Clareira: método e contestação
É através da fenomenologia que é possível retomar a positividade do ente em relação à única transcendentalidade possível, onde a coisa se abre na dimensão do transcendental aquela que no post da semana passada desenvolvemos e que de certa forma é oposta ao transcendente de Kant, que vai em direção ao conhecimento do objeto e por isto se confunde com a subjetividade.
Na fenomenologia há uma consciência intencional em seu “a priori”, tomado de forma parecida ao subjetivo (próprio do sujeito), porém a consciência como fenômeno deixa transparecer o que está encoberto, o que os gregos chamavam de “alétheia”, porém naquele momento a ciência e toda a consciência dela era inicial.
Na experiência fenomenal da clareira (lichtung) ocorre a verdade do ser que se doa com uma espécie de “arqui-fenômeno” (Ereignis), esta é a coisa mesma da fenomenologia, onde está a sua intencionalidade, mas também esta permanece oculta.
Se fazemos um vazio na consciência de forma fenomenal (o époche fenomenológico), nos abrimos a nossa verdade podemos entrar numa clareia antes mesmo de uma evento externo nos aclarar, esta é a razão do humanismo tanto em Heidegger como em Sloterdijk estarem presos ao histórico, presos a nossa cosmovisão limitada.
Foi Hans Georg Gadamer que desenvolveu “A questão da consciência histórica” em sua contestação da verdade histórica romântica que é uma quase-determinismo defendido por muitas variantes do pensamento de esquerda (Marx não a defendia), porém há a questão do “tempo natural” em oposição ao “tempo humano”, uma autopercepção da própria consciência.
O método do círculo hermenêutico é uma forma de romper esta concepção de consciência apenas “temporal”, porém se esbarra no que deve ser o “além do humano”, envolto de mistério e vícios de interpretação histórica.
Diz Rüsen (2011) que há um tipo de consciência histórica feita por meio da “transformação intelectual do tempo natural em tempo humano”, entendendo o tempo natural como eventos contingentes e tempo humano como representações humanas da própria vida.
Poucos conseguem ver nas próprias representações falseamentos da verdade, interpretações e sentimentos reprimidos que não “clareiam” a consciência, isto visto num panorama civilizatório transforma conceitos autoritários, desumanos e destrutivos em obscurecencia da consciência, para não usar novamente a alethéia grega.
RÜSEN, Jörn. Razão histórica: teoria da história: os fundamentos da ciência histórica. Tradução Estevão de Rezende Martins. Brasília, DF: Universidade de Brasília, 2001.