação, “à qual falta por completo a dimensão de alteridade” (idem, pag. 13), aquela que seria capaz de revelar um mundo novo, uma nova compreensão daquilo que realmente é, fazendo de súbito que o novo apareça (idem).

Retomando Heidegger, afirma que todo esta falsa objetividade não significa outra coisa que “Senão esta cegueira aos acontecimentos” (Han, 2016, p. 14).

Embora sua visão seja excessivamente pessimista da rede e do digital, tem razão ao dizer que “a proximidade traz inscrita em si a distância como seu contrário dialético. A eliminação da distância não gera mais proximidade, antes a destrói” (Han, 2016, p. 15) e sentencia de modo categórico, que na falta de distância nem o idêntico que ela cria contém vida.

Retoma o tema de outro livro “A agonia do eros”, dizendo que “na pornografia todos os corpos se assemelham” e o corpo fica reduzido ao sexual não conhece outra coisa.

Faz uma rápida análise do filme de animação Anomalisa (figura acima) feito por Charlie Kaufman em 2015, que revela o inferno do idêntico, coloca o quadro Golconda de René Magritte, o surrealista belga, estilizado em seu livro “Enxame”.

O livro analisa ainda o terror da autenticidade, o medo e a alienação antes de analisar a linguagem e o pensamento do Outro, o pensamento moderno não é outra coisa como consequência do “esquecimento do ser”, da separação de sujeito e objeto, a expulsão do Outro.

HAN, Byung Chul. A Expulsão do Outro, Lisboa: Relógio d´água, 2016.  

 

A vontade de poder e o sagrado

19 out

É fato que os conceitos de Nietzsche são fortes: em nossos instintos estão sempre presentes as ideias de vontade de poder, enquanto nada muda ficamos no eterno retorno (Ewige Wiederkehr) e nos imaginamos um super-homem (übermensch), porém isto é uma forma de esvaziamento, o niilismo.
Há outros instintos que nos ligam ao sagrado, a ideia de servir e o respeito ao outro (que são os limites para nossa vontade), e sem eles qualquer âmbito da nossa relação social podem cair naquilo que vou chamar de “niilismo social”, ou seja, o esvaziamento do pensamento social.
Limitados a vontade de poder, são apenas nossos instintos que falam, e as atitudes mesmo na política tornam-se emocionais, apaixonadas no mal sentido, é possível apaixonar-se pelo Bem.
Coloco o Bem em maiúsculo porque não deve ser confundido com o bem maniqueísta, ao imaginar que estamos lutando contra um “mal” muitas vezes simbólico (leia-se A simbólica do mal de Paul Ricoeur) voltamos em “eterno retorno” aos nossos instintos de poder e intolerância.
O ponto que Nietzsche tinha razão é que tais instintos existem, são eles que levam ao falso conceito de autoridade como mão de ferro, e estes levam a totalitarismos, mesmo na vida cotidiana, que esvaziam o sentido de educação, de serviço, o que chamo de “niilismo social”.
Ligado ao sagrado este conceito se purifica, pode tornar-se generosidade, benevolência e até mesmo uma virtude teologal que é a “caridade”, e sem este o “niilismo social” é um caminho.
É isto que faz mesmo pessoas com boa intenção cair na tentação da mosca azul, o poder pelo poder, mesmo os discípulos que caminharam ao lado de Jesus tiveram esta “tentação”, pedem a Jesus no teu reino: “deixa-nos sentar um a direita e outro a tua esquerda” (Mc, 10,37).
Jesus dirá que não sabem o que pedem, diríamos nos dias de hoje não sabem o que escolhem, a ideia de um poder forte que resolva questões sociais profundas, que dependem de uma nova visão de mundo, para sair do eterno retorno, dependem da mobilização da vontade popular e não de um poder central mais forte, é uma tentação também para quem defende o social.
Foi a ideia de um estado forte, conduzido por líderes com “carisma”, que levou o mundo a uma segunda guerra mundial, a sociedade em rede, e a rede são pessoas, precisa sair do seu “niilismo social”, saber que é preciso passar por sacrifícios para mudar, Jesus perguntou aos apóstolos que queriam sentar-se ao seu lado: “Podeis beber o cálice que vou beber?” Mc 10,38.
A grande mudança que necessitamos requer uma cidadania global e não um retorno ao tempo da “Riqueza das nações” de Adam Smith, ainda que o sentimento de nação e povo sejam bons.

 

Morreu Paul Allen

16 out

Co-fundador com Bill Gates da Microsoft (foto), teve fortuna igualável e foi de fato o grande desenvolvedor da Microsoft, Bill Gates tinha trabalhado antes da Microsoft apenas numa versão da linguagem Basic, foi ele que sugeriu a compra do QDOS, sistema desenvolvido por Tim Paterson quando trabalha na Seattle Computer Products, de onde surgiu o MS DOS, cuja venda para a IBM é a origem do projeto milionário da Microsoft.

Paul Allen conhecia o sistema MVT da Xerox Palo Alto, que foi inspiração para as primeiras versões do Windows, mais tarde também investiram no Explorer numa versão fortemente competitiva com o Netscape, que desencadeou a chamada guerra dos navegadores Web.

Paul Gardner Allen  criou uma fundação com seu nome em 1988 para administrar projetos filantrópicos, entre 1990 e 2014 doou mais de 500 milhões de dólares a mais de 1500 organizações sem fins lucrativos, a maioria destinada a projetos de tecnologia, artes e cultura, mas também uma significativa fatia para desenvolvimento social (cerca de 100 milhões de dólares).

Morreu ao 65 vítima de câncer em sua cidade Seattle, onde era dono do time de basquete.

 

Visão científica e ontologia

16 out

A ciência contemporânea é fruto de uma construção de conceito “a priori”, que pode ser pensada como aquilo que é anterior a experiência ou à percepção, em termos de filosofia isto corresponde a duas formas de conhecimento ou argumento, quando dizemos na minha experiência eu sinto que … é o argumento da percepção, quando digo vejo isto da seguinte forma … significa que tenho uma visão de mundo e estou recorrendo a ela.

Na fenomenologia ontológica também é admitido um “a priori”, mas não significa uma “construção apriorística”, pois ela deve estar desvinculada da “empiria”, pois na verdade mesmo que não consigamos explicitar a nossa visão de mundo, ela foi social e culturalmente construída, o que no circulo hermenêutico são os pré-conceitos, no sentido que estão de alguma forma formulados.

Assim como tanto a pesquisa científica como a ontologia tem conceitos “a priori” elas podem convergir, mas na prática a ontologia requer uma purificação, ou seja, a explicitação de quais são os preconceitos, por exemplo, o idealismo ou a cultura.

Toda investigação Científica realiza uma a priori que é a “fixação dos setores dos objetos” e só é possível a partir de uma abertura originário ao ser do ente, ou seja, qual é a experiência ordinária que ela tem do mundo, por vezes difícil de explicitar e questionar.

Para que um verdadeiro questionamento científico seja feito é preciso determinar a região dos entes, muitas vezes chamada de contextualização mas esta no máximo só corresponde a uma visão romântica de história (ler Gadamer), a região significa ser levada ao horizonte da experiência original, o horizonte da relação fundamental do ente que questiona com o mundo questionado, em geral feito às avessas.

Na filosofia medieval, toda a discussão destes a priori levam querela dos universais de Boécio(470-525 d.C.), que traduziu a Isagoge do grego para o latim, logo percebeu o magnífico programa que as questões de Porfírio anunciavam.

No fundo a querela é se existem universais, quais seriam eles, que desencadeou uma luta entre nominalistas (tudo é nome) e realistas (eles existem independentes dos nomes).

A analítica existencial “está antes de toda psicologia, antropologia e, sobretudo, biologia.” (Heidegger, 2015, p. 89), embora já o dizemos no post anterior Paul Ricoeur afirma que há em Heidegger (diria em toda ontologia) um a priori que se fundamenta na antropologia, que chamamos de originária por razões culturais.

Heidegger, M. Ser e tempo, 10a. edição, Trad. Revisada de Marcia Sá Cavalcante, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2015.

 

Miséria do pensamento

04 out

A incapacidade de uma leitura mais profunda da realidade, que sustente e avance para propostas, a penumbra que passa não só pensamento, mas junto com ele toda a sociedade, não tem resposta possível e o resultado é um “eterno retorno” mais trágico e cômico.
Ah como era bom aquele tempo que … a maioria da população silenciosa sofria sem reclamar, as redes que deram vozes (nem sempre positivas é verdade) ao conjunto da sociedade agora já não quer ouvir mais críticas vazias à pós-modernidade, ao líquido que nunca foi sólido, ou a crítica um triunfalismo tecnicista à la Frederic Jamenson, que é marxista é bom que se diga.
A crítica estéril ao consumismo e ao individualismo não foi capaz de penetrar na essência dos grandes problemas sociais, morais e espirituais de nosso tempo, como diria Heidegger o esvaziamento do ser, não é senão o vazio niilista que já apontava Nietzsche no século XIX.
No caso brasileiro é ainda mais pobre, ficamos entre discursos inflamados sobre questões de ordem sexual, acusações e fake news baratos, promovidos pela mídia sem pensamento algum, e também pela falta de um debate mais profundo de problemas sociais, urbanos e globais.
O resultado será desastroso seja ele qual for, e a principal função da democracia que é a educação para a cidadania se perdeu entre facadas e rajadas de autoritarismos, rompantes de discursos inflamados sobre acusações sobre quem roubou mais, não podemos cozinhar pedra e esperar uma sopa, alusão a uma famosa sopa de pedra que existe em Portugal.
Não consegui convencer amigos conscientes e nem mesmo gente religiosa que a escala de violência levaria a um desastre inevitável, a escolha de candidatos que são especialistas nesta linha, e espero estar errado, mas as consequências serão terríveis para o país.
Embora haja uma emergência de governo autoritários no planeta, no caso brasileiro o debate não foi para a linha de propostas e ações de governo concretas, e não se pode esperar que em 2 dias isto se reverta, sonhamos agora com um segundo turno, é como torcer para um empate quando o time podia ganhar de goleada.
Qual foi o erro estratégico, desde o princípio, cair na provocação violenta dos violentos, pobre democracia e pobre país que não olha para a gente pobre a não ser nas eleições.

 

Luta pela paz, com mansidão e justiça

02 out

A história da humanidade é até os dias de hoje uma história de guerra do Mesmo contra o Outro, o livro A expulsão do outro de Byung-Chul Han não é senão a constatação desta realidade.

É nosso destino, uma fatalidade, penso que não, quando mais se falou de paz se fez a guerra, talvez quando mais se fale de guerra possa ser pensada a paz, a Terra como pátria humana.

Os desafios são imensos, e os medos crescem a cada novo governo autoritário, é bom que se diga também há ilhas de esquerda, e fortaleza de direita que não são senão pessoas “eleitas”.

Não penso em resistência nem em oposição, continuo a pensar em transformação, o grande retrocesso que acontece em toda humanidade, se fosse localizado seria fácil tem uma só leitura: não conseguimos ir a frente, os saudosistas dizem: “como era bom aquele tempo”, qual ?

Lutar pela paz deve ser também pela justiça e contra toda sorte de opressão, engrandecer a sabedoria simples e entender que é preciso profundidade para ser simples, uma “sofisticação” como disse Leonardo da Vinci, e estabelecer um espírito de mansidão onde seja possível pensar.

Sem deixar de perceber uma dose excessiva de autoritarismo é hora de perguntar, qual o lugar exato do estado na vida cotidiana? sua abrupta interferência até na vida pessoal não é senão uma forma de autoritarismo? temos câmaras e radares a cada quilômetro, não é exagero.

Armas para a paz, não faz o menor sentido, mais armas mais violência, nunca o contrário.

Lembram as bem-aventuranças bíblicas Mt 5,5: “bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra”, claro o que vejo hoje é o poder na mão de raivosos e autoritários, mas não é o fim.

O verso longo seguinte é praticamente um alerta para a justiça Mt 5,6: “Bem-aventurados os que têm fome e se de justiça, porque serão saciados”, e, mais a frente Mt 5,9: “os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus”, será que o humanismo morreu ?

O fato que todos, ou pelo menos uma grande parte da humanidade, tem uma percepção que algo precisa ser feito com urgência para superar os “perigos contra a humanidade” nos desafia.

É urgente uma governança mundial, e não menos urgência programas de distribuição de renda.

O colapso ecológico, e nas grandes metrópoles também o urbano pedem medidas mundiais.

Lembro as duas bem-aventuranças como estímulo para aqueles que lutando pela humanidade sofrem perseguições, injustiças e calúnias.

Mt 5,11 “Bem aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e, mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim”, isto é cristianismo, o resto maldade.

 

O estado em eterno retorno

02 out

Já apontamos em diversos posts as premissas e seus equívocos da visão idealista de Estado, agora em cheque devido a emergência de governos autoritários, corrupção e crises em ciclo quase intermitentes em muitos países.

Comecemos por Hobbes para o qual a filosofia tinha um fundamento prático (é o que dizem alguns hoje, pasmem), ou seja tem que ser útil e assim descarta toda e qualquer visão que possa ter aspectos de metafísica, e junto com ela espirituais ou teológicos.

A visão Hobbesiana não é diferente de Maquiavel (também invocado atualmente), no sentido de favorecer a ideia de soberano, ainda que o estado centralizador deste período tivesse a tutela dos monarcas, essencialmente não difere de certos “imperadores” de hoje, desde a maneira de se vestir (o imperador está nú) até a postura, de um Putin, por exemplo.

A ideia da contenção coercitiva do estado para a “paz eterna” visão pacificadora da modernidade não é senão aquela que Mostesquieu chamou de “Espírito das Leias”, ou seja, a paz será eterna com um estado forte e coercitivo, não é o que bradam nas ruas atualmente (alguns).

A passagem do “paleolítico” desta paz que levou a duas guerras para o “neolítico” do estado social, ou Welfare State não deveria ser novidade, mas é, porque ele não completou seu ciclo, a triste realidade é que nem pode completar porque a concentração de renda só aumenta.

O triste é que a solução está logo ali na esquina, uma boa vontade política e uma ideia mais clara de que não é necessária uma revolução sangrenta, mas isolar do estado aqueles elementos nocivos que não deixam a sociedade respirar, não falo só dos aspectos econômicos (que incluem a corrupção), mas principalmente do conceito de estado “coercitivo” em moda.

Voltamos ao ciclo anterior, até mesmo da “Riqueza das Nações” que Adam Smith falava e que Marx leu (que na época fazia sentido), mas isto economicamente é inviável num mundo com economia globalizada.

Voltemos a coerção, que inspira tantas vozes autoritárias (até de esquerda), sem a solução conjunta do problema econômica ela sofre uma escala crescente de violência sem volta, e a pior, arma mais e mais forças escravizadoras da “mão de obra” disponível na informalidade.

O que faz uma parcela consciente da sociedade, entra na onda de violência não apenas verbal, mas física e moral que interessa aos grupos autoritários que almejam o poder, para voltar ao velho estado moderno da “coerção” e “paz eterna”.

No caso brasileiro é crítico, entrou-se por este caminho e já parece sem volta, espero que não.

 

O estado está nu ou de roupa nova

01 out

O conto de Hans Christian Andersen A roupa nova do imperador, parece estar na origem da frase o “rei está nú”, que conta a história de um rei que passou a vida preocupado com suas roupas e um dia encontrou dois charlatães que diziam ter um pano mágico que rapidamente se transformava em uma roupa pronta.

Fantasiado o rei deu-lhes uma boa quantia em dinheiro e os dois puseram-se a trabalhar com um fictício fio, chegando o dia do rei estrear sua roupa vai busca-la e embora não veja nada, veste a roupa imaginária e vai para uma grande procissão sem roupa alguma, mas os seus súditos também fingem que o rei está vestido, até passarem por uma criança que inocente que é disse que o rei não vestia nada, o pai pede para ela se calar, pois não se põe o Rei em questão.

Assim é hoje a situação do estado, corrupções e desmandos estão em toda parte, em alguns lugares há punições, mas a maioria das pessoas prefere acreditar que o estado moderno tem sua razão de existir, afinal os governantes são necessários e foram eleitos democraticamente.

Acontece que governantes que são verdadeiras caricaturas de ditadores, até mesmo o tempo deles passou, como o Welfare State (a ampliação do conceito de cidadania com o fim dos governos totalitários no pós-guerra) já passou estamos agora no rescaldo e o estado está nú.

O rei representa a crença em normas e convenções, que no caso do estado é sua constituição e suas interpretações, no caso humano é a impossibilidade de ver algo além de seus interesses imediatos, como o rei era a sua roupa bela e que o faz apostar numa roupa mágica.

As roupagens são novas, mas os impérios que assombram a todos já são conhecidos.

Não há magia, uma economia em ruínas, uma educação decadente e uma violência que cresce.

ANDERSEN, H. C. A roupa nova do imperador. São Paulo: Brinque-Book, 1997. 

 

Entre a lógica da proibição e da permissividade

28 set

O fato que o estado moderno vive uma crise é fácil de observar pelo número de governos autoritários que cresce em todo o planeta, de modo especial no Ocidente e nas Américas, não era de imaginar até anos atrás, um discurso nacionalista nos Estados Unidos da América e ainda a volta de alguns governos autoritários na América Latina.
A educação para a democracia e para o humanismo fracassou na modernidade, é o que constatava Peter Sloterdijk em Regras para o parque Humano, que não é senão uma resposta (dialogal é bom que se frise) as Cartas sobre o Humanismo de Heidegger, onde pergunta: “o que domestica o homem se em todas as experiências prévias com a educação do gênero humano permaneceu obscuro quem ou o quê educa os educadores e para quê? Ou será que a pergunta pelo cuidado e formação do ser humano não se deixa mais formular de modo pertinente no campo das meras teorias da domesticação e educação?” (Sloterdijk 2000).
A educação moderna é para com os direitos e deveres do estado, ainda que o nome tenha sido apagado, a famosa “educação moral e cívica”, onde civismo e moral remetem-se ao estado.
Na lógica bíblica, onde é fundamental o amor agápico e que nem sempre é facilmente compreensível pela cultura teológica, ainda mais quando há polarização social e política, é fundamental que se estabeleçam relações e que elas tenham respeito à opinião e à ação alheia, e isto se dá diante da máxima: “não faça ao outro o que não quer que seja feito a você”, a chamada regra de ouro.
É comum o uso do discurso do outro, pela escassez de pensamento, não se trata de plágio, apenas o uso de máximas ao invés de algo elaborado, assim que algo entra em evidencia. logo já há aqueles que adotam os slogans, sem nem sempre adotarem as ações, mas Jesus diz aos discípulos aos que usavam seu nome Mc 9,39-40: “Não o proibais, pois ninguém faz milagres em meu nome para depois falar mal de mim. Quem não é contra nós é a nosso favor”.
Esta devia ser a lógica paraconsistente do diálogo, nunca a lógica exclusivista: “quem não está conosco é contra nós”, mas esta lógica penetrou na política e no seio da sociedade, assim os discursos vão se tornando mais autoritários e mais excludentes aos que não estão de acordo com determinada bandeira.
O que é ilógico, em qualquer sistema lógico, é considerar que seja inclusiva a lógica do ódio, o humanismo não acabou, acabou um humanismo que prega a lógica da força do estado.

Sloterdijk, Peter. Regras para o parque humano – uma resposta à carta de Heidegger sobre o humanismo. Trad. José Oscar de A. Marques. São Paulo: Estação Liberdade, 2000.