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A dor, a Alma e o Ser

14 abr

Numa das passagens mais marcantes, ao menos para os que imaginam um mundo além do corporal, Byung Chul Han introduz a narrativa como parte da cura: “A dor sem sentido é possível apenas numa vida nua esvaziada de sentido que não narra mais” (HAN, 2021, p. 46).

Reivindica e inclui até [Walter] Benjamim em “Imagens do Pensamento” que fala de mãos incomuns que transmitem a impressão que seria como “se narrassem uma história” (idem).

Também cita mães que com a “força curativa” sentam ao lado da criança e lhe contam uma história, e após explicar o fluxo narrativo com uma barragem para a dor, conclui: “é a dor que põe primeiramente em [seu] caminho”. (HAN, 20221, p. 47).

Vivemos hoje um tempo pós-narrativa, diz o autor, não é a narrativa mas a contagem que determina a vida, “a narrativa é a capacidade do espírito superar a contingência do corpo” (Han, 2021, p. 48), um corpo sem espírito é um corpo que ignora a própria alma. 

Nela “o corpo disciplinado que tem que repelir muitas dores que vem de fora, é pobre de sensibilidade” (pag. 49), uma intencionalidade totalmente diferente o caracteriza, ela não se ocupa consigo mesmo, mas com algo que vem de fora, e é essa “algofobia” que nos domina.

“Essa introspecção narcisista, hipocondríaca, é certamente, corresponsável por nossa hipersensibilidade (à dor), chama isto de “síndrome-da-princesa-da-ervilha” lembrando um conto de Andersen onde a presença de uma ervilha sobre o colchão da futura princesa provoca tanta dor que ela não consegue dormir a noite, e é este tipo de doença que acontece com muitas pessoas.

Este tipo de paradoxo da pós-modernidade é sentir cada vez mais dor, com cada vez menos, ao ponto que a dor não é compreensível, não tem lugar na vida e parece não fazer parte da existência e isto é uma forma de positividade do Ser, onde não há nenhuma negatividade, e torna o Ser não compreensível, ou menos sem qualquer sentido.

Assim diz o autor, “se a ervilha dolorosa some, então as pessoas começam a sofrer com os colchões moles” e conclui: “É justamente, a própria e persistente ausência de sentido da vida que dói” (HAN, 2021, p. 51).

O que pensar então de dores atrozes da guerra, de vítimas inocentes, de crescentes ódios políticos e ideológicos, tudo parece ruir num universo sem sentido, quando a dor compreendida e com lucidez sentida e vivida nos retornaria o equilíbrio do Ser, e a plenitude de nossa nossa existência, distante hoje, mas possível num futuro próximo.

HAN, Byung-Chul. A sociedade paliativa: a dor hoje. Trad. Lucas Machado. Petrópolis: Vozes, 2021.

 

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