Filosofia da crise
Há diversos sentidos para a crise, do grego crisis, significa separação, abismo e, também juízo e decisão, alerta-nos o filósofo brasileiro Mario Ferreira dos Santos (1907-1968).
Tomaremos dele emprestados alguns pensamentos, pois muitos pensamentos que se julgam atuais, Mario Ferreira viveu só até 68, já estavam presentes em seus raciocínios, e, portanto, nem a crise, nem o que pensa sobre ela é tão novo assim.
Em seu livro, relançado este ano pela editora paulista É Realizações, nosso filósofo conceitua logo no início do livro: “quem tem uma visão de mundo presa apenas ao devir, no quaternário, como o chamavam os antigos filósofos, não poderá deixar de reconhecer que todo o existir é um separar-se, bem como todas as combinações ônticas de existir finito são sempre seletivos. ” (pag. 11)
Será assim que Mário vê nas separações as crisis, e se as cavarmos mais fundo chegamos aos abismos, e dirá sobre as separações: “se todas as combinações são possíveis, nem todas são prováveis, muito menos se atualizam. ” (idem)
Portanto conclui: “há assim, em todo o existir, um separar-se, uma crisis, um abismo”, mas este existir tem também uma função intelectiva, e então coloca-a intelecção justamente nesta capacidade formada pelas raízes inter lec, que significa captar entre, sendo portanto uma das capacidades do nosso espírito, entre muitas outras a capacidade de selecionar, o que une.
Usa o que propôs Tomás de Aquino, que afirma termos uma capacidade de captar dentro (pag. 12), num captar seletivo “porque preferirá isto àquilo.” (idem)
Dirá como “não podemos viver sem a crisis, e não podemos viver com ela” (pag. 12), e faz uma analogia com “os cumes das montanhas que é possível unir, sem negar os vales, que não esqueçamos, são também positivos, e nada adianta esquecê-los.” (pag. 13)
Questiona sobre a crisis “mas porque crescem os abismos, porque se distanciam cada vez mais os cumes das montanhas? ” (pag. 14), e reflete sobre a separação “não somos nós os coveiros da crisis?” (idem)
Diz sobre o fanatismo: “e quando não crê e procurar crer, fanataza-se” (pag. 15), e dirá sobre o imediatismo de seu tempo (década de 60) “decepcionado de suas crenças e de suas utopias, sempre malogradas, aceita a proposta daqueles que se decepcionaram antes dele. Pactua com o imediato, porque o mediato não surgiu: por isso vive os meios que lhe estão próximos, e não mais os fins.” (idem), vejam a analogia com as mídias e a vida de hoje, mas na década de 60 !!!
E recomenda para a crise; “não aprofundeis o abismo com as vossas ideias, as vossas atitudes, as vossas religiões, as vossas crenças, as vossas artes.” (pag. 17)
Dá uma receita para todas crises: “desconfiai do abismo, quando ele falar dentro de vós. Procurai ouvir o uivo agudo dos ventos que sopram nos cumes.” (idem)
SANTOS, Mario Ferreira dos. Filosofia da crise, São Paulo: É realizações, 2017.