Arquivo para outubro, 2018
Miséria do pensamento
A incapacidade de uma leitura mais profunda da realidade, que sustente e avance para propostas, a penumbra que passa não só pensamento, mas junto com ele toda a sociedade, não tem resposta possível e o resultado é um “eterno retorno” mais trágico e cômico.
Ah como era bom aquele tempo que … a maioria da população silenciosa sofria sem reclamar, as redes que deram vozes (nem sempre positivas é verdade) ao conjunto da sociedade agora já não quer ouvir mais críticas vazias à pós-modernidade, ao líquido que nunca foi sólido, ou a crítica um triunfalismo tecnicista à la Frederic Jamenson, que é marxista é bom que se diga.
A crítica estéril ao consumismo e ao individualismo não foi capaz de penetrar na essência dos grandes problemas sociais, morais e espirituais de nosso tempo, como diria Heidegger o esvaziamento do ser, não é senão o vazio niilista que já apontava Nietzsche no século XIX.
No caso brasileiro é ainda mais pobre, ficamos entre discursos inflamados sobre questões de ordem sexual, acusações e fake news baratos, promovidos pela mídia sem pensamento algum, e também pela falta de um debate mais profundo de problemas sociais, urbanos e globais.
O resultado será desastroso seja ele qual for, e a principal função da democracia que é a educação para a cidadania se perdeu entre facadas e rajadas de autoritarismos, rompantes de discursos inflamados sobre acusações sobre quem roubou mais, não podemos cozinhar pedra e esperar uma sopa, alusão a uma famosa sopa de pedra que existe em Portugal.
Não consegui convencer amigos conscientes e nem mesmo gente religiosa que a escala de violência levaria a um desastre inevitável, a escolha de candidatos que são especialistas nesta linha, e espero estar errado, mas as consequências serão terríveis para o país.
Embora haja uma emergência de governo autoritários no planeta, no caso brasileiro o debate não foi para a linha de propostas e ações de governo concretas, e não se pode esperar que em 2 dias isto se reverta, sonhamos agora com um segundo turno, é como torcer para um empate quando o time podia ganhar de goleada.
Qual foi o erro estratégico, desde o princípio, cair na provocação violenta dos violentos, pobre democracia e pobre país que não olha para a gente pobre a não ser nas eleições.
Democracia e Informação
Em meio a um quadro dramático da democracia brasileira, o perigo de radicalização é visível, volto a abrir o livro “Política nós também não sabemos fazer”, o não é propositalmente tachado, que tem como coautores Clovis de Barros Filho, Oswaldo Giacóia Junior, Viviane Mosé e Eduarda La Rocque, prefaciado por nada menos que Mario Sérgio Cortella.
Todo livro é interessante, mas destaco o capítulo de Eduarda La Roque, que além de propor claramente uma terceira via (nesta eleição quase impossível), inicia citando o Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley: “o futuro imediato deverá parecer-se ao passado imediato, em que as mudanças tecnológicas rápidas, verificadas numa economia de produção em massa e entre uma população predominantemente destituída de posses, … “ (op. Cit. Clovis et al., 2018, p.87).
Explica como a terceira via vê o combate a desigualdade, propõe usando Michel Porter, uma medida alternativa ao PIB que seria o Índice de Progresso Social (IPS), só explicando diferente do IDH (Desenvolvimento Humano) porque prevê a sustentabilidade de progresso em regiões mais pobres, e chega ao ponto que consideramos central: O Centro de Qualificação da Informação.
Em sua própria definição. “é uma instituição autónoma, da sociedade civil, que busca aproximar e articular diversos saberes da sociedade, de forma democrática e direta, sem a predominância de um saber ou setor sobre o outro, tentando convergir as pautas, os interesses, hoje tão esgarçados da sociedade … “ (Roque In Clovis et al., 2018, p. 107-108).
Propõe a governança pública e citando José Padilha constata que “a maioria das instituições publicas brasileiras desenvolve culturas organizacionais informais que trivializam a corrupção e a transformam em hábito.” (idem, p. 117)
E cita o gigantismo do estado (não defende o estado mínimo não), afirmando “o setor público que toma mais de 40% do PIB torna-se tão grande e poderoso que escolhe vencedores e compra a sociedade civil, num processo muito bem descrito por Saramago em A ilha do desconhecida” (ibidem, p. 117-118).
O modelo que estabelece descrito como uma mandala tem no centro o desenvolvimento humano, acrescentaria a este modelo apenas o aspecto espiritual, já descrito em muitas cartas sobre transdisciplinaridade, como a Carta de Arrábida e por autores como Byung-Chull Han e Edgar Morin.
A ideia é uma rede de propagação a prosperidade, chamaria de um circulo virtuoso que interrompe o circulo de mais concentração e mais corrupção do estado moderno, e que a autora descreve como flor da vida: “concentrada em suas pétalas a congruência de projetos de maior capital humano com três outros capitais, ou seja, seriam os projetos de maior valor compartilhado … para a sociedade” (Clovis et al., 2018, p. 129-130).
Acrescenta “as sete capitais podem se fazer representar através dos vértices dos triângulos de 17 gols de desenvolvimento sustável (GDSs)”, existe uma versão detalhada no Centro de Informação das Nações Unidas no Brasil.
Utopia, pode ser, palavra foi cunhada por Thomas Morus previa o reino Utopus, quem sabe um país não fique “deitado eternamente em berço expendido”, enfim há uma 3ª. via.
CLOVIS, Barros Filho, Giacóia Jr, O., Mosé, V. e La Rocque, E. Política que nós também não sabemos fazer, Petrópolis, Vozes Nobilis, 2018.
Luta pela paz, com mansidão e justiça
A história da humanidade é até os dias de hoje uma história de guerra do Mesmo contra o Outro, o livro A expulsão do outro de Byung-Chul Han não é senão a constatação desta realidade.
É nosso destino, uma fatalidade, penso que não, quando mais se falou de paz se fez a guerra, talvez quando mais se fale de guerra possa ser pensada a paz, a Terra como pátria humana.
Os desafios são imensos, e os medos crescem a cada novo governo autoritário, é bom que se diga também há ilhas de esquerda, e fortaleza de direita que não são senão pessoas “eleitas”.
Não penso em resistência nem em oposição, continuo a pensar em transformação, o grande retrocesso que acontece em toda humanidade, se fosse localizado seria fácil tem uma só leitura: não conseguimos ir a frente, os saudosistas dizem: “como era bom aquele tempo”, qual ?
Lutar pela paz deve ser também pela justiça e contra toda sorte de opressão, engrandecer a sabedoria simples e entender que é preciso profundidade para ser simples, uma “sofisticação” como disse Leonardo da Vinci, e estabelecer um espírito de mansidão onde seja possível pensar.
Sem deixar de perceber uma dose excessiva de autoritarismo é hora de perguntar, qual o lugar exato do estado na vida cotidiana? sua abrupta interferência até na vida pessoal não é senão uma forma de autoritarismo? temos câmaras e radares a cada quilômetro, não é exagero.
Armas para a paz, não faz o menor sentido, mais armas mais violência, nunca o contrário.
Lembram as bem-aventuranças bíblicas Mt 5,5: “bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra”, claro o que vejo hoje é o poder na mão de raivosos e autoritários, mas não é o fim.
O verso longo seguinte é praticamente um alerta para a justiça Mt 5,6: “Bem-aventurados os que têm fome e se de justiça, porque serão saciados”, e, mais a frente Mt 5,9: “os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus”, será que o humanismo morreu ?
O fato que todos, ou pelo menos uma grande parte da humanidade, tem uma percepção que algo precisa ser feito com urgência para superar os “perigos contra a humanidade” nos desafia.
É urgente uma governança mundial, e não menos urgência programas de distribuição de renda.
O colapso ecológico, e nas grandes metrópoles também o urbano pedem medidas mundiais.
Lembro as duas bem-aventuranças como estímulo para aqueles que lutando pela humanidade sofrem perseguições, injustiças e calúnias.
Mt 5,11 “Bem aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e, mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim”, isto é cristianismo, o resto maldade.
O estado em eterno retorno
Já apontamos em diversos posts as premissas e seus equívocos da visão idealista de Estado, agora em cheque devido a emergência de governos autoritários, corrupção e crises em ciclo quase intermitentes em muitos países.
Comecemos por Hobbes para o qual a filosofia tinha um fundamento prático (é o que dizem alguns hoje, pasmem), ou seja tem que ser útil e assim descarta toda e qualquer visão que possa ter aspectos de metafísica, e junto com ela espirituais ou teológicos.
A visão Hobbesiana não é diferente de Maquiavel (também invocado atualmente), no sentido de favorecer a ideia de soberano, ainda que o estado centralizador deste período tivesse a tutela dos monarcas, essencialmente não difere de certos “imperadores” de hoje, desde a maneira de se vestir (o imperador está nú) até a postura, de um Putin, por exemplo.
A ideia da contenção coercitiva do estado para a “paz eterna” visão pacificadora da modernidade não é senão aquela que Mostesquieu chamou de “Espírito das Leias”, ou seja, a paz será eterna com um estado forte e coercitivo, não é o que bradam nas ruas atualmente (alguns).
A passagem do “paleolítico” desta paz que levou a duas guerras para o “neolítico” do estado social, ou Welfare State não deveria ser novidade, mas é, porque ele não completou seu ciclo, a triste realidade é que nem pode completar porque a concentração de renda só aumenta.
O triste é que a solução está logo ali na esquina, uma boa vontade política e uma ideia mais clara de que não é necessária uma revolução sangrenta, mas isolar do estado aqueles elementos nocivos que não deixam a sociedade respirar, não falo só dos aspectos econômicos (que incluem a corrupção), mas principalmente do conceito de estado “coercitivo” em moda.
Voltamos ao ciclo anterior, até mesmo da “Riqueza das Nações” que Adam Smith falava e que Marx leu (que na época fazia sentido), mas isto economicamente é inviável num mundo com economia globalizada.
Voltemos a coerção, que inspira tantas vozes autoritárias (até de esquerda), sem a solução conjunta do problema econômica ela sofre uma escala crescente de violência sem volta, e a pior, arma mais e mais forças escravizadoras da “mão de obra” disponível na informalidade.
O que faz uma parcela consciente da sociedade, entra na onda de violência não apenas verbal, mas física e moral que interessa aos grupos autoritários que almejam o poder, para voltar ao velho estado moderno da “coerção” e “paz eterna”.
No caso brasileiro é crítico, entrou-se por este caminho e já parece sem volta, espero que não.
O estado está nu ou de roupa nova
O conto de Hans Christian Andersen A roupa nova do imperador, parece estar na origem da frase o “rei está nú”, que conta a história de um rei que passou a vida preocupado com suas roupas e um dia encontrou dois charlatães que diziam ter um pano mágico que rapidamente se transformava em uma roupa pronta.
Fantasiado o rei deu-lhes uma boa quantia em dinheiro e os dois puseram-se a trabalhar com um fictício fio, chegando o dia do rei estrear sua roupa vai busca-la e embora não veja nada, veste a roupa imaginária e vai para uma grande procissão sem roupa alguma, mas os seus súditos também fingem que o rei está vestido, até passarem por uma criança que inocente que é disse que o rei não vestia nada, o pai pede para ela se calar, pois não se põe o Rei em questão.
Assim é hoje a situação do estado, corrupções e desmandos estão em toda parte, em alguns lugares há punições, mas a maioria das pessoas prefere acreditar que o estado moderno tem sua razão de existir, afinal os governantes são necessários e foram eleitos democraticamente.
Acontece que governantes que são verdadeiras caricaturas de ditadores, até mesmo o tempo deles passou, como o Welfare State (a ampliação do conceito de cidadania com o fim dos governos totalitários no pós-guerra) já passou estamos agora no rescaldo e o estado está nú.
O rei representa a crença em normas e convenções, que no caso do estado é sua constituição e suas interpretações, no caso humano é a impossibilidade de ver algo além de seus interesses imediatos, como o rei era a sua roupa bela e que o faz apostar numa roupa mágica.
As roupagens são novas, mas os impérios que assombram a todos já são conhecidos.
Não há magia, uma economia em ruínas, uma educação decadente e uma violência que cresce.
ANDERSEN, H. C. A roupa nova do imperador. São Paulo: Brinque-Book, 1997.