Arquivo para fevereiro, 2023
Sobre a Ira e a Guerra
Há quem defenda que a Ira e sua expressão máxima a guerra são necessárias e em muitas situações inevitáveis, o filósofo romano Sêneca além de teorizar a questão e a escrever um tratado “Sobre a Ira”, em três livros, no primeiro teorizar, no segundo trata de conselhos e exemplos para evita-la, já que pare ele a ira é sempre prejudicial.
O trabalho conclui com dicas de como acalmar a si e outras pessoas e faz uma síntese da obra, segundo o filósofo um grande homem nunca deve irar-se.
Uma leitura obrigatória para os dias atuais, é a leitura de Ira e Tempo: ensaios psico-políticos, de Peter Sloterdijk em que ele trata além de um panorama da questão no pensamento ocidental, acrescentamos Sêneca de propósito como contraponto, o autor mostra que ela é apreciada por ser força motriz de heróis e guerreiros, e diz que esta força se perdeu com a repressão da ira, mas será que é mesmo assim, ou ela foi transferida ao Estado que a monopolizou.]
O Amor nos tempos do cólera é um livro de Gabriel Garcia Marques de 1985, onde o cenário de fundo é a America Latina, o gênero é o realismo fantástico e fala de um triângulo amoroso que durou por mais de 50 anos, ao contrário do que parece e sugere, há um amor verdadeiro por trás do triângulo.
Durante toda a sua vida Florentino Ariza amou e esperou, por mais de cinquenta anos, Fermina Daza, o romance pode lembrar e é um bom paralelo com Candido ou o otimismo, de Voltaire (que é de 1759) e que ironiza o espírito provinciano de Candido na espera eterna de sua amada Cunegundes, que ao fim da vida finalmente a conquista, neste caso não há triângulo, mas um impedimento pela nobreza da donzela e a vulgaridade do plebeu.
O romance se passa na passagem do século XIX para XX, e tanto havia a peste da cólera e da guerra, e isto trás uma realidade muito atual, não é um amor idealizado em um contexto contraditório (cólera e guerra), Fermina foi casada com médico renomado Dr. Juvenal Urbino, a narrativa é inteligente porque já no início do livro o médico falece, e então o autor vai colocar a história de ambos e um amor reprimido, e como é o amor numa fase madura.
Esta maturidade e apesar do realismo fantástico, segundo o próprio autor teria muito a ver com a história de amor dos próprios pais, e embora fale apenas de um amor humano, traz uma reflexão positiva sobre o que é o amor, o quanto pode ser verdadeiro e maduro quando a vida toda ele é provado.
Em 2007 foi filmado e dirigido por Mike Newell, confesso que não vi, mas acredito que o pouco interesse da crítica é um termômetro de que é tão bom.
MARQUEZ, Gabriel Garcia. O Amor nos tempos do cólera. Trad. Antonio Callado. Ed. Especial capa dura, SP: Editora Record, 2016.
SENECA. Sobre a ira: sobre a tranquilidade da alma, Trad. José Eduardo S. Lohner, SP: Ed. Penguin-Cia. 2014.
SLOTERDIJK, P. Ira e tempo: ensaio político-psicológico. SP: Estação Liberdade, 2012.
Geopolítica da guerra e “viroses”
Nem o grave terremoto na Turquia e Síria, já com mais de 25 mil vítimas fatais, conseguiram aplacar o espírito de ira e vingança que sacode o planeta.
A guerra sofre uma escala em uma geopolítica mundial, o navio russo Almirante Gorshkov (apoiado pelo cargueiro de abastecimento Kama) passa pela costa da Europa e vai em direção aos EUA (lembra a crise de Pearl Harbour (1941) e mísseis em Cuba (1962)), depois de balões “espiões” agora há uma onda de Objetos Voadores não identificados abatidos, que não são alienígenas, mas apenas aparelhos não conhecidos.
No aspecto da pandemia, algumas mudanças de comportamento do vírus sincicial (nome complicado para massa multinucleada de citoplasma formada pela fusão de células originalmente separadas) que acontecem em viroses sazonais, agora parecem ter um comportamento atípico e fora de época, no hemisférico sul, por exemplo, ainda estamos no final do verão.
Voltando a guerra, a fragata Almirante Gorshkov navegava em direção a África, era acompanhada por um navio de abastecimento que seguiu este percurso, mas a fragata mudou de rumo e agora vai em direção aos Estados Unidos o que provoca um aumento de tensão na guerra que já não era só da Ucrânia e Rússia, também alguns mísseis russos ultrapassaram a fronteira sul da Ucrânia e foram em direção a Moldávia, cresce o sentimento de uma guerra total.
É bom lembrar que a fragata em direção aos EUA tem os temíveis e imbatíveis misseis hipersónicos Zircon, mesmo estando em aguas internacionais, pode chegar a uma distância para que a costa leste americana seja atingida com segurança, o que certamente agravará a crise internacional e eminente conflito.
Depois do evento dos balões, aquele acusado de espião no espaço aéreo americano, outros dois “objetos não identificados” (que não tem alienígenas) foram abatidos, e neste domingo (12/02) um destes objetos foi abatido na China, tudo indica espionagem e contraespionagem em curso.
No plano da Pandemia, estas viroses extra sazonais preocupam pela gravidade e volume, Marcelo Gomes coordenador do InfoGripe (da Fiocrus), afirma que estas viroses chamadas de VSR (Virus sincicial respiratório) podem ser atribuídas a dois fatores: a mitigação dos cuidados com a pandemia que também coibia outros vírus e a falta de controle em ambientes coletivos, que impedia maior contato e circulação de vírus socialmente.
Tanto na guerra crescem a preocupação tanto com a paz, como com a possibilidade de novas pandemias, o clima internacional segue tenso, recentemente houve toca de farpas entre o premiê francês Makron e a primeira ministra italiana Giorgia Meloni, que foi excluída da reunião com Zelensky.
A paz está ameaçada e o descuido com a pandemia (ou mesmo a pós-pandemia) pode gerar uma onda de viroses e efeitos colaterais.
Essência, o justo e a ética
Ao discutir a “vida boa”, conceito clássico que Paul Riocour retoma em sua reflexão sobre o justo, ele o liga a filosofia clássica onde “ é “o desejo de uma ´vida boa´ com e para os outros em instituições justas”, e há problemas nas instituições democráticas, porque abandonou-se o conceito do ser.
A reflexão que fizemos sobre a questão do Ser em Heidegger, deixamos um link para o que é essência pensada como agir, on se diferencia o universal concreto de universal conceitual ou representacional, o agir é uma questão e não se pode reduzi-lo ao conceito, então envolve uma interioridade, e não apenas uma subjetividade ou objetividade, como queria Hegel.
Assim a justiça depende do Justo, que questiona e corrigi seu agir, nisto consiste a dialética Platônica, vista como a arte de pensar, de questionar e de organizar as ideias (eidos grego), e isto implica em corrigir a ação pelo pensar, não apenas punir, mas modificar o pensamento sobre a ação.
Não podemos apenas questionar os aspectos legais da justiça sem que cada homem, incluindo aqueles que praticaram crimes, possa repensar e agir de forma nova na condução de sua própria vida e da vida com os outros, claro há reincidentes, mas tanto as normas para isto são claras, para a correção não.
O que há de fundo na eticidade de Hegel, e insto perpassa o pensamento de Rawls é que devemos sempre optar entre dois males, quando é possível corrigir tanto o mal menor (de onde se originam maus maiores) como o mal maior para repensar a sociedade e a justiça, inclusive na distribuição dos bens sociais.
O longo discurso de Jesus aos seus discípulos em Mt 5,17-37, ele explica que a justiça deles deveria ser superior a dos homens, começa explicando que não veio abolir a lei e os profetas, mas dar a ela maior amplidão, depois explica sobre não matar, e diz que mesmo quem se encoleriza contra os irmãos já está pecando, enfim vai dando a cada ensinamento “legal” maior profundidade, e assim não é mero legalismo, mas o pleno cumprimento do que é justo.
Aqueles que condenam a norma, e lembram apenas do fato dos fariseus não permitirem que Jesus curasse e fizesse o bem no sábado, sem dúvida uma hipocrisia, não podem esquecer que para Ele haviam “leis divinas”, que corrigiam a ação humana e que a sociedade moderna quer abolir.
A liberdade plena significa também a justiça plena, e não há sociedade justa sem homem justos, é preciso educa-los, isto se pensa desde Platão.
A eticidade e o justo
A compreensão do que é a ética, já vimos nos posts anteriores, é fundamental para compreender o que é justo, porém a ética grande se desenvolveu para o idealismo contemporâneo, e enquanto o neocontratualismo é só uma verdade, o conceito de eticidade é essencial para entender os valores idealistas.
O sistema hegeliano pode ser visto em três partes (apenas didáticas): a ideia, a natureza e o espírito, a ideia é o plano geral da filosofia moderna (a esquerda os novos hegelianos e a direita os velhos hegelianos), a natureza é parte essencial para discutir o contratualismo e suas vertentes, o espírito se divide em: objetivo, subjetivo e absoluto.
Enquanto o absoluto remete a ideia do “puro”, o dualismo objetivo e subjetivo são parte do dualismo contemporâneo, quanto a justiça o objetivo pode ser dividido em: o direito abstrato, a moralidade e a eticidade.
É um tema demasiado longo e profundo, como é próprio do pensamento hegeliano, mas como consciente ou inconscientemente ele domina boa parte do pensamento (pelo menos aquele que é elaborado, é comum agora não se elaborar e apenas dizer, tipo “simples assim”), a eticidade é essencial para lê-lo.
Em Princípios da Filosofia do Direito, no parágrafo 142 ele escreve: “que minha vontade seja posta como adequada ao conceito e com isto e com isto superada e guardada sua subjetividade”, como é próprio do pensamento idealismo, a objetividade se sobrepõe a subjetividade (que é própria do sujeito) e grosso modo pode-se dizer que aqui reside a diferença fundamental com Paul Ricoeur, pois este se debruça sobre o que é Justo (subjetivo) e não justiça.
A passagem suposta de uma subjetividade abstrata para um substancial e de um universal para um concreto é realizada assim a eticidade é a própria definição do que é o bem e o que é da vontade subjetiva, no método hermenêutico, há uma intencionalidade e não uma subjetividade.
Assim a moralidade se reduz a moralidade social, ou a moralidade objetiva, enquanto indivíduo ele só pode se realizar em comunidade e nega a interioridade ou subjetividade.
No entanto, não há justiça sem homens justos, e em muitos momentos da história os homens tiveram que romper com tiranos, com falsos valores que se escondiam em torno de propostas sociais aparentemente altruístas, mas cujo projeto era de dominação, já diferenciamos poder de dominação.
Na perspectiva hermenêutica tanto o inconsciente como o imaginário são relevantes para a compreensão de um contexto, e eles estão quase sempre fundamentados em pré-conceitos, e o indivíduo se pergunta como se inserir numa história, também se pergunta qual ação objetiva deve realizar.
Sobre a universalidade, a fenomenologia rejeita a ideia do abstrato “puro”, Ricoeur vê um conflito entre o particularismo solidário e que somente um aprofundamento sobre aspectos interculturais podem concluir quais pretensos universais serão universais reconhecidos em diversas culturas.
Ao tratar da questão da justiça sobre a perspectiva social dos bens, Ricoeur trata do problema analisando a concepção puramente procedimental feita em Rawls, para ele o problema desta concepção está no fato que ela não se dá conta da heterogeneidade dos bens que estão implicados quanto a sua distribuição e para quais instituições foram definidas, o uso político, o proselitismo e o condicionamento de deveres definem muitas instituições.
Ricoeur também analisa o conflito de deveres em no âmbito da solicitude, e usa o caso da Medicina no âmbito da Anistia Internacional, fosse escrito agora na pandemia ele teria um belo exemplo para questionar esta questão da distribuição dos bens, como foram os casos das vacinas.
O justo e o legal
A legalidade evidentemente baseia-se nas leis, mesmo que estranhas ou questionáveis, ela é uma espécie de “contrato social” para se viver em sociedade, por isto o tema do post anterior é relevante, ainda mais se for considerado que o ponto mais alto do que é legal hoje é o neocontratualismo.
Paul Ricoeur escreveu em dois volumes sobre o assunto, feito na forma de ensaios, no terceiro ensaio ele trata da Teoria da Justiça de John Rawls, não só atesta sua atualidade como também ele reivindica aquilo que quase todos nós dissemos em um momento da nossa infância: “isto é injusto” e então isto precede ao sentido do Justo como também dizem respeito não só ao direito, mas a todas as pessoas.
Ricoeur no prefácio de Justo 1 já atenta para o detalhe que o tema está conectado a ideia do que é ético, na filosofia clássica, é “o desejo de uma ´vida boa´ com e para os outros em instituições justas”, e aqui situa-se boa parte da crise civilizatória: a desconfiança que há nas instituições democráticas.
A expressão “vida boa” retomada de Aristóteles é um qualificativo de bom num sentido estrito do ético, assim o bem é inseparável do bem do outro, sob a pena de nada mais ser do que um egoísmo repreensível, que rebaixa o sujeito no sentido do plano moral.
Dito de forma mais clara a relação com o outro é constitutiva da consciência de si, e ela é em certa medida um ético além do legal e do meramente moral.
Onde apenas é determinante a obediência, mesmo com uma conformidade interior à Lei moral, podendo ela ser incontornável de toda vida ética, essa tem algo para além da Lei, nela o homem deseja o Bem, aspira o Bem para si e para os outros, num sentido que torna-se também consciência para o outro.
É obvio que isto encontra uma barreira em nossas falhas, os maus sentimentos, as más ações, a violência que marcam a sociedade desde os tempos mais primitivos, neste sentido é preciso despertar a consciência da culpabilidade, que encerra nela a própria concepção de julgamento, isto significa limitar-se.
Por isto o tema da liberdade é relevante, deseja-se tolher qual liberdade e a pretexto de qual concepção de justiça, assim é preciso “instituições justas”.
Assim esta é a formula de Ricoeur: “: « o desejo de uma vida boa com e para os outros em instituições justas », sem elas o legal torna-se revoltante.
Porém é preciso dizer que as “instituições” não se limitam ao aspecto jurídico, do mesmo modo que o justo não se reduz ao legal, é preciso analisar a fundo.
Para explicar isto Ricoeur diz o que é consciência da Lei: “Aplicar uma norma a um caso particular é uma operação extremamente complexa, que implica um estilo de interpretação irredutível à mecânica do silogismo prático”, ou seja, simples regras lógicas, há não uma subjetividade, mas uma transcendência.
Ao fazer uma palestra a Associação L´Arche (fundada por Jean Vanier) que cuida de excepcionais, ele abordou o tema e falou de respeito ao tratar da diferença entre o normal e o patológico, apoiando-se nas obras de Georges Canguilhem, que discute a epistemologia da biologia.
RICOEUR, Paul. O justo ou a essência da justiça. Trad. Vasco Casimiro. Lisboa: Instituto Piaget, 1995.
O que é justo, como se desenvolveu este conceito
Toda tensão contemporânea envolve algo além da política e da economia, a tensão é sobre a concepção de contrato social e poder.
O conceito de justiça está ligado a modernidade pelo de Contratualismo, através da construção desde pensamento de Thomas Hobbes passando por John Locke e Jean-Jacques Rousseau, tiram o homem de seu estado natural e o colocam para viver em sociedade, vão diferir assim sobre o conceito de quem é o homem: mau por natureza e deve viver sobre tutela, é influenciado pela sociedade e nela se desenvolve ou é um “bom selvagem” que a sociedade corrompe.
O conjunto dos direitos naturais e a teoria do estado da natureza é aquilo que se chama de jusnaturalismo, cujo problema é que o estado de igualdade de direitos gera conflitos e o estado é que deve arbitrar, porém na sociedade moderna isto vem junto ao pensamento liberal utilitarista.
Assim todas elas estão vinculadas a um contrato social estabelecido pelo estado, e a primeira grande crítica é feita por Hegel, o que ele vai entender por vontade geral é um conceito puro, idealista, mantido numa instancia racional, acima de qualquer acordo ou contrato.
Max Weber vai fazer uma reforma mais profunda ao diferenciar dominação de poder, visto que a dominação é a aceitação do poder que pode-se dar de três formas: a legal, a tradicional e a carismática. No entanto em nenhuma delas o uso da força é dispensado e nem sempre a questão social é lembrada.
John Rawls desenvolve e reelabora uma Teoria da Justiça a partir do contratualismo clássico, determinando os direitos e deveres que devem ter para se realizar a chamada “cooperação dos povos” e oferece contribuições a questão social que é fonte de conflitos.
No entanto, teóricos atuais como Emmanuel Levinas e Martha Nussbaum, questionam cada um a seu modo, se o contrato social não tem limitações graves, Nussbaum aponta, exemplo, o problema das pessoas com deficiência mentais ou físicas, o problema sobre a questão dos animais e das florestas.
Levinas parte da exigência ética que existe no trabalho de Rawls para elaborar a ideia que devemos recusar a tentação de impor nossa vontade e nos esforcemos para estabelecer compromissos pacíficos, e assim rejeita a ideia do estado como tendo monopólio da violência e do poder, em certo sentido, também reelabora a questão de dominação e poder, central em Max Weber.
LÉVINAS. Emmanuel. Humanismo do outro homem. Petrópolis: Vozes, 1993.
Novas tensões e pandemia
Além da guerra entre Rússia e Ucrânia, onde crescem as tensões, a tensão entre Estados Unidos e China aumentaram em função de um suposto balão espião que entrou no céu americano e uma nova tensão entre Azerbaijão e Armênia onde há 130 mil armênios isolados em condições sub-humanas na região de Nagorno-Kabarakh, reivindicada pelos dois países (mapa) e com histórico de conflitos.
Na guerra após a entrega dos tanques alemães para a Ucrânia e a ajuda americana, a Rússia reagiu com fúria prometendo uma ofensiva arrasadora, dia 24 de fevereiro completará um ano de guerra e espera-se até lá uma forte ofensiva russa, além disto há ameaças ao Ocidente e uma ofensiva na Moldávia, que faz fronteira sul com a Ucrânia e assim criar nova frente de combate.
O balão que invadiu território americano, vindo do Canadá e segundo a China se perdeu, uma vez que será tomado pelos americanos (a derrubada poderia ser perigosa), entrou pela região de Montana, norte dos EUA e com possíveis armamentos nucleares o que levou a suspeita, porém a China alega que a medida americana foi precipitada e que se trata apenas de um balão atmosférico, porém a tensão se elevou.
Os líderes de Pequim declararam que “não aceitariam nenhuma conjectura ou exagero infundado” e acusam “alguns políticos e a mídia dos Estados Unidos” de usar o incidente “como pretexto para atacar e difamar a China”, apesar da tensão o clima não é de uma guerra e a questão de Taiwan é um pano de fundo.
A covid-19 segue um roteiro de indefinições, agora há indicações que o Japão enfrenta um crescimento da pandemia, isolado durante as etapas anteriores, o país se abriu para o turismo e isto parece ser um dos indicativos deste inesperado crescimento, o uso de mascaras lá por exemplo, é anterior à Pandemia.
Segundo o site da BBC, o país atingiu um recorde histórico no dia 20 de janeiro com 425 mortes em um único dia, proporcionalmente maior que a América Latina, Estados Unidos e Coreia do Sul, entre outros, os dados são do Our World in Data, que é compilado pela Universidade de Oxford.
Seguem também temores sobre efeitos colaterais da vacina bivalente da Pfizer (imuniza a variante inicial e as novas cepas), segundo o órgão de controle americano de saúde, o FDA, a análise feita em milhões de idosos não identificou risco de AVC, mas especialistas pedem estudo mais aprofundado.
Ser, consciência e clareira
A clareira do Ser foi uma tema importante na retomada ontológica feita por Heidegger, ela é inseparável da metodologia fenomenológica a qual seu professor Husserl foi o principal desenvolvedor moderno, porém fica uma aporia, conforme afirmam na Dialética do Esclarecimento de Adorno e Horkheimer, se há de fato uma autodestruição do esclarecimento na modernidade e porque isto se deu.
Não se trata simplesmente então a retomada do Ser, mas como isto pode se dar a partir do método fenomenológico, então duas questão devem ser levantadas: o colocar entre parênteses os nossos pré-conceitos frutos do esclarecimento, o que é chamado por Husserl de epoché fenomenológico, e a questão da intencionalidade da consciência, nela o Ser se desvela, ali residem a maioria de nossos problemas e insatisfações.
A cultura (ou o que restou dela como diz Dalrymple, já postamos aqui) contemporânea vai de contramão neste sentido, aquilo que alguns autores chamam de excesso de positividade, aquela lógica descrita até mesmo como “mistério”, afirmação dos desejos e das necessidades, resumindo a vida vista como utilidade apenas e não como essência ou plenitude.
Assim devemos fazer um “vazio”, um silêncio na alma para que tenhamos a plenitude do ser, afastar os desejos e necessidades imediatistas para poder entender de fato as verdadeiras necessidades e alimentos do Ser que levam a alegria e a plenitude, o simples impulso leva as compulsões temporárias e como tal satisfazem apenas a necessidade imediata, o que é próprio do Ser permanece oculto.
Isto é possível com estas duas medidas: fazer um vazio (epoché) colocando entre parênteses o que é nosso pré-conceitos, reelaborando-os num círculo hermenêutico que permite de fato um novo “conceito”, após a fusão dos horizontes
Por isto, diz a ontologia, que o Ser permanece oculto, está além do que é imediato e aparente, não deve ser buscado “Fora”, mas “dentro”, é preciso verdadeira interioridade, sem manipulações e barreiras, aquilo que muitos pensadores, místicos e espiritualidades atingem, e alcançam uma plenitude, mesmo que temporal, e que é será alimento para uma verdadeira ascese, e esta poderá atingir seu cume.
Para a filosofia e teologia cristã não é possível atingir a verdadeira plenitude sem anunciar e viver seus valores, diz a leitura (Mt 5,14): “Vós sois a luz do mundo. Não pode ficar escondida uma cidade construída sobre um monte. Ninguém acende uma lâmpada e a coloca debaixo de uma vasilha, mas sim num candeeiro, onde brilha para todos que estão na casa”, porém isto deve ser feito com respeito e fraternidade e nunca com proselitismos e julgamentos.
O ser, a verdade e a consciência
Não é por acaso que ao nos defrontarmos com o maior desenvolvimento técnico da humanidade, o desenvolvimento atual da Inteligência Artificial que ameaça invadir o universo de todas as coisas (a IoT é só um detalhe disto), nos defrontamos também com a pergunta sobre o que é consciência.
Da verdade da antiguidade clássica, a Alethéia (a-létheia) é revelar o que está oculto, passando por inúmeros autores até chegar a Escola de Frankfurt onde Adorno e Horkheimer que fala da aporia do esclarecimento, aquele que no início da modernidade procura obter uma verdade “objetiva” e que oculta o ser.
Nesta questão da verdade, Heidegger que desenvolve a questão do esquecimento do Ser e da ocultação da verdade, a desenvolveu como: “na frase seguinte onde se escreve sobre a ‘verdade‘, fica evidente que se mantém a representação da essência da verdade ditada por algum manual moderno de epistemologia, deixando inalterada e intocada a essência da aletheia” (Heidegger, 1998, p. 115), diz o autor sobre autores que ficam presos apenas a etimologia da palavra.
Já os frankfurtianos assim descrevem a questão do esclarecimento: “A aporia com que defrontamos em nosso trabalho revela-se assim como o primeiro objecto a investigar: a autodestruição do esclarecimento. Não alimentamos dúvida nenhuma – e nisso reside nossa petitio principii – de que a liberdade na sociedade é inseparável do pensamento esclarecedor” (Adorno & Horkeimer, 1947) que reduzem a um pequeno princípio, já que não veem como central a questão do Ser.
Ao questionar o que é consciência, ou o que é senciência na questão da Inteligência Artificial, não estamos questionando outra coisa que não seja o que nos separa das coisas, em última análise o que é o Ser e se de fato ele tem apenas o sentido de “objecto” que nos quis dar o esclarecimento moderno.
Também nos deparamos com os princípios éticos e morais ao “desvelar” (a-lethéia, não-oculto) a questão do Ser, retomá-la não é apenas um exercício de etimologia da palavra verdade ou de exercício filosófico, é antes de tudo fazer uma pergunta essencial, um lato principii: “o que é ser” e o que está oculto.
A possibilidade da clareira não é outra coisa que aquela que nos põe não diante da verdade desenvolvimento logicamente, para onto-logicamente, e a partir dela definir o que é consciência, desenvolvida por Heidegger da seguinte forma: “a consciência é o apelo da preocupação a partir do estranhamento do ser no mundo que desperta o Dasein para o seu poder ser culpado mais próprio” (Heidegger, 2012, p. 791).
Fica a pergunta se é possível para todos os seres, e para o homem moderno atual, uma “tomada de consciência” aquela que revela no seu interior como uma iluminação da consciência, além do ódio, da polarização, da intolerância e das narrativas que escondem a verdade do Ser.
Recorrer a adivinhos, auto-ajuda, não faz a roda da história e da verdade andar para trás, caminhamos no escuro, na ocultação e não na consciência do Ser.
ADORNO, T. W. T. W. & Horkheimer, M. Dialética do Esclarecimento, 1947.
HEIDEGGER, Martin. Heráclito. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998.
______, Ser e Tempo (edição em alemão e português). Tradução de Fausto Castilho. Campinas: Unicamp; Petrópolis: Rio de Janeiro, 2012.
A crise idealista e a retomada ontológica
A evolução do iluminismo tanto na política como na economia culminou no hegelianismo, após a passagem pela crítica da razão por Kant, é a última grande teoria que procura realizar uma totalidade “integrada”, sujeita a contradições “dialéticas” (é diferente da dialética da antiguidade clássica) e segundo seu modelo a finalizada última seria atingir a plena essência espiritual, que pouco ou nada tem a ver com religiosidade.
Foi assim a ascese materialista dialética que terminou num enorme vazio e no “esquecimento do ser”, termo usado por Heidegger para contradizer as teorias que desde Descartes esvaziaram e criticaram a leitura metafísica da realidade, na etimologia da palavra a meta-physis, neste caso o grega, já que sua origem é de lá, segundo Aristóteles era a primeira ciência, dava conhecimento sólido sobre as coisas, e o estudo se confunde com a ontologia, o “ser enquanto ser”.
Para Kant este estudo se confunde com o de costumes, é um conhecimento não-empírico ou racional, seu estudo sobre a moral e a “subjetividade” vai partir desta relação com os costumes culturais e aqui já há uma forte dose de relativismo, e aprofunda o dualismo entre Sujeito x Objeto, esquecendo o “Ser”.
Assim aquilo que é subjetivo, teórico ou metafísico vai caindo em descrédito e crescem as teorias da objetividade, da praticidade e do realismo empírico, isto não será feito sem contradição, porém a própria definição de dialética idealista é esta, o desenvolvimento deste conceito a partir de si mesmo.
Platão definia a dialética como a arte de pensar, de questionar e de organizar as ideias (eidos grego – imagem, já postamos algo), assim não estão fora de questão nem a teoria (também o idealismo é uma teoria, por sinal pouco prática), nem a metafísica nem o “ser”.
A teo-ontologia do final da idade medida vai estabelecer as relações entre o ente e o ser, segundo Tomás de Aquino ele “é infinito. Por isso, se ele se torna finito, é necessário que seja limitado por alguma coisa, que tenha a capacidade de recebê-lo, isto é, pela essência”, presente em sua tese “O ente e a essência”.
Em meio a crise do pensamento idealista, veja o post anterior, surge uma nova corrente a partir de Franz-Brentano na metade do século XIX, que retoma a fenomenologia e a ontologia trabalhando sobre a intencionalidade da consciência humana, que era um estudo específico em Tomás de Aquino, para tentar descrever, compreender e interpretar os fenômenos como eles se apresentam à percepção.
Brentano foi professor de Husserl, que relê Descartes e Kant, e elabora a fenomenologia com diferente sentido dado pelo seu professor Brentano, procura separar o que é empírico, assim o fenômeno do ato mental não é algo que aparece instantaneamente na mente, mas depende da memória e elabora a partir daí os conceitos de protensão e retensão, a discussão sobre o que é consciência hoje chega aos objetos da Inteligência Artificial.
Heidegger foi aluno de Husserl, e a partir dele pode-se considerar tanto a viragem linguística (nem todos autores concordam) quanto a retomada ontológica.