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Arquivo para março, 2018

A retomada ontológica

16 mar

Heidegger faz ver em sua obra que uma questão jamais tocada (ao menos em profundidade) na filosofia é o “sentido do ser”, e isto deveu-se ao fato que na metafísica tradicional toda ontologia tornou-se uma ontologia da substância, então o pensamento de Tomás de Aquino é importante, pois separou-se ser de essência.

A primazia da “coisa”, que fizemos uma relação com ser-do-ente, é a forma como a “coisa” tornou-se representada para tudo o que “é”, mas rejeitando sua ontologia, não rejeita-se apenas a coisa abstrata, mas do ponto de vista existencial, a questão do ser é eminentemente concreta, porque “o ser é sempre o ser de um ente”.

Mas quais são as questões para a modernidade impostas ao Ser? as determinações essenciais do ser dos entes?

É uma maneira que deve situar-se aquém do plano empírico ou ôntico (dos entes) e constituir-se na condição de possibilidade do mesmo, e estas estruturas ontológicas explicitadas na análise do dasein (como ocupação, disposição, compreensão, discurso) não devem ser confundidas com aqueles que seriam os seus correlatos ônticos ou empíricos (afeto, desejo, conhecimento, linguagem).

É uma questão de precedência, pois estão não são nem irreais nem correlatos, pois toda analítica existencial “está antes de toda psicologia, antropologia e, sobretudo, biologia.” (Heidegger, 1995, p. 81)

Em Heidegger no ser do homem há uma presença -, uma dimensão ontológica fundamental. Na verdade, no texto de Heidegger, o status da pre-sença é ambíguo.

Preferiu-se a tradução do dasein como esta pre-sença, para que não seja entendida como sinônimo de “homem” (o ser-aí tem esta ambiguidade), na determinação ontológica, o que corresponde ao ser desse ente é sua presença e esta é a questão.

Sua relação pode parecer paradoxal, como pensam muitos autores, na relação do ser com o ente, mas não o é, pode-se viver divinamente esta pre-sença, não o nihil.

Uma passagem bíblica quase inexplorada por estudiosos do texto sagrado, é quando se aproximando a Páscoa de Jesus, ele se diz angustiado e também se vê diante de um “vazio”, em João em 27-29 está escrito assim:

 “Agora sinto-me angustiado. E que direi? ‘Pai, livra-me desta hora?’ Mas foi precisamente para esta hora que eu vim. 28Pai, glorifica o teu nome!” Então, veio uma voz do céu: “Eu o glorifiquei e o glorificarei de novo!”, A multidão, que aí estava e ouviu, dizia que tinha sido um trovão. Outros afirmavam: “Foi um anjo que falou com ele”.”

Como para os apóstolos, para os gregos antigos e para muitos filósofos, este aproximar-se de um fim mais que uma angústia, tem um dilema: o que é a vida? Uma resposta sã é a Páscoa e a resposta insana é o nada (nihil).  

-O termo “dasein”, comumente vertido para o português como “ser-aí”, foi traduzido por Márcia de Sá Cavalcante pela expressão “presença”.

Heidegger, M. Ser e Tempo (parte I). Petrópolis: Vozes, 1995.

 

 

O ser, as coisas e os gadgets

15 mar

Este nome para os dispositivos digitais apareceu muito antes da internet e da explosão digital, está no livro de Marshall McLuhan da década de 60: Understanding Media.
Muitos lembram dele apenas pelas frases: “a aldeia global” e “o meio é a mensagem”, mas poucos conhecem sua abordagem do mundo digital, e menos ainda se conhece sobre a profunda influência que teve no seu pensamento a Noosfera de Teilhard Chardin.
Algumas das ideias principais de McLuhan consistiu em antever de forma de um mundo mais consciente e até “mesmo em um mundo hiperconectado, onde todos têm a capacidade de regular sua própria experiência”, leitura diferente dos apocalípticos.
As ideias que muitos aprendem bem, mas continuam esquecendo-as são os avanços e as possibilidades de um mundo cada vez mais uma “aldeia” e que os problemas antes velados, como o próprio ser estava velado, agora estão expostas pelas “mídias”.
Nós só precisamos optar por excluir estes avanços, se estamos escondendo de alguma forma em nossas mentes, nossa consciência do ser, de cada coisa que existe além dos rótulos e dispositivos que usem, isto não é para internet, mas para carros, roupas de grifes, enfim, uma série de objetos de consumo que parecem qualificar o ser, e porque há tanto vazio?
Foi o que tentamos responder nos posts anteriores, acadêmicos demais talvez, porém sem revisitar o pensamento humano podemos ficar na superficialidade das “coisas”.
Para fugir de um discurso difícil sobre o ser, mas é preciso reconhece-lo como “ser-do-ente” leio uma página de Presente do mar (Gift from the sea), Anne Morrow Lindbergh que escreve:
“A vida hoje na América baseia-se na premissa de círculos de contato e comunicação cada vez maiores. Envolve não apenas as demandas familiares, mas as demandas da comunidade, as demandas nacionais, as demandas internacionais sobre o bom cidadão, através de pressões sociais e culturais, através de jornais, revistas, programas de rádio, analistas políticos, apelos ´caridosos´ e assim por diante. Minha mente está com isto … Não traz graça; Destrói a alma “.
Mas ela não estava falando da Internet, a Makron Books lançou um livro comemorativo de 50 anos do livro, o livro é de 1975, portanto isto já era uma realidade anterior da internet, assim como o nome gadget foi usado por McLuhan na década de 60.
Este é uma realidade do Ser, já observada no início do século passado, o mundo digital é um componente a mais na complexidade do homem contemporâneo

 

O ser e a essência

14 mar

Antes de verificar o que é o ente e a essência na contemporaneidade, examinemos mais de perto o seu significado em Tomás de Aquino, importante para compreender a diferença entre nominalistas e realistas no final do período medieval.
Para o filósofo medieval, a essência, que era chamada de quididade, é o inefável do que possibilita a existência, dando a uma coisa a sua constituição de Ser, este por sua vez possui uma existência como possibilidade de existir em ato, uma vez criado a matéria e a forma lhe dão realidade.
Diferentemente de Aristóteles, para o qual existe um primeiro motor que é deus, sua ontologia parte desta premissa, para Tomás de Aquino, a essência de Deus é sua existência, e atribuir-lhe algo seria negá-lo, pois não lhe falta nada, é pura perfeição e plenitude, assim o esforço de atribuir a Deus propriedades é inútil, para Tomás de Aquino ele é puro Ser.
Nele a essência, chamada de quididade é o inefável que possibilitaria a existência, então é daí onde Deus dá existência as coisas, ou preferindo um conceito teleológico, é a primeira matéria/energia/forma de onde se origina tudo, poderia se dizer em palavras mais modernas, a natureza existente em-si é uma sobre-natureza de sua essência de um Ser para-si.

A propósito, faleceu hoje o físico Stephen Hawking, que disse sobre a criação do universo, que tão importante quanto o ato de criá-lo foi a intenção da criação, 
A essência (qüididade) não sendo o inefável corresponderá a nomes e conceitos, cuja existência é concebida pelos nominalistas, ainda que ela admita a experiência como modo de “perceber” a realidade, ela estará no início deste pensamento muito ligado aos sentidos, assim mesmo hoje as substâncias, estejam estão ligadas a nomes, elas são signada, e passíveis de uma desconstrução como foi analisada por Derridá e nos posts da semana passada.
Para Tomás de Aquino há duas substâncias, onde a essência participa igualmente das duas substâncias, e a causa somente da substância composta, no ente a existência é “…. aquela substância primeira e simples por excelência, que se denomina Deus (AQUINO, 2004, p. 10)
A substância segunda (coisas abstratas) comporta o gênero e a espécie, a essência participa dos dois. A essência não participa individualmente da matéria ou da forma, encontra-se em ambas, compondo no mundo das coisas sensíveis a individuação.
Tomás de Aquino estabelece ainda dois tipos de matéria: matéria signada, que é substância primeira, particular, concreta, singular, de menor extensão, pode-se usando um exemplo moderno dizer Hidrogênio e Oxigênio, formando a água, já a matéria não signada, que é substância segunda, universal abstrata, de maior extensão, um líquido potável, porém é preciso ver uma complexidade maior, se tratamos do ser humano.
‘’É evidente que a definição de homem em geral, e a deste homem chamado Sócrates, só se diferenciam pelo signado e o não signado’’.(Idem, cap. III – 1, p. 11), assim tanto a existência do indivíduo signado quanto o Homem em sua própria natureza, é também o homem Sócrates em sua natureza particular signada, onde signada nada mais é do que colocar um signo.

AQUINO, S. Tomás, Compêndio de teologia, cap. II -3, p. 77, Col. Pensadores, SãoPaulo: Nova Cultural, 2004.
Being and essence

 

Ser do-ente

13 mar

aoSerDoenteQuase sempre que simplificamos corremos o risco de estar vulgarizando um conceito complexo como o Ser, na modernidade este conceito está confinado na filosofia e é ser de uso pouco comum no dia a dia, de argumentar e explicar o problema mais profundo de nosso tempo: o ser do-ente, ou um ser projetado para fora de sua existência, ou seu esvaziamento, é, pois diferente da reificação (res – coisa) a pura coisificação.

Grosso modo o Ser não tem forma, em sua origem está o pensamento antigo do filósofo pré-socrático Parmênides o qual confundia a esfera da essência da coisa com a essência una, homogênea e contínua da mesma, significa em resumo para ele: o Ser é e o não-Ser não é, não pode haver terceira opção, e, ao mesmo tempo algo não pode ser A e não-A simultaneamente.

Esta lógica simples parece pura evidência, mas ela se desenvolveu até a modernidade, onde se perguntou porque existe tudo e não o nada, a própria definição de nada, do zero e do infinito, enquanto definições lógica datam do início da modernidade, até mesmo o zero grau absoluto, onde um corpo estaria completamente parado, o zero grau absoluto, é concepção moderna.

Na filosofia é o aparecimento do nihil, do nada mesmo, ao qual parece estar confinada boa parte da humanidade a procura de um sentido para a vida, ou o próprio desprezo por ela.

Simplificando de novo, no pensamento contemporâneo o ente é o que tem forma, enquanto Ser não tem forma, é apenas a sua existência no vazio ou na finitude da vida, pois ente é tudo que existe inclusive em abstrato, por exemplo, o número tem forma (podia até se dizer que é a forma por excelência) enquanto algo que não tem forma pode ser quantificado mas não deveria, a alma (talvez o Ser por excelência, admitindo-se sua existência ao menos enquanto “pensamento”).

São Tomás de Aquino em sua tese sobre o “Ente e a essência”, usava o termo “quididade” para indicar a essência das coisas, dito de forma mais simples, o que a coisa é.

Assim o ser não tem forma, é uma abstração, um pensamento ou como definimos um “noon” um pensamento espiritual, enquanto o ente é a forma, sua visão objetiva, concreta ao gosto atual.

Quando afirmamos objetivo, objetividade, prática (não no sentido mais amplo de experiência fenomênica) estamos falando do ente, de algo que os sentidos percebem, ao gosto do apropriar.

Na filosofia pré-socrática Parménides, confunde-se o ser com a esfera da essência esfera; se por um lado não pode-se dizer que é humano e inumano sobre o ser, pode-se dizer que é líquido, liquefeito ou em estado de liquefação na esfera do ente, não podendo ter dois estados, ainda que oscile entre os dois, pode-se dizer na esfera do ser algo é virtualmente, não sendo ainda o ser enquanto ato, o é em potência, uma semente é uma árvore, mas ainda não é.

Exigimos em nossa contemporaneidade a permanência do ser no ente, por isto dizemos ser-do-ente, enquanto o Ser-do-Ser pode não ser, de modo concreto quando admitimos a presença do Outro, somos nós e não o somos para o Ser-com-outro.

O ser-do-ente, ao mesmo tempo em que separado das coisas quer seja pelo aspecto financeiro ou por estranhamento, está projetado sobre elas como reificação, não sabe como gerenciá-las no uso cotidiano, as críticas ao uso de mídias hoje em dia, o uso de alguns dispositivos, se usados apenas segundo sua finalidade não é um ser-do-ente, mas um ente-do-ser, feito para uso humano, confundi-lo como ser, atribuir-lhe categorias morais, é ser-do-ente.

 

Veredas onto-antropotécnicas

12 mar

Já postamos aqui, sobre as Veredas da Salvação, peça maldita do tempo da ditadura militar,aoTreinamento e também já postamos sobre o romance de João Guimarães Rosa: Grande Sertão: Veredas, onde o capataz de fazenda Riobaldo é apaixonado por Diadorim, um amor que se confunde com beleza e medo, que fala de uma simbólica travessia de um rio, e dos “diabos” entre um ser e um não ser, dito assim no romance:
“… o diabo existe ou não … e vai dizendo (…) Bem, o diabo regula seu estado preto, nas criaturas, nas mulheres, nos homens, até nas crianças – eu digo. (…) E nos usos, nas plantas, nas águas, na terra, no vento… Estrumes… O diabo na rua, no meio do redemoinho…” (Rosa, 2001, p. 26).
Podia-se ver a Páscoa na tradição oral brasileira, sim o romance é um exercício de oralidade em meio a cultura popular, como esta travessia de um rio, e encontraríamos muita significação não só para a cultura nacional, para a política, preocupação constante de Guimarães Rosa, e um novo tempo, onde a passagem significa uma “Páscoa Nacional”, dá para sonhar com isto?
Curiosamente e até paradoxalmente, podemos encontrar a mesma preocupação na definição da antrapotécnica de Petr Sloterdijk, como prova que isto é um ponto nacional e universal.
Esclarece Sloterdijk ao dar três dimensões da antropotécnica: o lado ilusionista, rigidamente organizado, em que os membros devem se exercitar, o lado psicotécnico que é o roteiro de treinamento para exploração da luta da sobrevivência, e o terceiro, um lado irônico, radicalmente flexível para todos, um espécie de business-trainer (Sloterdijk, 2009, p. 168).
A dimensão religiosa, não aquela religiosa em que se pensa uma religação dos seres e destes com Deus, considerando e respeitando a especificidade e personalidade de cada um, mas aquela dogmática, dona da verdade (tema de nossa semana passada) e algo “inescrupulosa”.
A antropotécnica como desvelamento do ser, é descobrir estas máscaras e manipulações que existem em todos os âmbitos da sociedade, da religião à política, do senso comum ao científico, e que no fundo não tem nada a ver nem com o ser e nem com qualquer tipo de humanismo.
Claro todos desejam a integração da humanidade, até o Trump vai falar com o coreano, porém o conjunto das relações antropotécnicas estão longe de uma onto-antropotécnica, usam e abusam da pós-verdade, manipulam fatos e narrativas, da mentira pública a mentirinha diária.
Não é possível que um ambiente assim desperte o humano, a relação do Ser e o humanismo.

ROSA, J. G. Grande Sertão: Veredas. São Paulo: Nova Fronteira, 2001.
SLOTERDIJK, P. Du musst Dein Leben ändern. Über Antropotechnik (Você pode mudar sua vida: sobre a antropotécnica). Frankfurt, Suhrkamp, 2009.

 

Clareira e Verdade

09 mar

Não por acaso a principal obra de Gadamer chama-se “Verdade e Método”, porque oaClareiraMundo método de se encontrar a verdade é nele que está a própria verdade, o contrário também é válido, quem utiliza um método mesmo que seja “lógico” não terá a verdade, mas apenas sua instrumentalização.

Lewis Carol escreveu “Alice no país das maravilhas” segundo a lógica, mas partindo de premissas falsas, a primeira delas é o “sonho” de Alice, no qual tal como em quaisquer outros sonhos os aspectos simbólicos são uma “fantasia” e ainda que tenham relação com a realidade repousam na imaginação humana e não na realidade dos fatos.

Assim como Heidegger chamou de clareira, aquela parte com maior visibilidade dentro de uma floresta, o século das luzes se autodenominou “iluminismo”, Platão escreveu sobre a luz no fundo das cavernas como reflexo da realidade, pode-se perguntar hoje: onde está a luz ?

Não a encontraremos como querem a ética da justiça do direito, a ética do estado, ou a ética ainda mais moralista e fundamentalista, uma clareira possível de se reconstruir um mundo em que a necessidade de ver-se como um todo encontra pedaços de “clareiras” por todo lado.

O que precisamos alertam grandes pensadores contemporâneos é mudar a própria mentalidade sobre as “clareiras”, mudar o pensamento, repensar o próprio pensamento que não é outra coisa senão mera ideologia atrelada ao passado que construiu muitas coisas, mas há agora uma demanda por mudanças mais substancial de ver o mundo como um todo.

É antes de tudo necessário olhar sobre realidades diversas com um olhar de respeito e até mesmo de admiração, culturas milenares têm sua própria ética e sabedoria, vê-las sobre o olhar ocidental é antes de qualquer coisa um pré-conceito a ser superado numa fusão de horizontes.

No tempo das escrituras bíblicas em que o próprio povo zombava de suas tradições e verdades, Nabucodonosor levou os cativos para grande Babilônia, o grande rei da Pérsia Ciro, sem ser judeu, mandou construir um templo em Jerusalém para o Deus dos judeus.

Como manifesta a leitura bíblica em Jo 3,21: “Mas, quem age conforme a verdade, aproxima-se da luz, para que se manifeste que suas ações são realizadas em Deus”, assim a verdade que é luz aproxima-se dela e a pós-verdade afasta-se dela mas fica cada vez mais longe do “clarão”.

O ocidente custa a acreditar na verdade sobre as mudanças necessárias ao nosso tempo: mais respeito a diversas culturas, maior igualdade na distribuição de bens e na diversidade de raça e gênero, maior respeito a natureza.

 

A separação entre verdade e realidade

08 mar

A ideia na modernidade que uma verdade objetiva é diferente da realidade, por isto vai negar o realismo aoObjetivotomista e retomar a subjetividade nominalista, agora travestida em ideia, é uma ruptura com o ser.

Para os antigos gregos, verdade e realidade eram uma coisa só, então Martin Heidegger no ser e o tempo retoma este sentido, pelo estudo da etimologia da palavra onde a-letheia, distinta do conceito de “verdade” onde esta é um estado descritivo objetivo, onde a-letheia, significa “desvelamento” na tradução de Heidegger, pois lethe significa esquecimento, no sentido de ocultamento.

Filosofias a parte, o que isto significa é que confiamos demais na realidade objetiva enquanto critério de verdade, e quase sempre ela contém um véu da aparência, e é preciso dar-lhe sentido a partir do Ser.

A verdade, portanto, para Heidegger está no desocultamento, onde as aparências se enganam e o que é mesmo verdade se oculta em meio a palavras típicas do nominalismo, onde um bom conceito pode tentar explicar algo, mas não é a essência deste algo, é apenas sua aparência.

O que Descartes falava de suspensão do juízo sobre as coisas significa enquanto ser suspender também o seu próprio princípio egóico que só é possível na relação com o outro, suspendeu-se o juízo mas não o ego, pois não é a presença do outro que conta, mas o conceito, o nome e sua definição.

Outra palavra usada pelos gregos e importante neste contexto é a palavra  phronésis, que é ao mesmo tempo harmonia e felicidade, tão forte a ponto de muitos autores afirmarem que é impossível ter phronésis em aletéia.

Por outro lado phronésis é .um conceito quase esquecido, devido a sua subjetividade, pois é menos próprio da razão, e estamos mais comprometidos com a veritas do direito romano, a verdade dos “fatos”, que nada mais é que uma narrativa, nem sempre contextual e verdadeira.

“A essência da verdade se desvelou como liberdade. Esta é o deixar-ser ek-sistente que desvela o ente. Todo comportamento aberto se movimenta no deixar-ser do ente e se relaciona com este ou aquele ente particular. A liberdade já colocou previamente o comportamento em harmonia com o ente em sua totalidade…” (HEIDEGGER. Conferências e escritos filosóficos. In Col. Os Pensadores. São Paulo, Nova Cultural, 1991. p. 130)

Para os modernos, verdades são fatos, para os antigos são aletéia e phronésis, é próximo ao que hoje pode-se chamar objetivo (de objetividade) e meta (de subjetividade), porém são conceitos mais completos porque estão unidos e não podem ser vistos como peças encaixadas.

Verdade é o desoculto, para Heidegger, aquilo que se mostra, atinge-se pela aletéia (o desabrigar o oculto) com phronésis (harmonia).

 

 

A alma interior e a verdade

07 mar

Santo Agostinho põe a verdade na Alma do Homem: Noli foras ire, in teipsum redi:OLYMPUS DIGITAL CAMERA

in interiore homine habitat veritas, esta é a primeira aproximação de sua verdade ontológica,  embora o estudo do ser já estivesse presente em Platão e Aristóteles, a verdade era para eles mais “logo” do que “ontos”, uma vez que o Ser e ele devia “ter” a verdade.

Isto terá uma enorme relevância para o pensamento humano, pois significa que há algo no interior do homem que deve ser “desvelado”.
Em Santo Agostinho esta tensão significou que o homem fica apenas nas coisas exteriores,  e então esvazia-se de si mesmo, então começou um tipo de ascese aonde o homem se recolhe a sua intimidade, quando penetra precisamente naquilo que é o homem interior, e esta tensão irá culminar no final da Idade Média numa separação entre o Ser e o objeto, na verdade, justamente esta separação projetou o homem no “objetivo”.
Dirá Agostinho em sua ascese, “em te ultrapassando, porém, não te esqueças que transcendes tua alma que raciocina. Portanto, dirigi-te à fonte da própria luz da razão”. (Santo Agostinho, A verdadeira religião 39, 72)
É claro que o cogito agostiniano não é o cartesiano, que estava distante no tempo e também na concepção, mas ele preparou este caminho, o homem desejoso do controle dos objetos e da natureza, o homem que construiu seu castelo interior, vê-se no início da modernidade projetado sobre os objetos.
Para Kant a “concordância do conhecimento com o objeto” significa “a concordância do entendimento com o objeto que é apreendido por ele, a saber, o fenômeno”. Com isso, a definição kantiana é eficaz, se compreendida no sentido da fórmula “adaequatio rei et intellectus” de Tomás de Aquino, sendo que, “[n]esse sentido, a teoria de Kant da verdade transcendental que implica a veracidade do conhecimento transcendental no final das contas é uma ontologia, a teoria do ser dos seres, ou do domínio objectual, [ou seja] dos objetos”.
Ainda que o pensamento de Tomás de Aquino, em sua tese de doutorado sobre o “Ente e a essência” as coisas ainda estejam “adequadas” a razão, em Kant e na modernidade elas ficarão “fora” e a ontologia se reduzirá a uma onto-teo-logia, ou seja, apenas religiosa.

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A parábola da Caverna de Platão

06 mar

A primeira coisa é que não é um mito, se entendemos por mythos aquilo que é uma simples narrativa em certaaCaverna cultura, mas se presente no imaginário popular pode ser além então é uma parábola, uma metáfora onde a caverna seria um lugar de “conhecimento” ou simplesmente um ambiente escuro, que nós privássemos de luz, sendo esta luz a luz da verdade.
Este “mito” está na obra de Platão intitulada “A República”, livro VII, onde pretende a luz da teoria do conhecimento, levar os homens a linguagem e a educação para um Estado ideal, portanto refere-se a polis grega em sua formação inicial.
Numa caverna as pessoas caminham e através das sombras nas paredes observam o modo como seus corpos projetam sombras, e nelas os objetos que carregam.
Imagine que os prisioneiros sejam libertados e forçados a olharem o fogo e os objetos que faziam as sombras, eles despertariam uma nova realidade, um conhecimento novo, mas desacostumados com  a luz iriam ferir seus olhos e eles inicialmente não veriam bem.
Platão não buscava a essência das coisas na simples Phýsis, como fez, por exemplo, Demócrito e seus seguidores, influenciado por Sócrates, ele buscava a essência das coisas para além do mundo sensível, e, esta é a verdadeira alegoria da caverna.
O diálogo é metafórico, diálogo metafórico sempre em conversas na primeira pessoa entre Sócrates e seus interlocutores: Glauco e Adimanto, os irmãos mais novos de Platão.
No diálogo, a  ênfase se dá no processo de conhecimento, mostrando a visão de mundo do ignorante, que vive de senso comum, e do filósofo, na sua eterna busca da verdade.
Pode-se dizer que, ao menos no ocidente, este é o primeiro ensaio sobre a “verdade”.

 

Oscar 2018 sem surpresas

05 mar

O filme A forma da água levou 4 estatuetas, incluindo melhor filme e diretor (Guilhermo del Toro),aEstatueta Dunkirk levou 3 estatuetas, os vencedores de melhor ator e melhor atriz foram Gary Oldman (O destino de uma nação) e Frances McDormand (Três anúncios para um crime).

O meu predileto Blade Runner 2049 levou duas estatuetas (Melhor fotografia e efeitos visuais), assim como “Três anúncios para um crime”, o filme chileno “Uma mulher fantástica” com Daniela Veja foi o melhor filme estrangeiro.

Após 14 indicações, o diretor de fotografia Roger Deakins finalmente aos 68 anos ganhou sua primeira estatueta.

A atriz Frances McDormand foi a responsável pelo palavra mais política: “Todos nós temos uma história para contar. Vamos falar sobre nossos projetos, que precisam de financiamento. Temos que ter inclusão”, referindo-se também ao seu filme de cartazes de uma mãe pedindo que o crime que matou sua filha fosse apurado.

Outro apelo foi o ganhador de melhor diretor, Guilhermo del Toro, mexicano, falou sobre a importância de “apagar as fronteiras” alusão direta a Donald Trump.

Melhor animação para “A vida é uma festa”, que concorriam com O Poderoso Chefinho, O Touro Ferdinando, Com Amor, Van Gogh e The Breadwinner, sinceramente uma decepção.

Jordan Peele tornou-se o primeiro negro a ganhar o Oscar de Roteiro Original em ”Corra”.