RSS
 

Arquivo para abril, 2015

Filosofia, história medieval e um livro

16 abr

Recebi para avaliação o release e a capa do livro que está sendo lançado pela M Books do Brasil, de Anne Rooney: AHistoriaFilosofia A História da Filosofia, a autora é professora em Cambridge no Trinity College, e fez mestrado e doutorado em Literatura Medieval, assunto para poucos, e que quase sempre esbarra em preconceitos e julgamentos, sendo membro de diversos órgãos ingleses como a Royal Literature Society.

Ao contrário do que imagina a vã filosofia, a literatura e filosofia medieval é riquíssima e não é apenas religiosa, pois foi neste período que se refez toda uma releitura da questões de fundação do pensamento ocidental, e em período de crise deste pensamento, leia-se em Edgar Morin a sua policrise e a crise do pensamento, retomar os aspectos da Metafísica, Epistemologia, Lógica, Ética e Estética, devem ser retomados de modo profundo no percurso humano.

Conforme aparece na abertura do livro: fazer perguntas é essencial, e a forma de apresentação “é concisa em explicações e um grande número de exemplos”, com as principais tentativas de respostas colocadas pelos filósofos na nossa história.

Como era de esperar explora aspectos centrais da filosofia tanto na metafísica quanto na ética, e é particularmente interessante sua desenvoltura em Ciências, Artes e Tecnologia, assuntos de grande dificuldade de abordagem na contemporaneidade, nos quais ela já é autora de vários livros.

É uma leitura que pode auxiliar a reflexão sobre questões do pensamento nos dias atuais.

 

Ambivalência e poder: fragmentação do Ser

15 abr

Num caminho contrário ao Outro de Martin Buber, Emmanuel Lévinas e Paul Ricoeur, o filósofo da liquidez Zygmunt BaumanAmbivalencia articula o conceito de Outro com direto a estranheza, assim proferido: “O direito do Outro à sua estranheza (strangerhood) é a única maneira pela qual o meu próprio direito pode expressar-se, estabelecer-se e defender-se” (Bauman, Modernidade e Ambivalência, p. 236).

Para Bauman a ambivalência no plano intelectual teria nascido de uma redifinição da ordem social por uma “sociabilidade densa” pré-moderna, com vista a instauração de uma ordem racional secularizada: “… a época moderna definia-se a si própria, antes de mais, como o reino da Razão e da racionalidade, consequentemente, todas as outras formas de vida eram tidas como destituídas das duas” ( Legisladores e interpretes. Modernidade, pós-modernidade e intelectuais, p. 111), artifício engenhoso mas mentiroso, Foucault tem outra tese:

“O século XVIII foi o século da disciplinarização dos saberes, isto é, da organização interna de cada saber como uma disciplina, tendo, no seu próprio campo e simultaneamente, critérios de seleção que permitem afastar o falso saber, o não-saber, formas de normalização e de hemogeneização dos conteúdos, formas de hierarquização e, por fim, uma organização interna de centralização desses saberes em tornode uma espécie de axiomatização do fato” (Foucault, Il fault défendre a la Societé. Cours au Collége de France, p. 161-162).

O indivíduo de Bauman, moderno por excelência, está entregue à vigilância panoptica, um corpo sitiado, que dentro de uma sociedade perfeita necessitaria de sistemas de exclusão que paradoxalmente fariam uma “des-ambivalência” para tornar a convivência social possível.

Bauman usou o judeu como um exemplo extremo de ambivalência, assim o estranho por excelência seria o louco, sobre o qual recairiam todos os sistema de exclusão (Bauman usa as categorias fábrica de exclusão e imobilidade, quando fala de mundialização).

Criticando a plena forma, que também seria algo ambíguo, ele cria a ideia de um corpo em estado de sítio: “A envergadura da tarefa, agravada a seguir pela sua ambivalência intrínseca, alimenta uma mentalidade sitiada: eis o corpo, e em particular a sua plena forma, ameaçado por todos os lados” (Bauman, A vida fragmentada, p. 127).

Ora a própria especialização dos saberes tornou a vida fragmentada e não o indivíduo que é vitima disto, mas há hoje diversos saberes integradores, ver Edgar Morin e sua complexidade.

Bauman resolveu de modo confuso reabilitar as novas filosofias da história universal, para isto concedeu aos intelectuais o papel de interprete deste contexto de pluralismo, nada mais idealista, elitista e impróprio da pós-modernidade que reivindica os direitos do homem comum, do homo sacer, da “multidão” e da democracia de fato (Odio a Democracia de Ranciére).

Pretender neste fim de século alguma espécie de “conversão civilizada”, estabelecendo “A função política do intelectual” não mais em termos de “ciência/ideologia”, mas em termos de uma nova “verdade/poder”, qual verdade e qual poder ? talvez algum guru definirá.

 

Morre Eduardo Galeano: político e poeta

14 abr

eduardo_galeanoLi na minha juventude “As veias abertas da América Latina” e não leria de novo, aliás nem tenho mais o livro, outros guardei, fiquei feliz em saber que o próprio autor não leria.

Também Eduardo Galeano superou o maniqueísmo político, afirmou no final da vida “Em todo o mundo, experiências de partidos políticos de esquerda no poder às vezes deram certo, às vezes não, mas muitas vezes foram demolidas como castigo por estarem certas, o que deu margem a golpes de Estado, ditaduras militares e períodos prolongados de terror, com sacrifícios e crimes horrorosos cometidos em nome da paz social e do progresso”, muita gente quer o fim da corrupção no entanto, falta de liberdade não é bom para ninguém, nenhuma ditadura prosperou, isto é insanidade e de certa forma irresponsabilidade.

Eduardo Galeano afirmou também: “em alguns períodos, é a esquerda que comete erros gravíssimos”, o poeta português Manuel Alegre, socialista afirmou coisas parecidas:  “a esquerda está coxa porque não dialoga” na eleição em Portugal em 2010, e depois “A esquerda tem que fazer uma autocrítica sobre o que está acontecer na Europa”, já no Brasil seguimos a conversa do faz de conta, ninguém tem coragem de dizer a verdade.

Em 2009, durante a 5ª Cúpula das Américas, o ex-presidente da Venezuela Hugo Chávez deu uma cópia do livro de presente ao presidente dos Estados Unidos Barack Obama, e sobre o episódio, perguntado por um jornalista Galeano respondeu que nem Obama nem Chaves entenderam o livro: “Ele (Chávez) entregou a Obama com a melhor intenção do mundo, mas deu de presente a Obama um livro em uma língua que ele não conhece. Então, foi um gesto generoso, mas um pouco cruel”, falta generosidade, inteligência e política com P maiúsculo de Polis e de Poeta, vive poraí o Zoé aristotélico.

Domingo meu Corinthians joga contra o Palmeiras, se perder espero que ao menos jogue um bom futebol, se o Palmeiras jogar bem vai merecer ganhar, e isto não é Política, mas tem que gente que torce para os partidos assim.

 

A web obscura: a deep web

13 abr

A humanidade possui uma lado obscuro e também a informação pode ser usada por este lado obscuro do ser humano, SeuComputadora imprensa marron é uma destas possibilidades, jornais, revistas e até canais de TV lançam no ar programas sensacionalista, com fatos sangrentos, casos de crimes que chocaram cidades, regiões e até países e o globo todo, pelo fato que isto garante audiência fácil e alimentam um lado mórbido de muitas pessoas.

A Web não fica de fora, e através do anonimato é possível acessar dados e sites que não são facilmente acessíveis para obter informações produtos, livros e até mesmo relações que são consideradas ilegais e que neste universo sombrio são veiculadas.

Existem lojas, sites e informações sobre produtos ilegais como drogas, na Deep Web se vendem livros de “imortalidade”, contam ilegais de canais de filmes ou de músicas, loterias que você aposta em Bitcoin (moeda da internet) sem pagar qualquer imposto e muitas outras coisas estranhas, como fazer qualquer objeto que pedir em uma impressora 3D e receberá em sua casa por determinado valor.

Há imensos benefícios que a internet e a Web trouxeram, o maior deles é o acesso a informações que deveriam ser públicas, como as contas e contratos de todos os serviços públicos, em especial, quando envolvem a contratação de terceiros, o controle mundial disto poderia diminuir enormemente a corrupção em todo o planeta.

Os jornalistas investigativos, que visa a colaboração entre jornalistas para informações sobre esquemas de corrupção e de mal uso de contas públicas é um bom exemplo disto, também pessoas como Edward Snowden, que apesar de ter trabalhado em questões sigilosas dos governos resolvem por um ato legítimo denunciar ações ilegais que os estados cometem, são um exemplo contrário a “deep Web”.

Há um lado obscuro em toda a humanidade, a internet e a Web não são exceção.

 

Entre as técnicas e o humanismo

10 abr

Seria a técnica uma espécie de condição humana ou estaria ela separada do homem ? Heidegger e Sloterdijk abraçaram estaParqueHumano questão pirmeiro entendendo que a modernidade já cumpriu uma de suas promessas, abrindo novas possibilidades do estar-no-mundo (uma das traduções possíveis do dasein),mas passados milhares de anos o homem conseguiu uma promessa: distinguir-se radicalmente deste mundo, não como um sujeito autônomo e longe de suas circunstâncias mundanas, mas como ser junto a outros seres, animados ou só coisas.

O homem também conquistou aquilo que sonhavam os realistas não mais como tendo uma interioridade elevada que pudesse servir como abrigo, fugidio deste mundo, onde ele poderia eventualmente escolher aquilo que desejasse ser, ultrapassando o ser animal, o zoé.

Mas se Heidegger parou nas suas reflexões sobre a modernidade técnica, uma das diversas liquidez de Bauman, que lançaria o homem a beira do abismo aberto pelo desocultamento técnico desenfreado, Sloterdijk tenta alcançar o outro lado, sem medo de ver a técnica como feita para “melhorar o homem” de suas condições imunológicas.

Assim surge o seu antropotécnico, ou ainda o complemento deste que seria o onto-antropotécnico, não de seres ciborgues e do técnico avançando sobre a privacidade e o olho-no-olho de humanos, utilizando para isto um conceito de “espuma” ., o que quer dizer que a “sociedade” não pode mais ser entendida “de fora”, seguindo assim uma conceituação hierárquica e geral, mas vista “de dentro” como um conjunto de subculturas, comunidades e redes, formando um conjunto de unidades isoladas, mas conectadas midiaticamente, o que significa técnica desde sempre.

E se ela precisa ser interpretada “de dentro” como conjunto de subculturas, comunidades e redes, um conjunto de unidades isoladas, elas já não podem ser pensadas fora do que é a técnica desde o início, envolta de humanidade e “de dentro” da questão atual, numa linguagem menos filosófica próxima dos jovens: não há um mundo B.

É pela noção heideggeriana de linguagem como casa do ser que o homem pode passar a existir por ser a linguagem (a fala, em Ser e tempo) guardadora da verdade do ser. O processo de cuidado do homem com sua formação (Bildung) na saída em direção à clareira gera, em Sloterdijk, uma antropotécnica, a qual constitui uma onto-antropologia, ou se preferirmos, uma antropotécnica, no sentido antrópico.

O jovem filósofo argentino Fabian Ludueña, aproxima a visão antropotécnica da biopolítica e também da condição humana de Hannah Arendt, define ele: “técnicas mediante as quais as comunidades da espécie humana e os indivíduos que a compõem atuam sobre sua própria natureza com o fim de guiar, expandir, modificar ou domesticar seu substrato biológico com vistas à produção daquilo que, primeiro, a filosofia e logo as ciências biológicas e humanas costumam denominar ‘homem’ ”.

Ludueña, Fabian.  O (des)governo biopolítico da vida humana, XI Simpósio Internacional IHU, 2010.

Sloterdijk, P. Regras para o parque humano: uma resposta à carta de Heidegger sobre o humanismo. São Paulo: Estação Liberdade, 2000.

 

O homem comum, política e as redes sociais

09 abr

Foi Platão e depois Aristóteles que pensaram a política grega, para o segundo a vida pura e simples de um ser viventeHomoSacer era um zoé (aquele que vive a mera existência biológica, uma vida nua), porém pelo fato do homem possuir a linguagem ele terá uma vida social, ele passa de zoé a politikón zôon (animal político), e isto construirá aos poucos a proposta da democracia, a participação do cidadão (o habitante da cidade-estado grega) de modo ativo na vida ativa em sociedade.

Giorgio Agamben em sua Cidade Nua, afirma que a teoria biopolítica de Foucault converge com aquela desenvida em Hannah Arendt em “A condição Humana”, na qual vê que na modernidade, o homo laborens passa a ocupar um lugar nas relações sociais de forma que ocupe o vértice das relações de poder, abandonando com isto o espaço público, assim ambos desenvolvem uma visão convergente sobre as relações políticas na modernidade.

O homo sacer foi utilizado por Hanna Arendt, Foucault, Agamben, Bauman e recentemente por Slavov Sizek, que explica o termo usando uma imagem do período da guerra do Afeganistão, onde após um avião ter bombardeado um território, outro avião passa distribuindo alimentos.

No Brasil é a figura do “homem cordial”, a visão de um político preocupado com as condições das populações de baixa renda, mas que insiste na ideia que este povo jamais terá cultura suficiente para se tornar independente e se puder romper com o domínio existencial que tem do assistencialismo paternal.

As redes sociais são uma forma nova de superação deste anonimato político, ainda que de maneira difusa, até mesmo um pouco agressiva, é o único espaço onde pessoas desconhecidas podem expressar o que sentem, mostrar sua identidade e sair da cidade nua.

 

Vidas ignoradas e abandonadas

08 abr

A ideia que existem vidas desperdiçadas, presente em muitos discursos da Modernidade Tardia que querem ser pós-modernos,Brasiliana escondem a ideia que houve um tempo em que houve uma “boa sociedade” que disponibilizaria emprego para todos, e não haveria uma fila de espera de desempregados, afirma Bauman um destes autores, textualmente: “Os desempregados da sociedade de produtores (incluindo aqueles temporariamente afastados da linha de produção) podem ter sido desgraçados e miseráveis, mas seu lugar na sociedade era seguro e questionável” (p. 22).

Custo a acreditar que o autor da liquidez tenha tantos leitores e seguidores, diz ele que este “refugo” ou “dejetos humanos” sejam tratados como condição humana e não como uma falta de humanidade de setores bem determinados da sociedade.

Depois aquilo que ele caracteriza como “medo do outro” ou “O medo cósmico é também o horror do desconhecido, o terror da incerteza” (pag. 61) são leituras negativas de um momento justamente que ocorre esta inversão, o Outro e o Infinito do filósofo Lévinas são uma das várias referencias desta mesma questão, mas com uma leitura positiva.

O que assusta muitas consciências líquidas da modernidade tardia, é que a multidão de pessoas emponderadas (empowerment) que compartilham e constroem conteúdos e não só os doutos senhores que apesar de toda erudição não conseguem mergulhar nos reais problemas da pós-modernidade, e entre eles, as pessoas simples da multidão, e as pessoas abandonadas pela sociedade, condenadas a um futuro incerto como os jovens e a uma dignidade abandonada, no caso dos velhos.

É cada vez mais comum, em especial em países em crise, que aposentadorias sejam retardadas ou depreciadas em seus valores, excluindo uma parcela significativa da sociedade.

Sob um discurso assistencialista e piedoso se escondem muitas vezes o desprezo pelas pessoas de funções humildes: garis, faxineiras, porteiros e demais funcionários serviçais.

O último capítulo do livro de Bauman é intitulado “A cultura do lixo”, diz que a eternidade e o eterno retorno novamente numa leitura negativa são culpados: “Na infinitude tudo é reciclado sem parar, como na ideia hindu do eterno retorno e encarnação” (p. 118),  e mais ainda faz uma leitura enganosa do final da idade média: “Se a vida pré-moderna era uma recitação diária da duração infinitiva de todas as coisas, com exceção da existência mortal, a vida líquido-moderna é uma recitação diária da transitoriedade universal” (p. 120).

Sem alternativas concretas a não ser sua saudade da modernidade, o autor convida a uma “cultura da eternidade”, o seu negativismo chega ao limite ao afirmar: “vivemos na era do desengajamento, da desconfiança, do esquecimento” (p. 135) nada menos eterno.

Imitando um dito do Facebook, não basta ser doutor e não cumprimentar seu porteiro, acrescento: pergunte seu nome e se interesse por sua vida, estabeleça com ele uma verdadeira relação.

BAUMAN, Z. Vidas desperdiçadas, São Paulo: Zahar, 2005.

 

Outra visão da formação do Estado Brasileiro

07 abr

Caio Prado Júnior, escreveu em 1942  Formação do Brasil Contemporâneo  que é um livro em torno dosFormaçãoEstadoBrasileiro três séculos do Brasil colônia, para ele o país foi estruturado como país colônia “para fornecer tabaco, açúcar, alguns outros gêneros; mais tarde, ouros e diamantes; depois, algodão, e em seguida café, para o comércio europeu”, revelando apenas a face econômica.

Em sua obra o balanço do país é negativo nesta etapa de colônia, afirma que: “exploração extensiva e simplesmente especuladora, instável no tempo e no espaço, dos recursos naturais do país”, fez o país permanecer atrasado e com bases fundiárias muito fortes.

Em sua “redescoberta do Brasil” seria uma maneira mais radical do que a de Gilberto Freyre e a de Sérgio Buarque de Holanda, pois numa visão maniqueísta estaria ao lado do “Bem” junto a Sergio Buarque de Holanda enquanto Gilberto Freyre representaria o “Mal”, numa análise comparativa feita por muitos historiadores paulistas.

Caio Prado vai sempre se perguntar pelo “sentido da história brasileira”, entendendo como “sentido” a história de um povo analisada num processo de longa duração observando-se os elementos essenciais, os que direcionam os acontecimentos gerais, entre os existentes.

O seu legado político é mais amplo do que sua obra, segundo diversos historiadores, os quais ressaltam que o autor é muitas vezes criticado por ser economicista e censurado por não utilizar fontes primárias.

Penso que nenhuma das obras devem ser suprimidas para uma análise mais ampla das origens do estado brasileiro, e junto com Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro completam autores que fazem uma leitura ampla das origens do pensamento brasileiro.

 

Estamento, corrupção e política

06 abr

A estrutura de classes, em países onde houve um capitalismo fértil e duradouro, quase sempre com todasPatrimonialismo as contradições que lhes são inerentes: exploração, consumo, variações de preços e crises cíclicas, acabaram por desenvolver estruturas onde o estado intervém como mediador de conflitos e permite certas regalias em tempos de expansão econômica, mas onde a corrupção não é tolerada.

As estruturas herdadas em países saxões nas Américas diferem profundamente da estrutura de colonizações ibéricas que envolvem toda a América Latina, Max Weber analisou isto, explicando que esta se constitui numa teia de relacionamentos em determinado poder que influi em algum campo determinado de atividade, isto não é novo e tem origens históricas.

Nas palavras de Raimundo Faoro: “O estamento burocrático comanda o ramo civil e militar da administração e, dessa base, com aparelhamento próprio, invade e dirige a esfera econômica, política e financeira. No campo econômico, as medidas postas em prática, que ultrapassam a regulamentação formal da ideologia liberal, alcançam desde as prescrições financeiras e monetárias até a gestão direta das empresas, passando pelo regime das concessões estatais e das ordenações sobre o trabalho. Atuar diretamente ou mediante incentivos serão técnicas desenvolvidas dentro de um só escopo. Nas suas relações com a sociedade, o estamento diretor provê acerca das oportunidades de ascensão política, ora dispensando prestígio, ora reprimindo transtornos sediciosos, que buscam romper o esquema de controle”, na obra de Raymundo Faoro “Os donos do poder” (2ª. Edição é de 1973, editora Globo), que explica muito a realidade brasileira.

A concepção de Estado patrimonialista, é aquela em que a propriedade individual é concebida pelo estado, chamada por Faoro de “sobrepropriedade” da coroa aos seus súditos e também o Estado sendo redigido por um soberano e seus funcionários.

Estes setores, predominantemente de classe média que vão ocupar altos cargos em estatais, concessões, bancos (em vias de privatizações) quase sempre ligados ao poder político, acabam constituindo uma rede de favores que por fim orienta o poder político.

O fato novo no Brasil, junto com a classe C cuja sustentabilidade é duvidosa, pois parte dela é financiada por cartões de créditos, também empresas e setores estatais tiveram um inchaço devido a um grande plano de obras públicas, mas com poder de fogo limitado, e agora já em cortes cada vez mais profundos para reduzir o déficit público.

Se é verdade que a corrupção está nos estamentos, funcionários e servidores públicos, e de  empresas estatais, também é verdade que há uma conexão bastante forte com setores políticos e sem a eliminação deste poder não adianta estabelecer regras, os corruptos são justamente aquelas pessoas que não querem cumprir as regras, ou relativizam estas.

 

Raízes do Brasil: o homem cordial e o patrimonialismo

05 abr

Quando foi escrito na década de 30, Raízes do Brasil, se inseria  no contexto de questões que mobilizaram a RaizesDoBrasilintelectualidade dos anos 30, e tinha como objetivo entender a “cultura” brasileira, e com a nascente urbanização que criava um “desequilíbrio social, cujos efeitos permanecem vivos ainda hoje” (Holanda, 1930, p. 175) e criou que no século XXI ainda.

Sérgio Buarque de Holanda desenvolve dois conceitos novos o patrimonialismo tomado de Max Weber, caracterizado para elucidar o problema sociológico a partir do que chama de “homem cordial”, expressão tomada de Rui Ribeiro Couto,  um diplomata, poeta, contista, romancista, magistrado e jornalista, nascido em Santos, em 1898.

Ao contrário do que pensa parte da historiografia brasileira, Holanda desmascara a apenas aparente sociabilidade, ele mostra que esta mentalidade “cordial” impõe ao indivíduo mas não exerce um efeito positivo a ideia de uma estruturação a ordem coletiva, e também de um saber aparente que encobre a falta de capacidade quando aplicada ao objetivo exterior.

Tal é a formação dos bacharéis no Brasil, poderíamos dizer não raramente relacionados a formas grotestas de exibicionismo, improvisação e falta de aplicação de discursos vazios, mas cheios de pompa, pode-se dizer de certa forma tendo origem no positivismo brasileiro, tão claramente expresso na Bandeira nacional “ordem e progresso”, vindas das reformas pombalinas portuguesas, com a ideia de expulsar os jesuítas, mas introduzindo o positivismo.

O patrimonialismo de Buarque de Holanda, é tão atual quanto a discussão do público e privado, esclarece ele: “ eles se caracterizam justamente pelo que separa o funcionário ‘patrimonial’, a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a interesses objetivos, como sucede no verdadeiro Estado burocrático … “ (pag. 175).

Como se escreve para os dias de hoje, ele afirma; “ao longo da história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente propício nos círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal” (pags. 175-176).

Desta relação mentirosa de puro interesse decorre o “homem cordial”, pois “a vida em sociedade é, de certo modo, uma verdadeira libertação do pavor que ele sente em viver consigo mesmo, em apoiar-se sobre si próprio em todas as circunstâncias da existência” (pag. 177) e não se trata de individualismo ou falta de sociabilidade, mas de sociabilidade falsa.

Justamente esta ausência de uma verdadeira sociabilidade fará o brasileiro vestir, isto está também em Casa Grande e Senzala de Gilberto Freyre, “a manifestação normal do respeito em outros povos tem aqui sua réplica, em rega geral, ao desejo de estabelecer intimidade” (p. 177), mas uma verdadeira sociabilidade e respeito mútuo externo são sempre difíceis.

Há quem faça a análise deste ‘homem cordial’ do patrimonialismo, do falso intimismo e do falso coletivismo como algo superado, olhe a realidade brasileira e verá que está aí.