Arquivo para março, 2017
Desglobalização e a análise da conjuntura
O termo não é novo não, “desglobalização” derivou de mudanças muito profundas, apesar de pouco analisadas, nos países desenvolvidos onde o comércio como parte da atividade econômica e entre os períodos de 1914 a 1970, o declínio que tornava estas economias menos integradas com o resto do mundo, aprofundou a globalização econômica.
Assim o processo atual apesar de globalização econômica ter-se tornado confuso, com uma aparente volta à “riqueza das nações” (referencia ao período de Adam Smith), o que está escondido é que ruptura clara para a globalização com a Grande Recessão de 2009, conforme declara o KOF Swiss Economic Institute: “A explosão da bolha ponto com e os eventos de 11 de setembro de 2001 simplesmente retardaram o ritmo da globalização, mas a última crise econômica e financeira criou um severo retrocesso para o processo de globalização.”
O mesmo instituto, em 2013 sugeriu em outro relatório: “”O maior movimento ascendente como uma região ocorreu na Ásia Meridional. A América Latina e a África Subsaariana registraram uma diminuição muito pequena na sua média regional: os países de rendimento elevado e, em particular, os países da OCDE, continuam a sua tendência de estagnação que começou mesmo antes da crise atual.”
Não se trata de uma anális eúnica ou fatalista, apenas explica o porque que pessoas mais conservadoras passam a encontrar eco num discurso mais conservador, as razões são econômicas e não tanto “culturais” ou “políticas”, o “emprego” e o “dinheiro” estão sumindo do bolso de países “desenvolvidos”.
Por isto torna-se necessário pensar numa cultura de desenovlvimento e solidariedade planetária como ponto de saída, mas sem “esquecer” os problemas locais.
KOF. «Press release March 1, 2013» (PDF)
E agora estado forte com governos conservadores ?
A discussão foi feita sem referência história, e sem consciência pois a história não se repete, mas é bom olhar os trabalhos sobre a renascença e as dificuldades de se estabelecerem governos “fortes” e “centralizados” procurando dar estabilidade política, escreveu Norbert Elias um estudioso de Maquiavel, que é do período da renascença:
“A sociedade estava em “transição”. O mesmo acontecia com as maneiras. Até mesmo no tom, na maneira de ver, sentimos que, a despeito de todo seu apego à Idade Média, alguma coisa nova estava a caminho. A “simplicidade” como a experimentamos, a oposição simples entre “bom” e “mau” e entre “compassivo” e “cruel” haviam se perdido. As pessoas encarnavam as coisas com mais diferenciação, isto é, com um controle mais forte de suas emoções (ELIAS, 1994, p. 83-84).
No final da Idade Média (por volta do século XV), as mudanças de ordem econômica começam a surgir, as estruturais: revolução industrial, liberalismo e republicanismo, etc. ainda estavam em gestação, mas a base econômica já começa a dar sinais de mudança.
A economia monetária, atrelada ao reaparecimento do dinheiro, que quase desapareceu durante o período de forte do feudalismo (Alta Idade Média), e o mercantilismo, época das grandes navegações e novos comércios, mudavam os ventos dessa época.
É nesse contexto que o Estado Feudal dá lugar às monarquias centralizadas, e o chamado Soberano por Hobbes ou O príncipe, por Maquiavel, vão fazer que as transformações na ideia de estado se fortalecem ao longo da Idade Moderna.
Tratar de tal assunto, sem uma análise ainda breve do modelo de Estado Feudal, o qual sofreu profundas transformações no período denominado Baixa Idade Média (séculos XI a XV), é neste contexto que apocalípticos que defendem o Estado Moderno atual, desconhecem o processo de mudança que estamos e defendem o Estado fortalecendo governo “fortes”.
Não contavam com a subida ao poder, ao menos seu anúncio em países tradicionalmente abertos como a Holanda, a França e até mesmo a Alemanha, além dos já “consolidados” os governos Trump e Putin, em duas nações muito fortalecidas.
Se isto era válido no tempo das “Riquezas das nações”, tempo de Adam Smith, hoje é uma defesa ultrapassada e a-histórica esta defesa de estados fortes e não colabora com uma visão de um mundo mais tolerante, fraterno e que respeite as diferenças culturais.
Escreveu Adam Smith nesta época, o próprio Marx o estudou: “Nesses tempos conturbados, todo grande proprietário era uma espécie de príncipe em ponto pequeno. Os seus arrendatários eram seus súditos. Ele era o Juiz e, em chefe, em tempos de guerra. Fazia guerra ao seu bel-prazer, e, frequentemente, contra seus vizinhos, e, às vezes, contra o seu soberano.” (SMITH, 1999, p. 660).
Hoje não faz sentido, mas os baumanianos e outros defensores do “sólido” ficam de boca aberta ao ver governo “fortes” nacionais virem à tona, era o que defendiam ? Aposto que não, mas governo “forte” é governo autoritário, ao contrário do que o mundo pede, ao menos uma parte consciente da sociedade.
SMITH, ADAM. TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS. Martins Fontes, 1999.
ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador, 2 vols. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994
A natureza da natureza
Já tivemos ocasião de falar do método de Edgar Morin, em sua essência a complexidade, mas queremos penetrar no âmago daquilo que seu pensamento confronta com a modernidade: o que chamamos de natureza.
Já chamamos de natureza o domínio do homem sobre ela, o antropocentrismo julga que é o próximo homem a natureza, embora parte dela, a questão é o que é a natureza.
No Método I: a natureza da natureza, Morin afirma: “A inclusão do antagonismo no fulcro da unidade complexa é, sem dúvida, o mais grave atentado contra o paradigma de simplicidade, o apelo mais evidente para a elaboração dum princípio e dum método da complexidade” (Morin, 1997, pag. 140).
O problema da unidade é que o antagonismo não pode ser eliminado, por isso a simplicidade é burra, conforme desenvolve Morin: “não há organização que não determine, pelo menos a título virtual, antagonismos internos; as organizações mais complexas comportam jogos antagônicos mesmo no seu princípio e na sua atividade” (idem, pag. 140).
Começa como também o faz a fenomenologia, ao afirmar que as coisas são unicamente coisas, o que afirma entretanto é: “é doravante impossível encerrar a riqueza dos sistemas em noções simples e fechadas”, contradizendo o simplismo e o reducionismo da modernidade.
A complexidade o afirma (em itálico no original): “surge portanto no seio do uno ao mesmo tempo como: relatividade, relacionalidade, diversidade, alteridade, ambiguidade, incerteza, antagonismo, e na união destas noções que são, umas em relação as outras, complementares, concorrentes e antagônicas” (Morin, 1997, pag. 141).
E desvenda o mistério de nossa noção de natureza: “os objetos e conceitos perdem as suas virtudes aristotélicas e cartesianas: substancialidade, claridade, distinção … Mas estas virtudes eram vícios de simplificação e desnaturação “ (Morin, 1997, pag. 141).
Então o que é a natureza, é preciso ler todo o livro e sua complexidade, e não é evasiva, mas deixo uma dica da parte alta do livro: “a esfera noológica, constituída pelo conjunto de fenômenos ditos espirituais, é um universo riquíssimo que compreende ideias, teorias, filosofias, mitos, fantasmas, sonhos … as ideologias podem permanecer em latência ou desvio, num pequeno isolamento minoritário … mas, subitamente, a ruptura duma retroação negativa, ou qualquer outro acontecimento favorável, permite a sua multiplicação epidêmica” (Morin, 1997, pag. 310).
Não é conclusão, apenas uma pontuação deste post: “O imaginário está no coração ativo e organizacional da realidade social e política” (Morin, 1997, pag. 311).
Depois vai desenvolver o universo informacional, que nos interessa tematicamente.
MORIN, E. O Metodo: I-A natureza da natureza, Lisboa: Publicações Euro-américa, 1997.
A Natureza em Spinoza
Baruch de Spinoza (ou Espinosa como querem alguns) (1632-1677) foi um filósofo holandês de descendência portuguesa (não português como querem outros) cujo racionalismo teve muitas particularidades, uma delas a visão do Uno com a natureza.
Ele dizia que tudo é governado por uma necessidade de lógica absoluta, que nada ocorre por acaso no mundo físico, assim tudo o que acontece é uma manifestação da natureza imutável de Deus, portanto é vontade de Deus, apesar de ser excomungado pelos judeus e cristãos.
Mas a razão principal de sua excomunhão era uma espécie de panteísmo, embora hoje cada vez mais a igreja e muita gente esta revendo a visão “antropocêntrica” que temos da natureza.
Seus racionalismo, diferente do de Descartes e próximo de Leibniz que como ele era monista, pode ser expresso assim: ’A Natureza inteira é um só indivíduo cujas partes, isto é, todos os corpos, variam de infinitas maneiras, sem qualquer mudança do indivíduo na sua totalidade’’. (Idem, Prop. XIII, escólio, L. II, p. 155).
O problema dos religiosos e racionalistas egóicos cartesianos, é que ele via a natureza como inteligente, ela pensa e este pensar é a próxima essência de Deus, aqui é a origem da acusam contra ele de panteísmo, mas ele parte de um princípio inquestionável para os crentes, e de certa forma razoável para uma razão que se proponha universal, tudo parte do Uno, que para ele era Deus, mas se pensamos somente no universo, há uma natureza uma, e daí vem tudo.
Então qualquer que seja o modo como pensamos e analisamos a natureza, mesmo como rex extensa que queria Descartes, o ato de pensar ou qualquer outro atributo, só encontra alguma ordem lógica se há uma única união de causas, uma só realidade: esta realidade é o Uno, como querem agnósticos, ou mesmo que Deus seja qual for a religião.
Sobre a necessidade da existência de Deus, escreveu Spinoza: “Da necessidade da natureza divina podem resultar coisas infinitas em número infinito de modos, isto é, tudo o que pode cair sob um intelecto divino’’. (Espinosa, Ética, Prop. XVI, p. 100 ).
Com este raciocínio, Spinoza chega a conclusão que é o amor a Deus deve ocupar o primeiro lugar na mente do homem, digo da seguinte forma: ’Não existe nada na natureza que seja contrário a este amor intelectual, por outros termos, que o possa destruir’’. (Idem, Prop. XXXVII, L. V, p. 303).
È certo que teve muitos erros, mas é preciso lê-lo dentro do seu tempo, com Giordano Bruno, Leibniz e Descartes.
SPINOZA, Baruch. Ética, Tratado Político. São Paulo : Abril Cultural, 1978, Col. Pensadores.