Arquivo para janeiro 6th, 2015
Martha Nussbaum e o bem frágil
No intervalo de tempo em que separa a publicação do livro sobre Platão em 1986 e a tradução para o português de “A república de Platão: a boa sociedade e a deformação do desejo” (Porto Alegre, Bestiário, 2004), aconteceu o reconhecimento público da filósofa contemporânea Martha Nussbaum, em especial, no mundo anglo-saxão.
Martha é uma estudiosa do pensamento da antiguidade clássica e disse em uma entrevista: “Todas as sociedades modernas […] estão alimentando as formas que impulsionam a violência e a desumanização em lugar de alimentas as forças que impulsionam a cultura da igualdade e o respeito“.
Em seu livro a fragilidade do bem (ou da bondade, traduzem alguns), dialoga com a “fortuna moral” (moral luck) introduzida no pensamento anglo-saxão por Bernard Williams e que tem como alvo principal as concepções éticas derivadas de Kant.
Como observa a própria Nussbaum, “a bondade” do título deve ser entendida como “o bem humano” a eudaimonía, e não como “bondade de caráter”, assim trauduzo como bem.
A crítica de Williams à autossuficiência da ética kantiana traz consigo a possibilidade de apontar para um certo dualismo presente nesta concepção onde o dever ser e ser, o ideal e real se traduzem em dois polos: um puramente subjetivo, a intenção do agente ea orientação normativa da vontade e outro, o elemento objetivo, a afetividade do ato e o seu descobrar na realidade.
Martha Nussbaum, ao tomar a categoria da “fortuna moral” altera o foco em relação a Williams, ao invés da consciência reflexiva do sujeito moral, voltando sua atenção, não exclusiva, aos impasses objetivos resultantes da tensão entre a busca da vida moral bem-sucedida e as contingências de sua realização, superando assim o dualismo.
As três questões apresentadas na abertura do livro são: o método aristotélico de abordagens das coisas humanas, criando uma certa fenomenologica ética ( ), como parte inseparável de uma boa vida: o amor, a amizade, a atividade política etc, assim as coisas tidas como valiosas são plurais, e, terceiro as emoções, os desejos, os sentimentos nos vinculam a objetos, por definição, particulares e contingents, expondo-nos à precariedade e à indeterminação constitutiva destes.
Embora filósofa, Martha é prática e quer penetrar na moral cotidiana, e escreve: “motivado por um senso agudo dos problemas causados na vida humana pela fortuna sem controle” (Nussbaum, 2010, p. 80).
Martha discute no capítulo 4 a noção de tuch em relação ao conceito de techn (perícia, arte, ciência) retomando as ideias concebidas nos séculos V e IV a.C. como uma forma de controle sobre a tuch, seria interessante mas não o faz, a relação com o techné , mas vejo alguns problemas na tradução brasileira.
Assim a autora ao propor uma releitura da ética aristotélica ligada ao mundo da tragédia por ser antropocentrica, é levada a assumir a fortuna como condição constitutia da vida, e para ela tem um impacto sobre a condição a compreensão do papel desta racionalidade prática.
Para ela os limites do discurso da filosofia moral são dados pelos limites humanos “sua matéria é o bem humano, ou a boa vida para ser humano”, esse bem exposto à fortuna e ao acaso, é frágil.