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Euforia e serenidade
O contrário de serenidade não é irritação ou ira, estas são o contrário de calma (ou longanimidade), o contrário é euforia, já postamos a relação entre serenidade e Phronesis, palavra grega que poderia ser traduzida como sabedoria prática, central no livro de Hans Georg Gadamer, e que a nosso ver se aproxima de serenidade.
Há aqueles que acreditam em euforia depois da covid.
Isto porque vivemos em tempos de reações impulsivas as questões colocadas, em que depois da euforia vem a depressão e o desanimo, que no fundo são sempre falta de phronesis, ainda que muitos chamem a atenção para a ação, para a prática, mas descolada da sabedoria.
Em Verdade e Metodo II (segundo volume), predominam colocações sobre a estrutura dialógica da linguagem pensada como a que pode orientar o mundo (e nossa visão de mundo) e a relação mais clara entre pensamento e linguagem.
O esclarecimento que faz da questão histórica, foi Gadamer que superou a discussão de Dilthey e outros da historicidade romântica, sua hermenêutica filosófica aprofunda como uma hermenêutica da escuta, na escuta e para a escuta, verdadeira visão do Outro.
Gadamer no segundo volume dá estrutura a uma frase do escritor russo Leon Tolstoi: “Não existe grandeza onde não há simplicidade, bondade e verdade”, se verdade é difícil de ser dita, quando praticada em sabedoria Phronesis ela abre uma “clareira”, a escuta do outro.
Será que o universo nos “ouve”, será que plantas e animais nos “ouvem”, é preciso entender sua linguagem e neste sentido linguagem não é qualquer coisa da simples fala, é escuta.
No vídeo abaixo Gadamer retrata a história da filosofia, mas com phronesis e verdade:
Alegria e dialogia
É praticamente impossível pensar em polos opostos, mas em dialogia hermenêutica é possível deixar os pré-conceitos de lado para realizar uma fusão de horizontes.
São polos opostos que produzem energia, por exemplo, são forças contrárias que mantém o equilíbrio, o desiquilíbrio é justamente uma força romper a outra como é o caso da fissão atômica, que produz uma bomba, mas mesmo assim dominada é uma energia.
O respeito ao Outro, em tempos de pandemia significa observar a distância, usar máscaras e se solidarizar com os que sofrem os efeitos da pandemia, também na questão social.
A importância de princípios, ou espiritualidade ou mesmo o divino entre nós, é necessário para que isto seja feito sem que a possibilidade de ruptura seja a única alternativa, e as vezes é.
A alegria que experimentamos quando nos abrimos aos outros, abrindo mão até dos próprios pré-conceitos (todos temos conceitos sobre a vida, a verdade, etc.) é inconcebível, mas sempre real.
O problema levantado pela filosofia do Outro, que não é o mesmo, é o primeiro princípio para uma autêntica dialogia, em tempos de cidadania global ela será mais que necessária, será a única fonte rica para diálogo e harmonia entre povos e culturas.
A não aceitação do Outro, seja cultural, social ou etnicamente é a razão dos conflitos atuais, além dos atos feitos sem nenhuma ética, mas aquela ética spinoziana que cada um tem seu propósito.
A alegria é possível mesmo em tempos sombrios.
Ódio, desdém e reflexão
Não é por acaso que a região do cérebro de estruturas como o córtex frontal medial, cuja capacidade de argumentar e portanto de dialogar se encontra ali, tenha como núcleo o putâmen, o córtex pré-motor e o córtex insular, cujas estruturas participam também da percepção do desdém e do nojo, isto é a ativação do ódio está fisicamente no cérebro próximo àquelas áreas associadas ao julgamento e ao raciocínio, assim pode-se tanto ativar um como o outro, há as duas opções.
Os que querem justificar o ódio então estão cheios de argumentos, são capazes de raciocínios até profundos para agir contra o odiado, mas se a premissa for o diálogo o mesmo raciocínio pode ser usado para compreender, cuidar e desviar a violência do outro, como algumas artes marciais ensinam, desviado o “corpo”.
O ódio não desaparecerá esperando que as circunstâncias externas mudem, em geral ela não acontece, não é uma mágica, para curá-lo é necessário que se reconheça a diversidade, sua problemática, como diria Gadamer ter consciência dos pré-conceitos, isto é, dos fundamentos que iniciam uma desavença ou um tipo de crédito, reconhecer o Outro em sua bolha e reconhecer a nossa, ambas como tendo pré-conceitos.
Se de fato ativamos a parte do raciocínio, do pensamento e colocamos as desavenças neste nível, atenuamos um pouco a parte do ódio, mas é essencial perguntar e uma parte de nosso ódio viria abaixo ao refletir dessa forma: “Por que odeio? O que pretendo conseguir com isso? O que ganho e o que perco com meu ódio?”.
Não conheço situação que se resolveu neste caso, em geral levou a um conflito maior, a um ódio mutuo maior, se o objetivo é a guerra provavelmente chegaremos lá, mas creio que para a maioria das pessoas não é, então o que falta é refletir, analisar as origens de tal “mal” em suas bases mais profundas.
O ódio deve ser combatido com a compreensão e principalmente que leve a um novo tipo de ação, o que implica reconhecer em primeiro lugar que ele existe e é fomentando por dois lados e não por um só, nas manifestações das pessoas e em suas propagandas, as denuncias são recorrentes para dizer toda verdade está deste lado e no outro só mentira, é preciso explicar as consequências e que de fato quem se beneficia são aqueles cuja razão de existir e de pensar é mesmo o “ódio”.
Pessoas sábias de diversos matizes como Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Nelson Mandela ou madre Teresa de Calcutá com sabedoria e inteligência diante de conflitos enormes e absurdos souberam mostrar que a bondade e a generosidade, a criatividade e o respeito ao outro podem levar a buscar um bem coletivo maior e em embora um pouco mais demorado terão frutos mais duradouros, com menos violências e mortes, mas porque mesmo em grupos sérios o ódio persiste, a resposta é muito simples.
Incentivados por líderes e grupos que vivem em bolhas políticas, ideológicas ou religiosas, o principal recurso é a demonização do adversário, identificado com algum aspecto repugnante do mal: morte, corrupção, violência sexual, racial ou de gênero, enfraquecimento de valores ou algo do tipo, e uma vez unidos em grupo o medo desaparece e isso reduz a inibição de quem odeia para agir de outras formas não a da argumentação e exposição dos fatos, mas a violência contra a violência.
Os líderes que incitam este ódio, dizem já não poderem controla-lo, mas no fundo o desejaram, desenvolvem esta parte do raciocínio que dizemos no início perto da parte do cérebro do putâmen, e liberado o ódio será executado pelas pessoas que usam a outra parte com menos raciocínio e mais visceral, assim o ódio “explode”.
O que devemos pensar diante de fatos indignos, e neste momento não deveria haver nenhum maior que a pandemia, é que o sentimento de medo e de exaustão pelo confinamento é explorado não em conseguir modos de relaxamento e anti-stress, mas de liberá-lo em formas violentas, quais as consequências ? e a quem estão favorecendo ? penso que aos odiosos, e não aos amorosos que de fato tem amor pela humanidade e pelo apreço mais frágeis.
Parece um caminho sem volta, em meio a pandemia e com duas eleições tensas se aproximando, a nacional dos Estados Unidos e as municipais no Brasil, vejo pouca ou quase nenhuma discussão sobre a pandemia e sobre os que morrem todos os dias, as famílias enlutadas e a compaixão com estes, nem de um lado nem do outro.
Felizmente os níveis de mortalidade diminuíram, mas o fim de semana prolongado prometem aglomerações, a vila de carros para a praia era enorme, e a pandemia ?
No prazer do texto há um diálogo
No post anterior há as expressões de Barthes sobre literatura, escrita e texto, e já conceituamos a ideia de inscrição que se supõe um suporte, a escrita e o aspecto cognitivo e no texto o aspecto linguageiro, artístico e de “instalação”, e é aqui que analisa-se o seu livro “O prazer do texto”.
O livro apesar de aspectos teóricos é de fato um prazer ao ser lido, há diálogo e principalmente surpresas agradáveis, como por exemplo, um espaço semiológico, uma espécie de lugar entre duas margens: “uma margem obediente, conforme, plagiária (…) o estado canônico da língua e outra móvel, vazia (…) estas duas margens enceram, são necessárias” (pag. 40).
Cede a literatura mais clássica: “de Zola, de Balzac, de Dickens, de Tolstoi) traz em si mesma uma espécie de mimese enfraquecida: não lemos tudo com a mesma intensidade de leitura; um ritmo se estabelece, desenvolto, pouco respeitoso em relação à integridade do texto” (pag. 17)
Trata em uma única linha de rupturas Proust, Balzac e Tostói, “o próprio ritmo daquilo que se lê e do que não se lê que produz o prazer dos grandes relatos: ter-se-á algumas vez lido Proust, Balzac, Guerra e Paz, palavra por palavra? (Felicidade de Proust: de uma leitura a outra, não saltamos nunca as mesmas passagens)” (pag. 18).
Recomenda como se deve fazer a verdadeira leitura: “Leiam lentamente, leiam tudo, de um romance de Zola, o livro lhes cairá das mãos; leiam depressa, por fragmentos, um texto moderno, esse texto torna-se opaco, perempto para o nosso prazer: vocês querem que ocorra alguma coisa, e não ocorre nada; pois o que ocorre à linguagem não ocorre ao discurso: o que “acorre”* , o que “se vai”, a fenda das duas margens .. “ (pag. 19).
Contrasta o texto com o teatro ou o cinema: “Na cena do texto não existe ribalta: não há por detrás do texto ninguém ativo (o escritor) nem diante dele ninguém passivo (o leitor); não há um sujeito e um objeto. O texto prescreve as atitudes gramaticais: é o olho indiferenciado que fala um autor excessivo (Angelus Silesius): ‘O olho com que eu vejo Deus é o mesmo olho com que ele me vê.” (pag.52).
Revela o segredo de outro livro seu: “Tradição antiga, muito antiga: o hedonismo foi repelido por quase todas as filosofias; só se encontra a reivindicação hedonista entre os marginais, Sade, Fourier; para o próprio Nietzsche, o hedonismo é um pessimismo” (pag. 74), o livro citado no post anterior que vai muito além do hedonismo.
BARTHES, Roland. O prazer do texto. Trad. J. Guinsburg. SP: Editora Perspectiva, 1987. (pdf)
Autores e diálogos
Li um texto de 1968 de Roland Barthes “A morte do autor” no qual ele problematiza o conceito, propondo-o como “a destruição de toda a voz, de toda origem”, ele diria também do homem (de hoje) num momento conturbado de conceitos e de acontecimentos verdadeiramente e “estranhos” que estão se construindo “barricadas nos textos”, o que dizia de seus contemporâneos (Alain Badiou e Jacques Derridá afirmaram que sem este conceito não se pensa criticamente nenhum objeto), e o que diria hoje, certamente que sua tese estava certa, e hoje mais ainda.
É sabido que Foucault deu umas alfinetadas em Barthes, mas em Sade, Fourier, Loyola elas foram devolvidas ao inserir no jogo discursivo o leitor e reformula a questão da autoria em outra dimensão: o corpo, este objeto de consumo de tantas teorias hoje, somente em Barthes encontra alguma solidez (não líquida).
Para Barthes o texto é um corpo, um objeto de prazer dotado da capacidade de penetrar na vida do leitor em fragmentos, gerando coexistências entre leitor e autor, ou textualmente:
“O prazer do texto comporta também uma volta amigável do autor. O autor que volta não é por certo aquele que foi identificado por nossas instituições (história e ensino da literatura, filosofia, discurso da Igreja); nem mesmo o herói de uma biografia ele é … é um simples plural de ‘encantos’, o lugar de alguns pormenores tênues, fonte, entretanto, de vivos lampejos romanescos, um canto descontínuo de amabilidades, em que lemos apesar de tudo a morte com muito mais certeza do que na epopéia de um destino; não é uma pessoa (civil, moral), é um corpo.” (BARTHES, 2005).
Barthes propôs em 1977 (Leçon) uma distinção dos termos: literatura, escrita e texto, que é particularmente interessante conceitualmente, a escrita tem algo que é a manuscrição uma inscrição na qual se supõe um suporte, um utensílio, em segundo lugar (embora seja apenas de caráter didático) o sentido cognitivo, pelo qual se designa a instalação e o terceiro as formas “linguageiras” dotadas de significação que tomam um sentido artístico.
Para problematizar a questão da “pluridimensionalidade” proposta por Barthes para a literatura ele inicia a chamada “crítica genética”, problematizando o aspecto enunciativo do termo, tem como objetivo reconstituir uma história do texto em estado nascente, buscando encontrar nele os segredos de fabricação da obra, e assim é explicado o que é um texto e sua relação com a literatura.
É aqui que se estabelece o diálogo pela língua, sem a compreensão da genética de um texto, pode haver solicitude ou diálogo, mas não sairia da superficialidade e nem atingiria aquele nível desejável para muitos autores contemporâneos de assumir os pré-conceitos e estabelecer novos horizontes.
Barthes faz uma valiosa reflexão acerta da escuta distinguindo-a do ato fisiológico do mecânico de “ouvir”, dando-lhe um estatuto de ato psicológico que só se define por seu objeto e por sua intenção, categoria tão cara á hermenêutica embora não seja exatamente a mesma, guarda similaridades.
autor faz uma valiosa reflexão acerca da escuta, distinguindo-a do ato fisiológico e mecânico de “ouvir”, conferindo-lhe um estatuto de ato psicológico que só se define por seu objeto e por sua intenção.
É famosa a frase de Barthes: “Toda a recusa duma linguagem é uma morte” e um interprete deste autor explicita a diferença entre ouvir e escutar: “[…] uma escuta poiética (‘bruta’, como o quer Barthes) visa não aprisionar sons de uma maneira hierarquizante, como num insípido objeto de análise fria” (El Haouli, 2002), é este aspecto de diálogos hierárquicos que dominam muitos que julgam fazê-lo mas não o fazem, apenas desejam a submissão passiva do Outro às suas categorias.
BARTHES, R. Sade, Fourier, Loyola, Paris: Seuil, 1971. [tradução: Sade, Fourier, Loyola. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
EL HAOULI, Janete. Demetrio Stratos: em busca da voz-música. Londrina: Gráfica e Editora Midiograf, 2002.
Mistério não é ignorância
Histórias de culturas, de tradições culturais que envolvem o imaginário, e o próprio imaginário são envoltos em mistérios, mas não se deve confundi-los com ignorância ou superstições, é isto que pode-se ler no livro do quase centenário Edgar Morin “Conhecimento, Ignorância e Mistério”. le-se aí muito sobre o conhecimento, algo sobre a ignorância e o essencial sobre o mistério, a dosagem de Morin é perfeita e um bom remédio para o pandêmico.
Ele prepara um livro para a pandemia, mas como sempre se antecipa à história espero ler e acredito que ele é um dos poucos que pode falar sobre o novo nomrla ou o pós-pandêmico justamente porque enfatizou numa de suas conferências que a crise sanitária nos pegou de surpresa e nos colocou de joelhos.
Além de livros planetários como “Terra Pátria”, sobre epistemologia “O Método” em seis volumes, é um dos raros que se arriscou a trilhar novos caminhos em nossos dilemas globais através de “Para Sair do século 20” e “Diante do Abismo”, porém neste livro de 2018, o seu salto é sobre o mistério sem escorregar pelos caminhos fáceis da crendice e da ignorância, questiona tanto o fetiche da razão como o determinismo materialista, entre suas diversas obras estão os Estudos Transdisciplinares feito num no Centro destes estudos em Paris com o filósofo, importante para o mundo digital Michel Serres, recentemente falecido, e proclama que podemos com a disciplinaridade e com a excessiva especialização caminhar para um novo “obscurantismo”.
Separa claramente a ignorância do mistério, para ele ““Só podemos apreender o real por meio das representações e interpretações. A realidade do mundo exterior é uma realidade humanizada: não a conhecemos diretamente, mas por meio do nosso espírito humano, traduzida/reconstruída não só pelas nossas percepções, como também pela nossa linguagem, nossas teorias ou filosofias, nossas culturas e sociedades”, e o mistério é para ele equacionado pela transdisciplinaridade como “a contradição a que chega todo conhecimento aprofundado não é erro, mas última verdade concebível”.
Valoriza o mistério como caminho de descoberta e conhecimento: “O conhecimento complexo é o caminho necessário para chegar ao incognoscível. Caso contrário, continuamos ignorantes da nossa ignorância. O mistério em nada desvaloriza o conhecimento que a ele conduz.”
Chama o nosso meio atual como tendo uma “cultura do cancelamento”, uma meia-sola mais rancorosa nas velhas patrulhas ideológicas, e elas parecem agora recrudescer com o retorno da polarização ideológico, que no pós guerra criou uma tensão constante em toda humanidade.
Que lembra quando as crianças tapam os ouvidos e emitem cantilenas miméticas (ele chama de guturais) para não ouvir interlocutores que as contradizem (se você nunca fica sabendo que pode estar errado, estará certo para sempre), assim a polarização e radicalização parece vir da educação berçária.
Não é só o meio natural que precisa de biodiversidade, o meio cultural e a democracia também precisa, como afirma Morin na verdade “dependem da biodiversidade”, estamos dispostos a conviver com o que é diferente ou desejamos eliminá-lo, a resposta dada em escala global é assustadora, está sim não é mistério para ignorância e desprezo pelo Outro.
MORIN, Edgar. Conhecimento, Ignorância, Mistério. 1ª. edição. BR: Bertrand do Brasil, 2020.
Simplismo ou complexidade
William Ockham proclamou que entre duas explicações sobre determinado fenômeno deve-se ficar com a mais simples, este princípio ficou conhecido como navalha de Ockham, mas o que fazer com problemas que são complexos, como é o caso da atual crise do corona vírus, as explicações mais simplistas são fake News, teorias da conspiração ou simples mentiras.
O problema da complexidade veio da Biologia, o problema ecológico e os ecossistemas mostraram que os fenômenos estão mais interligados do que pensou-se antes, há toda uma cadeia alimentícia indo dos organismos mais simples, celulares até os mais complexos e neste inclui-se o homem.
Porém a Carta da Transdisciplinaridade de Arrábida, assinada pelo serigrafistas Lima de Freitas, pelo Barsarab Nicolescu, escrito em 15 artigos, destacava “ … a ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais acumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido, leva à ascensão de um novo obscurantismo, cujas consequências sobre o plano individual e social são incalculáveis” (Arrabida, Portugal, 1994).
Como método foi Edgar Morin que pensou a complexidade, escrito em seis volumes: Método 1 – A natureza da natureza (1977), o Método 2 – A vida da vida (1980), Método 3 “O conhecimento do conhecimento” (1986), Método 4 – “As ideias: habitat, vida, costumes e organização” (1991), Método 5 – “A humanidade da humanidade: a identidade humana” (2001), e o Método 6 – “A ética” (2004), porém a questão epistemológica desenvolvida numa palestra de dezembro de 1983, em Lisboa, que tornou-se um livro, publicado em português em 1985.
Em essência o pensamento sobre complexidade é delineado em três conceitos novos: o operador dialógico (entendido como diferente do dialético), o operador recursivo (que significa entender as consequências dos atos, numa relação causa-efeito que produz nova causa) e o operador hologramático (a parte está no todo e o todo está na parte, não se separa todo e parte).
Assim pode-se resumir da Transdisciplinaridade ao Complexo como um problema essencial do humanismo, somos 100% natureza, 100% cultura sem haver dualismo entre ambos, resolvendo a pergunta sobre o que somos como homem “natural”, assim tanto o problema ecológico quanto o humanismo estão interligados, o problema da natureza é um problema humano e o problema de fundo do homem é sua relação com a natureza incluindo o Outro como parte de sua natureza, independente de raça, cor e credo.
Homenagem a Edgar Morin, 99 anos
Dia 08 de julho de 2020 Edgar Morin completa 99 anos, com uma lucidez impressionante, descreveu recentemente a pandemia atual como: “Temos que aprender a aceitá-las e a viver com elas, enquanto nossa civilização instalou em nós a necessidade de certezas cada vez maiores sobre o futuro, muitas vezes ilusórias, às vezes frívolas”, a mesma frivolidade que afirma Peter Sloterdijk: “Nessa esfera frívola, pensávamos ser capazes de controlar a natureza com tecnologia sofisticada, mas o vírus nos deixou de joelhos. Nossa maneira de estar no mundo mudará?”.
De origem judaica sefardita (judeus que se estabeleceram na península ibérica), com o nome original de Edgar Nahoum, nasceu em 08 de julho de 1921 em Paris, seu pai Vidal Nahoum era comerciante originário da Salônica (a antiga Tessalônica), e sua mãe Luna Beressi, faleceu quando tinha 10 anos, adotou o codinome Morin durante a luta da resistência francesa e permaneceu.
Casou-se em 1978 com Edwige Lannegrace, a quem dedicou o livro Edwige, a Inseparável (2009), após sua morte em 2008, sobre ele, ela dizia uma frase de Montaigne: “Era ele, era eu”.
É atualmente casado com a socióloga marroquina Sabah Abouessalam de 61 anos.
Escreveu 1956, Le Cinéma ou l´Homme Imaginaire, Minuit, Paris. Em português: O Cinema ou o Homem Imaginário. Lisboa: Relógio d’Água Editores, 1997, antes havia escrito Ano Zero da Alemanha (1946) e o Homem e a Morte (1951).
Entre outros livros, o segundo livro de grande impacto é O Paradigma Perdido – para uma nova Antropologia, Zahar, Brasil, 1979. (edição francesa de 1973).
Mas sua grande obra será os seis volumes do Método 1, o primeiro “A natureza da natureza” publicando em 1977, o segundo o Método 2, “A vida da vida” (1980), o Método 3 “O conhecimento do conhecimento” (1986), o Método 4 “As ideias: habitat, vida, costumes e organização” (1991), O Método 5 – a humanidade da humanidade: a identidade humana (2001) e o Método 6: a Ética (2004), os anos adotados são das edições originais francesas.
Publicou no total mais de 30 livros, em 1983 realizou um debate em Lisboa onde colocava “O problema epistemológico da complexidade” que tornou-se livro em 1985 publicado pela editora Europa América portuguesa.
Suas ideias centrais além do problema da complexidade são o retorno ao humano (que chamada de paradigma perdido), o pensamento transdisciplinar presente em quase toda sua obra e foi signatário da Carta da Transdisciplinaridade de Arrábida pelo pintor serigrafista Lima de Freitas, por ele, o físico Nicolescu Barsarabi, escrito em sintético 15 artigos, onde destaca-se:
“ …a ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais acumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido leva à ascensão de um novo obscurantismo, cujas consequências sobre o plano individual e social são incalculáveis.” (Arrábida, Portugal, 1994).
Em 1985 escreveu “O problema epistemológico da complexidade” (Europa America, 1985) que foi pensado a partir de um debate realizado em Lisboa, em dezembro de 1983.
A essência de seu pensamento sobre a complexidade pode ser pensada em três conceitos novos, entre eles: o operador dialógico (entendido diferente do operador dialético), o operador recursivo (que significa entender as consequências dos atos, numa relação causa-efeito contínua porque o efeito produz nova causa) e o operador hologramáticos (a parte está no todo e o todo está na parte, então não separar a parte do todo).
Assim devemos unir coisas separadas, a saber: razão e emoção, sensível e inteligível, real e imaginário, razão e mitos, e, ciência e arte, outra coisa essencial é considerar que somos 100% natureza e 100% cultura, o velho paradigma natureza X cultura que a filosofia pergunta sobre o que somos, desde os contratualistas, passando pelos evolucionistas até os sócio-marxistas (escreveu A minha esquerda), Morin responde de maneira nova (de Pena-Veiga: O despertar ecológico: Edgar Morin e a ecologia complexa).
Sobre nosso futuro ele tem muitas indagações, a palestra a seguir explicar este momento dramático, que a pandemia pode demonstrar que é assim que devemos percebê-lo.
https://www.youtube.com/watch?v=V3t7UFTpDHE
Tempo de pós-verdade ou de hermenêutica
Uma hermenêutica é aquela que permite uma visão do mundo e uma interpretação dos fatos diferentes, não significa manipulação da verdade, mas exatamente ou desenvolve aquilo que ideologias e teorias não práticas ocultam (não há phronesis, práticas práticas) ou ou exercem práticas voluntárias sem reflexão .
O que acontece é que na busca de espírito absoluto, ou estabelecimento de verdades totais, na verdade eram totalitária, isto é, não admite uma visão de mundo diferente, numa era de diálogo simplesmente ligam a uma verdade já pré-existente, assim como existem verdades a priori para visões totalitárias.
O conhecimento para Emanuel Kant começa com uma experiência, e a razão organizadora dessa matéria de acordo com suas formas estabelecidas, com as estruturas existentes no conhecimento, assim como a formação séria uma forma de organizar a matéria que vem da experiência.
Embora “a priori” se refira a um modo geral como adjetivo de conhecimento, também é usado como adjetivo para modificar substantivos, como uma verdade, assim propor uma verdade a priori, e é um dos dogmas do idealismo.
Porem a verdade por séculos permaneceu velada, sempre foi usada como forma de poder, mas é o tempo em que as verdades são reveladas, não por jornalistas e grupos controlados que fazem parte de torcidas, mas com armas de fotos e celulares, câmeras presentes em muitos locais e em celulares, mas o grande salto é a consciência dos fatos.
Não é por acaso que este é o grande tema atual, desde a questão da filosofia hermenêutica, uma questão de consciência que deixa ser determinista, romântica ou dogmática, até um questionamento, se as máquinas inteligentes terão consciência e na última instância “imitar” o homem .
Para a cultura cristã, isso pode ser um noutro ponto, um tempo que a verdade é revelada, conforme o evangelista Mateus 10,26-29: “Não tenha medo dos homens, pois nada há descoberto que não seja revelado, e nada há de escondido que não seja revelado. O que você diz na escuridão, dizei-o à luz do dia; o que escuta ao pé do ouvido, proclama-o sobre os telhados! Não tenha medo daqueles que matam o corpo, mas não pode matar a alma! Pelo contrário, temei aquele que pode destruir a alma e o corpo no inferno! ”.
O filósofo Peter Sloterdijk, que não é cristão, disse que uma pandemia nos colocou “todos os joelhos”, direção que nem todos ainda aceitam, e.há aqueles que não admitem o mistério, além da nossa capacidade de leitura e entre os religiosos que ainda não se.põem ds joelhos, ao menos por compaixão com os que sofrem, a hermenêutica é esta abertura ao outro discurso, ao diferente, com sinceridade.
João Damasceno e a pericorese
Mesmo aos que não creem o conceito de pericorese é importante porque torna a ideia de relação algo mais substancial, embora já se admita que o homem é um ser relacional, a relação está cheia de dualismos e interpretações não trinitárias (no caso dos cristãos) e pode levar a indiferença.
Depois de resolvido o dogma trinitário pelos padres capadócios, que explicaram que Deus é Uno e Trino, são pessoas (hipóstase) e mantem a unidade (ousia), Damasceno vai se debruçar sobre a relação entre as três pessoas e cria um termo usado também na filosofia: pericorese, a interpenetração nas relações, isto é a possibilidade de ouvir o Outro não apenas por respeito, que já seria um passo, mas tentando penetrar e entender as razões de seu pensamento.
Foi João Damasceno (675-749) ou de Damasco foi um padre Sirio, que estudo direito e musica e na teologia estudou relação de pericorese ou a relação trinitária, o termo emerge propondo a articulação entre a unidade e a comunhão na Trindade, parece simples dizer isto, mas difícil de entender e praticar, pois a maioria das relações excluem o Outro que é diferente, seja ele de cor, raça, credo ou cultura, muito a frente do seu tempo João Damasceno era amigo dos sarracenos, mas tarde a igreja católica o tornou santo.
No seu percurso teológico histórico procurou buscar algo que explicasse a relação, que estive de acordo com aquilo que as escrituras diziam de Deus e sua relevância na história: a articulação entre o conceito de Deus que é trino e uno, mas sendo cada um, uma pessoa singular (prosopon) e Deus, João estruturou a via intra-trinitária, a partir do conceito grego de pessoa: hipóstase.
Na palavra grega significa hypo, o que é sub, debaixo, e stasis, o que está sub-posto, como se fosse um suporte, porém como relação divina este conceito devia ser ampliado e explicado.
O termo pericorese emerge nesta Teologia Patrística, como a articulação entre unidade e comunhão da Trindade, mas indo além, assim o Pai é uno no Filho e o Filho uno no Pai, e ambos unos no Espírito Santo, assim há uma interprenetração, é mais que pura relação, é Ser no Outro.
O problema de algumas interpretações religiosas é a relação estática dos três, que é a relação dualista que vem da filosofia idealista, onde sujeito e objeto estão separados e são relacionais por um tipo de transcendência, que na verdade nada tem a ver com o mistério Divino nem é religiosa.
O mistério divino tem a ver com o período Pascal, morte e ressurreição numa relação trinitária, na filosofia há algo semelhante que é a epoché, a suspensão de conceitos (ou juízos religiosos) porém colocados entre parênteses, gera assim uma abertura que permite a relação, e como resultado que cada pessoa é compreendida, ela não perde sua identidade e é capaz de entender o Outro.
Numa ascese espiritual mais profunda é o esforço de entender e amar o Outro que é diferente, que não é meu espelho, não tem os meus conceitos e juízos, não classifica o mundo como eu, a grande tragédia de nossos dias é a falta de pericorese, e assim de relações trinitárias.
Penso que a pandemia nos mostra isto, mesmo tendo uma grande dor que mata a todos e que sensibiliza muita gente, que abre o coração para olhar o sofrimento do outro, há aqueles que se fecham em grupos, ideias e esquemas para não olhar a dor, a fome e o desespero que a pandemia gerou, ou acordamos juntos ou perecemos juntos, ficar na nossa trincheira é não relacional.