Vida interior, com outrem e coletiva
Se Locke foi um caminho para a separação do “externo” com o “interior” pela supressão deste último, mas aderindo a uma transcendência idealista, o caminho de Husserl é um retorno crítico ao cógito cartesiano (supressão do juízo sobre as coisas) (Ricoeur, 2007, p. 119).
Em Meditações Cartesianas reflete isto (download de Conferencias de Paris) mas faz uma passagem da egologia (cartesiana) para a intersubjetividade (com o outro) exige um pouco mais que o cogito.
Isto é feito numa relação com o tempo, que será tema de seu aluno Heidegger em o Ser e o Tempo, na obra de Husserl Lições para uma fenomenologia da consciência íntima do tempo, entretanto, fala da relação “ainda objetal com um objeto que se estende no tempo, que dura, para a constituição do fluxo temporal com a exclusão de toda intenção objetal” (Ricoeur, 2007, p. 119).
Então a relação com a memória, a fenomenologia da lembrança, ou de outro ponto de vista a relação à imagem, tema atual se fala até de cultura da imagem, a re-(a)presentação cede o “lugar a uma constituição, sem menor referência objetal, a do puro fluxo temporal” (Ricoeur, 2007, p. 120).
É notável, diz Ricoeur, a imanência criada entre consciência e tempo em Husserl, que dissocia o tempo físico do tempo da alma vinculados em Aristóteles e desvinculadas em Agostinho.
Isto é importante, porque nos permite entender melhor o problema da imagem, lembrança e de certa forma memória, há diversas descobertas nesta fenomenologia, mas Ricoeur se detém na questão da consciência, primeiro como consciência de algo, e depois como “O fluxo constitutivo do tempo como subjetividade absoluta”, citação do § 36, das Lições de 1905.
O fato que esquecemos, e em nossos dias é mais grave este fenômeno, é devido a um fenômeno íntimo da consciência, daí o nome do livro de Husserl, explicado de maneira acadêmica assim, no § 39: “O tempo imanente constitui-se como uno para todos os objetos e processos imanentes. Correlativamente, a consciência temporal das imanências é a unidade de um todo” (citação em Riceour, 2006, p. 122).
Husserl então dirá do fluxo dos objetos que ocorre no tempo e na consciência, assim tornar algo presente na presentificação da consciência (Husserl chama de consciência impressional) é fruto de tornar presente por um ato reflexivo, a “consciência originária”, a retenção no íntimo de fatos presenciais que podem ser lembrados como a consciência de algo.
Após percorrer o longo caminho de Husserl para não separar a consciência íntima da externa (de algo) pergunta-se se a extensão do idealismo transcendental `a intersubjetividade (a presença de outrem) pode abrir caminho para a “memória comum” coletiva.
Sua resposta é claro que é positiva: “o poder de encenar essas lembranças comuns por ocasião de festas, ritos, celebrações públicas” (Ricoeur, 2007, p. 129) … “isto basta para dar á história escrita um ponto de apoio dentro da existência fenomenológica dos grupos” (idem)