Arquivo para abril, 2015
Para onde vai a Europa
Se Páscoa é passagem, é difícil imaginar para onde vai o mundo sem imaginar para onde vai a Europa, ainda que o Oriente e o Oriente Médio não sejam mais expressão do colonialismo Europeu, foi na Europa que nasceu o Estado Moderno e sua democracia e lá também germinou a revolução industrial e o liberalismo, mas em tempos digitais ela ainda é o centro?
Pego dois expoentes do pensamento europeu, porque penso que é preciso ser europeu para entender a própria crise, Peter Sloterdijk que escreveu “Se a Europa despertar” (São Paulo: Estação Liberdade, 2002) e Edgar Morin “Cultura e Barbárie Europeias” (Lisboa: Instituto Piaget, 2005), um alemão e um francês, a Europa me parece bem representada.
Tomo-os e não outros, porque são ao meu ver realmente pós-modernos, ou seja, há uma crítica a modernidade rediscutindo o papel do Estado Iluminista, do pensamento idealista- liberal e finalmente e principalmente, do colonialismo e neocolonialismo europeu.
Morin ao analisar a emergência do totalitarismo na Europa o vê como “fora de todas as previsões … fruto de um processo histórico saído do desastre que foi a Primeira Guerra Mundial … que foi um desencadear de barbárie assassina e ao mesmo tempo um ato suicidário para a Europa” (Morin, p. 51), enquanto Sloterdijk afirma: “a maioria dos estadistas europeus, de Felippe II a Churchill, compreenderia o significado da imagem alegórica do século XVII que retrata o imperador Carlos V como Atlas: sobre os ombros do imperador repousa um globo cingido por uma guirlanda com o dístico O quam grave onus (como um fardo pedado)“ (Sloterdijk, 2002, p. 14).
É o resultado de uma mentalidade colonialista, expressa em Morin assim: “Esta barbárie colonialista, de uma excessiva brutalidade, continuará a manifestar-se em França em pleno século XX, como é testemunha o massacre de Sétif, cometido no próprio dia do fim da segunda Guerra, a 8 de Maio de 1945, e as inúmeras exacções durante a guerra da Argélia” (Morin, 2002, p. 26).
Por fim a crise do pensamento expressa em Sloterdijk com o tripé: absurdo, frivolidade e letargia, absurdo das duas guerras, a letargia do discurso do “retorna da Europa” no pós-guerra com “características psicopolíticas e culturais” e a letargia do consumidor do final do século XX, e frívolo “é aquele que sem fundamento sério na natureza das coisas, deve decidir- se por isto ou aquilo: é o verde-claro e não o carmesim, o teriyaki de salmão e não o carré– mouton, … etc” (Sloterdijk, 2002, p. 27), enfim conotações de um vazio existencial típicas de uma crise cultural.
As ideias de Morin são bem conhecidas e já expressas aqui como no post recente dos saberes necessários para o futuro, assim como sua saída para esta crise a “ideia-chave diz respeito ao processo que chamo a era planetária” (Morin, 2005, p. 40).
Somente nesta perspectiva planetária, sem neocolonialismo e solidária com a humanidade, a Europa poderá encontrar seu destino unida a todos povos.
A paixão de Cristo para ateus
Li e depois reli, sempre com algum preconceito, o livro de Nietzsche “O anticristo”, na primeira leitura era materialista e
fazia a leitura de Nietzsche como “irracionalismo”, e recentemente como cristão porque seria apologia ao maior “inimigo” da salvação humana.
Deveria ter lido primeiro “O Nascimento da Tragédia ou helenismo e pessimismo”, mas na verdade perdi o preconceito quando conheci Oswaldo Giacóia Jr e ele me explicou a vida de Nietzsche, em especial, de seu pai pastor luterano e sua mãe pietista, isto explica muita coisa.
Pode ser pretensioso, mas penso que se pode lê-lo a partir do estético, uma vez que afirma: ”Só como fenômeno estético, podem a existência e o mundo justificar-se eternamente.” (NIETZSCHE, 1992, p. 47) e esta talvez seja uma parte essencial do seu pensamento e lembro aqui o escritor Victor Hugo: “A arte salvará o mundo”, veja o que pensa da tragédia grega.
O que isto tem a ver com a paixão de Cristo, é sua análise do papel do “coro” na tragédia, e diz que o problema torna-se grave em Eurípides ao excluir o coro, destrói a tragédia e ao fazer intervir a razão, elimina uma de suas peças tudo que não seja encontrado na vida, mas existe o coro. Foi assim que muitos o entenderam como “irracionalista”, mas a razão está em xeque.
Mas ao eliminar completamente o coro, Eurípides não considerou a função cognitiva, qual seja, aquela de saber o que o herói estava pensando e assim por ele, mas eliminou a própria a informação era transmitida ao público. Jacques Rancière apronfundou isto em “A emancipação do espectador”, ou poderíamos dizer a sua reintrodução do coro.
É o coro e não o confidente (Nietszche cita o exemplo da dama de companhia), a quem o herói trágico se revela, de maneira verossímil, seus medos e aspirações mais íntimas.
Cristo chama de maneira íntima em várias passagens Deus de pai, chama o pai de Abba que seria papai ou papaizinho, em sua oração ensinada ao “coro” ele cria o Pai Nosso.
No entanto na crucificação ele se distancia de Deus e se aproxima do coro humano e diz: “Meu Deus, Meus Deus, porque me abandonastes”, é o seu abandono ao Homem e a sua condição.
É a tragédia da crucificação de Cristo que invoca o coro da humanidade, aqui Ele é só O homem em toda sua condição.
NIETZSCHE, F. O Nascimento da Tragédia ou helenismo e pessimismo. Sao Paulo: Companhia das Letras, 2001.
Banquetes, diálogos, memória e amor
Não só na liturgia cristã, mas em toda a filosofia e literatura a mesa de refeições tem um significado forte quando se fala das relações e diálogos entre os seus comensais.
O Banquete de Platão junto com Fedro, os dois diálogos de Platão que tem como tema principal o Amor, no Banquete Platão ele discursa sobre a natureza e as qualidades do amor, mas está basicamente preocupado com as questões que envolvem a Cidade e os filósofos.
Na última ceia de Jesus (pintura de Da Vinci), após inúmeros diálogos, alguns feitos com base em parábolas, a parábola dos talentos, de Lázaro e o rico, do operário da última hora, do administrador esperto e tantas outras, ele realiza o diálogo com seus apóstolos e os prepara para deixar a sua memória, mas qual seria o verdadeiro memorial de Jesus.
Ele é explícito na última ceia, era comum lavar as mãos e os pés nas ceias, e Jesus começa com um gesto inusitado, geralmente os escravos lavavam os pés, e Jesus vai ele mesmo fazer este gesto, tentando ensinar a humildade e o serviço aos seus discípulos.
Depois durante a ceia, que era a ceia Pascal dos judeus, que a fazem na sexta feia, Jesus a fez na quinta-feira porque o cordeiro que deveria ser Imolado (morto) na sexta-feira será ele mesmo, e aí faz um segundo gesto inusitado, na ceia judaica há o cálice de Elias que fica sempre a parte, e Jesus tomando este cálice (em geral há cálices individuais) o usará, indicando que é Ele aquele que Elias havia anunciado que viria, toma dele e o dá aos seus amigos, para que tomem junto com o pão já repartido, o pão na ceia judaica está escondido e deve ser encontrado, e aí ele dirá qual é o seu memorial:
Na carta de Paulo aos Coríntios, Jesus afirma “Fazei isto em minha memória”.(1Cor, 11, 24) e completará: “Todas as vezes, de fato, que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, estareis proclamando a morte do Senhor, até que ele venha” (1Cor,11, 26).
Jesus está falando da sua morte que é o ápice do seu Amor, dar a vida pela humanidade, que deverá acontecer nas próximas horas quando será entregue aos seus carrascos.
Assisti Alice para Sempre, que conta a história de uma professora com um precoce mal de Alzheimer que se prepara para a perda de memória e para a morte, a atriz Julianne Moore ganhou o Oscar de melhor atriz, e o diretor do filme, Richard Glatzer, morreu dia 11 de março de esclerose lateral amiotrófica, há portanto duas lições de vida no filme.
Há na literatura muitos enredos que se passam ao redor da mesa, um recente é o romance “O jantar”, do escritor holandês Herman Koch, um dos maiores best-sellers da Europa de 2012 com mais de 1 milhão de exemplares vendidos e que vai agora para o cinema.
O Mistério Pascal e a existência de Deus
Assim como a partícula de Higgs explica através da Teoria Física Padrão, mas válida apenas 4% de todo universo chamado bariônico (a energia e massa de partículas e subpartículas) e agora tentam desvendam o mistério dos outros 96% de massa e energia escura através de um novo experimento que pode entender os buracos negros e o universo paralelo (nosso post anterior), ainda duas perguntas metafísicas permanece: de onde veio o universo ? Deus existe ?
As pesquisas do Colisor de Hádrons sobre as partículas e o universo paralelo tenta responder a primeira de modo apenas físico, mas poderia o universo foi criado em qual princípio.
Mas que resposta o universo pode nos dar sobre Deus, se seu início for explicado e desvelado.
Há duas tentativas de respostas, chamadas pela ciência de hipóteses, uma delas explica que haveria uma sintonia fina, uma acaso tão improvável de combinações matemáticas, que só a existência de uma inteligência superior explicaria estas combinações, Francis S. Collins que foi diretor do Projeto Genoma Humano e é diretor do Instituto Nacional de Saúde (NIH), órgão americano de pesquisa em Saúde formulou esta hipótese.
Para Collins: “A sintonia final não é acidental. Ela reflete a ação de algo que criou o universo”.
Já para o físico ateu Victor Stenger, professor do Havaí e autor de “God: The failed Hypothesis” (Deus: uma hipótese fracassada, sem tradução no Brasil) descarta a hipótese da sintonia fina.
Para ele o universo não foi sintonizado para nós, nós é que fomos adaptados às condições dele, e cita hipóteses antigas que foram refutadas: “Até o século 20, acreditava-se que a matéria não poderia ser criada nem destruída, só transformada de um tipo para outro”, assim se é impossível criar matéria, a própria existência seria um milagre, Einstein provou que pode ser criada a partir da energia, e a física provou que pode ser transportada algo parecido ao tele transporte da ficção científica, e também a Nasa procura vida em outros planetas.
De fato provar que ele existe ou inexiste continua sendo mistério como o mistério da vida e mais ainda o mistério da morte, e é justamente nesta passagem morte-vida que está a Páscoa.
A Páscoa, que é continuidade cristã da festa judaica em que celebram a passagem da vida no Egito de escravos para a Terra prometida, é para os cristãos a passagem da morte para a vida.