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Arquivo para janeiro, 2018

Criatividade e invencionices

17 jan

Criatividade é algo diferente da pura invencionice, modismo ou adesão acríticaAlightPen a realidade, é preciso ter uma percepção do que está acontecendo na realidade e também na percepção do que acontece (o que pode ser chamado de teoria, mas o termo é incompleto), David Bohm chama a atenção para: “cada ‘coisa’ que existe na natureza tem alguma contribuição para o modo de ser do universo como um todo” (BOHM, 1957, p. 146).
Hoje com as pesquisas em física quântica, não se pode mais pensar nas partículas ou subpartículas, pois dependendo do contexto também as partículas precisam ser interpretadas, inclusive uma partícula pode se transformar em outras.
Assim segundo Bohm a percepção humana é limitada porque a realidade (e sua percepção) está constantemente mudando, e também uma coisa modifica a outra a todo o momento, assim o conhecimento depende do contexto em que o objeto encontra e cria relações com o observador, e o pensamento humano com suas categorias pode ser colocado em cheque pois quem o ignora tem um pensamento limitado sobre a “coisa”.
Todas as coisas animadas e inanimadas têm uma ordem implicada que se refere a uma informação que determina a sua forma, ou seja, o contexto in-forma conforme sempre afirmamos em nosso blog, mas este contexto muda o tempo todo.
Invencionices são falsas criatividades, tentam negar o contexto no qual a ordem se in-forma, na verdade é uma repetição de velhos raciocínios sobre um mundo em mutação, um bom exemplo no mundo digital foi a ideia que a light pen (caneta digital) seria boa para percorrer a tela e fazer desenhos, em seu lugar veio o mouse, mais preciso.

Mas o que é então a percepção, Bohm e Hiley defendem que  é um a ordem implicada, uma vez que ela atua sobre uma forma como a base do pensamento, uma vez que este baseia-se nas informações contidas na memória (1993, p. 383), serão estas informações que constituem a base da comparação pela qual se percebe as semelhanças e diferenças entre as sensações.
De acordo com este pensamento, para haver criatividade é necessário alargar a percepção, mas não há método para isso, a criatividade é um jogo livre da percepção, e isto significa fazer exercícios corpóreos e mentais para que a mente tenha um tipo de diálogo livre no qual este condicionamento possa ser desfeito (BOHM, 1987, p. 229).
Em termos de filosofia é parecido a epoché, mas Bohm chama de meditação, sem ela não haverá criatividade, mas invencionices sobre as mesmas formas “fechadas”.
BOHM, D. (1957). Causality & chance in Modern Physics. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1957.
BOHM, D.; PEAT, F. D. (1987). Science, order and creativity. London; New York:  Routledge Classics, 2011.

 

Diálogos e criatividades

16 jan

David Bohm é um dos raros autores a abordar com profundidade a questão daaSobreCriatividade criatividade, e seu texto começa com um discurso absolutamente novo, aos menos para quem percorrer os caminhos da dialogia e da hermenêutica como eu, discordando da ideia que diálogo é dois logos, afirma o autor:
“um significado mais profundo para ela [a palavra diálogo]  logos significa “a palavra” ou melhor “o significado da palavra”. E dia significa “através de”– não significando dois ou duplo -. Um diálogo pode se dar com qualquer número de pessoas, não apenas entre duas. Até mesmo uma pessoa sozinha, pode ter um sentido de diálogo consigo mesma, se o espírito do diálogo estiver presente.”
Dirá mais ainda no prefácio: “E o significado compartilhado assim criado,  é a “cola” ou o “cimento” que mantêm as pessoas e a sociedade unidas”, é realmente interessante uma vez que rompe com o sentido quase inerente a palavra que é um “logos dual”, uma não abertura.
Quase que como uma conclusão, coloca em questão o inverso que seria a discussão:“Contraste isto com a palavra “discussão”, que tem a mesma raiz de percussão e concussão. Elas têm um significado de partir as coisas.”, encontro aqui um “diálogo” com a fenomenologia, pois está quer voltar as coisas por elas mesmas, faz sentido, dividimo-las em partes, não só duas mas inúmeras, um grande problema da modernidade: a fragmentação.
Afirma um dos mais profundos dualismos de nosso tempo, aquele entre ciência e religião: “Supõe-se que a ciência seja dedicada a descobrir os fatos e a verdade e que a religião seja dedicada a outro tipo de verdade e ao amor, mas o interesse próprio das pessoas e as pressuposições “assumem o comando” ”, claro não fala unilateralmente, mas de ambas.
Embora muitos afirmem não julgarem as pessoas, afirma o autor o que estamos fazendo: “parece que alguma coisa está acontecendo: parece que os pressupostos e as opiniões funcionam como programa de computador na mente das pessoas. E esses programas assumem o comando contra melhor das intenções. É como se eles produzissem suas próprias intenções “, os que criticam o mundo “lógico” da cibercultura, agem no dia a dia numa lógica como robôs sem criatividade alguma.
Tal como ocorre com a informação que pode ser tácita ou explicita, o autor explica o nosso pensamento cotidiano onde: “Tácito significa algo não falado, algo que não pode ser descrito por palavras – tal como o conhecimento tácito exigido para se andar de bicicleta”, diz-se que não se desaprende a andar de bicicleta, mas e quanto ao pensamento se for um vício ?
Se nós tivermos uma situação de pensamento implícito construída, o autor chama isto de coerente (considero de certa forma relativo), o que teríamos com o passar do tempo seria: “em um grupo que tenha mantido diálogo por um bom tempo, de forma que as pessoas tenham se feito conhecer umas as outras – iremos ter um movimento coerente de pensamento, um movimento coerente de comunicação.”
É só o começo do livro, mas é impossível falar em criatividade sem antes falar de diálogo.
BOHM, David. Sobre criatividade, São Paulo: UNESP, 2011.

 

Insegurança do hardware da Intel

15 jan

O armazenamento de dados tinha 3 níveis: a memória externa (HDs), a aMemoriaNucleomemória do computador (as memórias RAMs) e as bem internas antes chamadas Register (ficam no chip) e hoje de memória de núcleo, ficam no núcleo do computador e são as mais rápidas, mas também podem ser janelas para roubo de dados, hoje há um quarto nível que é a externa armazena em nuvens, centro de computação espalhados pelo mundo que vendem estes armazenamentos.
Um erro de produção dos chips da Intel, que chegam a quase 90% dos chips de computadores pelo mundo (o dos smartphones são muito diferentes), acaba de ser pega numa falha de projeto que dá vulnerabilidade para os dados.
A AMD, concorrente da Intel, aproveitou para manifestar que sua memória de Kernel (as memórias do núcleo do computador) não são afetadas por ataques de hackers, e não permite acesso a senhas e outros dados sigilosos da máquina, através dos quais os dados de um computador podem ser roubados.
Segundo afirmou Paul Kocher, presidente da empresa de segurança Rambus, para o New York Times, o problema pode ser maior se o acesso foi em nuvens, onde grande partes dos dados hoje já estão sendo armazenados, isto porque o compartilhamento de máquinas (e com isto compartilhamento das memórias de núcleo) podem ser feitos, mesmo se considerando o protocolo de segurança que evita acesso aos outros níveis de memória.
Problemas de segurança com as gigantes Amazon, Microsoft e Google, além da fabricante de chips Intel poderão sacudir o mercado, além da AMD outras concorrentes orientais devem estar de olho, de nossa parte alertamos para o chave problema.

 

Vem e veja, a mudança comum

12 jan

Diversos são os autores que em face aos graves problemas mundiais: mudanças aLightEarthclimáticas, epidemias causadas por mutações genéticas de vírus e bactérias (talvez já sejam influencias dos transgênicos ?!), revoluções e terrorismo, corrupção demonstrada pelos Swiss Leaks, Panamá Papers e agora Paradise Papers, entre outros, nunca são nem nunca foram episódios localizados, restritos e m regiões ou países, a ideia de uma “comunidade de destino” de Edgar Morin ou Todos no mesmo barco de Petr Sloterdijk, é a demonstração que precisamos de soluções globais para problemas globais.
Morin evoca Emílio de Rousseau (1992) para declarar o princípio geral de sua proposta, que inspira o título deste livro: uma educação que “ensine a viver”, Sloterdijk vai mais longe e evoca 4 mil anos de história para nos ensinar que . “A arte do pertencer-se só pode recomeçar a partir das pequenas ordens.”, assim a mudança para a humanidade está no semear em pequenos grupos, lembrando o “semear” de Nietzsche e também Heidegger alerta que tudo está acontecendo no mais absoluto silêncio, mas está ai.
Edgar Morin alerta que os estudos filosóficos da ciência e da educação, pedem a fundação de um novo paradigma científico, que se livre da atual disjunção que isola sujeitos e objetos de estudo, e que promova a religação, entre eles e a seus contextos, em uma prática transdisciplinar que por sua vez exigirá a formação de estudantes, cientistas e pesquisadores capazes de atravessar fronteiras disciplinares e que sejam, portanto, poli-competents (Morin, 2003: 110).
Pensamos que estas reflexões tem aplicabilidade em qualquer área do conhecimento, desde as chamadas  ciências duras, sejam nas humanidades, porém a nosso ver terão sobretudo, sobre os estudos de Comunicação e Informação, área transdisciplinares por excelência, esta reflexão podem ser encontrada inclusive em um autor latino-americano Nestor Garcia Canclini.
Há pequenos bolsões de estudos e “clareiras” onde estes estudos podem acontecer, são aquilo como aqueles que queriam saber onde Jesus morava, na Bíblia está escrito em João 1,39 quando os discípulos perguntam onde morava; “Jesus respondeu: “Vinde ver”. Foram pois ver onde ele morava e, nesse dia, permaneceram com ele. Era por volta das quatro da tarde.”
MORIN. E. Edgar Morin: “É preciso ensinar a compreensão humana” (entrevista ao Programa Milênio). Fronteiras do Pensamento, 05 mar. 2015. Disponível em <http://www.fronteiras.com/entrevistas/edgar-morin-compreensao-humana>. Acesso em 20 nov. 2015.

 

A clareira para chegar a verdade

11 jan

Mencionamos em um post desta semana que o termo encontraraClareira a luz é costumeiro na filosofia, mas quais as principais diferenças entre a clareira de Heidegger, e ir para a luz no Mito da Caverna de Platão, ou a Ideia segundo o pensamento de Immanuel Kant?

Pode-se ler em Heidegger sobre Platão, um dos pilares do pensamento Ocidental sobre a verdade:

“A verdade não é mais, como não-velamento, o traço fundamental do próprio ser; mas, torna-se exatidão em razão de sua escravização à Ideia, ela é doravante o traço distintivo do conhecimento do ente. Desde então existe um esforço pela “verdade‟ no sentido da exatidão do olhar e de sua direção. Desde então, todas as posições fundamentais tomadas a respeito do ente, a obtenção de um olhar correto para a Ideia tornam-se decisivos.” (HEIDEGGER, A doutrina de Platão sobre a verdade, s/n,  p.10).

Muito antes de qualquer um dos aparatos digitais, Heidegger já afirmava que a ânsia no ímpeto moderno de tornar o objeto disponível, é o que “destrói toda visão do que o desencobrimento faz acontecer de próprio e, assim, em princípio, põe em perigo qualquer relacionamento com a essência da verdade” (HEIDEGGER, 2007, p. 35).

A crítica mais clara e responsável sobre Kant em Heidegger (a crítica ao idealismo muitas vezes se perde no objetivismo ou subjetivismo), é a crítica ao Idealismo Transcendental que estamos entre o fenômeno e o que é captado pelas faculdades humanas como uma coisa-em-si que em essência seria inatingível pela razão, por isto a separação entre objetos e sujeitos na “Ideia”.

Heidegger desenvolve no Ser e o Tempo uma separação entre os conceitos de “aparecimento” (Erscheinung) e fenômeno, onde o primeiro não se mostra e o segundo é o próprio mostrar-se deste algo, conceito sem dúvida vindo do seu mestre Edmund Husserl.

Esta é uma passagem fundamental no pensamento de Heidegger, onde o Dasein é visto como o contato com os entes que o cerca dando um sentido ao plano ôntico da existência, assim: “A fenomenologia é a via de acesso e o modo de comprovação para se determinar o que deve constituir tema da ontologia. Ontologia só é possível como fenomenologia.” (Heidegger, 2008, p.75)

A fenomenologia é fundamental para a ontologia e a ontologia é a abertura da clareira.

 

Heidegger, M.  A Doutrina de Platão sobre a Verdade. Tradução: Antônio Jardim. s/n.

______ A Questão da Técnica. Tradução de Marco Aurélio Werle. São Paulo: Revista Scientia Studia, 2007.

______Ser e Tempo. Tradução: Márcia Sá Cavalcante Schuback. 3.ed. Petrópolis. Editora Vozes. 2008.

 

A modernidade e o dualismo

10 jan

Se a idade média viveu sob a égide do dualismo entre realistas e nominalistas, aaSerNoSer modernidade vai viver sobre o dualismo entre objetivismo e subjetivismo, em ambos os casos nunca se pôs em contradição o próprio dualismo, pois são herdeiros da antiguidade clássica onde: o ser é e o não ser não é, chamado princípio da não contradição, e seu complementar o terceiro excluído, isto é não há uma terceira hipótese, como um ser-não-sendo, por exemplo.
O curioso do dualismo é que em geral não se questiona que ambas as hipóteses podem ser rejeitadas, por exemplo, na modernidade, o real é o construído a partir do eu, ignorando-se o outro, enquanto o “idealismo considerará, preferencialmente, o conhecimento como uma atividade que vai do sujeito às coisas, como uma atividade elaboradora de conceitos, ao final de cuja elaboração surge a realidade das coisas” (Morente, 1980, p. 68), mas o “eu” sujeito permanece.
O penso do método cartesiano é o “eu penso” e assim não se considera suspender o “eu” e considerar o “outro”, como farão mais tarde Lévinas, Ricoeur, Buber e outros.
O eu cartesiano, mesmo como puro pensamento (res cogitans), não considera o “res” coisas como tendo uma realidade próprio de Ser, ou seja, a coisa em si mesma, que será mais tarde o questionamento de Husserl sobre considerar as coisas por elas mesmas, o fenômeno.
A crítica da razão pura de Kant, ele cria a categoria do ser cognoscente, ou seja, o conhecimento se dá na relação entre o ser cognoscente (já considera o ser mas como sujeito) e um objeto cognoscível, esta aparente conciliação se dá pela experiência, assim o idealismo é contestado sem a existência de uma relação com o mundo das coisas pela experiência.
Se para toda a física moderna espaço e tempo eram absolutos, Leibniz seria o primeiro a contestar dizendo que são relações das coisas em si mesmas, explorou assim a matéria e a própria física de maneira mais profunda que seus contemporâneos, chegando a fazem uma teoria completa da linguagem, chamando-a de characterística universalis, exatamente por isto é um monista e não um dualista, mas permanece sob suspeitas até hoje.
A verdadeira base sobre a qual se pode questionar o dualista reside na ruptura do princípio aristotélico-platônico-idealista, o ser é e o não-ser também é por que existe ao menos como forma de pensamento, um ser-não-sendo que pode trazer nova “clareira” para o mundo atual.
Filosofias afirmativas e dualistas transformaram a cólera e conflito como características permanentes da cultura contemporânea, mas podem ser questionadas se admitir-se o não-ser.
Adotar a diversidade cultural, religiosa e até mesmo ontológica da humanidade é uma possibilidade.

MORENTE, Manuel G. Fundamentos da filosofia: lições preliminares. 8 edição. São Paulo: Mestre Jou, 1980.

 

Globo de Ouro: estes são eles

09 jan

É uma brincadeira com duas premiações: melhor ator de série drama: Sterling K. AKirkDogulasBrown (“This is us“) e melhor canção de filme: “This is me“, de “O rei do show”, uma premiação de consolo para um filme genial sobre o dono de um circo que fez sucesso nos EUA, esperava mais para este filme.
Desconhecido para muitos de nós, apesar da ganhadora de melhor atriz para minissérie ser Nicole Kidman (Batman Forever, The Others, Molin Rouge e outros), “Big little lies” deverá permanecer conhecida só numa restrita elite cult brasileira, poucos irão assistir ou se interessar, para a crítica americana foi a grande ganhadora do dia 07 último do “Globo de Ouro”.

Big little lies, ganhou também melhor ator coadjuvante, para Alexander Skarsgård, e atriz coadjuvante, para Laura Dern.
O crescimento das series na TV paga domina a indústria do cinema, posso entender o interesse dos jovens por youtubers e produções independentes.
No cinema o prêmio de melhor filme  comédia ou musical (é a mesma coisa?) foi para “Lady Bird: é hora de voar”, venceu entre outros o meu favorito “O rei do show”.
Melhor diretor foi para Guillermo del Toro do filme: “A forma da água”, melhor ator coadjuvante para Sam Rockwell em “Três anúncios para um crime”, que ganhou também melhor filme drama.
O filme “Três anúncios para um crime” ganhou também o prêmio de melhor atriz para Frances McDormand, e que ganhou ainda melhor roteiro para filme com Martin McDonagh, pode-se dizer o segundo maior ganhador da noite.
Melhor ator filme drama foi para Gary Oldman “O destino de uma nação”,  enquanto melhor ator comédia ou musical foi para James Franco em “Artita do desastre” derrotando da impecável atuação de Hugh Jackman em “O rei do show”, o Oscar talvez corrija isto.
Nenhuma novidade na premiação da animação “Viva: a vida é uma festa!” da Disney que comprou os estúdios da Pixar alguns anos atrás.
Sobrou pouca coisa para comentar, a atriz Oprah Winfrey recebeu o prêmio pelo conjunto da obra, trabalhou nos filme “A cor púrpura” (1985), “O mordomo da Casa Branca” (2013) e “Selma: uma luta pela igualdade” (2014), fez um discurso forte sobre a questões da igualdade feminina e dos negros (muitos vestidos eram negros em sinal de protesto), e Kirk Douglas, aos 101 anos foi homenageado ao lado da nora  Catherine Zeta-Jones mulher de Mike Douglas.

 

Heidegger e a clareira

08 jan

O termo é recorrente na filosofia, Platão falava de sair da caverna para aaClareira luz, na modernidade surgiu o iluminismo, e mais recentemente Heidegger falava  da clareira, significando uma abertura no meio da floresta, portanto, a questão da falta de luz e noite escura não é nova.
Mas estudando a etimologia da Clareira, retirando-a da filosofia de Heidegger, ela vem da palavra alemã Lichtung, onde além do significado de clareira na floresta (ele próprio viveu alguns anos na floresta negra da Alemanha), enquanto Licht é a palavra para luz, significará coisas ocultas, ou entes cuja verdade deve vir à tona, assim alguns tradutores usam desvelar.
A clareira é neste contexto o que está oculto dentro de um todo, onde deve emergir o ser, e isto parece mais apropriado a modernidade, visto que a fragmentação onde apenas emerge a parte, é na maioria das vezes oposta ao todo ao qual o ente pertence, assim a questão do Ser.
Assim a verdade, para os dias atuais, existe na abertura da parte para o todo, e é sensível o total fechamento da parte ao todo, não apenas como contexto, mas como parte integrante do Ser, e ao qual é preciso abertura para se chegar a verdade, não a afirmação referente ao objeto, mas a noção primordial da verdade que é a descoberta do ente em si mesmo.
O ente que se descobre, enunciou o próprio Heidegger: “deixa-se ver em seu ser e estar descoberto. O ser-verdadeiro (verdade) do enunciado deve ser entendido no sentido de ser-descobridor” (Heidegger, 1986, 219).
Primeiro vemos esta verdade ontológica como Ser, e não mais como lógica, segundo vemos esta relação entre conhecer o objeto e a própria relação com o Ser, o que na filosofia moderna poderia ser chamada de subjetividade, mas não é porque não são instâncias separadas.
O que se teoriza aqui, em conformidade com a teoria antropotécnica em extensão a sociotécnica, é que ao invés de  tratar a diferença entre pensar o homem como o ente que “tem” objetos, no sentido de ser ele possuidor como as capacidades de falar, e construir objetos “externos”, a concepção ontológica que pensa o homem como “sendo” por meio dos objetos (a linguagem e a produção da sua própria vida e dos meios necessários a ela), permite entender todos os meios não apenas como veículo de transmissão de informações, mas como o modo no qual se manifesta o próprio existir humano, chamamos isto de onto-antropotécnica.
Na foto, artigo de  Andrew Kessel para a revista SingularityHub, faz experimentos de recriação de objetos na vida real por computadores, em impressoras 3D, que é uma recriação dos objetos já ontologicamente criados.

HEIDEGGER, M. Sein und Zeit. 17 ed. Tübingen, Niemeyer, 1986.

 

A mensagem universal e a paroquial

05 jan

Os estados modernos foram construídos sobre a égide do iluminismo e daaos-reis cultura do liberalismo, que prega a liberdade entre as nações, mas esconde os interesses de grupos e millieus de cultura que não são outra coisa senão porta-vozes da cultura vigente.
Apesar da cultura dos estados se sobrepor a cultura dos povos que estão sobre sua tutela, independentemente dos estados existe uma rica diversidade cultural, na Europa isto pode ser visto pela diversidade de cultura e povos, após a queda do muro de Berlim, há pode-se dizer uma cultura da diversidade pós-queda do muro de Berlim, deem o nome que quiserem dar.
Os estados são a cultura paroquial, a ideia que todos os problemas estão circunscritos e são próprios daquele grupo estabelecido sobre a coação de um estado ou de uma força política e econômica que subjuga muitas vezes aquele povo que deseja viver sua “cultura”.
É o mesmo que aconteceu com o cristianismo, enquanto outras religiões monoteístas procuram se universalizar, ainda que subsistam correntes dentro delas os sunitas e xiitas, por exemplo, no mundo islâmico, a tendência “cultural” é de formar grupos isolados onde os gostos destes grupos ou destas pessoas não se expressam não de maneira integrada.
No cristianismo é um grande equívoco, a proposta vivenciada desde o nascimento de Jesus é universal, os ritos e a liturgia também, mas os sentimentos e grupos paroquiais estão lá, pela força da coação paroquial tentando se impor ao pensamento universal.
O fato narrado em Mateus para a liturgia no dia dos reis magos (amanhã), é simbólico, mas essencial (Mt 1,1-2): “Tendo nascido Jesus na cidade de Belém, na Judeia, no tempo do rei Herodes, eis que alguns magos do Oriente chegaram a Jerusalém” (1), perguntando: “Onde está o rei dos judeus, que acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo” (2).
Ora os reis magos, não se sabe exato sua “cultura” mas não eram nem judeus e menos ainda cristãos porque esta cultura acaba de nascer através de Jesus, e somente como um “abortivo” (assim o apóstolo vai chamar-se) a um judeu ortodoxo que vivenciará uma experiência única, e depois levará para “fora” do judaísmo a proposta de JESUS a todos povos.
Talvez sem Paulo esta cultura permaneceria paroquial como uma seita judaica, mas apesar de presente em muitos países continua paroquial, provinciana e muitas vezes, o que é absurdo, sem conexão com a cultura dos povos locais, os reis magos hoje não entrariam na paróquia.
A limitação coercitiva do estado-nação de um povo é o que o impede de integrar-se na cultura universal mundial, a riqueza de cada um não é observada e admirada, como fizeram os reis magos ao conhecer “o rei dos judeus” que havia nascido

 

O autoritarismo e o antropotécnico

04 jan

A construção dos estados modernos, essencial para uma etapa da construçãoaoElmauCastle da civilização moderna, já dissemos no post anterior, fundamentado nos textos de Petr Sloterdijk “Ira e tempo”, porém será uma conferência feita no final de século (não por acaso), com o título “Regras para o parque humano”, feita em 17 de julho de 1999, em conferência dedicada a Heidegger e Lévinas, no castelo de Elmau na Baviera (foto), que a questão da antropotécnica, visão mais ampla que a sociotécnica e a biopolítica, atinge a maturidade.
Dois pontos destacam-se na leitura deste trabalho depois transformado em livro (Sloterdijk, 2000) em ambos também tive uma reação pessoal na primeira leitura, uma visão humanista totalmente original dos meios de comunicação, o segundo especial para os heideggerianos (minha primeira leitura pré-conceituosa não permitiu),  que é uma visão sobre a “clareira” incorporando a história natural e social, mas intertendo a polaridade heideggeriana da dimensão ontológica sobre a ôntica (Sloterdijk, 1999, p. 61), o que parecia mais absurda mas não era, a dimensão ôntica precede a ontológica.
A polêmica na conferência entretanto foi a declaração da falência do humanismo em domesticar a animalidade humana, e ele se perguntou se uma reforma das qualidades da espécie não caminharia para uma “tecnologia antropológica, uma antropotécnica” (Sloterdijk, 2000, p. 45), o que é claro causou espanto e um burburinho na conferência.
A crítica da razão cínica, que parece se comprar mais ainda com a história recente: “o bolchevismo, o fascismo e o americanismo … “ são “três variações dessa mesma força antropocêntrica e três candidaturas a um domínio humanitariamente ornado do mundo – dentr as quais o fascismo errou o passo ao exibir, mais abertamente que seus concorrentes, seu desprezo por valores inibitórios pacíficos educacionais (idem, p. 31).
A ideia que o homem é um animal racional parecia verdadeira, a resposta existencial e ontológica, a clareira de Heidegger, para quem o Ser se apresenta e o Ser escolhe para sua guarda, a busca desta pacificação, almejada pelo humanismo (ele o coloca no singular por entender que é o mesmo), e esta “escuta” do Ser seria capaz de conduzir a uma pacificação do ser humano maior que a alcançada pelos métodos humanistas anteriores, o que inquietante para Sloterdijk é como se organizaria esta sociedade formando por ouvintes do Ser? Qual seria esta “clareira” nova.
Não temos a resposta pronta, a não ser que esta “escuta” não foi feita adequadamente, e talvez um método diferente da “ira” possa ser testado, ainda não o foi, chamaríamos isto não da inversão entre o ôntico e o ontológico, mas sua bivalência, há algo de “matter” que é mais que o ôntico, é mãe e matéria ao mesmo tempo.