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Arquivo para agosto, 2022

As bibliotecas e as guerras

31 ago

Na década de 50, logo depois da Segunda guerra Mundial, a revista brasileira de documentação traduziu e publicou um artigo de Carl Hastings Milan sobre as Guerras e as perdas de documentos e de bibliotecas.

Ele havia sido diretor da Biblioteca Pública de Birmingham, onde abriu o primeiro ramo de serviços para autores e leitores afro-americanos, o artigo está disponível online e mostra uma face da guerra para as bibliotecas em alusão ao post anterior que fizemos neste blog.

As transcrições para o português foram feitas por Sylvio do Valle Amaral e o artigo original é logo em sequência da guerra em setembro de 1944, publicado no The Annals of The American Academy of Political and Social Science da Filadelfia.

O artigo começa indicando a interrupção e descontinuidade de revistas e publicações em períodos de guerra, além da perda material e a falta de intercâmbio de muitos documentos.

O autor enfatiza esta perda onde: “os editores e  livreiros  de  Londres  perderam  milhões  de  volumes,  em  1940-41.  Várias famosas  bibliotecas  britânicas  de  erudição  e  dezenas das  públicas,  foram  danificadas  ou  destruídas.  Diversos  países  europeus,  a  Rússia,  a  China,  além das Filipinas,  sofreram ou estão agora experimentando destino semelhante, porém, o mais  triste está para  vir” (MILAN, 1950, p. 50).

Antecipadamente muitas obras foram tiradas ou escondidas das bibliotecas alemãs, mas a destruição e os saques representam um ataque cultural segundo o autor “infamante” que foi creditado a Hitler, é importante olhar isto para a história para que ela não se repita agora.

Entre as denúncias do autor está que também na derrota: “Os jornais,  recentemente, noticiaram  a  queima  de  livros  em  Nápoles,  antes  da  retirada  do  exército  nazista” (idem, p. 50), e assim uma parte da história é apagada, independente do que aqueles documentos representam, eles são importante testemunho cultural de um tempo, que por ser ultrapassado está sujeito a crítica, mas não há o direito de apagá-lo, são documentos culturais.

Restabelece o papel das bibliotecas, agora também em crise em função de uma visão deformada da tecnologia digital que aqui também postamos, porém diz o autor para aquela época: “Básica  ao  restabelecimento  da  atividade  intelectual  em  todo  o  universo,  é  a  reorganização das bibliotecas” e ignorar isto é um crime contra a preservação cultural e da memória dos povos.

Depois de enfatizar a cooperação e apoio às bibliotecas da américa latina e de outros, países discorre sobre a formação de bibliotecários:

“A despeito  de  comum  reconhecimento,-  nos Estados  Unidos  e  no  exterior,  das  imperfeições  de nossos  métodos  no  preparo  de  rapazes  e  moças para  o  trabalho  nas  bibliotecas,  número  surpreendentemente  grande  de  estudantes  do  exterior  vem a  êste  país  em  épocas  normais  a  fim  de  obter  o que  as-escolas  dessa  especialidade  podem  oferece” (MILAN, 1950, p. 53)

 

MILAN, C. H. As bibliotecas, os intelectuais e a Guerra, trad. Sylvio do Valle Amaral. Rio de Janeiro:  REVISTA  DO  SERVIÇO  PÚBLICO, AGOSTO  DE 1950.

 

Guerra e paz

30 ago

Li um comentário recente sobre Leon Tolstói (1828-1910) que outro escritor russo Ivan Turguêniev afirmou que conhecer e ler Tolstói é melhor que do que se lêssemos centenas de obras de etnografia e de história” para conhecer o caráter e temperamento do povo russo, conservadores como a Alexander Soljenitsin (1918-2008) que chegou a ser considerado seu sucessor, e Vladimir Lenin líder da revolução soviética que o considerava um dos maiores escritores russos.

Muitos de seus livros foram para o cinema, recentemente (2012)  Anna Karenina foi reescrito para o cinema, sob a direção de Joe Wright, e concorreu ao Oscar e ganhou o de melhor figurino, porém uma obra prima de Tolstoi é o livro Guerra e Paz.

De Guerra e Paz lembro impressões e algumas frases soltas, e do contexto do livro que fala das guerras czaristas de seu contexto e tempo, porém que é revelador do pensamento russo sobre a guerra, e que não se ignoram os seus flagelos.

O livro trata da vida de 5 famílias aristocráticas, no período que vai de 1805 a 1820, em meio a marcha de tropas napoleônicas e seu impacto brutal sobre a vida de centenas de personagens.

Ali destacam-se figuras como os irmãos Natacha e Nikolai Rostóv, do príncipe Andrei Bolkónski e de Pierre Bezúkhov, filho ilegítivo de um conde cuja busca espiritual serve como uma espécie de fio condutor do romance e transforma-o num personagem complexo e intrigante do século XIX, e cuja busca será um complemento para a paz em meio a guerra.

Uma espécie de refúgio parecido ao da Menina que rouba livros, que neste caso é no contexto da Alemanha nazista e ela vai encontrar nos livros um refúgio para o ambiente sombrio da ascensão do nazismo na Alemanha.

Vejo um traço comum nestes dois livros que é este “refúgio”, algo entre o espiritual e o de leitor, porém ambos conseguem criar num ambiente sufocantemente odioso, lacunas e espaços de paz e de elevação espiritual.

Se a guerra vier, qual será nosso refúgio, em que patamar de vida espiritual e de conhecimento desejamos colocar nossas vidas que estarão em risco, creio que são leituras contemporâneas.

TOLSTÓI, L. Guerra e Paz, trad.Rubens Figueiredo, São Paulo: Cia das Letras, 2017. (Vol 2 pdf)

 

Covid 19 e futuros cuidados

29 ago

A Covid 19 deixa algumas lições, uma delas é não subestimar os vírus, elespodem ter uma capacidade de mutação maior que o previsto e pode complicar resultados de imunidade, no campo da política social é preciso que os governos e órgãos administrativos tenham respeito a vida humana e as vezes é preciso sacrificar a eficiência e o desempenho em prol do bem maior.

Os aspectos de vida social ainda há muito a aprender e mesmo os resultados num quase final de covid, ainda estão por ser avaliados: ansiedades, depressões e irritações são aspectos que não devem ser subestimados e precisam ser vistos também como saúde pública.

Postamos a semana passada estudos que indicam uma possibilidade de “evolução” pandêmica para bactérias e fungos, procurei algumas reportagens e estudos a respeito e encontrei que há possibilidade de fato.

No campo das viroses agora há um debate sobre sobre um deficit de imunidade” causado pelo período de isolamento social, em todas faixas etárias, mas de modo especial nas crianças, isto tem favorecido doenças como hepatite e outras viroses de modo mais intenso.

Segundo um estudo francês, no qual um dos coautores é um médico francês François Angouvalnt, o fato de algumas pessoas não terem pego tantas viroses nos meses da pandemia foi um alívio em médio às tragédias de picos da Covid-19, mas deixou os sistemas imunológicos sem treino para enfrentar patologias comuns e criou grupos populacionais mais vulneráveis a alguns vírus e bactérias que normalmente são tratados e resolvidos como casos simples.

O estudo acompanhou algumas evoluções desde 2020 destas doenças e observou a evolução na população de Paris e causou apreensão uma maior vulnerabilidade.

Particularmente no Brasil o número de mortes por covid está em torno de 70 mortes diárias e em queda, enquanto o número de infecções abaixo de 10 mil, tudo indica um fim de pandemia até o final do ano, mas com uma nova onda de frio no sul e sudeste deve-se manter os cuidados.

 

A assimetria negativa: humildade

26 ago

Se todas relações são de certa forma assimétrica, isto é, envolve algum poder e alguma forma de dominação ou ao menos uma tentativa, a única forma de se contrapor a ela é a humildade, que não é autoflagelação, a desvalorização ou a resignação, é uma forma de não se opor ao poder imposto, como tirar o corpo de uma ação violenta e assimétrica.

Ela é assimétrica no sentido negativo, porque o poder e a comunicação o é no sentido positivo, como poder significa evitar que o espírito de dominação, vingança e depreciação do Outro passe por você, como comunicação significa ouvir com atenção e esperar para discordar do que é não simétrico, que é mais geral que o assimétrico, demonstra a assimétrica positiva, por isso a nega.

Assim uma resposta a violência com violência é uma assimetria positiva, a resposta com a bandeira da paz é desmoralizadora e eficiente contra um inimigo violento, Ghandi a usou para libertar a Índia do domínio inglês.

Também quando a violência é arrogante e desumana, por exemplo a morte de civis, crianças e idosos nas guerras, faz a máscara do poder cair e demonstra toda sua assimetria e arrogância.

Para inverter a lógica da guerra e instaurar a lógica da paz é preciso sim vencer as injustiças e o desrespeito as diversidades sociais, porém a guerra é exatamente o oposto: a contraposição ao respeito da diversidade, a imposição de uma visão unilateral e o agravamento das injustiças.

Assim o que devemos buscar e o banquete dos humildes, a glória dos últimos e a paz daqueles que não tem armas e preferem a comida da mesa ao alimento metálico dos poderosos.

O verdadeiro cristianismo não se une ao poder, mas que estão na base da pirâmide, diz o Evangelista Lucas (Lc 4,12-14): “quando tu deres um almoço ou um jantar, não convides teus amigos, nem teus irmãos, nem teus parentes, nem teus vizinhos ricos. Pois estes poderiam também convidar-te e isto já seria a tua recompensa. Pelo contrário, quando deres uma festa, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos. Então tu serás feliz! Porque eles não te podem retribuir.”

Parece uma lógica equivocada, porque não é a lógica imposta pelo poder, mas é a lógica dos justos.

 

A posição do poder e a simetria

25 ago

Conforme elaboramos no post anterior, o poder é sempre uma posição hierárquica e assim a decisão final e os instrumentos de opressão estão as posições somente daqueles que ocupam os postos maiores na hierarquia e o que resta a base da pirâmide é a rebeldia ou a resignação.

Se o poder é necessário cabe a quem está no posto exercê-lo com discernimento e generosidade, o ideal era que de fato estivessem a serviço, mas salvo raras exceções, a maioria serve-se do posto, e de modo geral a eles todos aqueles que sofismam com o poder.

O modelo platônico e aristotélico supôs que a polis poderia ser governada por aqueles que eram bem preparados e para isto criaram instrumentos de formação do cidadão da polis, por excelência, o político.

A evolução deste modelo chegou ao iluminismo, e praticamente todos modelos atuais (há algumas exceções na África e em países da Ásia) este é o modelo de poder da maioria das nações, pela força, pelo voto ou por aquilo que Byung Chul Han chamou de psicopolítica, iludindo os povos.

Mas é importante lembrar que existe o poder disseminado por toda a estrutura social, e também que existem as redes (podem ou não usarem mídias) e através delas cada um pode exercer sua ação para um mundo melhor, mais simétrico e com maior reciprocidade entre os co-cidadãos.

Sloterdijk criou o modelo da co-imunidade, mas elas pressupõem que sempre algum “mal” impera, algo como o “mal estar da humanidade” o que aqui chamamos de crise civilizatória, a ausência de um modelo real para se contrapor aos modelos ditatoriais vigentes ou em escala crescente, há uma volta ás crises do início do século, justamente por não haver se oposto a raiz do modelo: o iluminista e o idealista.

As razões econômicas são consequências e não raiz destes modelos, como pretendia Edgar Morin ao enfatizar que não há como mudar sem mudar a raiz do pensamento, também Heidegger afirma que abandonar a revolução do pensamento é não permitir uma mudança real na sociedade, e que é no fundo a razão pela qual voltamos as teses anteriores a primeira guerra, ou seja, repetimos a história.

A simetria, a reciprocidade, a compreensão da diversidade humana e o respeito a ela quase sempre é ignorada pelos modelos do início do século passado, voltar a eles não é senão prenuncio de uma tragédia maior: a crise civilizatória de raízes mais profundas que as anteriores.

Quem sofrerá mais será a base da pirâmide do poder, porém o volume de poder bélico pode levar a uma catástrofe humanitária sem precedentes, só a solidariedade, a fraternidade e a reciprocidade podem evitar e redirecionar esta crise.

 

O poder e a violência

24 ago

Historicamente povos pacíficos ou com pouca estrutura de defesa foram dominados por povos imperialistas muitas vezes justificando por valores sociais ou causas nobres, porém a pratica no final é de dominação, desenvolvida por Max Weber.

Na história recente, as ideias do “soberano” de Hobbes e o “príncipe” de Maquiavel iniciaram a ideia de Estado ainda no período que haviam reis (no Inglaterra e outros países ainda há), e depois foram reelaboradas por Kant e Hegel, onde os conceitos de cidade-estado e cidadania da antiguidade clássica foram recuperados e atualizados, porém esta é a ideia do poder moderno.

A ideia de democracia no sentido americano da palavra foi desenvolvida por Alexis de Tocqueville, que é ao mesmo tempo um elogio ao modelo americano, porém possui lacunas de interpretação que permitem uma análise critica.

A ideia que todo poder emana do povo, apesar de ser um modelo ideal no sentido lato da palavra, é mesmo o projeto final do idealismo, porém Sloterdijk constata que o modelo de “domesticação humana” falhou, são duas guerras nos países ditos “avançados” e uma a espreita.

As análises mais recentes, que tratam do poder “de fato” presente em formas de dominação e controle ideológico das populações (ideologia aqui é num sentido amplo) parte da análise de Michel Foucault que há formas dispares, heterogêneas e em constante transformação de como este poder é exercido, assim está em toda parte e não em uma instituição ou em alguém, onde ele desenvolve os conceitos de biopoder e micropoder.

Byung Chul Han, discípulo e na linha de Peter Sloterdijk, desenvolve a forma mais avançada que temos hoje que é o psicopoder, não apenas pelo controle de notícias e fake News, mas de modo especial pelas relações que se desenvolvem socialmente onde não reciprocidade, aquilo que Chul Han chama de “simetria”.

Diz ele não há simetria em nenhuma forma de poder e nem na comunicação (assim toda comunicação é uma forma de dominação e poder), somente há simetria onde há “respeito”. e assim a forma mais “violenta” de política hoje é desrespeitar o adversário de várias formas.

Esta é a violência cotidiana, que ela avance para sua forma mais cruel que é a guerra não é senão uma consequência, assim a violência começa nas ações de violência psíquica no dia-a-dia.

Assim estabelece Chul-Han: “o poder é uma relação assimétrica. Ele fundamenta uma relação hierárquica” (HAN, 2019, p. 18) e ele é a base de toda violência social e política, um poder que seja realmente democrático deve reelaborar a simetria ou a reciprocidade entre cidadãos e o estado.

HAN, B. C. No enxame. Petrópolis: Vozes, 2019. 

 

A guerra total por um fio e o G20

23 ago

Enquanto prossegue a guerra na Ucrânia, agora com pontos de tensão na Criméia anexada pelos russos, a China continua com “exercícios” próximos da ilha de Taiwan. Neste domingo (21/08) foram avistados 12 aeronaves e cinco navios, sendo que 5 aviões cruzaram a linha mediana do Estreito de Taiwan.

A guerra vai tendo uma escalada de violência com a morte da filha Darya do ideólogo russo Alexandr Dugin, que faz uma mistura filosófica de Lenin, Stalin com Nietzsche, Weber Heidegger e outros, uma autêntica salada russa filosófica.  O carro de Darya explodiu e incendiou matando-a no incêndio.

Nas últimas horas a Ucrânia atacou a sede administrativa russa em Donesk e navios russos na Criméia, a guerra neste momento ali é total e a capital Kiev pode voltar a ser atacada.

Em comunicado no dia de ontem (22/08), a China reagiu ao discurso do embaixador americano Nicholas Burns, que a acusa de estar “fabricando crises” dizendo que os EUA praticavam “uma retórica vazia, e uma lógica hegemônica” e a temperatura entre as duas nações mais ricas e fortes militarmente está subindo.

A aproximação de Rússia e China é cada vez maior, e o governo americano vê isto como uma forte ameaça, uma vez que cria duas grandes frentes de conflito e em pontos distintos do planeta, o perigo de uma guerra de proporções inimagináveis cresce.

Uma esperança seria a reunião do G20, grupo das 20 nações mais ricas, do qual participam entre outros países: EUA, Japão, Alemanha, Rússia, China, União Europeia, Reino Unido, Japão, Coréia do Sul, África do Sul, Brasil, Argentina, México, Austrália, Canadá, Arábia Saudita, Turquia e Indonésia, onde será a 37ª. reunião do G20, em Bali.

A data de 15 e 16 de novembro, entretanto é muito distante e as tensões são emergenciais, a ONU não conseguiu avanços nas negociações da Rússia e Ucrânia, num mundo fortemente polarizado faltam interlocutores que sejam confiáveis em ambientes de conflito.

Não é exagero dizer que estamos em alerta laranja nos aproximando do vermelho em função das ameaças e retóricas das grandes nações do planeta.

A esperança sempre há, em muitos casos na história há um ponto de inflexão em que a curva inverte sua tendência, neste cada uma tendência para a paz.

 

Pandemia em queda, poderá haver outra ?

22 ago

A Pandemia segue em queda, lenta devido tanto pela taxa de vacinação quanto ao relaxamento das medidas protocolares, no Brasil foram registrados 144 mortes e 15 mil infecções, é a taxa mais baixa desde maio.

A pergunta é se novas pandemia podem surgir e quais os cuidados para prevenção, que é bem melhor que deixar acontecer para depois soar o alarme.

Na China algumas viroses graves são monitoradas, em geral vem de animais para humanos, a do musaranho, um pequeno roedor é uma delas, um estudo divulgado dia 4 de agosto detectou o Langya henipavirus (LayV) que causou lá infecções me 35 pessoas, entre 2018 e 2021, nas províncias de Shandong e Henan, causa sintomas como febre, fadiga, anorexia, mialgia e náusea.

Porém a previsão a médio e longo prazo é que haja um processo “evolutivo” para fungos e bactérias, isto porque os defensivos agrícolas e os remédios para bactérias causam uma evolução nos organismos, e no caso dos fungos não há muitos estudos e o uso de defensivos é cada vez mais intensivo.

Nos Estados Unidos foi encontrada uma bactéria rara chamada Burlkolderia pseudomallei, que pode deixar algumas pessoas extremamente doentes, em especial doentes com problemas de diabetes e renal, os médicos estão em alerta, mas não há ainda casos relatados.

O alerta de fungos foi feito por uma reportagem do National Geographic, que diz que conhecemos pouco destes organismos e são muito resistentes a tratamentos e com isto no caso de uma pandemia poderia sair do controle.

Os estudos para prevenção devem também ter financiamentos, eles são a base para evitar as pandemias junto com a divulgação imediata de casos que podem ser crônicos.

 

Os tempos de ira e as virtudes

19 ago

Tempos sombrios de política, de ameaças de guerra e de pandemia não ocultam totalmente as veredas da clareira, ainda que seu verdadeiro significado seja discutível, nem o renascimento e nem o iluminismo foram de fato “clareiras” e Sloterdijk tenha revisto a clareira de Heidegger, é possível em tempos de ira enxergar virtudes que levam a clareira.

Sloterdijk em seu livro/ensaio “Tempo e Ira”, aponta a exaustão dos modelos tradicionais dos processos políticos, argumento a partir de uma revisão histórica dos grandes impactos políticos mundiais, invertendo a biopolítica preconizada por Foucault para uma psico-política social.

Aponta afetos que chama de “timóticos”, em especial a ira, assim como seus derivados degenerados, o ressentimento e a vontade de vingança, por exemplo (mas podem haver outros como a incitação ao ódio), tornam-se a força motriz fundamental da história e da política, assim se trata de mobilizar estas forças, e os populistas o fazem bem, para mobilizar a população.

A virtude, as boas propostas e o apelo ao diálogo parecem perder força, entretanto, o próprio autor aponta que os ecossistemas psíquicos (entre eles o moral) podem produzir estes “afetos”.

Escrito em 2006, o autor já mostrava que a ira cujo capital é justamente a ira mundial dispersa e passível de mundialização, produz uma onipresença cultural que chama de “metafísicas da desforra”, mas não desenvolve que os tipos de “afetos” morais podem ser uma força oposta.

Não foi sem esta força que os gregos desenvolveram os conceitos de cidadão da pólis, não foi sem o encontro com o humano (excessivamente antropocêntrico é verdade) que o renascimento fez um reencontro com o humanismo, depois do seu desenvolvimento moderno, agora me cheque.

As virtudes parecem heroicas, impossíveis e quase desprezíveis, o roubo da coisa pública, o diálogo e o respeito de fato a democracia (a polarização favorece os ditadores), parecem não dar outra saída porem as virtudes existem e elas são passíveis de nossa humanidade (Na pintura de Giotto: A alegria das virtudes, 1303-5).

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Não se trata apenas da figura feminina, das forças raciais e dos inúmeros esquecidos da política, o importante é destacar que uma virada social, precisa ser composta de virtudes morais e sociais.

A figura da mãe, foi desenvolvida até pelo escritor Máximo Gorki em seu histórico livro “A mãe”, que não significa outra coisa senão a geração das boas virtudes, também daquelas que geram as justiças sociais e a paz entre os homens, a Maiêutica grega, Sloterdijk talvez faz alusão a “matris in grêmio” (no colo da mãe) em suas esferas.

Em termos bíblicos, a figura de Maria, esquecida por alguns e até desprezada por parte dos cristãos, não é outra coisa senão a lembrança que de seu “parto” vem uma redenção, uma salvação e não por acaso ela é vista como toda virtuosa.

O trecho bíblico em que Maria conta a prima Isabel que estava grávida de Jesus é claro na saudação da prima (Mt 1, 42-43): “Com um grande grito, exclamou: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar? , sendo ela humana (e divina por participação na parição) está ao nosso alcance.

SLOTERDIJK, P. O tempo e a ira. São Paulo: Estação Liberdade, 2006.

SLOTERDIJK, P. Esferas I: bolhas. São Paulo: Estação Liberdade, 2016

 

A virtude política, educacional e moral

18 ago

As três fases distintas da polis grega podem ser simplificadas na areté política praticada pelos sofistas e que justificavam apenas a capacidade retórica (algo próximo as narrativas de hoje), a areté educacional, o ideal platônico que significa uma boa relação entre a natureza e a educação, porém aqui nos interessa a areté moral, a superação entre os antagonismos da paixão e a razão.

Cedemos as paixões, assim a política é uma espécie de torcida, as paixões estão todas liberadas e assim não há contraposição a impulsos contraditórios da alma, e estas formas existiam já no período clássico, porém acreditava-se na sua “domesticação” usando um termo de Sloterdijk.

O projeto de domesticação falhou, a constatação de Sloterdijk que é bem anterior a pandemia e a guerra, já se fazia presente e escandalizou os filósofos que logo o refutaram sob acusações graves.

Não há espaço mais para a virtude moral, até mesmo o roubo e a violência verbal e “simbólica” já parecem liberadas, combate-se ao contrário qualquer tentativa de construir uma moral sólida.

Assim não se trata da guerra que é o ápice desta barbárie moral, matar tem justificativas por mais insano que isto pareça, tem torcidas e tem até os fatalistas que dizem que era inevitável, no limite, esperamos que não digam a erosão civilizatória seja também inevitável, afinal defender a vida é o último apelo moral que nos resta e até mesmo ele pareceu em crise com a pandemia.

A moralidade pública, uso dos bens públicos como serviço a comunidade, a moralidade social, uso da empatia e da tolerância como formas de diálogo e relacionamento público, direto a oposição e ao contraditório, são todos princípios morais que parecem estar em recesso.

Quais são de fato as propostas de sociabilidade, de representatividade e de política postas a mesa, apenas a negação de valores morais, o descaso com a coisa pública e uma defesa vaga do que de fato são os bens públicos e os interesses da população mais fragilizada no limite da seguridade.

Os discursos de gabinete estão dissociados da realidade, a demagogia e o populismo são os grandes instrumentos de propaganda política, a seriedade do que é proposto não cede ao mínimo exame da realidade dos fatos, e falar de fake News deve-se dirigir a praticamente todos.

A campanha apenas se inicia e do não-diálogo presente nos discursos só nos restas pensar que a moral sucumbiu ao moralismo mentiroso e ao populismo falacioso.