O outro como categoria política
Na história da filosofia o Ser, o Ente e a Essência foram três categorias metafísicas fundamentais, como a filosofia moderna jogou a “agua suja com a criança dentro da bacia”, além do esquecimento do Ser como aponta Heidegger e seus interpretes e diálogos (Hannah Arendt, Hans-Georg Gadamer, Peter Sloterdijk, Byung-Chul Han e outros), há também uma categoria redescoberta, ou até mesmo nova de fora da cultura religiosa: o Outro, visto como o “próximo”, o “irmão” ou o “fiel”.
Paul Ricoeur escreveu sobre o próximo e o sócio, para diferenciar na relação utilitária moderna as relações entre ambos, mas também Lévinas (O tempo e o outro), Martin Buber (Eu e Tu) e Byung-Chul Han, em análise mais contemporânea escreveu A Expulsão do Outro, mas a obra de Junger Habermas “A inclusão do Outro – Estudos de Teoria Política” é aquela, como diz o título, que trata de incluir esta análise no seio da polis moderna, diz na introdução: “defendo o conteúdo racional de uma moral baseada no mesmo respeito por todos e na responsabilidade solidária geral de cada um pelo outro” (Habermas, 2002, p. 7) e condena a desconfiança de um universalismo marcado mais pelo apelo a diferença do que “o mesmo respeito para todos se estende àquelas que são congêneres, mas à pessoa do outro ou dos outros em sua alteridade” (idem).
Diz o autor: esta comunidade moral não é apenas a mera inclusão do Outro (pg. 8)”, mas a “inclusão do outro” significa que as fronteiras da comunidade estão abertas a todos – também e justamente àqueles que são estranhos que são estranhos um ao outro – e querem continuar sendo estranhos e constitui exclusivamente pela ideia de discriminação e sofrimento” (pg. 8 e toda primeira parte do livro se refere a esta questão.
Na Segunda parte refere-se a uma réplica e uma discussão com John Rawls, que foi convidado pelo editor do Journal of Philosophy, onde analisa em termos de conceitos, as instituições morais que norteiam Rawls e esclarece que sua réplica também serve ao intuito de esclarecer “as diferenças entre o liberalismo político e um republicano kantiano como eu o entendo” (pg. 8), lembro que também Paul Ricoeur “O justo ou essência” escrito em dois volumes, também abortou as ideias de John Rawls.
A terceira parte do livro “pretende contribuir para o esclarecimento de uma controvérsia que voltou a surgir na Alemanha depois da reunificação. Continuo a fiar a linha que iniciei outrora num ensaio sobre `Cidadania e Identidade Nacional’ “(pg. 8), mas sabia o autor que o tema seria tão atual para os dias de hoje.
A quarta parte, foi uma das motivações desta postagem, já que Byung-Chul Han fala da paz eterna de Kant, o autor fala sobre os direitos humanos a nível global e nacional (na Alemanha evidentemente), por ocasião do bicentenário texto sobre a Paz pérpétua de Kant, “A luz da nossa experiência histórica”.
O livro terá a quinta parte não menos instigante sobre a “a teoria do discurso a respeito da concepção de democracia e de Estado de direito” (pg. 9) e isto tudo é apenas o prefácio do autor, e o primeiro tópico é sobre o aspecto cognitivo da moral, que deve ser anterior aos demais capítulo, pois apresenta seus fundamentos.
Escreve o autor: “as manifestações morais trazem consigo um potencial de motivos que pode ser atualizada a cada disputa moral” (pg. 10) e assim “as regras morais operam fazendo referências a si mesmas” (idem) e estabelecerá “para isto dois níveis acoplados de modo retroativo entre si” (pg. 12).
No primeiro nível, elas dirigem a ação social de forma imediata, na medida em que comprometem a vontade dos atores e orientam-na de modo determinado” (pg. 12).
No segundo nível, “elas regulam os posicionamentos críticos em caso de conflito … não diz apenas com os membros da comunidade devem se comportar … coloca motivos para dirimir consensualmente os respeitos conflitos de ação” e vê isto de modo muito análogo aos jogos de linguagens de Wittgenstein onde se estabelece uma polifonia.
O tema se aproxima da Crise da Narração de Byung-Chul Han porque ambos, e isto inclui também John Rawls e Martin Buber ainda que de modo bastante diferente, pois Han esclarece: “o rosto exige distância. Ele é um Tu, e não um Isso disponível” (pg. 96), e penetrando na Teoria Comunicativa, grande tese Habermas, Han vê tanto na sua ideia de psicopolítica no Enxame na perspectiva digital, que a única possibilidade de simetria é o respeito, as relações de poder são assimétricas, e para ele também as comunicativas.
Quem é o Outro, aquele com que me encontro e que muitas vezes é muito diferente de mim, se ele me deseja a paz, diz a passagem bíblica, sentaremos e cearemos juntos,
HABERMAS, J. A inclusão do outro – Estudos de Teoria política. Trad. Georg Sperber, Paulo Astor. Edições Loyola, São Paulo, Brasil, 2002.
HAN, Byung-Chul. A crise da narração. Trad. Daniel Guilhermino. Petrópolis: ed. Vozes, 2023.