A ausência de Areté
As virtudes e formação educacionais gregas, através da paideia referia-se a formação total do homem grego, assim a Areté era este cume (traduzido como ideal, porém o ideal moderno refere- se mais ao dualismo subjetivo x objetivo do que ao Eidos grego, que está mais ligada a ter visão, dar-se-a-ver a realidade).
Assim estão visão total (para a época, mas menos segmentada que hoje), indicava um homem cidadão da polis com atributos virtuais (este é o verdadeiro sentido, vindo de virtus), que o colocavam em conjunto harmônico com as cidades-estados e seus estatutos.
Tanto na cultura, como principalmente na política de hoje, estes atributos estão pouco em falta, trata-se mais de construir uma narrativa que justifique todo poder brutal sobre o cidadão, assim as leis são feitas de modo a proteger a oligarquia no poder, é verdade também que na época dos gregos os que eram cidadãos eram limitados aos homens livres (haviam escravos) apenas.
O agravamento da bipolarização, onde não é possível a convivência tem uma vertente perigosa para os autoritarismos exclusivistas onde uma parte da sociedade deve ser segregada.
A areté está em falta, assim é impossível pensar em estadistas, líderes que pensem no conjunto da sociedade, porque sua cultura e conceitos estão fundamentados naquela parte que pertecem e arrogam em dizer que seu modelo é universal justificando assim sua barbárie.
Já na leitura dos históricos livros “Ilíada” e “Odisséia” registramos este ideal de areté como força, destreza e heroísmo dos guerreiros, qualidades que eram incomuns aos homens daquele tempo, assim é fato que na origem serviam também ao propósito da guerra.
Porem uma areté moderna que nos levasse a honestidade, ao espirito de diálogo, não a hipocrisia de falar apenas com os que nos convém, poderia nos levar a um novo eidos civilizatório.
Uma cultura que não ignore a história e o que há de bom e de lição através dela, uma visão da polis que ultrapasse o egoísmo partidário e o jogo de interesses, uma política que pudesse “ver”.
A cegueira mundana leva mais e mais o processo civilizatório ao colapso, a barbárie e ao ódio.
Somente uma areté moderna que leve os homens a uma cultura de paz, reverterá o processo civilizatório ao bem comum.
A guerra e o pão nosso
Como uma das maiores produtoras de grãos, a Ucrânia em guerra certamente afetaria o mercado, e demorou mas aconteceu, a bolsa de Chicago registrou na última semana um avanço no preço do trigo, e logo chegará ao mercado e no nosso pão de cada dia.
Um produto em alta pode arrastar outros produtos (como é o caso do milho, por exemplo), os países mais avançados pareciam já saber disto e tomaram medidas preventivas: China, Rússia e EUA já vem reforçando estoque e tomando medida de proteção, no nosso caso confiamos na agroindústria, mas não podemos esquecer que somos parte de um comércio global.
E se a guerra terminasse, traçamos um quadro na semana passada da contraofensiva ucraniana e da expectativa russa, que espera nova ofensiva no Norte, como foi na retomada de Kharkiv no ano passado, porém agora parece que o cenário será diferente.
A guerra cresceu em tecnologia, a Rússia tem bloqueado com frequência foguetes móveis fabricados nos EUA na Ucrânia (segundo a CNN), enquanto a Ucrânia interceptou o sofisticado míssil hipersônico russo (segundo o G1).
tem bloqueado os sistemas de foguetes móveis fabricados nos EUA na Ucrânia com mais frequência nos últimos meses,
No Norte onde estão as novas repúblicas de Donesk, sendo conta o analista Niklas Masuhr do Center for Security Studies da Escola Politécnica Federal de Zurique, a Rússia ergueu trincheiras na região, para evitar as ações ucranianas que são sempre improváveis e trocam com facilidade de lugares pois conhecem o terreno (site uol).
Porém os ataques podem acontecer ao sul, apesar de serem pequenos vilarejos em volta de Odessa, como Lazurne (3.800 habitantes), Zalisniy Port (1.500 habitantes) e Krasne (1.300) cidades praieiras e a estratégia Zaporizhzhya.
A tática ucraniana tem sido sempre a de surpreender o exército russo e mudar de estratégia onde encontra menos resistência, boa parte do exército russo foi retirado da Criméia que é próxima a esta região via Mar Negro, o comércio de grãos já olha este cenário.
A semana que se inicia dirá qual a estratégia e tática de cada lado, infelizmente a guerra prossegue e o prejuízo a toda humanidade começará a chegar a mesa de todos, e dos mais pobres em especial.
Entender, ver e crer
Não podendo ter uma categoria para-si que contemple o Todo, além do universo e seus mistérios, o Ser que antecede a tudo e a todos, a categoria de Hegel para-si volta a ser a que Sartre vê com a volta ao ser-em-si puramente humano e encontra o nada, ao invés de tudo.
Sim é mistério, como o próprio universo se revela, mesmo penetrando no mais profundo do nosso Ser só encontraremos tanto o próprio ser-em-si revelado como designo (no sentido de designer divino) se encontrarmos verdadeiramente o para-si, e neste caso como há um infinito mistério é preciso crer.
Mas não é um crer cego, ou puro fanatismo, nem mesmo um ato de altruísmo elevado, deve ser um encontro com o nosso próprio Ser, ali nos sentamos em uma confortável poltrona e entendemos que nascemos para edificar, crescer e amar, sem estas premissas, o inverso será perigo e quando levado a toda sociedade impera o ódio, a intolerância e ao final: a guerra.
Não é ameaça de um Ser divino que nos criou para a perfeição, é a ameaça daqueles que negam mais do que a necessidade de um Ser e um Saber supremo (Platão chamou de Sumo Bem), que não pode ser realizar senão na plenitude um puro Ser que é Ser-em, Ser-para-Si e ser-de-cima que se volta a humanidade.
Hegel passou perto de um conceito trinitário, mas o idealismo o impediu, já que há nele um dualismo intrínseco, que divide a objetividade (do ser-em-si) da subjetividade (do ser-para-si)
Esta dificuldade era marcante em Tomé que quis ver e tocar as marcas do corpo de Jesus Ressuscitado, também noutra passagem (um pouco esquecida) Felipe pede a Jesus que “mostre o pai”*, ao qual Jesus responde: quem me vê, vê o Pai.
O Jesus histórico não pode ser negado, não é um mito, nem um fato simbólico, ali estava um homem em-si, um Deus-para-si e um homem/Deus-de-si em relação com a humanidade.
*O trecho específico da Bíblia estão em João 14, 8-9: Disse Felipe: “Senhor, mostra-nos o Pai, isso nos basta!” Jesus respondeu: “Há tanto tempo estou convosco, e não me conheces, Felipe? Quem me viu, viu o Pai.”
A questão da consciência do Ser
Graças a novo e surpreendente avanço das máquinas de inteligência profunda (deep learning) a questão da consciência, que já era pensada na filosofia, agora espalha-se por todas áreas do pensamento, e o que tratamos nos posts anteriores tratam disto também.
Agora trata-se de decidir se é possível pensar a consciência apenas como algo lógico e instrumental, então a máquina através de algoritmos profundos e elaborados em diálogo com humanos poderia alcançar este patamar, se algo além, que reformulamos na categoria para-si, então temos que pensar numa consciência do universo e ela não pode ser uma coisa, mas um Ser.
Porque há algo e não o nada é uma questão levantada desde Leibniz, que a resolve através da mônada, e Deus é (seria) a “Mônada das mônadas” (a frase é de Hegel, sic!), depois o universo foi colocando em movimento, depois num espaço-tempo quântico, o Big Bang, e agora o telescópio James Webb capta uma imagem que seria de uma possível origem do universo, com muitas galáxias, algo está errado.
Em artigo publicado na revista Nature em 22 de fevereiro, “A population of red candidate massiva galaxies 600 Myr after Big Bang”(Labbé at all, 2023) (Myr, milhões de anos luz) indica que próximo ao big bang já haveriam galáxias massivas e não as primeiras formações das nebulosas, por exemplo (ver nosso post), então será que já havia um universo em formação deste o início ?
Independente disto permanece a questão: quem o que ou que mistério envio o início de tudo.
Assim como não se pode falar da ética sem a metafísica, ela não é algo substancial e sim espiritual, também não se pode falar da consciência apenas como algo natural, baseada na experiência.
Partindo da fenomenologia husserliana, o seu discípulo Heidegger elaborou a consciência assim: fenomenologia (experiência) da consciência não é um caminho que se encontra ante a consciência natural e que a conduz em direção do absoluto, como um itinerarium mentis in deum (HEIDEGGER, 2007, p. 169), antes é o curso que segue o próprio absoluto no caminho à verdade do seu aparecer completo. (HEIDEGGER, 2007, p. 169)
Mas Heidegger segue como em todo o edifício moderno, tem a questão do saber como pilar da consciência natural, não admite uma consciência revelada transcendente (para-si), sendo assim um saber que ainda não realizou em si toda a verdade (HEIDEGGER, 2007, p. 169).
Assim trata-se de negar a verdade revelada como verdade, embora sua consciência permaneça ligada ao Ser (é ontológica como seu pensamento), não há possibilidade um puro Ser primordial, um Ser-para-si, onisciente e onipotente, então ficamos olhando para a imagem do telescópio.
Há uma para-si transcendente que envolve esta questão, e assim uma consciência que se projeta além até mesmo do início do universo, e que ao mesmo tempo é presente em cada ser-em-si.
HEIDEGGER, Martin. Hegel. Traducción de Dina V. Picotti C. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2007.
Ser imanente e transcendente
Estes conceitos da filosofia são difíceis de entender se não o colocamos no dia a dia, de modo bastante supercial pensemos assim: o que temos interiormente e nos define como seu “eu” é interno e imanente a mim, o que tenho externo e define como o além de mim é “transcendente”, o Outro e ara aqueles que tem alguma crença o Divino.
Claro que não é bem assim estes conceitos, o imanente é aqui que está inseparavelmente presente em um ser ou objeto na natureza, é inseparável dele e não pode o ser não pode ser pensando sem ele, para o kantismo, diz respeito a conceito e preceitos de teor cognitivo.
Já o transcendente, é aquilo que transcende a natureza física do ser e das coisas, corroborando com o imanente do kantismo, esta corrente o define como aquilo que é presente no objeto e fora do sujeito, algo que lhe é externo e só pode ser conhecido pela “transcendência”, veja o aspecto cognitivo novamente presente.
Retomando o post anterior, as categorias em-si, de-si e para-si podem e estão presentes neste tipo de imanência/transcendência com base idealista (Kant e posteriormente Hegel), que afirma “de início, a consciência-de-si é puro para-si”, assim ela é independência absoluta, afirma que sua transcendência em relação a tudo o que é para-Outro, assim o ser fica preso a este binário Sem-em-si e para-si, conforme vai detectar Sartre em sua obra “O ser e o nada”.
Assim não há um alter, não há o Outro puramente fora e além do ser-em-si, este para no sentido do grego pará (como paramédico, parâmetro, etc.) mas um retorno ao em-si, assim a consciência de si está ligada ao ego e não a nenhuma possibilidade cosmológica ou divina.
Afirma Hegel: “A consciência-de-si é em si e para si quando e porque é em si e para si para uma Outra; quer dizer, só é como algo reconhecido. (…)” (HEGEL, 1992, p. 126)
Entretanto é possível definir uma relação entre imanência e transcendência sem dualismos, assim o ser-em-si aquele que se define internamente e com suas propriedades, pode ter uma relação com tudo que está fora, os objetos e o Outro (que é em sentido plural).
Há uma transcendência fora, que está além o conhecimento, que se pode ter através do uso da linguagem, das relações humanas e da intuição contemplativa, é o Ser-para-si que completa e define o ser-em-si (dá a ele uma identidade transcendente), estabelece uma relação de-si com a natureza e com o Outro e encontra na contemplação divina um Ser para-si que é um origem de tudo e além da ex-sistencia (ex – fora, sistencia – forte, eterno), que é essência ara as definições anteriores, pois é puro Ser.
HEGEL, G.W.F. Fenomenologia do Espírito. Petrópolis: Vozes, 1992.
O Ser, o Nada e o Outro
Completam 80 anos, em 2023, a publicação de o Ser e o Nada: ensaio de ontologia fenomenológica (1943) de Jean Paul Sartre (1905-1980), sob forte influencia de O Ser e o Tempo de Martin Heidegger, vai trilhar um caminho diferente de outros existencialistas que veem no Outro um significado especial que Sartre não vê.
Não por acaso dizia “O inferno são os outros!”, Sartre via diante da consciência humana uma “condenação” à liberdade, assim vê na consciência uma definição autocêntrica: “O homem não é nada além do que faz de si mesmo”.
É de tal forma autocentrado que seu romance com Simone de Beauvoir (1908-1986), após o falecimento de Sartre ela escreveu “A Cerimônia do Adeus”, em 1981, e quando morreu foi enterrada no mesmo túmulo de Sartre, no Cemitério de Montparnasse, jamais viveram-na mesma casa, ela que no seu tem o já bradava temas feministas (O segundo sexo, de 1949) e ele na sua concepção autocêntrica.
Eles sempre liam os trabalhos um do outro, e a influencia existencialista é clara em O Ser e o Nada, de Sartre, e A Convidada, de De Beauvoir, porém estudiosos recentes mostram que a escritora tem outras influências além de Sartre, como Hegel e Leibniz.
É importante nas categorias tratadas também por Sartre, analisar o em-si, de-si e para-si de Hegel.
A análise De Beauvoir sobre o Outro, vem desta influência de Hegel, onde a construção social da mulher como uma quintessência de “Outro”, indica que o “O” maiúsculo de Outros indica “todos os outros”, e isto indica tanto as mulheres, como Outro em outras religiões, culturas e etnias.
Em função desta posição distinta sobre o Outro (o seu inferno), e um agnóstico por excelência, Sartre vai dizer que no caso humano (e só no caso humano) a existência precede a essência, assim o homem primeiro existe e depois se define, assim se não há predefinição humana, não há Deus.
Ao menos um Outro sempre esteve presente na sua vida, a companheira e também filósofa Simone de Beauvoir, que não por acaso, não deixou de tratar diretamente o tema.
SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Tradução de aulo Perdigão. 13ª. Edição. Petrópolis: Vozes, 2005.
Contraofensiva da Ucrânia e a paz
Na quarta-feira assada Volodimir Zelenksy da Ucrânia falou com o presidente da China Xi Jinping e algumas negociações para a paz parecem ter avançado.
Em seu twitter Zelensky afirmou: “Acredito que esse telefonema, assim como a indicação do embaixador da Ucrânia na China, dará um ímpeto poderoso ao desenvolvimento de nossas relações bilaterais.”
A narrativa de país pacificador entra em contradição com as declarações controversas de seu embaixador na França, Lu Shaye, também as forças de esquerda no exterior começam a mostrar um posicionamento pró-Putin, como uma motociata feita na Alemanha neste sentido.
Por outro lado, no campo de batalha, a contraofensiva prometida ela Ucrânia começou, diversas posições russas foram atingidas, em territórios conquistados, na Criméia e inclusive algumas vilas russas, a Rússia esperava uma ofensiva na Criméia ou no Donbass onde suas tropas enfrentaram batalhas sangrentas nas últimas semanas, como a de Soledar e Bakhmut (ver no mapa em azul as reconquistar ucranianas em vermelho a invasão russa).
Em setembro do ano passado enquanto a Ucrânia ameaçava ataques ao sul, fazendo a Rússia deslocar forças para lá, acabou atacando ao norte, onde o exército russo teve enormes perdas.
A Rússia retirou a maior arte de seu arsenal militar da Criméia, entretanto uma base de abastecimento de combustível foi atingida nesta nova contraofensiva ucraniana, assim indica que espera ataques ao norte.
O impasse de forças na região do Donbass pode indicar a verdadeira fonte de conflito neste momento, e o lugar onde a Ucrânia pretende concentrar sua contraofensiva, desta vez a Rússia parece esperar porque já deslocou as tropas da Criméia, mesmo tendo a explosão do depósito de combustíveis por drones no final de semana.
O grave desta situação é que adia qualquer possibilidade de paz, os dois lados esperam ter territórios garantidos antes de qualquer rodada de negociação.
Corações que contemplam, amam
Apesar de escrever romances amorosos no sentido sentimental romântico, a primeira olha que folheei de Nicholas Sparks, que faz muito sucesso com o público americano, tendo traduções de seus livros em mais de 50 línguas, o primeiro contato foi por interesse pelo tema.
Trata-se de Corações em Silêncio, de 2016 da editora Asa, conta a história de Taylor McAden, bombeiro voluntário que na vida pessoal apesar de amores intensos, são de pouca duração e não gosta de assumir riscos.
Numa situação inusitada ele precisa ajudar a encontrar um garoto quando o carro de Denise Holton despista, Taylor a salva e dali nasce mais uma rápida relação, porém outra situação terrível ocorre, depois de recuperar os sentidos pergunta por seu filho que tem dificuldade de aprendizagem e estava no carro com ela.
Uma busca se inicia e Taylor se vê diante de uma situação que realmente tem que amar.
Não há como fazer contemplação ou meditação sem silêncio, não só do ambiente como também da alma, de nossos valores e pré-conceitos estabelecidos.
Silêncio, meditação, contemplação muitas vezes são causadas por situações inesperadas mais de dor do que de amor, mas também de amor, nestas situações temos que tomar alguma decisão corajosa diante da vida, dos compromissos e da relação com o Outro.
O silêncio e a descoberta de um valor verdadeiro do amor o levou a uma ação além daquela que poderia justificar a Taylor como seu “trabalho”, ainda que fosse um trabalho voluntário.
A passagem bíblica que pode inspirar esta meditação e contemplação é aquela que os discípulos que iam para o vilarejo de Emaús e “escutam” Jesus, que só depois vão entender que era o mestre e pedem a Ele (Lc 24,29 ): “Fique conosco, pois a noite já vem; o dia já está quase findando”. Então, ele entrou para ficar com eles”.
A noite é simbólica no sentido de momentos escuros e difíceis de nossa vida, que exigem meditação, silêncio para poder escutar “aquela voz” da sabedoria e do bom senso.
SPARKS, Nicholas. The Rescue. New York: Warner, 2000. (versão brasileira Editora Asa, 2016).
Duas utopias em conflito
Não há espaço para a poesia, para o encanto, para a contemplação, a sociedade da eficiência e da performance transforma o pensamento em sentidos sensuais, comerciais e lucrativos, puro viver num egocentrismo ineficiente e vazio, o Ser se esvazia e busca desesperadamente o aroma e o gosto onde não só há um nada para ser plenificado.
Não há espaço até mesmo para o deificado pensamento, frases soltas arrancam suspiros, “a vaca não dá leite” diz um bom filósofo brasileiro, mas o que é o trabalho e dá sentido ao trabalhar para produzir um leite (veja Arendt no post anterior), que é modificado que e chega alterado nas prateleiras, e atualmente muito caro.
Outro pede professores e diz que “ser louco é a única possibilidade de ser sadio nesse mundo doente”, mas que de qual doença fala, se não houveram pessoas sãs e serenas em quem as pessoas simples podem se inspirar, é preciso ser são para poder falar do saudável e do louvável.
Não há ética sem seres éticos, é verdade que as grandes metanarrativas falharam, mas a polarização obriga os novos sofistas a se justificarem nas narrativas vencidas e datadas historicamente, nenhuma delas foi capaz de evitar a guerra, e qual ciência é capaz de evitá-la?
Li uma frase de Morin, e já postei aqui que a ideia de paz exige uma certa utopia, em entrevista no ano 2000 à Rede Cultura (abaixo), ele fala de duas utopias: uma negativa que promete um mundo perfeito, em que todos se reconciliam e há uma perfeita harmonia, esse é impossível (e diria mentiroso) e a outra a positiva é realizar o mundo mais perfeito, não é “O admirável mundo novo” de Aldous Huxley (não por acaso, o chatGTP escolheu com um dos 10 maiores filmes), ela diz algo é impossível porém pode se realizar: um mundo de paz e um mundo sem fome, são realizáveis.
Sem liberdade e fraternidade a utopia humana não se realiza, autoritarismo é utopia negativa.
Tentar reduzir as desigualdades, aumentar a tolerância entre culturas diferentes, respeitar direitos dos povos, raças e gêneros, o que falta afirma Edgar Morin, é aumentar “o estado da consciência e do pensamento que permita a realização”
Sabe que existem forças extremamente negativas que ao ajudar um país que sofre de inanição a ajuda é desviada pela burocracia e pela corrução, ele explica que a fraternidade deve vir dos cidadãos e diria que a vigilância também, se justificamos a corrupção e a burocracia não ajudamos a resolver problemas essenciais a vida humana.
Há soluções utópicas possíveis, conforme afirma Morin que as chama de positivas.
O que é agir diante da contemplação
Foi Hanna Arendt em sua análise da “Condição Humana” (1958 – original) que reagiu a ideia do “nivelamento da vita activa” (Han, 2016, p. 121), o “erro em crer que o primado da contemplação é responsável pela vita activa em trabalho” (idem) é que destruiu e hierarquizou o ser em função da substância.
Arendt define sua “vita activa” em três atividades humanas que não são iguais: trabalho (labor), obra (work) e ação (action) que compreende como fundamentais.
A primeira, aquela que a sociedade industrial consagrou e que tornou o homem aquilo que a autora chama de “homo laborans” é a pura atividade sem reflexão ou meditação, não é o mesmo que o trabalho porque ele é precedido do pensamento, não só o trabalho intelectual no qual o pensar é imanente, mas também tarefas diárias como cuidar da natureza ou cozinhar, por exemplo.
Sem a determinação do agir, o homem fica reduzido ao homo laborans e nisto Arendt tem razão, porém Byung-Chul a corrige: “mas Arendt, erroneamente, entende a contemplação como uma detenção (Stillegegung) de todos os movimentos e atividades, como uma tranquilidade passiva, que faz com que qualquer forma da vita activa se apresente como inquietação” (HAN, 2016, p. 122).
Byung-Chul reivindica Aristóteles que “descreve claramente a vita contemplativa (bios theoretikos) como uma vida ativa”, onde o pensar como Theoria é, com efeito uma energia – que significa literalmente “atividade em obra” ou “estar em obra” (en egô einai)” (idem) e assim a classificação de Arendt faz sentido, apesar do erro.
Assim deixamos para a parte final a importante ligação a ação (action) como parte da vita activa, que não se opõe, mas complementa a vita contemplativa, e põe Tomás de Aquino de acordo com Aristóteles: “os movimentos corpóreos externos opõe-se ao repouso da contemplação, que consiste em ser-se alheio a ocupações exteriores. Mas o movimento que as oeração da inteligência implicam faz arte do próprio repouso” (T. Aquino em Han, 2016, p. 122).
Assim, afirma embora Arendt perceba que a vida moderna se afasta cada vez mais da vita contemplativa, não se trata de abandonar o work nem o action, e sim pausar o tempo, a respiração e permitir espaço a contemplação, ao sabor, ao aroma e ao gosto da vida.
ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 11a. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.
HAN, Byung-Chul. O aroma do tempo. Trad. Miguel Serras Pereira. Lisboa: Relógio d´Água, 2016.