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Arquivo para janeiro, 2023

As luzes do iluminismo

31 jan

Ainda vivemos sob a égide do iluminismo, o forte movimento da Europa do século XVIII, seus princípios pareciam conduzir a uma sociedade perfeita falando de liberdade e igualdade entre os seres humanos, desejando abolir tanto os poderes da realiza quanto a influência da religiosidade cristã, Voltaire e Diderot foram os pensadores mais radicais, mas não pode deixar de sentir as influências de Immanuel Kant, Adam Smith, David Hume e Montesquieu.
Ernest Cassirer faz um dos importantes tratados sobre o Iluminismo, cita Diderot: “O Autor da natureza, que não me recompensará por ter sido um homem de espírito, tampouco me condenará às penas eternas por ter sido um néscio” (apud Cassirer, p. 224), porém o autor corrige tanto o aspecto da tolerância, é preciso lembrar das guerras entre luteranos e católicos envolvendo diversos reinados e a paz da Vestfália, quanto o aspecto agora de uma religiosidade livre que “deixou de ser dádiva de uma potência sobrenatural, da graça divina; ela deve brotar da própria ação e receber da ação suas determinações essenciais” (Cassirer, p. 225).
A ideia também desenvolvida por Cassirer de um intelectualismo “puro”, por um lado coloca um primado do pensamento sobre a pura especulação teórica e por outro procura fundar um a religião “nos limites puros da simples razão”, claro sem a fé, sem o mistério (que é parte da natureza) não é mais religião.
A insuficiência e o reducionismo cartesiano, um argumento forte de Cassirer ao iluminismo, fizeram vários filósofos buscarem raízes na filosofia oriental, Cassirer lembra Leibniz que já “citara a civilização chinesa” e nas Cartas persas, Montesquieu faz uma comparação entre Oriente e Ocidente, mas serão Schopenhauer (Upanishad) e Nietzsche (Zaratrusta) que sob estas influências orientais romperão com a filosofia iluminista.
Leibniz não é contestado diretamente, mas seu discípulo Wilhelm Wolff que “celebra Confúcio como um profeta de grande pureza moral e coloca-o a par de Cristo” (Cassirer, p.226), será alvo da ironia de Voltaire em seu célebre “Candido, ou o otimismo” (1759), critica a ideia do “melhor dos mundos possíveis”.
No aspecto econômico foi importante para superar a filosofia do mercantilismo e desenvolver a teoria liberal (em especial Ada, m Smith) sobre o conceito da economia das nações, porém o liberalismo se desenvolverá de modo mais amplo com a ideia de capital financeiro de David Ricardo (1772-1823).
A crise civilizatória que apontamos nos posts da semana passada (e anteriores, é claro), tem suas raízes no iluminismo e suas ideias de estado, religião e liberdade, porém como aponta Cassirer importa “rejeitar o sentido literal da Bíblia toda vez que aí se encontra expressa a obrigação de um ato que contradiz os princípios elementares da moral” (pg. 228), porém em seu Tratado sobre a Tolerância (1763), é traçada uma lei do mundo intelectual “que a razão só existe e subsiste se for recriada dia após dia” (pg. 229).
O desenvolvimento de Cassirer entretanto é que “não se pode decidir sobre o seu valor ponto de parte a sua eficácia moral. É esse o significado em Lessing do apólogo do anel: a verdade última e profunda da religião só se prova desde o interior” (pg. 230).
Para estes filósofos somente a objetividade (a relação com o objeto exterior) é conhecimento, e este é alcançado numa “transcendência” do sujeito em relação ao objeto, assim não há sentido nem valor em uma ascese moral, assim para eles religião é a religião natural, embora não tenham boa relação com a natureza.
CASSIRER, Ernest. A filosofia do iluminismo. Trad. Álvaro Cabral. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1992.

 

Encruzilhada da guerra e pandemia em análise

30 jan

Analisando estes dois temas de grande relevância mundial, elementos complicadores da grande crise civilizatória, que já analisamos o aspecto político e cultural que é seu fundo, vemos uma guerra em escalada mundial e uma pandemia em análise pela OMS, quanto ao uso do termo.

São dois eufemismos, pois a guerra já tem proporções mundiais com o envio de tanques Leopard por parte da Alemanha e Polônia, enquanto a Russia envia seu navio chamado “do fim do mundo” para águas internacionais no Atlântico Norte, não há perspectiva de Paz, a Pandemia continua o que se discute é só se a palavra deve continuar a ser usada, a infecção pela variante kraker já é vista mundialmente como de rápida e fácil transmissão.

Após o anuncio de entrega de tanques Leopard a Ucrânia, a Rússia já bombardeou o país com misseis hipersônicos que ficam fora do alcance do radar e anunciou o desenvolvimento em escala da arma nuclear Poseidon (imagem), um torpedo Autônomo Nuclear com capacidade intercontinental, como depende de submarinos pode atingir cidades costeiras praticamente em todos continentes.

O Vice-Presidente do Conselho de Segurança e ex-presidente da Rússia Medvedev afirmou que quem tem armas nucleares não perde uma guerra, e a declaração é vista como uma ameaça ao envolvimento de países europeus e dos Estados Unidos, agora vistos como envolvimento direto pelo envio declarado de armas, embora o presidente da Alemanha afirme que a escalada não envolverá a OTAN.

Analistas de todo mundo, entre eles o chamado “relógio Juízo Final” (Doomsday Clock) simbólico, que começou após o fim da segunda guerra, adiantaram o “relógio” para 90 segundos da meia noite, devido a guerra na Ucrânia e a escalada de ameaças entre o Ocidente e a Rússia.

Em 1945, criado pelo biofísico Eugene Rabinovitch e organizado pelo Bulletin of Atomic Scientists, o Doomsday Clock contou com cientistas como Albert Einstein, J. Robbert Oppencheimer e Marx Born, até hoje são cientistas renomados que mantem esta análise, o horário 23:58:30 é o mais próximo desde sua criação.

A OMS também analisa suspender o estado de “emergência de saúde pública de interesse internacional”, eufemismo para declarar o fim da pandemia, o que é preocupante porque só na China foi resultado mais de 170 mil mortes nas últimas semanas, e a variante kraken segue em expansão, com isto o socorro de nações com dificuldades sanitárias e uma política global de combate ao vírus fica debilitada.

Não acredito que a atual crise, que inclui e se fundamenta em valores culturais, possa se dissipar, porém atitudes de paz e cuidado com a vida podem nos dar algum alerta, as autoridades devem ter isto presente.

Adendo:

Após a publicação deste post, veio a declaração oficial da OMS: “Não podemos controlar o vírus da covid-19, mas podemos fazer mais para lidar com as vulnerabilidades das populações e dos sistemas de saúde”, disse seu diretor Geral Tedros Adhanom esta segunda-feira (30/01/2023).

 

Consciência humana e senciência maquínica

27 jan

Consciência envolve aspectos espirituais humanos (na filosofia idealista chamada de subjetividade) e aquela que faz o homem ter uma verdadeira ascese que eleva seu caráter, suas atitudes e sua moral numa escala progressiva de aprendizagem, onde é admitido o erro, mas corrigido de forma humana.

Senciência é o fato que temos percepção consciente de nossos sentimentos, é a capacidade dos seres (humanos, pois não acreditamos que uma máquina mesmo sofisticada possa ter esta ascese), e nos seres ela passa a sentir as sensações e sentimentos de forma consciente.

Na figura uma representação do século XVII, um dos primeiros estudos foi o matemático inglês Robert Fludd (1574–1637).

Quanto menos conseguimos ter consciência de nossos sentimentos, menos temos senciência e menos capacidade de entender nossos sentimentos, a tentativa de traduzir as sensações (os tipos de risos, alegrias, tristezas, etc. para a máquina), sempre estarão subjeitas a algoritmos, mesmo que muito sofisticados, e por isso chamo de senciência maquínica, já que a consciência maquínica está descrita de diversas formas, por diversos autores.

A verdadeira consciência humana é assim aquela que nos permite alcançar níveis de ascese de diversas formas: altruísmo, colocar-se no lugar do outro, viver uma vida justa e apreciar a justiça, enfim uma verdadeira espiritualidade que nos eleve como humanos, e também é aquela que está ao alcance dos que sofrem com injustiças e barbáries humanas.

Para os cristãos aquilo que nos faz alcançar uma verdadeira ascese está descrito nas chamadas bem-aventuranças (Mt 5,1-12) que fala dos pobres, dos aflitos, dos mansos, dos que tem forme e sede de justiça, dos que tem capacidade de perdoar e falaz com clareza do desejo da paz: “bem aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados de filhos de Deus”, assim em todos circunstâncias que se vive em dias sombrios é preciso promover a paz.

Os contornos de intolerância e violência, não só na guerra da Ucrânia, mas em quase todo o planeta deve preocupar os que defendem a paz.

 

Inteligência Artificial e planejamento

26 jan

Todos nós desejamos situações ideais e perfeitas, como diz Margaret Boden evidentemente isto não é restrito a IA, o nosso dia a dia, as nossas viagens e o futuro dependem deste planejamento, o simples voluntarismo, ou o simples desejo (está na moda mentalizar desejos) não resolvem nenhum problema e na maioria das vezes provocam ansiedade e frustração.

No caso da computação, “o planejamento possibilita que o programa – e/ou o usuário humano – descubra quais ações já foram realizadas e porquê. O ´por quê´ se refere à hierarquia do objetivo: esta ação foi realizada para satisfazer aquele pré-requisito, para alcançar tais e tais objetivos secundários” (Boden, 2020, p. 44), isto em alguns planejamentos de programas de computação é chamado de “engenharia de requisitos”.

No caso de IA, existe tanto um “encadeamento para a frente” como “encadeamento para trás”, que explicam e ajudam o programa a encontrar soluções, para isto existe também uma hierarquia, também existe uma hierarquia de tarefas e a autora acrescenta que tanto o planejamento como a hierarquia foi rejeitada por “roboticistas” da década de 1980, e hoje foi incorporada a área.

Existem vários condicionantes de IA que não são claramente expostos e que explicam melhor o que é a IA, por exemplo, “existe uma grande quantidade de hipóteses simplificadoras não matemáticas na IA que geralmente não são mencionadas. Uma delas é a hipótese (tácita) de que os problemas podem ser definidos sem levar em conta as emoções” (Boden, 2020, pg. 46) que é tratado no tópico seguinte e cujo assunto é apenas inicializado.

As redes neurais artificiais que auxiliaram muito o desenvolvimento da IA são bem diferentes de redes semânticas, uma vez que esta já são desenvolvidas a partir da experiência e da interação humana e só depois destes tópicos é que Capítulo 6 é que a autora faz a pergunta sobre o que é a Inteligência Artificial de verdade, como as perguntas capitais “Será que teriam egos, postural moral e livre-arbítrio? Seriam conscientes?” (Boden, 2020, p. 165), e esta pergunta não podemos fugir sem apresentar algum insight filosófico, teológico ou antropológico, talvez um síntese aprofundada dos três fosse mais interessante.

A pergunta em tempos de séria crise civilizatória e necessário uma pergunta anterior: a consciência humana o que seria? Como a tratamos? A ditadura do igual, do insensível e da padronização até mesmo do pensamento nos conduz a uma falsa impressão de que a máquina pode nos ultrapassar (o ponto de singularidade).

BODEN, Margaret A. Inteligência Artificial: uma brevíssima introdução. SP: Ed. UNESP, 2020.

 

O que é inteligência artificial e qual ética é necessária

25 jan

Normalmente IA tem sido caracterizada como “fazer o tipo de coisas que a mente é capaz de fazer” (Boden, 2020, p. 13), porém esta dimensão não tem uma dimensão única e podemos abordar “um espaço estruturado com diferentes habilidades de processar informação” (idem).

O desenvolvimento atual acrescenta “avatares de realidade virtual e os promissores padrões emocionais desenvolvimento para os robôs ‘para o acompanhamento pessoal” (Boden, pg. 14), o que tem sido chamado de assistentes pessoais, como o Siri, o Cortana e modelo de diálogo ChatGTP que é em código aberto e já exige regulamentação especial, por exemplo, a prefeitura de Nova York proibiu o uso nos níveis iniciais de escolarização.

Os chatbots já são conhecidos a algum tempo, porém são bem mais simples, o ChatGPT (Generative pre-Trained Transformer) é uma ferramenta simples e intuitiva, que o usuário usa e treina a partir dos conceitos de IA de Learning Machine, aprendizagem de máquina e portanto cresce em complexidade e capacidade de interação com o usuário na medida que é usado.

A influência em filosofia também é sensível, especialmente nas áreas cognitivas onde são feitas tentativas de explicar a mente humana, neste campo uma recente polêmica foi o fato de um engenheiro da Google afirmar que a plataforma de IA LAMBDA (Language Model for Dialogue Applications), era senciente (que é diferente de consciente), já publicamos um post e não desenvolvemos aqui devido a complexidade do tema.

O tema já teve inicio de discussão na Câmara Federal do Brasil e está para entrar em pauta no Senado Federal, através do projeto de lei PL 20/21, entre outras coisas estabelece um marco legal no desenvolvimento e uso de inteligência Artificial (IA) pelo poder público, empresas, entidades diversas e pessoas físicas, estão sendo ouvidos juristas renomados e especialistas da área.

Outra área preocupante que deve-se ter cuidado é o uso de IA na criação de “vida artificial”, “que desenvolve modelos computacionais das diferentes características de organismos vivos”, nesta área se destacam o desenvolvimento de algoritmos genéticos (AG). (Boden, 2020, p. 15).

BODEN, Margaret A. Inteligência Artificial: uma brevíssima introdução. SP: Ed. UNESP, 2020.

 

 

A Inteligência artificial e seus limites éticos

24 jan

Numa sociedade em que todos os limites éticos já foram ultrapassados, até mesmo o de não presar mais pela vida nosso bem mais fundamental, a evolução da Inteligência Artificial, mesmo com inúmeros acordos éticos dos quais participaram as grandes empresas (Amazon, HP, IBM, Google, etc.), por exemplo, para não produzir armas inteligentes, assistimos o uso indiscriminado em drones na guerra Ucrânia e Rússia, na qual estão envolvidas as potências e suas empresas.

A evolução da IA deu um salto com a internet, a facilidade de informações que correm pelas veias das redes eletrônicas (estas sim são redes) e incentivam as mídias eletrônicas (que são apenas meios disponíveis aos homens) é tão abundante quanto impactante, da noite para o dia, ilustres desconhecidos se transformam em “influencers” e ganham notoriedade, entre eles adivinhos, profetas, políticos e artistas nem sempre com muita moral e ética.

Isto deveria ser tão ou mais preocupante que o desenvolvimento da IA (inteligência artificial), porém o uso das “mídias” por estes influenciadores são sim muito preocupantes, e não se tratam apenas de fake-news, mas todo tipo de barbárie que vai desde o vocabulário até o impacto político, nisto se insere nossas leituras das semanas anteriores de Dalrymple e Zizek, mais ligados aos aspectos cultural e político, que sem dúvida são mais delicados.

Como o tema também é delicado, agora no sentido intelectual de conhecer suas potencialidades e perigos ainda não claramente analisados, como por exemplo, uso de algoritmos genéticos (AG) apontado por Margaret A. Boden, em seu livro “inteligência artificial: uma brevisissima introdução” (Editora Unesp, 2020).

Ela explora, entre várias outras coisas, com clareza de quem é especialista na área, o problema dos ciborgues e trans-humanos, como sugeria Kurzweil que preparava seu próprio corpo para tornar-se um trans-humano.

A diferença entre ciborgues, os implantes médicos de diversas próteses já são claramente possíveis, para o trans-humano, “em vez de considerar as próteses como acessórios úteis para o corpo humano, elas serão consideradas como partes do corpo (trans-)humano” (Boden, 2020, p. 206), onde a força e a beleza humana poderão ultrapassar os limites genéticos e isto de tornariam características “naturais”.

Assim como Jean Gabriel Ganascia (francês que escreveu O mito da singularidade), Margaret Boden também não acredita na ultrapassagem da máquina acima da inteligência humana, este é o ponto da singularidade, e assim também a consciência humana “transcendente” como discutimos, não está submetida a uma “implausibilidade intuitiva” da pós-singularidade (pg. 207).

Sem dúvida a máquina poderá realizar tarefas incríveis e numa rapidez jamais sonhada pelo homem, aliás já o faz, porém “transcendência” não é isto.

BODEN, Margaret A. Inteligência Artificial: uma brevíssima introdução. SP: ed. Unesp, 2020. 

 

Um ano de guerra e três de pandemia

23 jan

Em 31 de dezembro de 2019, a organização Mundial da Saúde (OMS) era alertada sobre casos de pneumonia na cidade de Wuhan na China, no Brasil embora tivessem casos sem diagnóstico preciso, lembro de um caso que foi noticiado em Minas Gerais, somente no dia 11 de março quando a OMS caracterizou o quadro como “pandemia” iniciou um processo de combate no Brasil.

Faltam dados precisos, entretanto a OMS continua falando de avanço dos números e da variante Kraken (outra chamada Orthrus apareceu na Inglaterra, já sendo 1/5 dos novos casos) e a China tem tido recordes de infecções.

Aos que não lembram 11 de março de 2011 foi também a data de um tsunami que afetou a usina de Fukushima (na foto o tsunami em Minamisoma, Japão), só para lembram que tanto desastres naturais quanto os de uma guerra podem afetar os 447 reatores nucleares em operação em 30 países (segundo dados da WNA, Associação Nuclear Mundial), além dos armamentos nucleares que crescem em todo mundo.

Em reunião na base aérea militar Ramstein na Alemanha, assinaram apoio a Ucrânia os membros da EU, Canadá, Japão, EUA, e entre os países da América Latina assinaram Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, México, Paraguai, Peru e Uruguai, o Brasil não assinou.

Já o pedido de envio de tanques Leopard, os mais avançados e fabricados na Alemanha não foram decididos, a Finlândia poderá enviar 200 unidades que possui deste tipo de veículo militar, na próxima reunião entrará em pauta o envio de caças de 4ª. Geração, a Rússia possui os poderosos MIG-31 com capacidade de ataque e interceptação de aeronaves em combate.

Os alertas deveriam estar seriamente discutidos por aqueles que dizem lutar pela vida e pela paz, o uso da retórica não funciona mais devido as mídias sociais, a todo momento mentiras de campanhas eleitorais e declarações populistas são confrontados com a realidade cada vez mais bélica.

 

Que caminho encontrar numa situação confusa

20 jan

Tanto Zizek quanto Dalrymple avançam no diagnóstico de uma cultura ocidental em crise,debatem-se apenas com aquilo que foi destruído a secularização e a luta ideológica ocidental, rebatem qualquer possibilidade de um novo patamar moral e ético, mas fica a pergunta de Zizek: “Como podemos encontrar um caminho nessa situação confusa? “ (pg. 41), certamente não serão mais os modelos  já testados e falimos gestados no centro da cultura europeia, apelar para Descartes (Darlymple no seu capítulo sobre o Relativismo e o problema epistemológico, “volte Descartes precisamos de você”) ou Hegel que ocupa papel central nas leituras de Zizek junto ao hegelianismo novo de “Marx” sobre o qual o próprio Zizek aponta contradições.

Culpam os valores morais do cristianismo ou do islamismo que pouco ou quase nada influenciam na sociedade europeia contemporânea, ainda que por causa da imigração hajam mais árabes ou cristãos vindo de países com menor desenvolvimento, serão sempre camadas inferiores e subalternas no pensamento europeu, não há espaço para o novo, ele tem que se parecer com as velhas teorias de desenvolvimento, cultura e moralidades europeias, o cenário de crise evolui para o de confronto e de ódio.

Em todos os tempos houveram minorias que apontaram saídas, o grupo de filósofos em torno de Platão não gozavam de grande prestígio, e como dizemos esta semana a cultura ocidental é apenas uma “nota de rodapé” da cultura clássica, Aristóteles ganhou notoriedade por ser tutor de Alexandre, mas é preciso dizer que ensinou a ele e seus companheiros não a arte da guerra, mas ensinamentos sobre medicina, filosofia, moral, religião lógica e arte, e deu-lhe uma cópia que Alexandre levava em suas campanhas de conquistas.

Um novo pensamento não será nada daquilo que já envelheceu, e ainda que deva ser lido e analisado, o novo brotará de veredas mal exploradas e esquecidas, de clareiras que poderão abrir novos polos de real humanismo em meio a cultura da guerra e do ódio, nela não pode haver esperança e tudo que se espera é uma crise civilizatória, cujas nuvens pesadas já se vê no horizonte.

Na leitura bíblica são lembradas sempre Jerusalém, Belém e Betânia onde Jesus descansava, porém Cafarnaum é o verdadeiro lugar onde Jesus deu seus primeiros passos na sua missão, perto dali estava a casa de Pedro e como era perto do Mar, na verdade a beira do lago de Genesaré, é lembrada como “caminho para o mar”, onde estão Zabulon e Nefatali, e foi a vereda por onde Jesus encontrou seus primeiros discípulos, sua pregação e seus milagres.

Cafarnaum é próxima de Zabulon e Neftali, dela disse o profeta Isaias: “Terra de Zabulon, terra de Neftali, caminho do mar, região do outro lado do rio Jordão, Galileia dos pagãos” (Mt 4,15), assim é provável que uma nova Cafarnaum não será nenhuma terra “religiosa” no sentido de dominação da cultura cristã ou islâmica, mas de um lugar escondido onde uma nova civilização irá despontar.

A espera de uma Cafarnaum moderna, ou de uma Atenas, onde brote uma nova concepção de cidadania, o início do livro “A República” de Platão é sobre o justo e o injusto e suas reputações na sociedade.

 

 

Multiculturalismo e diversidade

19 jan

Como traçamos nos posts anteriores não há como falar de conflito e paz nos dias de hoje sem abordar a questão de fundo cultural e nelas as ideias filosóficas que são um pano de fundo e como não poderia deixar de ser é também discutido por Zizek.

O discurso da diversidade cultural, traduzido politicamente em multiculturalismo não resolveu os problemas do mundo contemporâneo, Ângela Merkel falando em 17 de outubro de 2010 a um encontro de jovens da União Democrata Cristão declarou: “Essa abordagem multicultural, que diz que simplesmente devemos viver lado a lado e sermos felizes uns com os outros, foi um completo fracasso” (pg. 51), e ali introduziu o debate da Leitkultur (cultura dominante) que insistiam “que todo estado é baseado em um espaço cultural predominante que deve ser respeitado pelos membros de outras culturas que vivem nesse mesmo espaço” (idem).

O que se constatou é que “o conflito sobre o multiculturalismo já é um conflito sobre a Leitkultur: não é um conflito entre culturas, mas um conflito entre visões diferentes sobre como culturas diferentes podem e devem coexistir, sobre as regras e as práticas que essas culturas devem compartilhar, se quiserem coexistir” (idem), e o que aconteceu foi que a cultura dominante queria ditara sua visão de diversidade particular.

Fui certa vez num diálogo entre cristãos e não-crentes cheio de animo e curiosidade e o que assisti era uma tentativa de impor uma visão particular de cristianismo sobre o ateísmo, dupla traição e nenhum diálogo.

Esclarece Zizek, ao falar dos gays: “Nesse nível, é claro, nunca somos tolerantes o suficiente, ou sempre somos tolerantes demais, negligenciado os direitos das mulheres etc. A única maneira de sair desse impasse é propor um projeto positivo universal, compartilhado por todos os interessados, e lutar por ele” (ibidem), este é o final do Cap. 3 “O retorno da má coisa étnica” que evito de propósito para apenas ouvir e calar, já que como branco de descendência europeia, sou parte da Leitkultur.

Assim como querem muitos pensadores europeus, Edgar Morin em sua defesa de uma cidadania global, Peter Sloterdijk que pede que a Europa desperte, a seu modo Zizek pede uma Leitkultur emancipadora positiva, “não apenas respeitar os outros, oferecer uma luta comum, porque hoje nossos problemas são comuns” (Zizek, 2012, p. 52).

O capítulo 4 poderia agora ser reescrito, uma vez que “o deserto da pós-ideologia” cedeu lutar ao retorno da luta ideológica do início do século passado, estamos andando em círculos e andamos para trás.

Todo o restante do livro fala da primavera árabe, dos movimentos “occupy” e finaliza para “além da inveja e do ressentimento”, aquele que Nietzsche desenhou tão bem, mas basta ver os discursos atuais e eles não são senão ressentimentos e ódios destilados e invejas mal sucedidas e “os sinais do futuro” da conclusão parecem agora obscurecidos por falta de sutilezas, clarezas e políticas sãs e interessadas no bem comum.

ZIZEK, Slavoj. O ano que sonhamos perigosamente. Trad. Rogério  Bettoni. São Paulo: Boitempo, 2012.

 

A economia política e a moral

18 jan

O confronto destas ideias estará presente na maioria dos textos que pretendem analisar a conjuntura social mundial, o declínio das grandes nações e impérios, a volta do nacionalismo e do socialismo ao início do século passado e suas principais teses são, conforme explica Slavoj Zizek: a economia política e o Partido da Ordem (Zizek, 2012, pg. 28), que foi  o início da polarização que agora é mundial e extrapolou os limites patrióticos.

Toda sua discussão está entre a “doxa” (apenas para compreensão aquela da orto-doxa) do marxista Frederic Jameson (Valences of the Dialetic) e dos neomarxistas Michael Hardt e Antonio Negri (Multitude) para os quais a evolução do trabalho chamado de imaterial (nomenclatura de Marx para trabalho intelectual) ou trabalho simbólico (nomenclatura para linguistas e semióticos) e que é no fundo aquilo que Kant e depois Hegel chamado de “subjetivo”, que está preso ao dualismo objetivo x subjetivo, ainda que se use incorretamente transcendência para o subjetivo, não há em nenhum deles nada de sobrenatural.

O que Marx difere aponta Zizek: “as determinações ´objetivas´ da realidade social são ao mesmo tempo determinações ´subjetivas´ do pensamento (determinações dos subjeitos presos nesta realidade) e, nesse ponto de indistinção (em que os limites de nosso pensamento, seus impasses e contradições, são ao mesmo tempo os antagonismos da realidade objetiva social em si) …” (Zizek, 2012, p. 10), para resumir e tornar mais claro, na visão de Marx é o “modo de produção”, ou seja, a maneira como os bens materiais são produzidos que determina a subjetividade, assim as une, mas elimina qualquer “transcendência”.

A análise importante da precedência da economia política sobre qualquer moral, que é submetida a ela conforme explicado acima, torna este campo objeto de relativismo moral e também político, onde os fins passam a justificar os meios, mesmo que moralmente injustos pouco importa, porém a análise que grande parte da subjetividade intelectual tornou-se público (prefiro do que transcendência que não é ou mesmo trabalho imaterial, porque o fruto em última instancia é sempre um produto físico, mesmo que seja um livro ou um texto), então por isto a análise de Hardt e Negri fazem sentido, mesmo que todas elas estejam de algum modo vinculadas ao subjetivo de Hegel ou Kant, e em última análise são notas de rodapé de Platão e Aristóteles, como já disseram vários filósofos.

Depois de rever vários conceitos marxistas, como mais-valia (lembro que em Portugal é comum usá-lo como sinônimo de agregar valor aos produtos), sentencia as dificuldades do comunismo de nosso tempo, como as reformas na China de Deng Xiao Ping: “introduzir o capitalismo sem a burguesia (como a nova classe dominante); agora, no entanto, os líderes chineses estão descobrindo de maneira dolorosa que o capitalismo sem uma hierarquia estável … gera uma instabilidade permanente” (Zizek, p. 21), isto dito muito antes da quebra da gigante imobiliária Evergrande, e foi encampada pelo Estado Chinês, contraindo esta crise.

O autor pula a chamada “Industria cultural” descoberta pelos marxistas frankfurtianos em contato com a máquina de marketing americana, mas não deixa de notas a guerra cultural nos países pós-socialistas, ao se perguntar se a economia continua ser a grande referência para a análise política e social, no caso dos países do Leste Europeu: “em que a tensão entre o pseudofolk e o rock no campo da música popular funcionou como um deslocamento de tensão entre a direita nacionalista conservadora e a esquerda liberal” (Zizek, p. 33), no entanto dobra-se a ideia “que a luta cultural não é um fenômeno secundário …” (idem).

Embora reconheça, citando Thomas Frank, que há uma “lacuna entre os interesses econômicos e questões morais” (pg. 36), trata o tema com ironia e fora da questão cultural, da qual é parte inseparável.

ZIZEK, Slavoj. O ano que sonhamos perigosamente. Trad. Rogério  Bettoni. São Paulo: Boitempo, 2012.