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Arquivo para a ‘Filosofia da Informação’ Categoria

O ser: ontologias e epistemes medievais

23 abr

Agostinho de Hipona, após ter abandonado o maniqueísmo, dualismo entre o bem e o mal, elabora uma ontologia pouco conhecida e citada, mesmo por teólogos, trata-se de uma ontologia trinitária e uma gnose (ou episteme) complexa da verdade.

Ao fazer a leitura de uma passagem do Genésis (Gn 1,26), que é o homem feito a imagem de Deus (imago Dei), ele pondera que a expressão correta é: “façamos o homem à nossa imagem e semelhança, façamos e nossa foram ditas no plural, e não podem ser compreendidas a não ser como relação” (Agostinho, De trinitate, VII,6,1), onde o plural “façamos” e “nossa” estão lá invocando a trindade.

Esta visão antropológica não poderia passar despercebida, porém a visão filosófica de ser e ente ficam submersas e subentendidas no texto, o homem enquanto ser criado e ente, é ao mesmo tempo Imago Dei e natureza perecível, porém a imagem significa trinitária, e, por outro lado perecível significa finito enquanto ente e não enquanto Ser.

Agostinho não usa categoria ontológicas, mas onto-teológicas, assim o homem tem alma imortal e corpo perecível, Agostinho para responder a este aparente paradoxo criacionista, usa o conhecimento neoplatônico, que o ser humano é composto por uma porção corpórea/ material e uma porção espiritual, que diferente do dualismo que desmerece o corpo.

Para Agostinho a alma conhece e vive no corpo, assim “logo, tal como a mente recolhe o conhecimento das coisas corpóreas por meio dos sentidos corporais, é por si mesma que [recolhe o conhecimento] das incorpóreas. Portanto, já que ela própria é incorpórea é por si mesma que ele se conhece” (De Trinitate, XI,3,3 ), e assim formula sua episteme inseparável da alma e vista como “trinitária”.

Dito de outra forma, é subjacente ao autocentramento da mente, o se conhecer e se a amar, há o concurso da memória, da inteligência e da vontade, isto será mais desenvolvido em Porfírio e depois em Boécio (480-524 dC).

Discípulo de Plotino, Porfírio (c. 234–305 d.C.) foi um filósofo neoplatônico e seu trabalho sistematizou e difundiu o pensamento neoplatônico, suas contribuições abrangem diversas áreas, incluindo lógica, metafísica, ética e teologia, porém é famosa sua arvore do conhecimento, chamada Árvore de Porfírio (imagem acima).

Boécio seu discípulo e tradutor avança na contribuição que Porfírio pretendia deixar de unificar a filosofia platônica e aristotélica, a chamada henologia (a doutrina da unidade divina), sua obra Consolações Filosóficas traz parte do questionamento sobre conceitos particulares e universais, que será tema polêmico entre os nominalistas e realistas da baixa idade média.

Período caracterizado pelo feudalismo e pelas rotas comerciais preparou o renascimento.

SANTO AGOSTINHO, De Trinitate / Trindade, Covilhã, PT: Paulinas Editora, Prior Velho, 2007 (pdf IX-XIII)

 

Verdade, método e liberdade

09 abr

A verdade não é uma regra lógica ou mesmo uma busca científica, a ciência caminha em passos de construção do conhecimento, aquilo que é chamado de epistemologia, na sua raiz grande era a negação da doxa, da mera opinião.

A verdade dizia Sócrates (através dos discursos de Platão) “não está com os homens, mas entre os homens”, assim são precisos diálogos e contraposições de ideais para que se chegue ao que Hans-Georg Gadamer formula como “circulo hermenêutico” (já postamos aqui).

A hermenêutica é a arte de compreender o que está escrito ou falado, assim ela é a busca daquilo que cada autor formula, ou seu mapa mental, esta fidelidade exige assim um estudo não para colocar ideias ou palavra na boca do autor, mas descobrir sua intencionalidade.

As narrativas contemporâneas refletem esta ausência de hermenêutica, cada autor que dar ao outro o seu próprio discurso, isto só é possível restringindo a liberdade, ou intimidando o Outro, aquilo que na cultura atual é chamado de hater, ela é própria do autoritarismo dogmático, daqueles que só sabem ouvir o próprio discurso e se negam a entender o distinto.

A liberdade é essencial para o diálogo, para uma autêntica construção do conhecimento, e uma sincera busca pela verdade, é preciso ouvir o outro (o texto falado ou escrito) para se produzir uma nova fusão de horizontes, o processo compartilhado entre interlocutores.

A lógica da narrativa é a imposição de um discurso que se pretende único e verdadeiro, assim a liberdade não é permitida, os interlocutores são interrompidos ou calados em seu discurso, isto para que somente uma narrativa sobreviva e seus valores e argumentos sejam impostos.

A idolatria moderna do estado como única fonte de poder, ainda que se auto referencie como democrático, é a incapacidade de uma hermenêutica e de um método onde o diálogo é aberto.

É preciso suspender nossos conceitos, colocar entre parêntesis, um epoché. 

O círculo hermenêutico não é um fim em si mesmo, Hans-Georg Gadamer faz uma longa reflexão sobre o pensamento de Dilthey, que julga romântico e em parte é uma das influências na hermenêutica de Schleiermacher e as via comprometidas com a razão cartesiana e sua lógica.

Presos a esta lógica, o dualismo sujeito e objeto permanece, e segundo Gadamer (1998, p. 340) ele remonta a Vico que já havia afirmado o primado epistemológico do mundo da história segundo o espírito humano, este tipo de conhecimento torna sujeito e objeto interligados.

Assim a verdade é ontológica, própria do espírito humano, própria de seu ser, nele há verdade.

GADAMER, H-G. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.

 

Serenidade: escolher o que é bom

07 mar

Não há serenidade sem escolhas razoáveis sobre a vida pessoal, social e espiritual, pior ainda quem tenta eliminar uma das três, sem vida pessoal não há o ser-ai (o Dasein heideggeriano), sem a vida social vivemos uma bolha, e sem a espiritual não desenvolvemos nossa essência.

Entre as escolhas tem temos que fazer na vida, elas não podem envolver somente um dos três aspectos: a pessoal apenas nos torna egoísticas e narcisistas, sem a social nos tornamos alienados e com dificuldades de compreensão da realidade e sem o espiritual não temos uma verdadeira ascese que nos eleve como seres humanos.

Por ocasião do centenário de seu conterrâneo o grande música Conradin Kreutzer, em uma conferência de 1949 em sua cidade natal  Meßkirch, na Alemanha, e escreveu o texto sobre Serenidade.

Heidegger questiona a dificuldade do pensar já naquela tempo, e pergunta se não é através da música e do canto: “não se distingue a música pelo facto de ´falar‘ através do mero ressoar das suas notas e de não necessitar da linguagem corrente, da linguagem das palavras?” e : ”já uma comemoração, que envolve o acto de pensar?” (Heidegger, 2008, p. 10).

Ao recordar a sua cidade natal, lembra que [em função da guerra]: “tiveram de abandonar as suas aldeias e cidades foam expulsos do solo natal … tornaram-se estranhos … e os que nela ficaram ? Muitas vezes estão ainda mais desenraizados (heimatloser) do que aqueles que foram expulsos. A cada hora e a cada dia estão presos à rádio e à televisão … o cinema transporta-os semanalmente para os domínios invulgares, da representação que simula um mundo que não o é.” (Heidegger, 2008, p. 16), mostrando a relação com a tecnologia.

Se vivesse em nossos dias veria o quanto é realmente visível a relação que se mantém, agora não transportando a realidades outras, mas a irrealidades que transportam as mentes ao vulgar.

Assim as escolhas que se deve fazer torna-se mais radical, mais do que nunca é preciso não só escolher o que é bom e saudável, mas lutar para que esta consciência não se perca em ilusões.

Heidegger, M. Serenidade. Lisboa: Instituto Piaget, 2008.

 

A lógica do “hater”

12 fev

A palavra está no centro de discussões acaloradas, manifestações de cólera e de pouca empatia, a lógica do “eu” primeiro entrou em todos círculos, do familiar ao político.

A tradução para o português seria “odiador”, mas pelo pouco uso desta palavra no português creio que hater acabará nacionalizado, e por falar nisto, muita gente não gosta do uso de palavra como meeting (encontros), coaching (treinamento) e open house ou home-office, que muita gente usa, mas temos exemplos do passado: abajur (do francês), software  (do inglês), chucrute (alemão) e schoppen (do alemão, que virou chope) e que não tem nada a ver com shopping (do inglês, compras).

É preciso evitar o “hater”, o “bullying” (intimidação) eles levam a um tipo de assédio moral, também o meme, que se usada em sua origem (vem do grego mimeses) seria uma unidade básica de transmissão cultural, que significa imitação, mas que foi transformada em uma analogia maldosa, por exemplo, determinada figura pública como um animal.

Na raiz de toda esta perversão cultural estão não a introdução de novas palavras na língua falada, que em si não é um mal, mas feito de maneira maldosa torna-se algum tipo de intimidação cultural, que leva ao preconceito e daí a violência.

Não é apenas a falta de empatia, é o respeito ao diferente, é o desejo de inclusão do Outro, diversos autores escreveram sobre isto (Paul Ricoeur, Emmanuel Lévinas, Habermas, Todorov, Martin Buber, etc.) nenhuma filosofia contemporânea digna do nome deve deixar de abordar este tema, ao final de tudo é um “ente” de um mundo em comum, assim o Ser-no-mundo se torna um “ser-com-os-outros” num mundo compartilhado (mitwelt).

Esta mudança de comportamento começa no coração e na alma do “dasein”, onde a clareira de Heidegger pode se abrir em meio a uma floresta densa e obscura.

Sem olhar o Outro com sua dignidade (Ricoeur escreveu “outramente”, Buber escreveu “o eu sagrado”) é diferente do eu-isso que boa parte da filosofia também explora.

O coração purificado aceita empaticamente o Outro, como uma forma do seu Ser.

 

Círculos viciosos e virtuosos

21 jan

Mesmo estando num momento civilizatório com uma “policrise” (termo usado por Edgar Morin), onde estaríamos sem alguma ideia de justiça, de bondade e fraternidade?  talvez numa barbárie ainda pior de guerra e violência cotidiana, mas alguém pode perguntar não estamos perto disto? 

Ninguém questiona que a racionalidade adota comportamento que podem garantir o futuro da humanidade e o próprio, porém o descontrole das “virtudes” pessoais e sociais cria uma nova cultura, aquilo que alguns chamam de cultura deteriorada que gerou um brainrot coletivo.

O que a filósofa inglesa fala sobre virtudes é que a racionalidade deve acompanhar estes aspectos, que há algo de bom nisso, e isto é a razão dos fatos sobre a nossa própria natureza humana, e ela desafia duas premissas não-cognitivistas, que estariam amparadas em uma má compreensão sobre a racionalidade prática, as motivações humanas para agir no dia-a-dia e sobre uma gramática lógica subjacente a dizer que algo é “bom”, uma vez que o “algo” aqui é essencial para a determinação e a significação do bom.

Deduz deste raciocínio que o que é logicamente vulnerável aos fatos, e fatos, por sua vez, são identificados e compreendidos, correta e mais completamente, à luz daquilo que é bom.

É o que preferimos chamar aqui de circulo virtuoso, porque é comum se dizer que o bom é frágil, mas só quando está inserido num círculo vicioso (cultural e social), o circulo virtuoso torna também o mal frágil se estamos inseridos nele, é facilmente repelido tudo o que é maligno.

O problema cultural é este não permitir que uma cultura se deteriore na medida que evolui, não é prejudicial nem vicioso que uma cultura evolua, porem suas raízes não podem ser perdidas sob a pena de modificar valores que a tornem a prática social, cultural e pessoal viciosa.

Interromper este fluxo não é simples, cultura do consumismo (na medida que temos mais objetos de consumo), cultura do imoral (na medida que há mais facilidades para pequenos roubos que se viciosos se tornam grandes), cultura da ignorância ecológica: desmatamentos e práticas que tornam a produção de materiais de consumo uma cultura de degradação insustentável da natureza.

Também os níveis desumanos de seguridade social, a pobreza estrema e a ausência de políticas sustentáveis de médio e longo prazo que retirem os bolsões de miséria que persistem no mundo.

A gramática lógica de Philippa Foot não há mudança nem adaptação no significado de “bom”, ela fala de “boas raízes” e quando falamos das “boas disposições da vontade humana” ela deve incluir as virtudes cardeais: a prudência, a justiça, a prudência, a fortaleza e a temperança, elas compõe o amor ágape, porém sem estas virtudes a palavra pode ser usada em contextos não virtuosos.

Na foto: Allegoria della Virtù e della Nobiltà. Giambattista Tiepolo , 1740-1750.

Foot, Philippa. Natural Goodness. UK:  Oxford University Press, 2001.

 

Quatro livros para ler em 2025

31 dez

Feliz 2025 para todos que me leem, e acompanham as minhas preocupações sociais, espirituais e intelectuais, ao meu ver é preciso ler e reler o Outro, o contraditório, o que ignoramos.

É bom fazer um propósito para o ano que se inicia, considero a leitura algo importante e agora mais do que nunca devido a um certo esfriamento cultural e espiritual deste hábito.

Todo ano me proponho a ler 4 livros, acabo lendo mais ou lendo algum dos propostos parcialmente, se considero o livro muito aquém do que esperava, mas isto é raro.

Em 2025 três livros me chamam a atenção o primeiro, ainda encontro poucas referências sobre ele, é o livro “Liberty” um romance sobre um casal apaixonado e uma intrusa, três mentes doentias, entretanto a autora Collen Hoover vem se destacando, também nas mídias sociais e uma série de TV.

O segundo livro é de dois ganhadores do Nobel em 2024, “Porque as nações fracassam” é escrito por Daron Acemoglu e James A. Robinson, que junto com Simon Johnson ganharam o Nobel de Economia em 2024, a sinopse do livro diz que eles defendem a tese original de que a probabilidade dos países desenvolverem boas instituições é quando contam com um sistema político e aberto, com disputa de cargas, eleitorado amplo e espaço para emergência de novos líderes, e isto parece explicar o cenário atual de decadência política e econômica.

O livro de David Flusser me chamou atenção desde que li a primeira sinopse, uma visão abrangente da Palestina do primeiro século quando Jesus viveu, as ideias religiosas que circulavam, as lutas políticas e antagonismos sociais do período, mostra um Jesus coerente com o Antigo Testamento (a Torah) e identificado com seu povo, o pouco que li surpreendeu.

O autor foi professor de cultura hebraica na Universidade de Israel e foi um judeu moderado e recebeu o prêmio Israel da Academia de Ciências e Humanidades de Israel, em 1980.

Li o primeiro volume da Obra Filosófica de Henrique Cláudio de Lima Vaz, que foi fruto da pesquisa relativa ao biênio 1988-1989 enviado ao CNPq quando era pesquisador-bolsista, seu projeto era: “A construção hegeliana: um paradigma da racionalidade sistêmica”, onde expõe com clareza o pensamento Hegeliano, o segundo volume é mais estruturado no cerne do pensamento Hegeliano.

Este volume conforme a sinopse vai da formação do pensamento de Hegel até a Fenomenologia do Espírito, e como Henrique Cláudio foi padre jesuíta (já é falecido) me interessa o quanto o pensamento contemporâneo religioso tem influencia do idealismo hegeliano.

Feliz 2025 a todos, façam um propósito de mudança, sejam resilientes (a felicidade não é fácil) e sejam solidários aos que precisam de você.

 

Interioridade, verdade e conflitos

10 out

O abandono de concepções que levam a humanidade elaborar-se interiormente elevando os pensamentos e espiritualidades é apontado em inúmeras leituras contemporâneas, temos aqui postado aqui Heidegger, Hans-Georg Gadamer, Peter Sloterdijk, Edgan Morin e Byung-Chul Han, entre outros, é claro.

Porém queremos aqui partir da questão do método e retornar a fenomenologia de Husserl, um dos primeiros a questionar “A crise das ciências Europeias e a fenomenologia transcendental – uma Introdução a Filosofia Fenomenológica” (edição brasileira da Forense Universitária, de 2012) que aponta esta questão e que na terceira parte esclarece a questão transcendental e os equívocos da ciência contemporânea.

Assim aponta seus questionamentos dos conceitos de “experiência exterior” e “interior”: “O absurdo principial de querer considerar seriamente homens e animais como realidades duplas, como vínculo entre duas realidades de espécie diversas, equiparáveis quanto ao sentido de realidade, e querer, assim, pesquisar também as mentes pelo método científico-corpóreo, ou seja, de modo natural-causal existindo espaço-temporalmente como corpos – resultou na pretensa obviedade de um método a configurar de modo análogo ao da ciência da natureza” (Husserl, 2012, pgs. 177-178).

Neste sentido vai questionar tanto o dualismo cartesiano como o fundamento de uma ciência que cria um “paralelismo” onde: “a natureza físico-matemática é a natureza objetivamente verdadeira; essa natureza deve ser a que se anuncia nas aparições meramente subjetiva” (pg. 179), e sua questão levantada é porque “não é a natureza do mundo da vida, este mero elemento subjetivo da experiência exterior, mas esta é contraposta à experiência exterior ?

A interioridade na filosofia é um aspecto fundante desde que observemos a questão ontológica do Ser, já presentes em Platão e Aristóteles, e que em Santo Agostinho vai ter um papel central na sua visão de mundo, onde busca um sentido profundo de “beatitude” da alma.

Esta interioridade reduzida a interior e visões imediatas de mundo, separam o homem do mundo, dos outros e passa a se projetar excessivamente sobre os objetos, “as coisas” até o ápice do mundo digital, chamado por Byung-Chul Han de “não coisas”, para falar de algo em alta atualmente, diz o autor: “inteligência artificial não pensa”.

Assim nos movemos mecanicamente para interesses para conflitos externo e que nos levam a posicionamentos cada vez mais litigiosos sobre valores e não-valores que justificam a violência.

O problema que aponta Husserl, é que tudo isto parte de um “método” ou seja o modo particular como olhamos o exterior e exercemos nossa interioridade, contrapostos nas origens por  Brentano e Dilthey: “como em geral no século XIX, no tempo dos esforços apaixonados para produzir uma psicologia rigorosamente científica, apresentável ao lado da ciência da natureza” (pg. 180), mas este psicologismo é superado pela crítica de Husserl a Brentano e depois por Hans-Georg Gadamer a Dilthey, como o vê como um historicismo romântico.

O que é o homem interiormente, porque esvaziou-se na modernidade, qual o retorno a vida ?

HUSSERL, E. A crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental: uma introdução à filosofia fenomenológica. Trad. Diogo Falcão Ferrer. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2012.

 

Desvelar e futuro

05 jul

Grande parte das perspectivas de futuro que não estão dentro do avanço civilizatório, além de incluir guerras e hostilidades, valem-se de revelações, cuja etimologia da palavra vem de re-velar, que significa tirar o véu e recolocar outro, assim via de regra são obscuras.

Não se trata apenas no plano religioso também na filosofia á o des-velar, onde o último grande oráculo e profeta foi João Batista, afinal ele que anunciou a maior de todas profecias: o nascimento de Jesus, não significa é claro que neste campo não hajam novidades, Deus é sempre novo e criativo.

A palavra desvelar na filosofia vem da busca da verdade, Heidegger e outros filósofos retomam a partir da a-letéia (a é não e lethe – esquecer), para modificar o conceito do que é verdade no Ser e Tempo (escrito em 1927), afirma no parágrafo 44 que entende desvelamento como um evento que retira os entes do velamento.

Uma prévia compreensão que liberta uma orientação do homem aos objetos (a questão da subjetividade x objetividade) favorece a interpretação (Auslegung), ou seja, a articulação com o que fora previamente compreendido, e assim o refaz na perspectiva de novos horizontes.

O discurso, no sentido correto da narração é posterior e consiste em uma atividade básica do que é humano, ligar-se e conviver com os outros, dá ao homem uma compreensão comum e além da fala e das opiniões compartilhadas, cria uma fusão dos horizontes, uma narração.

Já postamos aqui a questão da Crise da Narração, em especial o livro de Byung- Chul Han, assim o homem projetado sobre objetos e ações cria narrativas e não consegue claramente desvelar a realidade, é preciso usando uma metáfora, trocar os óculos.

Assim se há verdades revelações elas estão ocultas para os futurólogos atuais, elas revelam muito mais uma angústia com o futuro que propriamente um desvelar do futuro.

Na passagem bíblica que Jesus tem dificuldade de se desvelar para os seus contemporâneos, encontra dificuldades até mesmo entre os mais próximos e membros da família (Mc 6,4), por assim dizer os religiosos mais próximos dele no seu tempo e algo parecido ocorre atualmente.

GIACOIA JUNIOR, O. Heidegger Urgente. Introdução a um Novo Pensar. 1ª edição. São Paulo: Três Estrelas, 2013.

 

A força dos laços fracos

18 abr

A teoria das redes, não no enfoque das mídias de redes sociais, mas dos laços entre atores tem algumas propriedades curiosas e duas são muito especiais: os seis graus de separação e a força dos laços fracos (Weak ties) que parecem estranham aos que desconhecem a teoria.

Os seis graus de separação indicam que vistos como redes as relações entre atores sociais, na realidade, estão mais conectadas do que se imagina, e isto não é apenas no mundo das mídias sociais (o que é incorretamente colocado equivalente com redes sociais).

Um experimento clássico, chamado de Experimento de Milgram devido o trabalho do psicólogo Stanley Milgram, que enviou cartas para determinadas pessoas distantes, e identificou de laços de conhecimento pessoal existente entre duas pessoas quaisquer, e descobriu uma distancia média de 5,5 de pessoas até as cartas chegarem ao destino.

O experimento teve falhas, como cartas que não foram enviadas para frente parando em algum intermediário e o desconhecimento do objetivo de determinadas pessoas no experimento, por exemplo, não ter entendido que a carta deveria ir o mais próximo do destino final.

Já o experimento de laços fracos que foram feitos por Mark Granovetter (1973) leva em contato o contato mais fracos e distantes em redes sociais, pode dentro de determinados contextos significar que os laços entre duas pessoas que tem interesses similares são fortes, mesmo que passe por algum intermediário C, e isto torna C também parte do laço forte.

Assim o laço fraco será justamente o oposto, A e B tem interesses e rotas de ligação distantes, que pode significar interesses diferentes ou apenas distantes, entretanto na teoria das redes estes laços são importantes para o funcionamento da rede e sua dinamização, ao contrário do que diz o senso comum.

O que Granovetter pesquisou é que quanto maior a força do laço entre duas pessoas, maior a chance de que o círculo de amigos e laços seja comum e que a mensagem fique apenas naquele círculo, não atingindo outros círculos de relacionamentos e ampliando a rede.

Neste sentido limitar ou proibir redes socais significa diminuir e tornar a rede social (que não é necessariamente feita via mídia) limitada, entretanto, existem redes que praticam determinados crimes e não devem ser legitimadas e quando possível proibidas.

Isto é discutido dentro da questão do poder, porque a teoria das redes contradiz a ideia de um poder cada vez mais forte e centralizado como solução para problemas sociais, porque ainda que proibidas, as redes sociais continuam funcionando conforme estabelece a teoria dos seis graus de separação e a distancia entre atores é menor do que supõe o poder centralizado, que ele é muitas vezes isolado em sua “bolha” social ou ideológica.

As redes sociais dinamizam as estruturas de laços sociais e ignorá-las pode ser uma fonte de empoderamento de diversos grupos sociais e ajuda a crescer a verdadeira vontade popular.

 

GRANOVETTER, Mark S. The Strenght of Weak TiesThe American Journal of Sociology, vol. 78, n. 6, p. 1360-1380, may 1973.

 

O medo, a sociedade e a esperança

09 abr

O medo não é algo destes dias e talvez da sociedade contemporânea, não é, porém, algo transitório e nem mesmo impossível de ser vencido.

Em diversas sociedade e pensamentos foram eles foram elaborados, no pensamento clássico antigo

Engano pensar que o cansaço, a cobrança e o medo sejam os problemas atuais, eles estão presentes a algum tempo em nossa sociedade: a competição e a cobrança de perfeição estão presentes na história da humanidade.

Heidegger (1889-1976) afirmava assim (não é literal aqui): o medo nos convida

a viver na impropriedade, não atribuímos sentido, deixamos que os outros e as circunstâncias o atribuam, nos alienamos de nós mesmo, vivemos sempre correndo, com nossas agendas cheias de distrações que nos ocupam.

É para alguns um modo mais fenomenológico e prático de ver o medo, como Pascal e Kierkegaard teriam um medo mais teológico, porém há um equívoco teológico “temor a Deus” não é necessariamente um medo, e sim um respeito, afinal o primeiro mandamento cristão é Amar a Deus sobre todas as coisas.

Então ver o medo como “coisa”, o sentido fenomenológico de Heidegger e outros não suprime a visão teológica, um pensamento limitado ao homem também limitará sua existência a este mundo sendo um intelecto limitado.

A obra de Kierkegaard “O Conceito de Angústia”, lembrando que fizemos um post sobre isto,  tem um demanda de perguntas muitas são feitas em relação  ao “medo da morte”, que em certo sentido é uma teológica frágil, já a obra de Pascal tem também um víeis de “arriscar em Deus”, ao pensar na alma.

Diz o filósofo: “A imortalidade da alma é uma coisa que nos preocupa tanto, que tão profundamente nos toca, que é preciso ter perdido todo sentimento para permanecer indiferente diante dela.”, não afirma, portanto, sua imortalidade, mas sim frente a dúvida.

Para Heidegger, ela é mais que um fenômeno psicológico e ôntico; ela tem uma dimensão ontológica, pois nos remete a totalidade da existência como ser-no-mundo, porém a angústia o homem só existe só é o homem se puder ter uma compreensão do Ser, embora não o diga, é uma realidade além da “coisa”, Hannah Arendt sua discípula, dirá além da vitta activa.

A vitta contemplativa (ver também Byung-Chul Han) nos leva a consciência do Ser, é um caminho para a superação do medo e da angústia.