Arquivo para outubro, 2018
Aplacar medos e ódios: a mansidão
Há pouca literatura filosófica sobre a mansidão, mas sobre medos e ódios são abundantes, exploramos isto nos posts da semana anterior, agora desejamos amadurecer e superar tanto os ódios, os medos e principalmente as mágoas que entravam as vidas é necessário algo relacionado a temperança, a mansidão e claro uma boa dose de sabedoria crítica.
Poder-se-ia conjugá-la com a paz, com a tolerância, mas são assuntos com relação direta ao social, ao justo e principalmente a alguma dose de poder no sentido positivo que dissemos em nosso post anterior, a paz interior ou a resiliência interior como forma de tolerância não são outra coisa que a negação do contexto social e humano externo.
A mansidão é aquela força capaz de mesmo diante do contraditório ser capaz de ouvir, argumentar e em muitos casos apenas calar até que a outra pessoa consiga ouvir.
Diferente da “paz interior” ou dos conceitos sociais de paz, ela é uma forma pacífica de olhar o mundo, o Outro para além de suas limitações, de seus rompantes momentâneos ou habituais, e é capaz de transmitir serenidade e calma em ambientes hostis.
Os medos nascem da imaturidade, da incompreensão ou da fragilidade diante de uma situação, o uso de armas não leva a uma maior mansidão, leva a tentativa de leva o medo ao outro, porém quase sempre isto constrói uma escalada de ódio.
Agora sim pode ser conjugada com a ideia de paz social, a pax romana previa a submissão dos povos, a Pax de Vestfália que não foi senão um tratado de tolerância religiosa que levasse a uma paz política, já a pax eterna o direito do estado de interferir num conflito, até mesmo com violência se for necessário, isto volta a discussão na realidade brasileira.
Kant afirmava que “pelo uso e predomínio da razão, pela constituição da esfera individual – a construção do indivíduo moderno, pelo estabelecimento do espaço público para o debate e resolução dos conflitos sociais”, tal era o modelo construtor da pax eterna da modernidade.
Sem mansidão, uma dose de compreensão de hermenêutica da interpretação.
Este discurso do relembra Heidegger que tem um ensaio sobre a Serenidade (1959), Byung-Chul Han lembra que “coragem serena para enfrentar um medo essencial “[Heidegger], e quando este medo falta, o idêntico permanece, então o pensamento põe-se à mercê da “voz silenciosa” que o “acorda com os horrores do abismo”.
Versos incompletos e o poder
Toda incompletude é humana, mas é também a causa de nossa cegueira, podíamos completá-la com o diálogo, com a escuta atenta ao Outro, ou com a pós-moderna filosofia que nada tem de liquido, mas é muita sólida: viver no Outro, um pós-indivíduo.
Vejo versos libertários, literários e bíblicos, todos incompletos, pela ausência do Outro, ou pela simples divisão idealista entre sujeitos e objetos, aqui tornados plural, para dar sentido a um verso de Fernando Pessoa:
“Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha. Cada vez mais assim penso”, também incompleto, mas final pois no início é só que muitos sabem “Navegar é preciso, viver não é preciso”, que não era dele e sim o lema de muitos navegadores portugueses.
Também este poema precisa de completude: “Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir para a evolução da humanidade. É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça”, como isto é bem-vindo em tempos de eterno retorno.
Queria fazer um pensamento sobre o poder, mas não posso senão já seria poder, diz o nosso poeta português: “Tudo quanto penso, Tudo quanto sou É um deserto imenso Onde nem eu estou”, são versos de “Tudo quanto penso” sendo também incompleto.
Completo com minha vida de estudante, lutando pela democracia num país autoritário, disse os versos finais deste poema de tudo quanto penso: “Extensão parada Sem nada a estar ali, Areia peneirada Vou dar-lhe a ferroada Da vida que vivi.”
Disse Fausto no seu Goethe (foi o personagem a dizer): “embora no arrojo embora meu ser se resolva em nada”, poder de quem ? que podes sobre meu Ser ?
O tempo do ser
Há um tempo do ser e um do não ser, reclama-se hoje da aceleração, mas o diagnóstico de Chul-Han em A sociedade do Cansaço não é tão distante daquele feito por Santo Agostinho 14 séculos atrás: “O que é o tempo? Como são o passado e o futuro, uma vez que o passado já não é e o futuro ainda não é?” e o presente? Mal dizemos “agora” e já caiu no passado”, isto num tempo em que nem a tecnologia da imprensa existia, o que muda hoje então ?
O direito ao esquecimento sancionado pela corte da União Europeia em 13 maio de 2014 dá o diagnóstico de uma “doença” moderna: a híper conectividade, na gíria brasileira: estar na “pilha”.
O auxílio de máquinas que nos deveria dar tempos de repouso ao transmitir parte de nosso trabalho a elas, e a poder executar tarefas longas mais rápido deveria nos dar descanso, mas não sabemos mais ter o período de contemplação e lazer, parece ser “um tempo perdido”.
Culpamos esta aceleração pela máquina do eficientismos, a concentração de capital, e outros fenômenos que são anteriores a internet, há inúmeros autores do século passado que tocam o assunto como a Paulicéia Desvairada, um conhecido romance de Mário de Andrade de 1922, o quadro d de Salvador Dali nos dá uma ideia sobre a “persistência da memória” ou os primeiros estudos da explosão da informação que fizeram Vannevar Bush pensar na máquina Memex na década de 40,
A mesmice do Mesmo que nunca é Outro, não é devido a tecnologia e sim ao não-futuro.
Diz Mário de Andrade sobre o ser artista, em seu poema dedicado a este:
O meu desejo é ser pintor – Lionardo.
cujo ideal em piedades te acrisola;
fazendo abrir-se ao mundo a ampla corola
do sonho ilustre que em meu peito aguardo.
Meu anseio é, trazendo ao fundo pardo da vida.
a cor da veneziana escola, dar tons de rosa e de ouro, por esmola.
a quanto houver de penedia ou cardo.
Quando encontrar o manancial das tintas
e os pincéis exaltados com que pintas,
Veronese! teus quadros e teus frisos.
irei morar onde as Desgraças moram;
e viverei de colorir sorrisos
nos lábios dos que imprecam ou que choram !
Talvez seja um tempo duro para fazer poesia, ou para contemplar, porém não podemos deixar o Ser morrer por causa de um Tempo cuja fragilidade do Ser sempre se esvai.
A cura do cego de nascença
Em seu Ensaio sobre a cegueira (Companhia das Letras, 2002), José Saramago dá uma lição muito simples sobre ontologia: “Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos”, o convívio social, a cultura e a política revela-nos aos poucos aos outros.
De certa forma todos vemos um pouco e todos temos “pontos cegos” e precisamos do Outro para ver melhor.
Entre todos os milagres bíblicos, certamente muitos consideram a ressurreição de Lázaro algo extraordinário, mas lembro muitos casos de pessoas que ficaram em coma até durante anos e voltaram a vida, considero o caso do cego de nascença a mais fantástica (João 9:6-7), porque?
Uma pessoa que nunca enxergou não tem a parte funcional cognitiva preparada para discernir os mundos, até os 2 anos são as sensações de distância e obstáculos que são estimuladas ligadas aos movimentos, até a criança andar, até chegar a idade das construções simbólicas onde cada objeto do universo complexo das coisas é identificado.
Portanto curar a cegueira, é em última instância reconfigurar o sistema simbólico de um cego, numa democracia significa ir tateando a partir do universo “infantil” até chegar a um universo simbólico dos valores que devem estar presentes numa democracia madura: respeito, tolerância e discussões essenciais sobre o universo simbólico.
Diríamos que a democracia em amadurecimento no Brasil, ela teve pouco espaço na história para se desenvolver, está no final da idade crítica da adolescência, pais enérgicos parecem resolver os problemas, mas ao mesmo tempo afastam os jovens do diálogo.
Mas há outra passagem que é a do cego Timeu, que quer ardentemente ser curado da cegueira, é o caso de alguns na democracia brasileira, e pede a Jesus: “Jesus filho de Davi, tem piedade de mim!” Mc (10,49) e Jesus o cura e diz: “tua fé te salvou”.
O voto daqueles que tem fé verdadeira, e que querem a cura da cegueira verdadeira, pode decidir uma eleição, se desejamos a paz, a justiça e um país que nos orgulhe a todos, podemos refletir sobre nossa própria cegueira, a dificuldade de ver tudo claramente e pedir a cura.
Há uma grande noite sobre o pensamento ocidental por isto somos todos um pouco cegos.
Cegueira e medo
A euforia de um recuo conservador dura pouco, porque apesar de recuos a sociedade como um todo, incluindo a economia, os valores culturais e até mesmo a ecologia (em crise a um bom tempo, a ponto de catástrofes anunciadas) devem dar sinais vitais ou de perigo.
Foi o alerta americano sobre possibilidades de verdadeiras bombas contra a democracia, que inclui o ex-presidente Barack Obama, a candidata Hillary Clinton e alguns deputados democratas, lá como aqui a suspeita de atos autoritários e até mesmo condenáveis dão sinais.
O resultado refletiu nas economias, as bolsas caíram e o dólar subiu, pouco é claro, mas é uma amostra clara que se estamos no caminho errado a euforia logo cai na realidade: o medo.
Em nota oficial o FBI esclareceu que as embalagens direcionadas ás famílias Clinton e Obama foram identificadas durante “procedimentos de rotina de triagem de correio”, o que fez a Casa Branca tentar minimizar os fatos dizendo que eram “desprezíveis”, o que se viu foram fatos.
O edifício Time Warner, por exemplo, em Nova York foi evacuado (foto) onde estão gabinetes de deputados democratas, e segundo agências de notícias, o primeiro a receber pacotes teria sido o investidor em bolsas, conhecido no Brasil por suas manipulações, George Soros.
Assim é o obscurantismo e a cegueira que espalham o medo em primeira instância, o discurso pode parecer como tendo fundamento, mas ao revelar sua face verdadeira, a cegueira segue o medo e muitas vezes levam ao terror.
Claro que é só um sintoma, um evento pequeno, porém não “desprezível” como aponta a Casa Branca, se não levado a sério pode desencadear na sociedade um clima de pânico que segue ao medo, e as repercussões no “bolso” da economia que dói aos poderosos, é afetado.
Todos queremos uma sociedade segura, os caminhos que levam a ela é que são diferentes, sem um caminho que garanta direitos a todos indistintamente, superando desigualdades e preconceitos, geramos uma “paz” duradoura, diferente daquela proposta por Kant como “pax eterna”, a sociedade moderna que assistiu a duas guerras mundiais sabe que ela não é efetivamente duradoura.
Escreveu Byung Chul Han em A expulsão do outro (Relógio d´água, 2018, p. 22): “o medo de cada um por si provoca inconscientemente a nostalgia de um inimigo. o inimigo é, ainda que de modo um provisor de identidade”, retirado do texto Theorie des Partisan de C. Schmitt, citando-o textualmente.
Wikipedia e Inteligência Artificial
Tendo já quase superada a questão do ponto de singularidade (ver nosso post), o ponto que a máquina ultrapassaria a inteligência humana, a questão se volta agora para a consciência e um ponto bastante abordado é a questão da consciência.
Neste sentido a crítica principal é a perpetuação de preconceitos, o que evitaria o que chamo de hermenêutica, mas é uma visão incorreta da evolução da tecnologia digital, por exemplo, o uso de Ontologias Digitais e a capacidade de buscar estudos científicos fora do Wikipedia.
É o que anunciou recentemente um artigo do The Verge, e a omissão mais grave depois de pesquisar cientistas que são omitidos no Wikipedia, foi observar que 82% das biografias escritas são sobre homens.
Em um post no seu blog, conforme o site The Verge, John Bohannon, diretor da ciência da Primer, explica o desenvolvimento da ferramenta Quicksilver para ler 500 milhões de documentos originais, peneirar os números mais citados e depois escrever um artigo básico sobre o trabalho destes cientistas não citados no Wikipedia.
Dois exemplos de mulheres ilustres encontradas e para as quais foram escritas artigos em AI são o de Teresa Woodruff, uma cientista que projetou ovários para ratos com uso de impressoras 3D, foi citada pela revista Time em 2013, com uma das pessoas mais influentes no mundo científico, e outro caso é o de Jessica Wade, uma física do Imperial College London, que escreveu a nova entrada de Pineau.
Wade foi uma das cientistas que afirmou para a “Wikipedia é incrivelmente tendencioso, e a sub-representação das mulheres na ciência é particularmente ruim”, e elogiou o Quicksilver afirmando que com ele você pode encontrar rapidamente grande quantidade de informações muito rapidamente.
A Wikipedia terá que evoluir com ferramenta de Machine Learning, isto poderá acontecer nos próximos anos, o fato que existem ferramentas específicas para isto não invalida o Wikipedia, mostra que tem pontos fracos e devem ser corrigidos.
A expulsão do Outro
O olhar de Byung-Chul Han sobre a contemporaneidade não poderia ser mais autentico para o autor da Sociedade do Cansaço, da Salvação do Belo e do Aroma do Tempo, entre outros livros é claro, mas tem logo em suas primeiras páginas, a relação com tudo isto e com o belo: “Se uma flor tivesse em si mesma a sua plenitude ôntica, não teria necessidade de que a contemplassem” (Han, 2016, p. 13), parece paradoxal esta frase mas não é, está no seu livro “A expulsão do Outro” (HAN, 2016).
O autor analisa questão [em Max Scheler] de Santos Agostinho atribuir “de uma forma estranha e perigosa° uma necessidade às plantas:
“de que os homens as contemplem, como se, graças a um conhecimento do seu ser guiado pelo amor, experimentassem alguma coisa de análogo à redenção” [Han apud Scheler, 2016, p. 13).
Han esclarece que o conhecimento visto desta forma é redenção, mas note-se que não há como nesta forma separar sujeito de objeto na ação de contemplação, o que é longamente analisado em outro livro seu A sociedade do cansaço, aqui a relação amorosa com o objeto enquanto outro.
Nisto o autor distingue a simples notícia ou informação, “à qual falta por completo a dimensão de alteridade” (idem, pag. 13), aquela que seria capaz de revelar um mundo novo, uma nova compreensão daquilo que realmente é, fazendo de súbito que o novo apareça (idem).
Retomando Heidegger, afirma que todo esta falsa objetividade não significa outra coisa que “Senão esta cegueira aos acontecimentos” (Han, 2016, p. 14).
Embora sua visão seja excessivamente pessimista da rede e do digital, tem razão ao dizer que “a proximidade traz inscrita em si a distância como seu contrário dialético. A eliminação da distância não gera mais proximidade, antes a destrói” (Han, 2016, p. 15) e sentencia de modo categórico, que na falta de distância nem o idêntico que ela cria contém vida.
Retoma o tema de outro livro “A agonia do eros”, dizendo que “na pornografia todos os corpos se assemelham” e o corpo fica reduzido ao sexual não conhece outra coisa.
Faz uma rápida análise do filme de animação Anomalisa (figura acima) feito por Charlie Kaufman em 2015, que revela o inferno do idêntico, coloca o quadro Golconda de René Magritte, o surrealista belga, estilizado em seu livro “Enxame”.
O livro analisa ainda o terror da autenticidade, o medo e a alienação antes de analisar a linguagem e o pensamento do Outro, o pensamento moderno não é outra coisa como consequência do “esquecimento do ser”, da separação de sujeito e objeto, a expulsão do Outro.
HAN, Byung Chul. A Expulsão do Outro, Lisboa: Relógio d´água, 2016.
Diálogo Ausente
Faltaram diálogos, sobraram abismos, e nem sempre fomos bem esclarecidos, não há clareiras, mas abismos, poucas pontes seguras e muito desamor e descrédito.
A escritora brasileira Elisa Lucinda diz: “minha literatura é cheia desse assunto de injustiça do mundo, o amor como grande antídoto é um dos meus temas preferidos” (entrevista Diálogos Ausentes, Itaú Cultural, 2017).
Escreveu sobre Fernando Pessoa: “O cavaleiro de Nada”, junto com Rubem Alves: “A Poesia do Encontro”, sobre sua plenitude em “Vozes guardadas”, são os que conheço, mas há outros na minha pilha para quando os afazeres obrigatórios me deixarem espaço para os prazeirosos.
Elisa Lucinda é atriz, cantora, jornalista, professora, cantora e poeta, pouco conhecida pela grande mídia, até por gente engajada e consciente, mas é uma “farra de inéditos”, como gosta de se referir aos seus livros, os livros que ela ama e venera.
Faz a defesa mais bela, des-preconceituosa e autêntica dos livros: “As crianças vão à escola e saem sem saber que livro é arte, que o escritor é um artista, sem saber que quando elas amam Harry Potter, Branca de Neve e Dom Quixote no cinema, tudo isso foi livro”.
Em tempo de diálogo ausente é bom lembrar esta brilhante escritora, que escreveu no livro última moda:
“Nos mares doces e nas difíceis águas da vida crua, minha alegria prossegue, continua.
Despida de armas e de medos, sou mais bonita nua” escreveu Elisa.
Se muitos tem medo, se a notícia é dura e crua, não nos calaremos nem temeremos porque arrancaremos do peito o medo e combateremos com os loucos pelas ruas.
Faltam pontes, erguem muros, fecham portas e falam de escuro, quanto a nós continuamos buscando clareiras.
A vontade de poder e o sagrado
É fato que os conceitos de Nietzsche são fortes: em nossos instintos estão sempre presentes as ideias de vontade de poder, enquanto nada muda ficamos no eterno retorno (Ewige Wiederkehr) e nos imaginamos um super-homem (übermensch), porém isto é uma forma de esvaziamento, o niilismo.
Há outros instintos que nos ligam ao sagrado, a ideia de servir e o respeito ao outro (que são os limites para nossa vontade), e sem eles qualquer âmbito da nossa relação social podem cair naquilo que vou chamar de “niilismo social”, ou seja, o esvaziamento do pensamento social.
Limitados a vontade de poder, são apenas nossos instintos que falam, e as atitudes mesmo na política tornam-se emocionais, apaixonadas no mal sentido, é possível apaixonar-se pelo Bem.
Coloco o Bem em maiúsculo porque não deve ser confundido com o bem maniqueísta, ao imaginar que estamos lutando contra um “mal” muitas vezes simbólico (leia-se A simbólica do mal de Paul Ricoeur) voltamos em “eterno retorno” aos nossos instintos de poder e intolerância.
O ponto que Nietzsche tinha razão é que tais instintos existem, são eles que levam ao falso conceito de autoridade como mão de ferro, e estes levam a totalitarismos, mesmo na vida cotidiana, que esvaziam o sentido de educação, de serviço, o que chamo de “niilismo social”.
Ligado ao sagrado este conceito se purifica, pode tornar-se generosidade, benevolência e até mesmo uma virtude teologal que é a “caridade”, e sem este o “niilismo social” é um caminho.
É isto que faz mesmo pessoas com boa intenção cair na tentação da mosca azul, o poder pelo poder, mesmo os discípulos que caminharam ao lado de Jesus tiveram esta “tentação”, pedem a Jesus no teu reino: “deixa-nos sentar um a direita e outro a tua esquerda” (Mc, 10,37).
Jesus dirá que não sabem o que pedem, diríamos nos dias de hoje não sabem o que escolhem, a ideia de um poder forte que resolva questões sociais profundas, que dependem de uma nova visão de mundo, para sair do eterno retorno, dependem da mobilização da vontade popular e não de um poder central mais forte, é uma tentação também para quem defende o social.
Foi a ideia de um estado forte, conduzido por líderes com “carisma”, que levou o mundo a uma segunda guerra mundial, a sociedade em rede, e a rede são pessoas, precisa sair do seu “niilismo social”, saber que é preciso passar por sacrifícios para mudar, Jesus perguntou aos apóstolos que queriam sentar-se ao seu lado: “Podeis beber o cálice que vou beber?” Mc 10,38.
A grande mudança que necessitamos requer uma cidadania global e não um retorno ao tempo da “Riqueza das nações” de Adam Smith, ainda que o sentimento de nação e povo sejam bons.
Heidegger e o Poder
Embora possa se fazer uma especulação sobre a questão do poder no conceito de pre-sença que é uma resposta de Heidegger ao racionalismo, o ser-para-o-fim “não se origina primeiro de uma postura que, às vezes, acontece, mas pertence, de modo essencial, ao estar-lançado da presença, que na disposição (do humor) se desvela dessa ou daquela maneira.” (Heidegger, 2015, p. 327).
É a ideia que este ser-lançado, a presença “existe para seu fim” (idem), o para está destacado por que está na relação com o conceito para-si de Hegel, e através disto seria possível fazer a especulação do que é de fato a relação que Heidegger vê com o poder, a partir da presença.
O caminho que faremos é mais direto, porque Heidegger analisou diretamente esta questão, estudando a vontade de Poder em Nietzsche, e o eterno retorno que de modo indireto, já fizemos (post) a análise no eterno do estado e queremos aprofundar o conceito.
A afirmação que em nossos instintos estão sempre presentes as ideias de vontade de poder, eterno retorno (em alemão Ewige Wiederkehr) e super-homem (em alemão übermensch), e os dois últimos são conduzido pela vontade de poder, portanto sua categoria principal.
O ente para Nietzsche não é pensado como ser, mas como querer inerente à vontade, assim o ente que quer sempre a si mesmo de modo instável e insaciável é o que o torna, um ente metafísico do querer e não necessariamente do Ser.
Em Nietzsche é um “torna quem tu és” que vale e não o princípio socrático “conhece-te a ti mesmo” que é mais próximo do ser ontológico, e Heidegger vai propor o “confronto” que é a revisão da fundamentação originária do pensamento ocidental, em torno da essência e em sua necessidade, descrita assim: “se uma consideração mais originária sobre o ser deve se tornar necessária a partir de uma urgência histórica do homem ocidental, então esse pensamento s+o pode acontecer na confrontação com o primeiro começo do pensamento ocidental.
Essa confrontação se dá plenamente, “ela mesma permanece fechada em sua essência e necessidade, enquanto a grandeza, quer dizer, a simplicidade e a pureza da tonalidade afetiva fundamental do pensamento e a força do dizer adequado se recusarem para nós.” (Heidegger, 2015, p. 479).
Não por acaso, o brasileiro nietzschiano Oswaldo Giacóia Jr escreveu “Heidegger urgente: introdução a um novo pensar” (Três estrelas, 2013) que é um guia para leitura de Heidegger muito precisa, esclarece que Heidegger pretende reatar um pensamento ainda mais “radical e originário do que aquele que foi vivenciado na Grécia … “ (Giacóia Jr, 2013, p. 46), para corresponde à verdade do Ser como desvelamento (alétheia) diria ainda mais um retorno a sua essência.
Neste contexto o Ser, numa nova poiésis (a maneira criativa e infinita de pensar o Ser), deve antes de tudo a vontade de poder que está presente no messianismo e na mitologia de todo pensamento contemporâneo, fonte das bases autoritárias de fazer política e de sociedade.
O eterno retorno é o conceito mais frágil, não há a questão da consciência histórica nem do tempo, o que diferencia profundamente do circulo hermenêutico de Heidegger.
GIACÓIA JÚNIOR. Oswaldo. Heidegger urgente – Introdução a um novo pensar. S.P. Três Estrelas, 2013.
HEIDEGGER, M. Ser e tempo, 10a. edição, Trad. Revisada de Marcia Sá Cavalcante, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2015.