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Arquivo para a ‘Biblioteconomia’ Categoria

Leitura, afeto e feridas

13 mar

Alberto Manguel é um escritor argentino bem conhecido nos meios universitários, tanto devido tanto a relação com Jorge Luis Borges, que conheceu na adolescência e lia livros para ele, como também como autor de vários livros antologias e romances, entre eles um livro que destaco como obrigatório é Uma história da leitura, no original A History of Reading (1996).

Homem-mundo, em 1971 morou em Paris e em Londres, em 1972 retorna a Argentina mas como editor estrangeiro da editora  italiana Franco Maria Ricci, em 1976 mudou-se para o Taiti, em 1982, Alberto se mudou para Toronto, no Canadá, onde morou até 2000. 

Não parou ai, mudou-se para a região de Poitou-Charentes, na França, onde comprou e reformou um mosteiro medieval junto de seu atual parceiro Craig Stephenson, uma das reformas feitas foi para acomodar sua biblioteca de 40 mil livros.

Em 2020 doou toda a biblioteca para o futuro Centro de Estudos da História da Leitura (CEHL), e passou a viver em Lisboa, é colunista da revista Geist canadense.

Uma de suas frases famosas é “a crença banal de que o tempo cura as feridas é um engano: nós nos acostumamos a elas, o que não é a mesma coisa”, porém sua frase sobre a leitura que mais parece uma forte influência de Borges para quem a biblioteca era um paraíso, é sobre a leitura:

“O amor pela leitura é algo que se aprende mas não se ensina.
Da mesma forma que ninguém nos pode obrigar a enamorar-nos, ninguém nos pode obrigar a amar um livro.
São coisas que ocorrem por razões misteriosas, mas estou convencido que há um livro que espera por cada um de nós.
Em algum lugar da biblioteca há uma página que foi escrita somente para nós”.

Também é sua a frase: “Ler sempre é um ato de poder. E é uma das razões pelas quais o leitor é temido em quase todas as sociedades”, há outras é claro, mas para isto convido meu leitor a ler: “Uma história da leitura”.

MANGUEL, A. Uma história da leitura. Tradução Pedro Maia Soares. 1a ed. São Paulo : Companhia de Bolso, 2021.

 

Testemunho e humanismo

09 ago

O humanismo verdadeiro é o que permite a evolução do processo civilizatório preservando aquilo de essencial que todo homem possui que é o seu Ser, isto vai além das condições de sobrevivência econômica, social e política, ele deve incluir o Outro e dar este testemunho.

Testemunhos vão desde casos em que alguém precisa de uma informação e recorre a alguém ou a algum meio epistêmico (organizado do saber) até relatos científicos novos que revelam os mais intrincados mistérios da vida e do universo.

Os epistemólogos estão de acordo quanto a importância do testemunho como fonte de justificação, juto a percepção (cognitiva e além dela), da memória (todos meios de informação e difusão) e do raciocínio (além do lógico, do físico e do metafísico), a divergência estão no modo como crenças falsamente justificadas testemunhais podem surgir de crenças justificadas.

Isto se deve ao fato não apenas de crenças consideradas no aspecto religioso, mas também elas, mas do fato que é possível de crenças testemunhais que envolvem percepção, memória e cognição (acréscimo meu) são confiáveis a partir de crenças previamente justificadas, esta é a corrente chamada de reducionista, porque independente do testemunho, já é justificada.

Anti-reducionistas defendem que a justificação de crenças testemunhais é direta: estamos justificados em acreditar que algo pelo simples fato de alguém testemunhar algo mesmo sem haver razões para não fazê-lo, há diferentes tentativas de respostas a este debate.

Fora deste debate epistêmico, devemos pensar que vivemos num tempo que é difícil o pensar e o organização informações de modo a chegar ao testemunho como fonte de verdade, pode-se defender a paz mesmo fazendo a guerra, pode-se defender a democracia limitando os direitos civis e as ideias divergentes, pode-se definir justiça mudando as regras da lei para dar margem a injustiça, pode-se proclamar uma crença mesmo limitando-se a uma prática parcial.

Assim o que está em jogo não é o testemunho das crenças, mas muitas vezes sua própria negação, e pode-se tratar não apenas de má fé ou má vontade, mas dificuldade de cognição, por isto fiz este acréscimo a percepção e memória, onde o problema é a fonte de informação.

Um verdadeiro humanismo deve ter como pressuposto o testemunho, do contrário não temos um referencial confiável para nossos argumento, diálogos e superação de divergências.  

Só podemos testar nosso modo de viver se vivermos de acordo com o que testemunhamos.

Referência:

Leonard, Nick, “Epistemological Problems of Testimony”, The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Spring 2023 Edition), Edward N. Zalta & Uri Nodelman (eds.), URL = https://plato.stanford.edu/archives/spr2023/entries/testimony-episprob/ , 2021.

 

Corações que contemplam, amam

28 abr

Apesar de escrever romances amorosos no sentido sentimental romântico, a primeira olha que folheei de Nicholas Sparks, que faz muito sucesso com o público americano, tendo traduções de seus livros em mais de 50 línguas, o primeiro contato foi por interesse pelo tema.

Trata-se de Corações em Silêncio, de 2016 da editora Asa, conta a história de Taylor McAden, bombeiro voluntário que na vida pessoal apesar de amores intensos, são de pouca duração e não gosta de assumir riscos.

Numa situação inusitada ele precisa ajudar a encontrar um garoto quando o carro de Denise Holton despista, Taylor a salva e dali nasce mais uma rápida relação, porém outra situação terrível ocorre, depois de recuperar os sentidos pergunta por seu filho que tem dificuldade de aprendizagem e estava no carro com ela.

Uma busca se inicia e Taylor se vê diante de uma situação que realmente tem que amar.

Não há como fazer contemplação ou meditação sem silêncio, não só do ambiente como também da alma, de nossos valores e pré-conceitos estabelecidos.

Silêncio, meditação, contemplação muitas vezes são causadas por situações inesperadas mais de dor do que de amor, mas também de amor, nestas situações temos que tomar alguma decisão corajosa diante da vida, dos compromissos e da relação com o Outro.

O silêncio e a descoberta de um valor verdadeiro do amor o levou a uma ação além daquela que poderia justificar a Taylor como seu “trabalho”, ainda que fosse um trabalho voluntário.

A passagem bíblica que pode inspirar esta meditação e contemplação é aquela que os discípulos que iam para o vilarejo de Emaús e “escutam” Jesus, que só depois vão entender que era o mestre e pedem a Ele (Lc 24,29 ): “Fique conosco, pois a noite já vem; o dia já está quase findando”. Então, ele entrou para ficar com eles”.

A noite é simbólica no sentido de momentos escuros e difíceis de nossa vida, que exigem meditação, silêncio para poder escutar “aquela voz” da sabedoria e do bom senso.

SPARKS, Nicholas. The Rescue. New York: Warner, 2000. (versão brasileira Editora Asa, 2016). 

 

A frieza: da essência para a aparência

18 abr

Empatia, paciência, amor verdadeiro e sentimentos verdadeiros parecem distantes, corpos enfeitados, maquiados e tatuados, mentes distantes e frias, vazias e de pouca ideias inspiradas.

Li no livro “A menina que roubava livros” (The book Thief, 2005): “talvez esse seja um castigo justo para aqueles que não possuem coração: só perceber isso quando não pode mais voltar atrás”, é uma frase dura, porém foi importante para analisar o meu contexto social, pessoal e de amizades.

Minha inspiração para ler, escrever e procurar dentro de instituições, ambientes e mídias sociais algo inteligente, inspirado e doce, produtivo onde possa encontrar caminhos diferentes do que vejo e sinto a minha volta, me fez entender e admirar o livro de Markus Zusak, pelo menos que lembro da edição de 2013, ela procurava um refúgio, um escape para a situação contextual.

Me pergunto se esta situação sobre a tensão de uma possível guerra em larga escala é diferente, vejo muita hipocrisia e manipulações no ar, enquanto inocentes morrem numa guerra estúpida, outros se preparam para um confronto ainda maior que aos poucos se espalha por todo globo.

Lembro de uma passagem bíblica (Tessalonicenses 1,5:3) quando disserem: “Há paz e segurança, então lhes sobrevirá repentina destruição, como as dores de parto àquela que está grávida, e de modo nenhum escaparão”, mas para os apressados lembro que está escrito que isto não significará o fim.

Faltam esforços sinceros pela paz, espíritos armados não podem promover paz alguma, querem aliados para seu poder temporal, falta uma mensagem atemporal, além os interesses imediatos.

Assim caminham os corações, e já chegaram as escolas e ao cotidiano da vida mais simples e fugaz via uma dona de casa de uma cidade pequena exaltada no supermercado falando contra aquele tal político que pôs tudo a perder e uma criança que chorava por uma situação política que nem bem entendia.

Não se apaga fogo com gasolina, diz a sabedoria popular, porém a poesia não está mais no ar, não há canções que falam de amor puro, só interesses imediatos de pulsão erótica, numa sociedade que na verdade vive “A agonia do Eros”, um livro profundo de Byung Chul Han.

Não é determinada cantora popular que fala contra o ensino e a boa educação, a sociedade ecoa estes hinos e quase não há como fazer sucesso sem apelos emocionais e passionais fora do tom.

O desmanche da visão humana como Ser e sua transformação na visão utilitária do Ter teve uma origem histórica no pensamento ocidental e agora penetra e tenta destruir o seu significado.

ZUSAK, Markus. A menina que roubava livros. Trad. Vera Ribeiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2010.

 

Documentos vazados e retórica de tensão

10 abr

Um documento vazado que conteria supostas informações secretas dos EUA sobre a guerra entre Ucrânia e Rússia pode conter parte das informações verdadeiras e algumas falsas, segundo fontes militares americanas, seria falso a avaliação do número de mortos na guerra na Ucrânia.

Já os jornais como o The New York Times avaliam que é um esforço de Moscou em provocar mais desinformação do que notícias já conhecidas como as entregas antecipadas de armas, assim como a formação de tropas e batalhões conforme as estratégias de guerra, entretanto isto já mostra que há algumas falhas na inteligência dos EUA no esforço de apoio a Ucrânia.

A porta-voz do pentágono Sabrina Singh afirmou “Estamos cientes dos relatos de postagens nas redes sociais, e o departamento está analisando o assunto”.

O departamento de justiça Americano abriu investigações sobre estas divulgações onde também aparecem informações de aliados importantes como Israel, Coreia do Sul e Emirados Árabes.

A retórica americana e de líderes ocidentais segue afirmando que a Rússia tem praticado crimes de guerra, entre eles a “deportação” de crianças ucranianas para a Rússia, condenado pelo tribunal de Haia, enquanto a retórica russa continua sendo a de insegurança em suas fronteiras.

O que os documentos revelam, porém sem dados precisos é uma provável ofensiva ucraniana no próximo mês, a entrada oficial da Finlândia na OTAN cria outra fronteira de conflito e é esperado também lá alguma resposta russa.

No aspecto da paz a proposta brasileira de ceder a Criméia que já era território russo antes da guerra em troca da retomada dos territórios ocupados na guerra atual não foi aceita pela Ucrânia.

Assim tanto Rússia como Ucrânia parecem levar a guerra nos limites do desgaste, da morte de inúmeros soldados e das consequências econômicas que começaram aparecer na economia mundial.

A China rebateu a retórica de que ela não faz o devido esforço para a paz, afirmando que o “ocidente não estão em posição para ditar o que devemos fazer”, disse o embaixador chinês na Rússia Zhang Hanhui à Izvestia.

A esperança que negociações possam avançar a partir de países fora do conflito permanece.

 

O fosso entre ricos e pobres

23 set

Os mais variados estudos, comentamos alguns nos posts desta semana, apontam para uma separação entre ricos e pobres praticamente estável quando não crescente em alguns países, este modelo nunca poderá garantir um desenvolvimento humano social sustentável, as guerras e pandemias aumentam ainda mais este fosso.

O problema mais grave que é a miséria extrema, este já analisamos e postamos em fevereiro deste ano uma análise da pobreza global (gráfico ao lado), e também, em outro post o problema social pós covid 19.

A sustentabilidade do desenvolvimento econômico e social humano, depende não apenas do aumento das riquezas e da produção social, é preciso encontrar o equilíbrio onde tanto a mobilidade social das classes como a mobilidade étnica dê sustentabilidade e supere as desigualdades.

O problema da sustentabilidade não é secundário, muitos modelos distribuem riquezas só que empobrecem o país como um todo, isto porque os aspectos de investimentos e estratégias mais seguras de modelos econômicos só são pensadas em torno da distribuição da renda, o contrário onde só há aumento sem distribuição é menos sustentável.

Serve para este modelo a parábola bíblica de Lázaro e o Rico, o pobre que vivia a margem e quando o rico se vê condenado, aqui a parábola vale tanto pessoalmente quanto socialmente, pede que seja concedido a ele avisar seus parentes deste risco, mas diz a bíblica os profetas já diziam e vocês não ouviram, quanta gente e ações políticas já denunciaram o grave fosso social.

Para quem não conhece diz a parábola bíblica (Lc 16,19-24): “Naquele tempo, Jesus disse aos fariseus: 19“Havia um homem rico, que se vestia com roupas finas e elegantes e fazia festas esplêndidas todos os dias. Um pobre, chamado Lázaro, cheio de feridas, estava no chão, à porta do rico. Ele queria matar a fome com as sobras que caíam da mesa do rico. E, além disso, vinham os cachorros lamber suas feridas. Quando o pobre morreu, os anjos levaram-no para junto de Abraão. Morreu também o rico e foi enterrado. Na região dos mortos, no meio dos tormentos, o rico levantou os olhos e viu de longe a Abraão, com Lázaro ao seu lado. Então gritou: ‘Pai Abraão, tem piedade de mim! Manda Lázaro molhar a ponta do dedo para me refrescar a língua, porque sofro muito nestas chamas’ “.

O homem rico vai pedir também que avise seus parentes e a leitura lembra que eles tiveram profetas e não ouviram.

 

As bibliotecas e as guerras

31 ago

Na década de 50, logo depois da Segunda guerra Mundial, a revista brasileira de documentação traduziu e publicou um artigo de Carl Hastings Milan sobre as Guerras e as perdas de documentos e de bibliotecas.

Ele havia sido diretor da Biblioteca Pública de Birmingham, onde abriu o primeiro ramo de serviços para autores e leitores afro-americanos, o artigo está disponível online e mostra uma face da guerra para as bibliotecas em alusão ao post anterior que fizemos neste blog.

As transcrições para o português foram feitas por Sylvio do Valle Amaral e o artigo original é logo em sequência da guerra em setembro de 1944, publicado no The Annals of The American Academy of Political and Social Science da Filadelfia.

O artigo começa indicando a interrupção e descontinuidade de revistas e publicações em períodos de guerra, além da perda material e a falta de intercâmbio de muitos documentos.

O autor enfatiza esta perda onde: “os editores e  livreiros  de  Londres  perderam  milhões  de  volumes,  em  1940-41.  Várias famosas  bibliotecas  britânicas  de  erudição  e  dezenas das  públicas,  foram  danificadas  ou  destruídas.  Diversos  países  europeus,  a  Rússia,  a  China,  além das Filipinas,  sofreram ou estão agora experimentando destino semelhante, porém, o mais  triste está para  vir” (MILAN, 1950, p. 50).

Antecipadamente muitas obras foram tiradas ou escondidas das bibliotecas alemãs, mas a destruição e os saques representam um ataque cultural segundo o autor “infamante” que foi creditado a Hitler, é importante olhar isto para a história para que ela não se repita agora.

Entre as denúncias do autor está que também na derrota: “Os jornais,  recentemente, noticiaram  a  queima  de  livros  em  Nápoles,  antes  da  retirada  do  exército  nazista” (idem, p. 50), e assim uma parte da história é apagada, independente do que aqueles documentos representam, eles são importante testemunho cultural de um tempo, que por ser ultrapassado está sujeito a crítica, mas não há o direito de apagá-lo, são documentos culturais.

Restabelece o papel das bibliotecas, agora também em crise em função de uma visão deformada da tecnologia digital que aqui também postamos, porém diz o autor para aquela época: “Básica  ao  restabelecimento  da  atividade  intelectual  em  todo  o  universo,  é  a  reorganização das bibliotecas” e ignorar isto é um crime contra a preservação cultural e da memória dos povos.

Depois de enfatizar a cooperação e apoio às bibliotecas da américa latina e de outros, países discorre sobre a formação de bibliotecários:

“A despeito  de  comum  reconhecimento,-  nos Estados  Unidos  e  no  exterior,  das  imperfeições  de nossos  métodos  no  preparo  de  rapazes  e  moças para  o  trabalho  nas  bibliotecas,  número  surpreendentemente  grande  de  estudantes  do  exterior  vem a  êste  país  em  épocas  normais  a  fim  de  obter  o que  as-escolas  dessa  especialidade  podem  oferece” (MILAN, 1950, p. 53)

 

MILAN, C. H. As bibliotecas, os intelectuais e a Guerra, trad. Sylvio do Valle Amaral. Rio de Janeiro:  REVISTA  DO  SERVIÇO  PÚBLICO, AGOSTO  DE 1950.

 

História, a grande clareira e parusia

03 dez

O Natal está próximo e o nascimento de Jesus é um fato histórico pois o Censo ordenado pelo imperador de Roma César Augusto, quanto a data há controvérsias por seriam entre 4-5 a.C., quando Quinino era Governador da Síria como está descrito na Bíblia (Lc 2,2), porém é certo que o censo foi realizado e este foi justamente o motivo de Maria e José terem ido a Belém, onde a profecia dizia que de lá nasceria o salvador, e assim ele “foi contado entre os homens”.

Há controvérsias de datas e da precisão das datas (não dos fatos), uma vez que o calendário foi modificado.

A história também está pontuada de intervenções divinas, na decadência de Roma nascem os mosteiros, onde a cultura da culinária, os primeiros grêmios e ofícios e também uma fase anterior da escrita impressa é realizada, através dos copistas, as primeiras escolas e mais tarde as primeiras universidades, com forte influência teológica como não poderia ser de outro modo, mas tudo isto é história, também no renascimento a arte e a cultura tiveram forte influência teológica.

Entramos na modernidade, a obra que fizemos leituras pontuais nos posts desta semana “todos no mesmo barco” de Sloterdijk, menciona um fato importante, além e citar a obra clássica do Decamerão de Boccaccio como “pequena comunidade em meio ao desastre da grande” (Sloterdijk, 1999, p. 75), faz uma análise da peste negra (que aconteceu nos anos 1300) e que devastou a Europa com mais de 100 milhões de pessoas mortas (figura) quando a população era muito menor que hoje, e sua influência política e psicológica pode ser analisada.

Em nota de rodapé cita a obra de Henrik Siewierki (traduzida pela Estação Liberdade em 2001) “Uma missa para a cidade de Arras” onde analisa as consequências tanto psicológicas quanto políticas da peste, também o psicólogo Franz Renggli, em seu livro Autodestruição por abandono, desenvolveu a hipótese da influencia na modernidade da peste, e também da degradação da relação mãe-filho que teriam provocado uma espécie de fraqueza imunológica, coletiva e psicossomática que favoreceu o vírus daquela peste.

Toda esta análise é interessante em meio do retorno da Pandemia a Europa, ao mesmo tempo que é sem dúvida um flagelo, pode ele alimentar uma nova clareira sobre a nossa coimunidade, ou seja, a ideia de uma defesa mútua e solidária em vista de uma catástrofe ainda maior do que a que já encontramos.

Serve para “aplainar os caminhos”, como diz a leitura bíblica quando João, o filho de Zacarias e Isabel, anunciava no deserto usando as palavras do profeta Isaías: “esta é a voz daquele que grita no deserto: ´preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas’” (Lc 3,4) e parece propícia a este nosso tempo de flagelo e deserto.

É importante lembrar que as duas primeiras semanas do Natal comemoram não a vinda de Jesus em Belém, mas a Parusia, ou seja, a preparação de sua segunda vinda.

 

Em queda, mas a pandemia não acabou

25 out

Citamos na semana passada a preocupação com casos em evolução em alguns países como a Rússia e Inglaterra, onde uma variante do vírus está sendo estudada com preocupação, também os países mais pobres tem recebido menos vacinas que as prometidas por doação, e já entendemos que a Pandemia é global, isto é, há uma influencia de regiões menos vacinadas em outras que mantém um alto nível de imunidade, politicas para o futuras pandemias já levam estes fatores em consideração.

Alguns países continuam com alto nível de mortes, apesar da vacinação, nos EUA em torno de 1700 mortes diárias na última semana, no resto mundo está em queda, porém com a presença de mortes, no gráfico acima com registro de mortes do dia 23/10 (sábado) em número absoluto de mortes, o Brasil, seguido da Índia, do México e depois a Rússia.

A grande preocupação da OMS é com relação as promessas de doações de vacinas aos países mais pobres que não estão sendo cumpridas. a notícia não é deste blog, mas da própria OMS, pois ela tem se posicionado contra a terceira dose, pois de acordo com a reportagem The People´s Vaccine feita na BBC, uma aliança de instituição de caridade divulgou que apenas uma de cada sete doses prometidas de vacinas por empresas e países ricos, chegou de fato às nações mais pobres.

Na reportagem, na entrevista de Bruce Aylward ele afirmou: “Nós realmente precisamos acelerar ou sabe o que vai acontecer?  Esta pandemia vai durar mais um ano do que precisa” alertou, e isto se deve ao fato que mesmo com medidas de isolamento estamos sempre conectados, e qualquer comunicação (não só de pessoas, mas de produtos e de qualquer material biológico como frutas e víveres) pode ser transmissores em condições específicas

No Brasil o número de doses da vacina está chegando um reforço na campanha de vacinação contra a Covid 19, um lote de 1,7 milhões de vacinas Pfizer/BioNTech chegou na sexta (22/10) feita e outras iguais quantidades já haviam chegado totalizando um total de quase 5 milhões de vacinas.

Também os insumos para a AstraZeneca foram recebidos pela FioCruz que produz a vacina no país, o desembarque do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) chegou para a produção de 5,6 milhões de doses com desembarque previsto para as 5h50 da manhã de domingo.

A vacinação em primeira dose chega próximo a 153 milhões de doses, enquanto a segunda dose (ou dose única) chegou a pouco acima de 109 milhões de vacinados, a média móvel de mortes está pouco acima das 300 mortes diárias, com uma tendência de queda podemos supor que estaremos abaixo de 100 mortes diárias no início de dezembro.

 

A cultura de massa e sua crítica

21 out

No livro de Morin “A cultura de massa do século XX”, é colocado que há uma zona “onde a distinção entre a cultura e a cultura de massa se tornaQuadro retratando os rastros da epidemia - Wikimedia Commonspuramente formal: A Condição Humana, a Náusea ou A peste entram na cultura de massa sem deixar, contudo, a cultura cultivada” (Morin, 1997, p. 53) e o livro de Camus é interessante pela coincidência com a questão da Pandemia atual, e interessante que não tenha entrado nas análises do aspecto cultural do momento.

postamos no blog em outro momento sobre o livro de Camus “O Mito de Sísifo” e outro sobre o romance de José Saramago “Ensaio sobre a cegueira” (1995), embora muito lido em alguns países da Europa em meio a pandemia, sua análise não entrou nos círculos da “alta narrativa” cultural, ou a cultura cultivada, que tentamos explicar em algumas postagens nesta semana.

Escrito em 1947, pelo fraco-argelino Alberto Camus, importante sua origem, porque sua crônica parte de uma análise de uma epidemia que ocorreu na cidade argelina de Orã, em algum ano da década de 1940, período que Camus trabalhava clandestinamente no jornal clandestino “Combat!” onde escreveu textos engajados contra o nazismo, entre eles pode -se destacar “Cartas a um amigo alemão” (1945).

O livro trata do absurdo da existência, quando em meio a uma epidemia faltam o amor e a solidariedade humana, cujos sentimentos podem ser sintetizados onde escreveu: “Havia sentimentos comuns, como a separação ou o medo, mas continuavam a colocar me primeiro plano as preocupações pessoais. Ninguém aceitara ainda verdadeiramente a doença”.

Outro trecho que pode-se destacar: “Muitos continuavam a esperar que a epidemia cessasse e que eles fossem poupados, com as suas famílias. Por consequência, não se sentiam ainda obrigados a nada. A peste nada mais era para eles do que uma visita desagradável que havia de partir um dia. Assustados, mas não desesperados, não chegara ainda o momento em que a peste lhes surgiria como a própria forma da sua vida e em que esqueceriam a existência que até então tinham podido levar.”

Com a guerra recém terminada no período que escreve o livro, não deixa de lembrar: “Os flagelos, na verdade, são uma coisa comum, mas é difícil acreditar neles quando se abatem sobre nós. Houve no mundo igual número de pestes e de guerras. E contudo, as pestes, assim como as guerras, encontram sempre as pessoas igualmente desprevenidas.”

Faz uma análise sagaz dos flagelos na história: “Desde o início da história, os flagelos de Deus põem a seus pés os orgulhosos e os cegos. Meditai sobre isso e caí de joelhos.” e acrescenta: “Ah, se fosse um terremoto! Uma boa sacudidela, e não se falava mais nisso… contam-se os mortos, os vivos, e pronto. Mas esta porcaria de doença! Até os que não a apanham parecem trazê-la no coração.”, e sua conclusão traz uma reflexão: “Quanto mais a pandemia se estender, mais a moral se tornará elástica.”

Compreendi que a ausência da solidariedade e da compaixão, assim como a elasticidade da moral não eram fatos atípicos em epidemias, mas de certo modo esperados, porém acrescento que sempre há uma alternativa mais humana, mais solidária que nos devolva a esperança de um muito mais justo após um triste flagelo, aprender algo com ele.