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Eu, o Outro e o Terceiro Oculto
O princípio da incerteza que vinha da física, a partir de Heisenberg, no início do século passado aos poucos colocou a Física em cheque, pondo o determinismo científico, o logicismo também em cheque devido o paradoxo de Gödel que determinava que um sistema matemático axiológico ou é completo ou consistente, não podendo ser os dois ao mesmo tempo, porém uma nova visão científica e ontológica se desenhava, a Ontologia Transdisciplinar.
Na semana de 13 a 17 de julho de 2008, a 9ª. Conferência anual do Instituto Metanexus, realizada em Madrid, Espanha, entre filósofos, biólogos, físicos, cosmólogos, neurocientistas, cientistas cognitivos, historiadores, educadores, teólogos e líderes de comunidades aconteceu com o tema “Subject, self, and Soul: Transdisciplinary approches to Personhood”, onde Barsarab Nicolescu foi convidado a abrir a Conferência.
Nela Nicolescu vai desenvolver a ideia do terceiro oculto, a filosofia já havia falado do Outro através de Lévinas, Ricoeur e o educador Martin Buber, que no livro “Eu-Tu” reconhece no outro um algo “divino”, mas para aí como os outros, para na beira do conceito de alteridade.
Nicolescu foi a frente, escreve como Heisenberg um modelo de ultrapassar o dualismo sujeito x objeto, característico da modernidade: “: “Nunca podemos chegar a um retrato exato e completo da realidade (Heisenberger, 1998, p. 258). A incompletude das leis da física está presente em Heisenberg, mesmo que ele não faça nenhuma referência aos teoremas de Gödel. Para ele, a realidade é dada como “texturas de diferentes tipos de conexões”, como uma “abundância infinita”, sem qualquer fundamento último” (Nicolesceu, 2008)
Citando ainda Heisenberg, afirma Nicolescu citando a consonância com Husserl, Heidegger, Gadamer e Cassirer (que ele conheceu pessoalmente), que é preciso suprimir qualquer distinção rígida entre Sujeito e Objeto.
O ideia do sujeito oculto em Nicolescu está além do limiar Eu e o Outro, está na concepção que vem da física que existe um terceiro estado na natureza, o Terceiro Incluído além do Ser e do Não-Ser, chama-os de Objeto-Transdisciplinar e Sujeito-Transdisciplinar, na física quântica já estava claro que a análise de um fenômeno do Objeto deve ser transdisciplinar devido um estado então desconhecido na natureza, agora também um Sujeito Transdisciplinar é descrito por Nicolescu (chama-o TD-Subject) que desvela o Terceiro Oculto.
Embora o tema fale da alma e chega a falar de espiritualidade, para uma boa leitura bíblica é preciso entender o desvelamento de Jesus após sua morte (aparição é um termo limitado) que se revela de modo surpreendente e divino aos discípulos, o Terceiro Oculto é Ele próprio.
Na passagem de discípulos que estão caminhando para Emaús e um Terceiro caminhante se infiltra entre eles, ao verem partir o pão logo vão lembrar de sua “conversa”: “ Então um disse ao outro: “Não estava ardendo o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho, e nos explicava as Escrituras?” (Lc 24,32).
NICOLESCU, B. “Subject, self, and Soul: Transdisciplinary approches to Personhood”, Metanexus Conferece, Madrid, 2008.
Física quântica, terceiro oculto e espiritualidade
Nicolescu Barsarab além de formular a teoria do terceiro incluído, fundamentando pela física quântica que o princípio de Aristóteles do terceiro excluído, existe A ou não-A sendo excludentes, entretanto a física quântica já havia revelado um terceiro estado T, como uma combinação entre os estado de “existência” e “não-existência” como um estado físico, este Ser existente ou não como terceiro estado permite falar de uma Ontologia Transdisciplinar.
Sucintamente, Nicolescu (2002) desenvolveu é que em vez de uma realidade esperando para ser descoberta usando o método científico, existem múltiplos níveis de Realidade (ele coloca Realidade em maiúscula e usa a letra T para transdisciplinaridade) organizados em dois níveis.
Um nível diz respeito à Realidade Subjetiva (TD-Sujeito), assim chamada porque trata da fluxo interno de perspectivas e consciência. Incluem-se psicologia e filosofia individual, família, comunidade, sociedade, história e ideologias políticas. O outro nível diz respeito à Realidade objetiva (TD-Object), assim chamado porque trata do fluxo externo de informações, fatos, estatísticas e evidências empíricas.
Os exemplos incluem economia (negócios e direito), tecnologia, ciência e medicina, ecologia e meio ambiente, planetário (mundial e global) e cósmico e universo (Nicolescu, 2002, 2016).
Cada nível de Realidade é diferente, mas “cada nível é o que é porque todos os níveis existem no mesmo nível”, a existência de um único nível de realidade, o fechamento disciplinar do conhecimento, também Edgar Morin alerta para isto, cria um novo tipo de obscurantismo, do fechamento disciplinar em áreas de conhecimento.
Diz Carta da Transdisciplinaridade de Arrábida no seu preâmbulo: “Considerando que a ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais cumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido leva à ascensão de um novo obscurantismo, cujas conseqüências, no plano individual e social, são incalculáveis”, e diz no seu artigo terceiro: “A transdisciplinaridade é complementar à abordagem disciplinar; ela faz emergir novos dados a partir da confrontação das disciplinas que os articulam entre si; oferece-nos uma nova visão da natureza da realidade” (Arrábida, 2014).
A abertura para o sujeito, não se trata apenas da subjetividade idealista, é a própria abertura ao Ser e o que a Ontologia Transdisciplinar propõe é vê-lo na complexidade que se desvela.
Nicolescu, B. Manifesto of transdisciplinarity. New York, NY: SUNY Press, 2002.
Nicolescu, B. The Hidden Third [W. Garvin, Trans.]. New York, NY: Quantum Prose, 2016.
Freitas, L., Morin, E., Nicolescu, B. Portugal, Convento da Arrábida, 6 de novembro de 1994.
A dor e a Sociedade Paliativa
Pela leitura de diversos autores, mas principalmente por compreender justamente as “dores” da modernidade, Byung Chul Han escreveu a Sociedade Paliativa: a dor Hoje (Han, 2021) em que decreta: “A dor, é agora, um mal sem sentido, que deve ser combatido com analgésicos. Como mera aflição corporal, ela cai inteiramente fora da ordem simbólica.” (HAN, 2021, p. 41).
Entre diversos autores, é a partir de Paul Valéry em seu livro e personagem Monsieur Teste, que encarna o homem moderno e sensível que como sem sentido e pura “aflição corporal”, “Monsieur Teste se cala em vista da dor. A dor lhe rouba a fala” (HAN, 2021, p. 43).
Colocará em contraste com este personagem a mística cristã Teresa D´Ávila, como uma espécie de contrafigura, “nela a dor é extremamente eloquente. Com a dor começa a narrativa. A narrativa cristã verbaliza a dor e transforma também o corpo da mística em um palco … aprofunda a relação com Deus … produz uma intimidade, uma intensidade.” (p. 44).
Também reivindica Freud, “a dor é um sintoma que indica um bloqueio na história de uma pessoa. O paciente, por causa de seu bloqueio, não está em condições de avançar na história” (p. 45).
Sendo uma mera “aflição corporal” a dor se coisificou, perdeu um sentido ontológico e de certa forma “escatológico” (por ela tem uma história com início e fim), “a dor sem sentido é possível apenas em uma vida nua esvaziada de sentido, que não narra mais.” (p. 46).
A negação da cruz do homem moderno, não é apenas o desprezo pelo Outro, é a incompreensão de seu aspecto escatológico, a dor entrou na nossa vida e durará até que possamos entender seu significado de “libertação”, de “purgação” de nossos males que estão na nossa história, que são nossos pecados, a guerra é a incompreensão da dor, elimina-se o Outro com sendo culpado por nossa dor, da qual os culpados somos cada um de nós.
As injustiças têm seus próprios meios regulatórios, porém a marginalidade, a criminalidade, que surgem em meio a pobreza, as dificuldades sociais são dificuldades que lidar com a dor, há sempre um caminho para refazer uma história, para recomeçar uma vida, eliminá-la é o oposto.
A cruz é o significado mais profundo daquilo que aflige o homem, e a partir do qual pode se libertar, esconder ou fugir do problema leva em geral a dores maiores: alcoolismo, drogas, prostituição e aquilo que já é um mal do homem moderno: a corrupção em diversos níveis.
A cruz orgulho dos cristãos e escândalo dos gentios, também é bíblico “aquele que quiser me seguir, tome sua cruz e me siga (Mc 8, 34), metáfora da vitória e não da derrota, esta é a lição de vencedores.
HAN, BYUNG-CHUL. A Sociedade paliativa: a dor hoje. Trad. Lucas Machado, Petrópolis: ed. Vozes, 2021.
Infinito, paz e transformação
A nossa de infinito, de até mesmo o paradoxo que representa a profunda mudança que ocorrem em fenômenos astronômicos como os buracos negros, onde até mesmo a física quântica é questionada, nos leva a uma nova cosmovisão de matéria e espiritualidade.
Edgar Morin fala em “resistência do espírito” em função do momento dramático que vivemos de crise civilizatória e ameaça de escalada nas guerras, sem um apelo realmente concreto pela paz o risco dos atuais conflitos escalarem e de surgirem novos é imenso.
Esta resistência requer tanto o posicionamento pessoal quanto o coletivo, defender de fato e viver a paz, praticá-la em nossos relacionamentos cotidianos, ao lado dos que passam por nossas vidas.
A paz depende de pessoas que plantem a paz, diz a leitura bíblica Jo 12,24: “em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas, se morre, então produz muito fruto”, assim é preciso que semeie a paz aqueles que de fato a desejam, porém não no discurso, mas nas atitudes do dia a dia.
Não significa que não desejamos as mudanças, e que elas não sejam necessárias, também neste aspecto o grão de trigo deve cair na terra e “morrer”, mas esta morte vista justamente com o que desejamos: transformação, não desaparecimento ou morte terminal.
O olhar para o infinito, para o divino e o eterno é ir além de nossa materialidade, de nossos impulsos cotidianos e humanos, reservar um tempo para leitura, contemplação, meditação e recarregar nossas energias, a atitude pacífica depende deste equilíbrio humano/divino.
Sem uma ascese verdadeira e humanamente correspondida, ficamos naquilo que Peter Sloterdijk chama de “vida de exercícios”, fazemos os exercícios para tal, mas não temos uma ascensão humana (uma verdadeira ascese).
Aumentar nossa vida interior, transmiti-la nos relacionamentos eis a verdadeira ascese.
Mudança de rota e poder
Hoje é dia da cidade de São Paulo, e também é comemorado por boa parte dos cristãos o dia do apóstolo Paulo, não coincidência pois o nome da cidade foi dado devido ao apóstolo, ainda no tempo da colonização portuguesa no Brasil.
Era chamado Saulo de Tarso, cidade da Cilicia onde nasceu ano 5 d.C. e era um judeu muito instruído que combatia o cristianismo como uma seita cristã, sendo um dos responsáveis inclusive pela morte de Estevão, o primeiro mártir cristão.
Aconteceu que no caminho de Damasco (foto) através de um tombo do cavalo, figura usada até hoje para indicar pessoas que mudam de mentalidade e de rota, ele tem uma revelação mística e fica cego, e nesta visão ele é indicado a ir ao encontro de Ananias, e tem a vista restaurada.
A partir daí é chamado de Paulo e será responsável para levar seu apostolado até os gentios, como eram chamados o que não eram judeus, visto que este era o povo escolhido por Deus, então o cristianismo sai de seus limites judaicos e chega até gregos, romanos e outros povos que viviam no Império Romano.
Sua elaboração do pensamento irá então extrapolar os limites dos costumes judaicos, embora com algumas controvérsias como a necessidade de circuncisão, ele será o primeiro e importante teólogo do cristianismo, tendo influenciado pensadores como Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino, importantes para o cristianismo, mas também para a filosofia.
Paulo entenderá que não se trata de uma luta pelo poder humano e nem um combate contra os domínios do poder temporal, e sim o combate a mentalidade terrena que não alcança valores além do poder, da riqueza e das paixões humanas.
Sem Paulo, provavelmente o cristianismo não teria saído dos domínios judaicos, nem chegaria a Grécia, a Roma e a todo império romano e depois ao mundo todo, apesar da perseguição dos poderes locais ele se expandia no mundo dos povos e se enraizava dentro das culturas.
A rota civilizatória e humana não pode almejar somente a tomada do poder e a submissão aos valores deste poder, sem uma base humana sólida, com valores atemporais, o poder fica confinado a dimensão das armas e da opressão.
A paz, a harmonia entre os povos, o respeito a diversidade cultural não pode estar submetido ao poder das armas e da opressão, da falta de liberdade e ausência de diálogo e respeito.
Globalismo ou Universalismo, um novo período
A atual crise aponta claramente por uma crise civilizatória, as visões eurocêntricas e iluministas já mostravam seu esgotamento em períodos anteriores, por pensadores como Nietzsche e Shopenhauer que foram buscar elementos na filosofia ocidental, porém a física quântica e estudos sobre uma era chamada de “antropoceno” como os estudos transdisciplinares de Anna Tsing, fundadora da AURA (Arhus University Research on the Antropocene) e uma das editoras do Feral Atlas (feralatlas.org) publicado pela Stanford University Press.
Assim as teorias do globalismo e NOM (Nova Ordem Mundial) não passam de teorias conspiratórias, embora as forças políticas em jogo possam ter também influências de diversas organizações políticas que desejam formas novas de imperialismo e controle populacional.
O simples olhar para um universo cada vez mais complexo em que morrem velhos paradigmas copernicanos e newtonianos, de grande influência no pensamento ocidental, mostram uma realidade muito mais complexa, como a teoria das cordas apontada por Michio Kaku como uma das poucas alternativas para explicar o universo como vemos agora por megatelescópios.
Mesmo a ideia de Einstein de entender a mente de Deus é muito distante daquilo que significa realmente uma teoria do Tudo e do Todo, onde é quase impossível não pensar em um Ser com uma inimaginável inteligência que criou tudo, uma simples energia ou acaso é simplista demais e mesmo físicos teóricos como Albert Einstein, Stephen Hawking e Michio Kaku admitiram esta hipótese.
Porém é difícil imaginar uma consciência mega-inteligente diante de raciocínios tão primários que envolvem a maioria dos pensadores cristãos, figuras como Agostinho de Hipona, Thomas de Aquino, Duns Scottus e Boécio, estes dois últimos são considerados santos pelos católicos, parecem estarem ofuscados por um primarismo fundamentalista que ignora o universo complexo que vivemos e que se revela ainda incompreensível para os limites humanos.
Para religiosos sérios bastaria examinar a visita dos reis magos (veja o documentário da Discovery) que vieram adorar o recém-nascido em Belém para tomarem consciência que Deus é universal e não se limita aos ditames e costumes humanos, mas há muita falsa profecia.
O limite de um verdadeiro cristianismo deveria ser como dizia Agostinho de Hipona: “o limite do Amor é amar sem limites”, isto deveria ser essencial a um verdadeiro Deus de Amor.
Os 3 Reis Magos – Documentário Discovery Civilization l Dublado l (youtube.com)
A física e a mente de Deus
A questão originária básica do homem é a linguagem, porém ao buscar a informação o homem foi obrigado a olhar o universo e a tentar entender seus enigmas, o geocentrismo (a terra como centro de tudo), o heliocentrismo (o sol como centro de tudo) dominaram a linguagem e o pensamento humano durante milênios, em todo este tempo o antropocentrismo dominou a concepção humana e com isto a tentativa de dominar toda a natureza cresceu, porém a física quântica mudou tudo.
Porém a natureza é indomável, a modernidade foi uma tentativa de dominar as forças da natureza e afirmar o antropocentrismo sobre ela, porém ela tem sua própria lógica, e ao olhar mais profundamente o universo que tinha uma explicação mitológicas deslocou-se para um foco mais claro de indagação escatológica: de onde viemos e para onde vamos.
O livro do físico teórico Michio Kaku: “A equação de Deus” dá um mergulho nesta questão a partir da física e da cosmologia contemporânea, o físico é o grande teórico da física das cordas (Hiperespaço é um de seus livros), professor de Harvard e apresentador de programas na Discovery Channel.
Em seu livro esclarece a busca de físicos como Stephen Hawking e Albert Einstein sobre a tentativa de explicar todas as forças do cosmos, aquilo que é chamado de teoria do tudo, e que em sua formulação atual é chamado Teoria da Física Padrão, a descoberta das forças quânticas das partículas, entre elas o bóson de Higgs, a visão do fóton com partícula de massa zero, as partículas do magnetismo terrestre ajudaram esta unificação, mas não é tudo.
Muitos físicos falharam, a explicação quântica rompe com a ideia de “coisa” que alguns autores dualistas continuam a ter, o “quantum” é algo além tem um terceiro estado, chamado na física de “terceiro incluído” onde uma partícula está entre o Ser e o Não-Ser e não é dual.
Se este estado da física quântica já é realidade, o que são de fato as partículas ainda é um mistério, e a “candidata mais promissora (e, na minha opinião, a única candidata) é a teoria das cordas, que diz que o universo não é feito de partículas puntiformes, mas sim de minúsculas cordas vibrantes, onde cada modo de vibração corresponde a uma partícula subatômica” (KAKU, 2022).
Precisaríamos de um microscópio poderoso o suficiente para ver elétrons, quarks, neutrinos, etc. são nada mais do que vibrações de laços minúsculos, parecidos com elásticos de borracha. Se colocarmos esses elásticos para vibrar inúmeras vezes e de formas diferentes, eventualmente conseguiremos criar todas as partículas subatômicas do universo, e isto quer dizer que as leis da física se resumem nestes modos de vibração das pequenas cordas.
Diz Kaku na introdução de seu livro: “a química é um conjunto de melodias que podemos tocar com elas. O universo é uma sinfonia. A mente de Deus, a que Einstein eloquentemente se referiu, e uma música cósmica que se espalha pelo espaço-tempo” (KAKU, 2022).
KAKU, Michio. A equação de Deus. Trad. Alexandre Cherman, R.J.: ed. Record, 2022.
Visão universal de Chardin
Durante um certo tempo a visão de um universo formado a partir de uma intenção divina, a sua evolução dentro de uma geosfera, depois uma biosfera e finalmente a etapa atual que é uma noosfera (noon – espírito) de Chardin foi considerada herética, mas aos poucos foi se modificando, muitos filósofos e teólogos passaram a estuda-lo, suas obras foram sendo publicadas e aceitação da igreja foi sendo considerada, a ponto de pensarem até em sua beatificação.
Pode-se pensar nas polêmicas atuais, sem sentido sério doutrinal ao meu ver, que isto se deve a uma certa “modernização” herética da igreja, porém os mais diversos pensamentos teológicos dentro da igreja refletem sobre a validade desta visão que atualiza o pensamento cristão e dá uma grande abertura àquilo que o homem moderno descobriu e continua descobrindo sobre a vida humana na terra e o cosmos.
Numa homilia do papa Bento XVI, em 24 de julho de 2009, numa homilia em Aosta, Bento XVI cita Teilhard de Chardin, como uma iluminação positiva: «A função do sacerdócio é a de consagrar o mundo para que ele se torne hóstia viva, para que o mundo se torne liturgia: que a liturgia não passe ao lado da realidade do mundo, mas que o mundo ele mesmo se torne hóstia viva, se torne liturgia. Esta é a grande visão que foi mais tarde também a de Teilhard de Chardin: no fim, teremos uma verdadeira liturgia cósmica em que o cosmos se torna hóstia viva.»
E isto não é doutrina nova, embora Chardin a tenha aproximado da Ciência, o Concílio do Vaticano II na Constituição Gaudium et Spes (nº 5), com efeito, declara: «Em suma, o género humano passa duma noção basicamente estática da ordem das coisas a uma concepção mais dinâmica e evolutiva: daí nasce uma problemática nova enorme que obriga a novas análises e a novas sínteses.» E no Catecismo da Igreja Católica (n. 310), lemos: «Deus quis livremente criar um mundo “em estado de caminhada” em direção à sua perfeição última e Jesus virá em sua glória, após guerras, pestes e outras dificuldades civilizatórias, para salvá-lo, diz a escatologia.
Assim não apenas o pecado original, a expulsão do paraíso e o futuro humano se abre a uma perspectiva nova e coerente com a doutrina, como esclarece pontos polêmicos historicamente, diríamos em função da revolução copernicana, o homem e o mundo nem é geocêntrico, nem heliocêntrico, no centro da galáxia está um buraco negro, então poderíamos dizer que ele é noocêntrico (foto do centro da galáxia).
GRONCHI, Pe. Maurizio. No pensamento de Pierre Teilhard de Chardin. « J’étudie la matière et je trouve l’esprit. », L’Osservatore Romano, 29 dezembro 2013.
A problema original de Chardin
Não foi o fato que Chardin concilia a visão criacionista da origem do universo com a visão evolucionista do Big Bang, embora também polêmica, foi o pecado original que deu origem a uma visão de desconfiança sobre a visão da noosfera em Teilhard Chardin.
Em um artigo publicado em 05/06/2018 por Edward W. Schmidt, S.J., na revista America, ele escreveu: “A descoberta e publicação da obra de Teilhard preencheram uma lacuna com uma valiosa documentação na história do acadêmico”, e falava da questão do pecado original.
Seu trabalho chamou a atenção da Cúria dos jesuítas e do Santo Oficio (antecessor da atual Congregação parra a doutrina da fé) e ali devia assinar seis declarações sobre pontos de seu pensamento que o Santo Ofício entendia como conflitante com o ensino tradicional da Igreja, desde o Concílio de Trento até o Concilio Vaticano I, a declaração que Chardin assinou dizia que “toda a raça humana tem sua origem a partir de um protoparente, Adão”, com dificuldade ele assinou, porém com o adendo “com fé somente”.
As Seis Proposições estava perdidas até 2007, quando foram descobertas por jesuítas em Roma que tiveram acesso com autorização do papa Bento XVI, também encontraram uma carta de Teilhard para o Superior Geral da época, Wlodimir Ledochowski, na qual o jesuíta francês explicava o que defendia sobre o pecado original, em português: “Nota sobre alguns possíveis conceitos históricos de pecado original”.
Quando foi revogada em 2017 o “monitum” (uma espécie de correção), o historiador italiano Alberto Melloni, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha escreveu: “Hoje o Pontifício Conselho para a Cultura pede que se revogue o monitum sobre Chardin: pedido justo e fácil. Ao contrário, foi menos fácil revogar uma mentalidade que se iludia de exorcizar com as condenações o risco de ligar e desligar fé e culturas, oferecendo o dom da esperança.”
Sem entrar no mérito das proposições de Chardin, há uma referência do Papa Bento XVI, por ocasião da festa da Santíssima Trindade, a conceitos de Chardin: “Em tudo o que existe, encontra-se impresso, em certo sentido, o “nome” da Santíssima Trindade, pois todo o ser, até as últimas partículas, é ser em relação e deste modo transluz-se, em última instância, o Amor Criador” e mais a frente diz que “o ser humano tem no próprio ‘genoma’; um profundo selo da Trindade, do Deus-Amor”
O meio divino e a missa sobre o mundo
Completaram 100 anos da Missa sobre o Mundo de Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955), era filósofo, paleontólogo, padre jesuíta e místico francês, entre suas obras de destaque estão “O lugar do homem na natureza”, “O meio divino” e dias comemorou-se 100 anos da Missa do Mundo.
No mundo científico depois de formar-se em Paleontologia, no Museu de História Natural de Paris, deu-se pela tese de doutorado: “Os mamíferos do eoceno inferior francês e seus sítios”, foi professor de geologia no Instituto Católico de Paris em 1920 no período do doutorado feito na Sorbonne.
Para Chardin depois de surgir a vida no período da cosmogenesis e geogenesis (formação do universo), forma-se a biosfera curso período avançado aparece o homem dando origem a homogenesis e nela o desenvolvimento do pensamento humano em meio ao divino: a noosfera (gráfico).
Numa ocasião que estava no deserto de Ordos, na Mongólia, e não tinha nem pão nem vinho, disse que sem poder celebrar a missa, em vez disso compôs a Missa Sobre o Mundo, um relato místico em certos trechos, mas não distante da doutrina cristão, onde remete ao “Ponto Òmega” e ao “Cristo Cósmico”, aspectos essenciais de seu pensamento.
Há trechos da Laudato Si que lembra esta “missa”: “No apogeu do mistério da Encarnação, o Senhor quer chegar ao nosso íntimo através de um pedaço de matéria. Não o faz de cima, mas de dentro, para podermos encontrá-Lo a Ele no nosso próprio mundo. Na Eucaristia, já está realizada a plenitude, sendo o centro vital do universo, centro transbordante de amor e de vida sem fim. Unido ao Filho encarnado, presente na Eucaristia, todo o cosmos dá graças a Deus. Com efeito a Eucaristia é, por si mesma, um ato de amor cósmico’ (Laudato Si’, 236)