Arquivo para agosto, 2018
Entre a pureza e a fraternidade
A maioria do pensamento religioso cotidiano, é que estamos imersos em uma cultura da impureza, de coisas que não são saudáveis, isto levou ao que Peter Sloterdijk chama de imunologia, a ideia que devemos nos separar de tudo que é “impuro”.
Mas este conceito pode ser ampliado para etnias, culturas xenofóbicas, endogenia, culto a determinada forma de género, entre muitas outras, também a religiosa.
Talvez a maior impureza de nosso tempo, seja justamente considerar o Outro impuro, ou indigno, ou inferior ou qualquer forma de exclusão, que nada mais é do que recusar a sair de nossa “esfera”, de nossa segurança, parte fundamental deste raciocínio é a desconfiança.
O fato que alguém pense diferente não deveria ser motivo, para considerar o pensamento e o modo de vida do Outro algo perigoso ou mesmo nocivo a nossa “cultura”, é algo novo, curioso pelo qual devemos nos interessar e tentar entender o seu modo de viver, que é sua “esfera”.
Em termos bíblicos foi isto que escreveu o evangelista Marcos, no Capitulo 7, 14-23, ao mostrar a visão do Mestre sobre o que torna de fato os homens impuros: “Escutai, todos, e compreendei: o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior. Pois é de dentro do coração humano que saem as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo. Todas estas coisas más saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem”.
É fácil compreender quanto do raciocínio “esférico” está presente em diversas redomas de proteção, são os muros virtuais que erguemos em nossa volta e parecem dar segurança.
O zoológico humano e a antropotécnica
Numa conferência realizada em 17 de julho de 1999, que era dedicada a Heidegger e Lévinas, no castelo de Elmau na Baviera, o filósofo Peter Sloterdijk tratou de temas polêmico como a manipulação genética e lançou a ideia de uma “antropotécnica”, provocando fortes reações na Alemanha e também no Brasil no caderno Mais+ da folha de São Paulo “O novo zoológico do homem” foi destaque de capa em 10 de outubro de 1999.
As ideias do filósofo já haviam sido apresentadas em uma cidade Suíça da Basiléia, mas agora a reação era a relação do humanismo com os meios de comunicação, uma interpretação mais midiática do humanismo, que provocou reação do filósofo Habermas e de um articulista da prestigiosa revista alemão Der Spiegel, onde uma polêmica se iniciou com o articulista Thomas Assheuer que o indicava que Sloterdijk “propagandeia a seleção pré-natal e o nascimento opcional: técnica genética como crítica social aplicada .. traços de retórica fascistas” foi publicada na prestigiosa revista.
Em 9 de setembro do mesmo ano Sloterdijk publicou na Die Zeit, duas cartas abertas uma dirigida a Assheuer e outra a Reinhard Mohr, que o atacou também, mas afirmando que o mentor destes ataques era Jürgen Habermas, e de modo ainda mais provocativo intitulou seu artigo de “Die Kritische Theorie ist tot”, traduzindo A teoria crítica está morta.
A polêmica cresceu e os artigos de Manfred Frank e Ernst Tungendhat publicados em 27 de setembro no Spiegel, fazia um dossiê do livro de Sloterdijk, as Regras para o Parque Humano já era um livro, trazendo na capa uma estátua no estilo de Arno Breker, escultor do III Reich, agrupando ícones de Hitler, Nietzsche e o Superman das histórias em quadrinhos, a ovelha Dolly e Lara Croft, uma heroína de jogos virtuais de computador, a polêmica se formou.
O ponto de partida de Sloterdijk não era esse, confesso que foi minha reação numa primeira leitura também, mas o seu ponto de partida era, e sua presença no colóquio dedicado a Heidegger e Lévinas provam isto, uma frase do poeta Jean-Paul no inicio do livro: “livros são cartas dirigidas a amigos, apenas mais longas”, um humanismo ligado a escrita.
Também a referência á humanitas de Cícero, uma oposição à selvageria e brutalidades que era os espetáculos no anfiteatro humano, mostra ao contrário de seus detratores, a preocupação com um pré-fascismo atual (ler o post de ontem), que vinha se desenhando e agora já é realidade em várias partes do planeta, e lembramos que o “humanismo nacional” do século XIX foi justamente onde se desenharam as duas guerras mundiais do século XX.
O que levou Heidegger a perguntar na sua Carta sobre o humanismo, e o livro de Sloterdijk é uma resposta, se uma manifestação cega de antropocentrismo levou a três concepções de confrontos trágicos do século XX: “o bolchevismo, o fascismo e o americanismo”, em sua resposta afirma Sloterdijk que o cristianismo, o marxismo e o existencialismo foram as três alternativas humanistas que “evitam a radicalidade última da questão sobre o ser humano” (Sloterdijk, 1999, p. 23).
A separação do homem em relação a natureza, e ao animal que na visão de Heidegger não +e a racionalidade, na imagem de Sloterdijk, Heidegger caminha entre eles como um anjo colérico em sua espada de fogo (idem, p. 25), marcando a clivagem ontológica entre o ser da biologia e o homem enquanto clareira do Ser, para quem o Ser se apresenta como Ser que escolhe para sua guarda, em sua busca para a “pacificação” que duas guerras mundiais sepultaram, e agora parecem esta no horizonte ao longe.
Porque é importante ler Sloterdijk
Informei no último post que além das esferas de Sloterdijk, li somente as Esferas I que foi publicada em português, que tenho minha própria esfera emprestada de Chardin: a noosfera, e as outras de Sloterdijk tenho comentários do próprio autor e de leitores e interpretes dele.
Um resposta que li recentemente de uma entrevista dele, me deu uma síntese importante de minha proximidade do pensamento dele, ao ser perguntado sobre o que esperava do mundo acadêmico, afirmou em tom cerimonial: “A partir do século 19 (pensemos em Kierkegaard, Schopenhauer ou Nietzsche), o mundo dos filósofos se divide entre aqueles que, como eu, buscam uma aliança com os meios de comunicação de seu tempo (naquela época, a literatura; hoje, a imprensa, o rádio e a televisão), e aqueles que não o fazem, apostando no clássico vínculo entre a universidade e as editoras de livros como seu único biótopo cognitivo”, entre muitas coisas que li, esta é a mais genial.
Não aposto nas Mídias de redes sociais, blogs como este que escrevo a dez anos, por modismo ou afirmação do meu pensamento, mas porque penso que é importante dialogar com o que é hoje mediático, me recusei a algum tempo, por exemplo, ao Twitter que é impulsivo e colérico.
Outro ponto de contato é sua visão da zona de conforto, na mesma entrevista veiculada no caderno Mais+ da Folha de São Paulo de 2003, mas que fortuitamente encontrei num site para reler o que havia me influenciado na época, que me fez logo comprar o livro: Regras para o Parque Humano, publicado pela estação Liberdade na virada do milênio, mas logo parei de ler.
Só retomei anos mais tarde alertado por um aluno para a importância de seu pensamento.
Esse ponto de segurança, portanto não é zona de conforto, explica: “Estamos pensando como o ser humano arquiteta a segurança de sua existência. Como ele vive? Como previne futuras eventualidades e catástrofes? Como se defende? Como se integra em suas culturas, entendidas como comunidades de luta? É uma mudança de paradigma: da filosofia para uma imunologia geral”, isto é, procuramos um “lugar” para estar seguro, há ai uma analítica do lugar, diria na minha análise, em frontal oposição ao pragmatismo niilista e kantiano.
Uma antevisão de Sloterdijk não pode deixar de ser percebida nesta entrevista, ao prever o fascismo nos EUA: “Do ponto de vista da teoria dos meios de comunicação, o fascismo é o monotematismo no poder. Se uma opinião pública se estrutura de tal maneira que a uniformização aumenta demais, temos um sintoma pré-fascista”, há vários pontos do planeta com este sintoma, e é claro, podemos mergulhar numa nova era fascistóide da pré-guerra.
Não há como deixar de ver isto em posições na America Latina, e no Brasil em particular.
A imunologia de Sloterdijk
O conceito imunológico de Sloterdijk, bem anterior ao processo de retorno ao nacionalismo que mergulhamos em diversos países, e até mesmo na America Latina, não é apenas uma explicação de forma individualizadas de viver, mas agora também da sociedade como um todo.
Mas Sloterdijk partiu da vida individualizada (ou biós, do grego) que era caracterizada como uma fase de sucesso de sistemas imunológicos, ou seja, a fase em que a relação com o homem com a natureza era de aprendizado, a definição da biologia sistêmica, para explicar que não pode existir uma forma de vida que não se preocupe com a conservação de suas estruturas imunitárias.
Assim afirmou o autor: “Se citarmos a afirmação metabiológica segundo a qual sistemas imunológicos seriam incorporações de expectativas de lesões ou expectativas de algum dano, fica claro que as culturas humanas, na medida em que essas representam a totalidade de procedimentos preventivos – ou, podemos dizer, as tradições –, são elaboradas com maior sensibilidade contra imunidade do que as espécies animais e vegetais. E nem todo mundo sabe que o conceito da imunidade originalmente não foi um conceito biológico, mas sim jurista, que foi utilizado como metáfora na biologia” (Critica da razão cínica, 1983).
Platão tinha um sistema parecido, mas fez uso de imagens e analogias na esfera “pastoral” para falar sobre a formação do individuo, para Sloterdijk esta associação s+olida entre o professor e o pastor, alunos e rebanho, só se dissolveu com pedagogias reformadas do século XX: “Na época, isso aconteceu após a Segunda Guerra Mundial, em instituições como Summer Hill, onde o aluno passou a ser pensado como um rebanho que se autoeduca” (SLOTERDIJK, 1983)
Sloterdijk acrescenta que a questão pedagógica de como educar o ser humano é sobreposta por um drama biológico evolucionário: “A segunda descoberta da necessidade de formar o ser humano como ser humano propriamente dito – ou seja, imunizá-lo com a domesticação contra a sua própria associabilidade – ocorreu no século XIX, quando Charles Darwin colocou o ser humano no final da série de evolução, em sua teoria sobre as espécies” (Sloterdijk, 1983), afirmou em sua obra.
Nosso ponto de vista é que há também uma esfera espiritual na qual o homem evolui, seu espírito evolui, a Noosfera, conforme descrevera este Teilhard Chardin.
Holograma faz sucesso
De firma inesperada, uma cantora que é um holograma tridimensional, Hatsune Miku ganhou multidões para seus shows em várias cidades do Japão.
Os fãs de Hatsune, que é uma produção holográfica simulando uma garota de 16 anos, agitam seus apatatos luminosas e se agitam durante o show como se a artista fosse real.
Conforme reportagem do Daily Mail, a voz de Hatsune foi criada com amostras de voz da atriz japonesa Saki Fujita. Todas estas amostras contêm sons que, quando colocados em série, se transformam em palavras e frases.
Agora os criadores do holograma podem compor qualquer música que a “avatar” irá cantar mesmo sem muita elaboração.
Aonde vai a civilização ?
A crise civilizatória, profunda ao menos no ocidente, é evidente, os recuos com problemas de guerras, economias em crise e intolerância cultural e religiosa, são cada vez mais evidentes, mas aonde vamos ?
Primeiro é preciso reconhecer que em diversos processos históricos houveram recuos, um dos casos mais claro foi a restauração da monarquia na França, período que foi desta a queda de Napoleão Bonaparte em 1814 até a Revolução de julho de 1830.
Peter Sloterdijk escreveu “Se a Europa despertar”, na virada do milênio, criticando também a Europa como “império do centro”, enquanto Edgar Morin fala em romper “com todas as formas de dominação, imperialismo, colonialismo, coisificação na relação com os seres vivos, nas relações com a natureza, e nas próprias relações inter-humanas …” (MORIN, VIVERET, 2013, p. 45).
Entretanto mudanças profundas culturais estão em processo, toda mudança desperta uma dose de inercia e conservadorismo, esta é a análise que fazemos do renascer de nacionalismos exagerados (é preciso diferenciar de questões culturais e étnicas que são justas), novas formas de concentração de renda e de exclusão.
Morin analisa o processo de transformação da modernidade como: “o processo de pacificação, de civilização utilizava o perigo representado pelos bárbaros, pelos estrangeiros e pelos infiéis” (Morin, Viveret, 2013, p. 57), alertando que o processo de pacificação falhou, o que está também descrito na principal obra de Peter Sloterdijk “Regras para o parque humano”, que foi uma resposta a “Cartas sobre o humanismo” de Heidegger.
Assim como alertava o antropólogo e economista Karl Polanyi em “A grande transformação”, Morin alerta para o perigo das sociedades de mercado em oposição as economias de mercado, onde ouve uma passagem do que tinha valor não tinha preço, “para o que não tem preço não tem valor” (Morin, Viveret, 2013, p. 61), onde a lógica perversa da especulação financeira e corrupção politica destrói economias e nações, isto sem falar de situações de crise humanitária por todo o planeta.
É preciso profundas mudanças estruturais: o modelo de estado e de democracia, o controle no mercado e serviços das novas mídias sociais, a reestruturação do modelo educacional que inclua a transdisciplinaridade entre diversas áreas, e a conscientização da diversidade cultural e religiosa, entre muitas outras necessárias.
É como diz a palavra bíblica em João 6,60: “Ao ouvirem isso, muitos dos seus discípulos disseram: Dura é essa palavra, quem pode suportá-la?” isto parece bem aplicável ao momento histórico presente.
MORIN, E., VIVERET, P. Como viver em tempo de crise? Rio de Janeiro: Bertrand Russel do Brasil, 2013.
Crise civilizatória e tecnologia
Não são raros os discursos de apelo ao estado forte, a líderes messiânicos e técnicas políticas já ultrapassadas, porque existem as Mídias de redes sociais na qual rapidamente um discurso pode ser dissecado, ainda que estas próprias Mídias possam ser causa de outras verdades que não aquelas que os poderes centrais desejam, chegando ao fake e ao ódio político.
Os manuais antigos de gerência politica estão sendo reabertos pelos donos do poder, de Locke, Hobbes até Maquiavel, não faltam discursos de apelo ao “soberano” prudente e habilidoso, mas a pergunta importante é: onde estão eles, ou melhor quem são eles ?
Estas receitas estão tendo eficácia, a direita ou à esquerda, justamente pelo uso ou mal uso de mecanismos de Mídias sociais, novamente como modelo de “controle das massas”, o que foi feito com Trump e tentativas na França, mas o que chama a atenção é o discurso do ódio.
Também neste campo não faltam discursos dizendo que foram as redes que potencializaram isto, porém elas não existiam no tempo de Hitler, Mussolini e nas versões da Americana Latina: Perón, Getúlio Vargas e outros, alguém poderá dizer o rádio potencializou isto, talvez, mas o essencial foi o apelo ao nacionalismo e racismo que inflamou as massas, e ele está de novo ai.
Ao desprezar, ou utilizar mal as novas mídias fazendo o mesmo discurso que estes grupos de correntes de odio e de apelos emocionais fazem, não estamos fazendo outra coisa senão dar crédito a uma visão de ódio, de intolerância e de xenofobia presente também nas Mídias convencionais: radio, TV e cinema estão ai potencializando a violência verbal e material.
A reversão disto depende de discursos que desnudem a verdade, entramos no campo que exploramos de que são tempo de encobrimento da verdade, conforme afirma Sloterdijk, e colocar luz, ir para a clareira significa desmontar a cultura esta cultura de encobrimentos.
Há corrupção, sexismo e psicologismo em abundância, discordar disto não é “politicamente correto”, não falo aqui de intolerância é obvio, que também desvelamos ao falar esta semana de Locke, Voltaire e agora também Maquiavel, cujo discurso afirma que o mesmo não pode ser: “volúvel, superficial, efeminado, pusilânime, indeciso” (MAQUIAVEL, 1996, p.109).
Há conselho n´O Princípe como fugir do ódio, manter-se firme nas adversidades, etc. o que o torna bom para leitura, mas a comunicação e as Mídias evoluíram, é preciso no mínimo atualizá-lo.
Porque a Inteligência artificial emergiu?
O longo caminho percorrido pela Inteligência Artificial inclui a construção de linguagens como Lisp, Prolog, Haskel, mas atualmente emergiram ambientes como DialogFlow, Watson e
O Final do século 20 havia uma grande crise na IA (sigla para inteligência Artificial), mas a emergência de pesquisadores em Web Semântica retomou estudo e aos poucos, assuntos como IoT (internet das Coisas), Linguagem Natural e Machine Learning (não há uma tradução, mas poderíamos dizer aprendizagem por Máquina) emergiram.
O fato que assusta alguns está ligado ao conceito que se tem de “inteligência” e de “mente”.
Esta emergência despertou as cinco maiores companhias de tecnologia do mundo : Apple, Microsoft, Google, Amazon, e Facebook, que passaram a investir em inteligentes capazes de conversar com humanos.
Agora já 28% dos consumidores nos Estados Unidos atualmente usam algum assistente virtual, esses aparelhos que integram a tecnologia IA de um assistente de voz com um produto de casa comum tem tido grande sucesso, tais como Alexa, Echo e Google Home, mas o aumento de vendas para 39% anuais foram comemorados pelas empresas.
Em empresas a preocupação com a privacidade, a operação é feita usando armazenamento em nuvens, empresas com assistentes de som usam medidas diferentes para proteger as informações pessoais de seus consumidores, mas sabem que existem falhas nessas defesas.
O áudio enviado para a Google e Amazon é criptografado antes de ser transmitido, deixando a troca de dados supostamente segura, mas a base de dados pessoas precisa ser acessada para que a máquina vá “desenvolvendo” sua capacidade de aprendizagem.
Recentemente um pesquisador inglês da área de segurança da informação demonstrou que é possível transformar um Echo fabricado antes de 2017 em um instrumento de gravação perpetua cujo áudio pode ser transmitido a um local remoto, sem que o usuário saiba.
Para se proteger de hackers, uma boa prática é acessar sua conta e apagar o histórico de interações com os serviços periodicamente, mas resta saber se não foi hackeada neste período.
Já o Siri da Apple, ao invés de associar a gravação com a conta de usuário, ele associa a coleta da interação com você com uma série de números aleatórios.
Com ou sem segurança, este mercado cresceu e as empresas estão de olho, já é irreversível.
Cinismo e verdade nua
Disse Sloterdijk sobre a forma de violência contemporânea que usa o corpo, referindo-se a tentativa de emudecer Theodor Adorno; “Não foi a violência nua que emudeceu o filósofo, mas a violência da nudez”, e isto lhe impulsionou a escrever a Critica da razão cínica.
Os comentários posteriores ao livro, Sloterdijk discorreu sobre a transformação social e o porque ela lhe estimulou ao livro, em entrevistas ao Fronteiras do Pensamento, a verdade, em uma sociedade cuja cultura é grande parte por muitas formas de encobrimentos, surge um desnudamento agressivo e involuntário.
Há nela um rastro de considerações exageradas que levam a tentativa (ele diz que é afirmativa) na fundamentação que ela possa ser totalmente verdade, a expressão usada como tentativa de salvar o “esclarecimento” e os argumentos da Teoria Crítica, os paradoxos do método salvador cuidam para que não permaneça com uma primeira impressão.
A ideia que me parecia ir do Esclarecimento ao cínico, o próprio autor afirma que a própria investigação do cinismo se transforma na fundamentação de uma ausência de ilusões, seu comentário me esclarece as inúmeras paradas e retomadas de um livro denso e instigante.
O esclarecimento diz o autor, sempre significou a desilusão no sentido positivo e, na medida que progride, tanto se torna mais próximo a um instante no qual a razão é uma afirmação.
Segundo o autor a neurose europeia concebe a felicidade como uma meta e o empenho racional como um caminho até ela, é preciso quebrar sua compulsão, é preciso dissolver o vício crítico do aprimoramento, e isso em favor do bem, do qual desviamos tão facilmente em longas marchas.
A síntese do autor sobre a atmosfera cultural de nosso tempo é uma mistura de cinismo, sexismo, “objetividade” e psicologismo formada na superestrutura do Ocidente: uma atmosfera de crepúsculo, boa para corujas e para a filosofia.
Diálogo em tempos de intolerância
Não se discutem propostas e projetos, mas procura-se calar a voz discordando pelo apelo dramático a determinados fatos ou situações, e são fáceis de serem encontrados justamente pela ira que se tomou toda a sociedade, mas sem uma conversa serena e razoável sobre temas centrais: educação, saúde e segurança, entre muitos inadiáveis.
Os tratados de Voltaire e Locke sobre a Tolerância podem ajudar muito, ainda que eles próprios tivessem suas próprias intolerâncias, o livro Cândido de Voltaire, por exemplo, é uma ironia ao pensamento de Christian Wolff (1679-1754) discípulo de Leibniz e leitor de Kant.
Voltaire que via o fundamentalismo religioso levar pessoas, grupos e até países ao radicalismo, proclamou que era necessário: “diminuir o número de maníacos”, segundo Voltaire (2015, p. 4) e uma maneira de superá-lo era “submeter essa doença do espírito ao regime da razão, que esclarece lenta, mas infalivelmente os homens. Essa razão é suave, humana, inspira a indulgência, abafa a discórdia, fortalece a virtude, torna agradável a obediência às leis, mais ainda do que a força é capaz” (idem).
O seu cinismo, Peter Sloterdijk não o aborda diretamente, mas refere-se a todo racionalismo de sua época em “Critica da Razão cínica”, escreve que Voltaire afirmou sobre os egípcios que “sempre turbulento, sedicioso e covarde, povo que havia linchado um romano por ter matado um gato, povo desprezível em quaisquer circunstâncias, não obstante o que digam dele os admiradores das pirâmides” (Voltaire, 2015, p. 59).
Voltaire não demonstra nenhum traço de generosidade, de magnanimidade, de beneficência” (Voltaire, 2015, p. 73); em obra Cartas inglesas ou Cartas filosóficas, predomina uma visão desumanizada e estereotipada dos negros que seria digna de um processo racista hoje.
A tolerância, que não significa concordância, é baseada na ideia que as relações humanas entre povos de diferentes culturas, concepções políticas e religiosas podem conviver de forma que as relações entre indivíduos e comunidades seja de respeito aos valores do Outro.
Por isso uma ética da alteridade combinada com uma visão ontológica e antropotécnica de que somos seres complexos e que a relação com os outros e com as culturas devem e podem ter diferenças, deve estar fundamentada na ideia da diversidade e não da uniformidade.
O que pensamos sobre tolerância no passado deve ser ampliado e enriquecido pela diversidade.
VOLTAIRE. Tratado sobre a tolerância. São Paulo, Folha de São Paulo, 2015.