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Desvelar e futuro

05 jul

Grande parte das perspectivas de futuro que não estão dentro do avanço civilizatório, além de incluir guerras e hostilidades, valem-se de revelações, cuja etimologia da palavra vem de re-velar, que significa tirar o véu e recolocar outro, assim via de regra são obscuras.

Não se trata apenas no plano religioso também na filosofia á o des-velar, onde o último grande oráculo e profeta foi João Batista, afinal ele que anunciou a maior de todas profecias: o nascimento de Jesus, não significa é claro que neste campo não hajam novidades, Deus é sempre novo e criativo.

A palavra desvelar na filosofia vem da busca da verdade, Heidegger e outros filósofos retomam a partir da a-letéia (a é não e lethe – esquecer), para modificar o conceito do que é verdade no Ser e Tempo (escrito em 1927), afirma no parágrafo 44 que entende desvelamento como um evento que retira os entes do velamento.

Uma prévia compreensão que liberta uma orientação do homem aos objetos (a questão da subjetividade x objetividade) favorece a interpretação (Auslegung), ou seja, a articulação com o que fora previamente compreendido, e assim o refaz na perspectiva de novos horizontes.

O discurso, no sentido correto da narração é posterior e consiste em uma atividade básica do que é humano, ligar-se e conviver com os outros, dá ao homem uma compreensão comum e além da fala e das opiniões compartilhadas, cria uma fusão dos horizontes, uma narração.

Já postamos aqui a questão da Crise da Narração, em especial o livro de Byung- Chul Han, assim o homem projetado sobre objetos e ações cria narrativas e não consegue claramente desvelar a realidade, é preciso usando uma metáfora, trocar os óculos.

Assim se há verdades revelações elas estão ocultas para os futurólogos atuais, elas revelam muito mais uma angústia com o futuro que propriamente um desvelar do futuro.

Na passagem bíblica que Jesus tem dificuldade de se desvelar para os seus contemporâneos, encontra dificuldades até mesmo entre os mais próximos e membros da família (Mc 6,4), por assim dizer os religiosos mais próximos dele no seu tempo e algo parecido ocorre atualmente.

GIACOIA JUNIOR, O. Heidegger Urgente. Introdução a um Novo Pensar. 1ª edição. São Paulo: Três Estrelas, 2013.

 

A interioridade em tempo de exterioridades

04 jul

O homem moderno se projetou não só sobre os objetos (o que a filosofia idealista chama de subjetividade) como também há uma ausência de ascese interior, aquilo que projeta e se constrói em sua alma, não são apenas valores, mas uma característica do ser-aí (dasein).

Isto se prolonga mais profundamente sobre a descrença de que exista alguma interioridade e então cultivar a empatia, o altruísmo, a boa vontade e partilhar o bem-comum é cada vez mais distante diante de valores egoístas, narcisistas e cultivo apenas da exterioridade mundana.

Os neoplatônicos, como Plotino (205 – 270), acreditavam no monismo e nessa irradiação de luz, existe um uno ou um deus (não era o Deus cristão) de onde emana uma fonte divina que irradia por toda a criação, nesta luz una que Agostinho de Hipona vai se apoiar nesta filosofia para negar o dualismo maniqueísta o qual crera antes e dali se deu uma virada ao cristianismo.

Alma, ou anima para os gregos, não é apenas uma interioridade mais também aquilo que o move exteriormente, assim não está desligado de suas ações no mundo, a distância entre a vita activa e a vita contemplativa, foi descrita por muitos autores, na antiguidade Gregório de Nazianzeno (329-369), um místico cristão que é citado por Byung-Chul Han na Sociedade do cansaço, e desenvolvido mais amplamente em seu livro mais recente Vitta Comtemplativa.

A festa judaica do Sabá (ou Shabat) (foto) é descrito no livro de Byung-Chul Han como o phatos da ação, que ele começa no seu livro descrevendo esta festa que contempla Deus e o Sabá, para a cultura judaica a redenção, o imortal (pag. 107), ontem o tempo fica em suspenso, ou seja, o momento de pausa na ação humana para a ação divina, assim complementar a ação.

A exterioridade e a interioridade estão relacionadas, o mal-estar civilizatória se deve a cultura e ao tempo que vivemos, mas também as interioridades sem uma verdadeira ascese.

Na Bíblia quando um paralítico (alguém com dificuldade de ação) se aproxima de Jesus antes de curá-lo ele afirma que os pecados estão perdoados (Mt 9,5), dá-lhe a interioridade plena, o Sabá.

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa. Trad. Lucas Machado, Brasil, RJ: Petropolis, 2023.

 

Visões liquidas

03 jul

Analisando a visão “romântica” de William Dilthey (1833-1911) acerca da história, Hans-Georg Gadamer (1900-2002) enfatiza primeiro seu acerto que “o que chamamos de sentido da vida se constitui, muitas antes de toda objetivação científica, no interior de uma visão natural da vida sobre si mesma” (GADAMER, 2006, p. 31).

Porém vai criticar Dilthey, que “toda expressão de vida implica um saber que a forma a partir de seu interior”, e retomando a análise a partir de Hegel questiona sua visão de espírito objetivo, se o “meio ético em que ele vive e o qual compartilha com os outros constitui algo de “sólido” que lhe permite orientar-se a despeito das contingencias um tanto vagas de seus élans subjetivos” (Gadamer, 2006, p. 32), o destaque do sólido foi feito pelo autor.

O autor lembra de Dilthey o seu “Investigar as formas sólidas” (um dos temas da Coletânea de escritos), que implica que tanto a contemplação como a reflexão “implica sempre em experiência prática”, então contesta Gadamer: “aos olhos de Dilthey, a objetividade do conhecimento científico, não menos do que a reflexão meditativa da filosofia, seja um desdobramento das tendências naturais da vida” (GADAMER, 2006, pp. 32).

Na mesma coletânea, lembra Gadamer, Dilthey dizia que “nossa tarefa … será explicar como os valores relativos de uma época podem adquirir uma dimensão de algum modo absoluta” e apesar de ser uma preocupação com o absoluto, o caminho entre o relativismo e a totalidade é bem outro, uma vez que “ser conscientemente um ser condicionado” de Dilthey não é uma crítica explícita ao idealismo.

Toda esta filosofia diz Gadamer  parte de certo intelectualismo diria, de visionário “líquido” e aponta para uma “motivação intelectualista da objeção ao relativismo, intelectualismo incompatível não só com a implicação última de sua filosofia de vida, mas, também com o ponto de partida por ele escolhido, ou seja, a imanência do saber á vida mesma” (GADAMER, 2006, p. 36).

Esclarece o ponto de vista de Dilthey “que exige que sua filosofia se estenda a todos os domínios em que a “consciência, por meio de uma atitude reflexiva e dubitativa, encontre-se liberta do domínio de dogmas autoritários e aspire a um saber verdadeiro” ‘ (Gadamer, 2006, p. 34) fazendo citações do próprio Dilthey entre aspas, de sua Coletânea de Escritos.

As questões do espírito na filosofia hegeliana permaneceram sempre no conceito vago do absoluto, e jamais compreendeu a questão da contemplação, de um saber além, a sua transcendência é aquela que vai do sujeito ao objeto sem qualquer plano divino ou superior.

Este foi o dilema de Tomé fazer a experiência, embora tenha convivido com Jesus após sua morte não consegue manter sua convicção precisando tocar nas chagas do mestre.

GADAMER, H-G. O problema da consciência histórica. Trad. Paulo Cesar Duque Estrada. RJ: Rio de Janeiro: FGV, 2006.

 

A coragem e o Ser

02 jul

O imprudente não é corajoso, na antiguidade Platão e Aristóteles a definiram de modo parecido, para Platão a coragem “saber o que não temer” enquanto para Aristóteles é a virtude moral que se encontra no meio-termo entre a covardia e a imprudência.

Porém quando a coragem se torna covardia, certamente não é quando é prudente e sabe os perigos que cercam determinada atitude, mas se é uma virtude ela não pode estar distante da verdade, assim significa que não pode renunciar a verdade, sob pena de renunciar ao seu Ser.

Mas a verdade não é uma visão dos dados, dos fatos ou um posicionamento diante da realidade, a filosofia e a física moderna incluem uma terceira hipótese entre Ser e não Ser, e assim é possível o “meio-termo” aristotélico sem que ele seja a capitulação da verdade.

O tema angústia e medo, que ocorre quando há ameaça a própria existência, levando-as muitas vezes a permanecer na dispersão da preocupação, em Heidegger, essa dispersão, que é o modo de existir da maioria das pessoas, só pode ser vencida através de uma “decisão antecipatória” que leva o Dasein a acolher nele só o que é finito, moral ou imediato.

Outros autores, como Kierkegaard que criticou os que haviam pensado uma solução desta preocupação em um deus “imaginado” pela razão, e neste sentido está correto já que isto não é depositado na fé, criticam os que haviam pensado em uma transcendência do “Deus acima de Deus”, que seria uma espécie de coragem do Ser, e isto seria a potência do ser com raízes na transcendência, estão certo porque não sendo algo divino “a confiança em Deus” transformam em potência situada além, e assim torna-se a confiança em si mesmo.

Há algo na existência humana que é uma espécie de medo máximo: a morte,  há aqueles que buscam a fonte da eterna juventude, o prolongamento da vida, porém a finitude humana é algo que causa um medo fatal, e diante da morte muitos poucos são aqueles que não invocam a presença divina, a presença da mãe ou algum outro recurso transcendente.

O filósofo coreano-alemão Byung-Chul Han esclarece bem isto: “A perda moderna da fé, que não diz respeito apenas a Deus e ao além, mas à própria realidade, torna a vida humana radicalmente transitória” porque viver bem cada momento presente é estar na eternidade.

Nem todos creem porque precisam ver o eterno, porém Tomé que viveu com Jesus precisou tocá-lo ressuscitado para crer que há o eterno, há o infinito além do humano, o Ser-aí que somos.

 

Líbano, eleições no Irã e leste europeu

01 jul

As eleições no Irã já ocorreram dia 28/06 indicando que o prognóstico correto de ligeiro favoritismo para o reformista Masoud Pezeshkian o mais votado com 44,40% sobre o ultraconservador Saeed Jalili com 40,38%, o segundo turno deverá ocorrer no próximo dia 05/07 e as eleições significam muito para o Ocidente e para o futuro da relação com Israel.

As eleições foram antecipadas devido a morte do ex-presidente Ebrahim Raisi em maio no acidente de helicóptero no norte do país, o regime está submetido a uma junta de clérigos sob o comando do Aiotalá Ali Khamenei, que sucedeu ao famoso líder Khomeini e o presidente se submete a esta junta de clérigos.

Porém a tensão na região do Líbano, onde é visto pela população e diversos governos como um ataque próximo por parte de Israel, é parte neste xadrez onde o Irã é visto como aliado do grupo Hezbollah que tem base neste país, alguns países já pediram aos seus cidadãos que não viajem ou saiam do Líbano com urgência.

A possibilidade de um governo reformista no irã e a crescente pressão sobre Israel pode ajudar a mudar o cenário da região de guerra e tensão em escalada e com um futuro muito sombrio.

A tensão no leste europeu também cresce, a escalada da guerra atingiu a Criméia sob governo russo e a retaliação atingindo as fontes energéticas da Ucrânia, a Russia sob o tom devido o crescente apoio do Ocidente a Ucrânia e acusa diretamente a França de enviar tropas, o que significa na prática uma declaração de guerra.

Nos EUA a pressão também cresce, no debate presidencial o tema foi relevante, as eleições no país ocorrerão no início de novembro, e no primeiro debate Biden se viu desgastado e agora se fala em substituição dele como candidato.

A Rússia sob o tom, comentando até a patética tentativa de golpe na Bolívia, vista pelo Kremlin como aliada russa, porém houve uma troca de 90 prisioneiros entre os dois países (foto) num raro momento de trégua em meio a toda uma zona de fronteiras sob forte contingente militar.

A paz sempre é possível, é preciso corações e mentes capazes de ultrapassar o ódio e a violência.

 

Catarse e moral limpa

28 jun

O liberalismo político e moral não quer que o termo “estar limpo” seja utilizado, a maioria das pessoas que passaram por alguma dependência química, entretanto gostam de usar a palavra e o significado é mais profundo do que parece.

Sem uma força interior que nos ajude com frustrações e situações sociais complexas, não é possível entrar em um novo estado de espírito, em uma mudança de rota, isto significa que ocorre aquilo que os gregos chamam de catarse.

O termo vindo do grego “kátharsis” significa um estado de libertação psíquica (que também pode ser física e moral) em que o ser humano supera algum trauma, dependência ou medo que vem de uma perturbação psíquica.

Poucos percebem o valor de estar limpo moralmente, ao menos fazer um esforço para isto, o médico e psiquiatra Antony Daniels que escreveu diversos livros sobre a destruição da cultura, aquilo que de outra forma e análise Adorno chamou de “vida danificada” não é senão a constatação de um mal-estar na civilização, como analisou Freud ou o esquecimento do Ser.

Antony Daniels escreveu livros com o pseudônimo Theodore Dalrymple, em sua análise sobre o processo civilizatório esclarece: “A primeira exigência da civilização é que os homens estejam dispostos a reprimir seus instintos e apetites mais baixos: falhar nisso faz deles, precisamente porque são inteligentes, muito piores que meras bestas” e já chegamos a este ponto.

A ideia que estamos “libertando” as pessoas liberando seus instintos mais animalescos, não é outra coisa senão escraviza-la através de forma mais cruel que é a dependência, assim não é uma catarse, mas sim um caminho de difícil retorno, a dependência psíquica de algum apetite.

Na história, por ignorância, os portadores de hanseníase (lepra) eram considerados impuros, e eram excluídos socialmente, hoje esta impureza está relacionada aos vícios e a dependência moral ou química de instintos liberados e sem a necessária repressão.

Numa passagem bíblica do evangelho de Mateus um leproso se aproxima de Jesus e pede: “Senhor, se queres, tu tens o poder de me purificar”. Jesus estendeu a mão, tocou nele e disse: “Eu quero, fica limpo”. No mesmo instante, o homem ficou curado da lepra.

 

Religiosidade e a cultural liberal

27 jun

O liberalismo moderno criou um ambiente onde muitas práticas culturais que eram questionadas anteriores, em especial aqueles que ignoram direitos e deveres sociais, foram aos poucos sendo liberadas, a ideia (no sentido do idealismo filosófico mesmo) de liberdade é aquela que agrada a vontade, no sentido de exigência racional e prática da autoderminação universal, com isto a moral e a ética não são aqueles que impedem o exercício do mal, mas aquela que agrada a razão.

Assim não faz sentido para o liberalismo contemporâneo o combate a usura, juros extorsivos são praticados por bancos sem falar da agiotagem, o combate a imoralidade pública, a nudez e a pornografia público não é mais assunto moral e os diversos tipos de males a saúde, ao bem-estar social tornou-se até mesmo pilhéria em discursos midiáticos.

Não se trata também de moralismo puritano, nem de gosto pessoal em relação a forma de se manifestar e comportar-se socialmente, mas de deboche, de ofensa pública a todos os que querem um mínimo de moralidade pública, Adorno escreveu sobre a “Minima Moralia” na década de 40, no sentido de como a “vida danificada” se desenvolveu numa forma de violência e do horror no mundo contemporâneo.

Também há formas de má cultura religiosa, aquela que carece de uma ascese verdadeira que impulsione o mundo para a empatia, a convivência social saudável (também no aspecto da saúde num mundo embriagado pelo uso de álcool, drogas e substâncias tóxicas), sem esquecer que o mais nocivo e terrível é a ofensa cultural, e a cultura da violência que chega ao limite nas formas de guerras armadas e não armadas no mundo contemporâneo.

Sobre o aspecto religioso, vale lembrar a todos que tentam usar o álibi religioso para a prática antissocial, a passagem bíblica de Mateus 23: “Então eu lhes direi publicamente: Jamais vos conheci. Afastai-vos de mim, vós que praticais o mal” e na passagem é uma referência clara a pregadores que “expulsaram demônios” e “fizeram milagres” em nome de Jesus. 

As narrativas tóxicas que são usadas para estas práticas via de regra não conseguem fazer uma narração completa, precisam usar falsos exemplos e até testemunhos sem nexo para justificar a insanidade da prática e permissividade em relação a moral pública e social, usam a ofensa e até o xingamento público que deixa clara sua adesão à exclusão e ao comportamento antissocial, a permissividade pública, aquela que se nega à coerção e a punição a atitudes antissociais são também formas de violência pela omissão.

 O resultado é um ambiente psicologicamente difícil, uma vida social danificada, como expressa por Adorno, e uma vida em que tudo é transitório como vê Byung-Chul Han.

 

Farisaísmo e Jonas

26 jun

Em que consiste a ausência de espiritualidade nos dias de hoje, mais do que a falta de Deus, diz Byung-Chul Han é o fato que tudo na vida se torna transitório, mas também as consequências de uma forte polarização na qual todos ânimos se concentram e limitam a verdadeira interioridade, a verdadeira espiritualidade fora da bolha, na alegoria explorada por Sloterdijk em Esferas I o sinal de Jonas, lembra um pouco o trecho bíblico (Lucas 11,29-30): “Esta geração é uma geração perversa: pede um sinal, mas nenhum sinal lhe será dado, senão o sinal de Jonas. Assim como Jonas foi um sinal para os habitantes de Nínive, assim o será também o Filho do homem para esta geração”

Sloterdijk via a falta na falta de centralidade uma díade, tanto serve para a polarização como para um policentrismo, isto é uma ausência de situar-se no mundo, lembramos que o ponto central da filosofia dele é o que significa estar no mundo, e Jonas que tenta fugir de sua missão vai parar no ventre da baleia, isto é, seu desejo de fugir do mundo e de sua missão, é a ideia de refugiar-se num puro interior do qual são vítimas aqueles que fazem uma ascese desespiritualizada, tentam não estar no mundo, que é diferente do Ser-no-mundo, categoria que Sloterdijk usa a palavra “vorhandensein”* para explicar sua polêmica sobre o humanismo com Heidegger, que usa o termo dasein para Ser no mundo.

Onde estava Jonas quando estava no mundo? Dentro da baleia. A baleia é parte da consciência de Jonas que lhe provoca a pensar no exterior a partir de um interior. Heidegger já havia pensado neste puro interior de que todos somos vítimas, um espaço radical e intrínseco, nossa habitação única e primeira por onde permeiam todas as nossas impressões, pensamentos e afetos.

O sinal de Jonas, único sinal para esta geração que busca um “sinal de Deus” é, portanto, encontrar esta interioridade mesmo estando no mundo e sujeito a suas díades (polos) ou mesmo o policentrismo (meias-verdades de diversas narrativas) sem conseguir alcançar uma verdadeira ascese, entretanto Jonas sai da baleia e vai a Nínive cumprir sua missão.

Assim, a relação com o exterior é uma constante tensão, e não há como fugir dela, não é um filtro para a verdade, mas a busca da clareira, de um espaço onde cultivamos o nosso interior, assim na visão de Sloterdijk que nos ajuda, o sinal de Jonas é sua vida interior quando estava no ventre da baleia, dentro de sua “esfera” na concepção de Sloterdijk.

Assim não é aquele que grita Senhor, Senhor nem aquele que vive de “boas intenções” exteriores apenas, é preciso viver esta tensão interioridade e ser no mundo este Ser que é.

O farisaísmo é viver de aparências exteriores que não correspondem a interioridade, mas também a interioridade “pura” é ficar no ventre da Baleia sem viver a tensão exterior.

*a tradução ao pé da letra seria: estar disponível (no caso de Jonas para a missão).

SLOTERDIJK, P. Esferas I : bolhas.  Tradução José Oscar de Almeida Marques. Sáo Paulo : Estação Liberdade, 2016.

 

As bolhas e o outro

25 jun

Diversos autores escreveram sobre a questão do Outro, infelizmente ainda há uma ignorância sobre o termo, ele renasceu (a meu ver sempre existiu na filosofia cristã, a patrística trata amplamente do termo como “próximo” e Paul Ricoeur lembra isto), Habermas escreveu sobre a Inclusão do Outro que seriam as fronteiras de comunidades abertas a todos, Byung-Chul Han escreveu A expulsão do Outro, ao refletir sobre a comunicação hoje, entretanto Emmanuel Lévinas e Paul Ricoeur o trataram com originalidade e riqueza.

Já postamos algo sobre Lévinas lido por Byung-Chul Han que lembra seu conceito de “il y a” no qual analisa um aspecto funcional da relação ética, fazendo-a transcender, é preciso dizer que não é a eticidade de Hegel, para ele o princípio da saída do ser para a existência, passando do ser ao seu estado bruto, é sair da solidão do “il y a”, assim dá sentido a existir.

De Paul Ricoeur postamos em alguns trechos a relação entre o “sócio” e o próximo, a primeira é utilitária e a segunda realmente “transcende”, mas sua obra seminal é o Si-mesmo como um outro (publicado em 1990, em português no Brasil em 2014 pela Martins Fontes), ele tem o cuidado de tratar que o si-mesmo não seja deixado de lado, uma vez que é comum ver o Outro eliminando o si-mesmo, ainda que na relação fenomenológica sempre é necessário um “epoché”, mas colocado entre parênteses.

Mas aqui queremos avançar para o conceito de bolhas no Esferas I de Peter Sloterdijk, expõe sua esferologia, forma de definir e problematizar o que significa “estar no mundo”, uma vez que nós viemos de uma esfera que é o ventre materno, e saímos para a esfera do nosso planeta, e ele cria um conceito de imunologia para dar sentido a sua ideia de meio social de comunicação que é a co-imunidade, é curioso que o termo veio bem antes da pandemia.

É curioso que o autor, que não vê religião como algo objetivo, não deixa de analisar em sua obra conceitos vindos na “cultura” do cristianismo ao falar, por exemplo, de uma ascese desespiritualizada que vale para muitos religiosos de hoje, e de Matrix in Gremio (no colo da mãe, uma clara alusão a Maria) e aqui destacamos a eucaristia (não é o conceito ortodoxo, é obvio).

Ao falar das bolhas, um tópico especial é “Do excesso eucarístico”, essa mútua incorporação é descrita em episódios ilustrativos constituintes da tradição europeia da cordialidade ao seu ver, que para nós latinos poderia ser um adjetivo de miseri-cordis, tem um coração que acolhe humildemente o coração do outro, e seu “excesso’ seria melhor compreendido.

Narra três episódios neste tópico, o primeiro é do período da trova cavalheiresca do século XIII pelo poeta Conrado de Würzburg, em que o impossível adultério trovadoresco de um cavaleiro e uma dama é levado à concretude somente com a consumação não ciente do coração do rapaz pela moça, claro trata-se do amor humano aqui, porém o autor também trata do testemunho de Raimundo de Cápua (1330-1399) que ganha coro, no qual Catarina de Siena (uma santa católica muito sábia) que tem seu coração trocado pelo do próprio Cristo revelado, marcando a comunhão esférica do humano com o divino, e aqui se entende a sua adjetivação de “excesso eucarístico”.

O terceiro é mais filosófico e retoma a filosofia clássica de Platão, uma adaptação feita por Marcílio Ficino do Banquete de Platão, com a influência da medicina medieval ele imagina que Fedro penetra, com adaptação clara medieval, com vapores sanguíneos que vieram do seu coração e extrapolaram pelo seu próprio olhar, os outros de Lísias, com isto insufla seu coração tornando-o enamorado de Fedro.

O discurso de Lísias, no diálogo platônico Fedro fala do encantamento provocado pela arte de usar belamente o logos, com intuito de persuadir, ele elabora um belo e “lógico” discurso para dizer que é mais vantajoso entregar-se a um não apaixonado do que um amante, ele exerce ali sobre Fedro um fenômeno chamado apathê.

A questão importante de Sloterdijk é que todos estamos sujeitos a nossas bolhas, aos nossos pré-conceitos e somente com este recurso pensado por Lísias, ver o outro não-amante e não próximo, como uma possível entrega é que podemos iniciar um processo de aproximação, na filosofia de Hans-Georg Gadamer a “fusão de horizontes”.

Que olhar temos sobre o Outro diferente e como podemos realizar um “apathê” que se torne um encontro favorável e interessante, uma comunicação possível.

SLOTERDIJK, P. Esferas I. trad. José Oscar de Almeida Marques, São Paulo: Estação Liberdade, 20 16.

 

A guerra pode se estender ao Oriente

24 jun

A inclusão de mais protagonistas num ambiente de guerra propicia sua escalada, e a resposta da Rússia ao encontro na Suíça foi imediata.

Putin se reuniu com o presidente da Coréia do Norte, um dos países mais fechados e bélicos do mundo, e depois foi ao Vietnã do Norte em busca de cooperação para a guerra na Ucrânia, a reação da Coréia do Sul foi Imediata, o presidente sul-coreano Yoon Suk-Yeol declarou: “é absurdo que duas partes com um histórico de lançar guerras de invasão, a Guerra da Coreia e a guerra na Ucrânia, agora prometam cooperação militar mútua com base na premissa de um ataque preventivo por parte da comunidade internacional que nunca acontecerá”, entretanto é uma clara ameaça.

O documento chamado de “Tratado Abrangente de Parceria Estratégica” tem o mesmo espírito da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) , que prevê assistência de todo bloco a qualquer ataque que um membro sofra, a Rússia já tem a parceria da Bielorrússia, e assim parecem se formar as alianças que antecederam a segunda guerra, na época o Eixo era Alemanha, Itália e Japão, e depois aliaram-se também a Bulgária, a Croácia, a Hungria, a Roménia e a Eslováquia (a Finlândia, que não participou) Stalin da Rússia chegou a acenar a um acordo e depois traído, tornou-se inimigo do Eixo e uniu-se a Aliança que os combatia (França, Reino Unido e EUA).

Pode-se imaginar que este clima era absurdo, povos que viviam em paz aliarem-se deste modo, porém se olharmos nosso cotidiano hoje não é diferente, se olharmos a visão quase sempre polarizada e criando narrativas para as guerras podemos entender como este clima se instala, desejar a paz é também uma opção e poucos pensam assim, neste momento o presidente coreano destaca em seu discurso a ideia clara que o país não vê motivo para a guerra, mas não descarta enviar auxílio à Ucrânia e assim um novo polo do conflito surge.

Reagir com passividade em um conflito não significa omitir-se ou contrário é a posição mais dura por que verifica que há equívocos sempre que o recurso é a guerra, a leitura de uma narrativa não é a narração, conforme afirma Byung-Chul Han e Walter Benjamin (O narrador), lembram que a história contada por Heródoto do rei Psammenit “serve como exemplo de sua arte da narração” (Han, 2023, p. 21).

Nela o rei egípcio Psammenit ao ser derrotado na guerra pelo rei persa Cambises, após ver a filha reduzida a criada e o filho sendo levada para ser executado permanece com os olhos para o chão, porém ao ver entre seus servos prisioneiros, um homem idoso e frágil “bateu em sua cabeça com os punhos e expressou profunda tristeza” (Han, 2023, p. 22) pois talvez preferisse estar no lugar daquele pobre homem, a guerra destrói nossa humanidade mais profunda, a narrativa distorce e desumaniza a história.

Assim é preciso uma narração sensata, serena, o atual potencial bélico do mundo pode nos levar a mais séria crise civilizatória muito além da barbárie podendo chegar ao extermínio ou a um limite intransponível de ódio e violência, temos esperança de paz se ainda houver pacíficos. Diz a leitura bíblica: “Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus!” (Mt 5, 9).

Han, Byung-Chul. A crise da narração. Trad. Daniel Guilhermino. Petrópolis: ed. Vozes, 2023.