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Arquivo para novembro, 2018

Padre Manuel Antunes, se “calhar” é universal

05 nov

A entrada de meu ambiente de estudos em Portugal, deparo com um cartaz que dizia uma conferência sobre o Padre Manuel Antunes: Repensar Portugal, a Europa e a Globalização, os dizeres eram exatamente estes, mas de relance me veio a memória um livro pego na Web para entender um pouco mais de Portugal: “Repensar Portugal” (veja o pdf), depois fico sabendo que há um livro da editora Bertrand com este todo nome do evento, publicado em 2017.

Se calhar é uma expressão portuguesa mais ampla que no Brasil, usada como poderá ser, quem sabe ou mesmo é possível. 
Também revejo meus pré-conceitos, daquela que eu tinha de nossa pátria mãe não só porque chegaram ao Brasil, mas também porque nos deram os governantes imperiais, D. João VI que migrou e estabeleceu a coroa lá, D. Pedro I (aqui em Portugal, D. Pedro IV) e sua filha mais velha nascida em São Cristóvão no Rio de Janeiro, D. Maria II que dá nome a um teatro e alguns sítios (lugares) em Portugal.
A leitura inicial, sem nenhuma vivência em Portugal, era de um país isolado, um tanto acanhado, e o texto do Padre Manuel Antunes confirmava, lê-se no início de Repensar Portugal: “a possibilidade do termo do isolamento internacional, daquele “orgulhosamente sós” que é a contradição mesmo do mundo em que vivemos” (Antunes, 2011, p. 35), onde já pode ler o universal, esta obra no original é de 1979, cinco anos após a Revolução dos Cravos.

Ao falar da Revolução dos Cravos, a que pôs fim a era salazarista, disse o Padre Antunes: “Festa dos cravos de Maio, da confraternização do Povo e das Forças Armadas, do entusiasmo colectivo, de uma certa irmandade não fingida, de uma vasta disponibilidade à abertura, de uma, por vezes cândida e larga, espontaneidade” (idem pag. 35).

De início a curiosidade religiosa me movia, pensando nos sermões do padre António Vieira, mas além do pensamento erudito, foi desta leitura que entendi que devia conhecer seis datas essenciais para Portugal, a Revolução dos Cravos (1974) e: 1385, 1640, 1820, 1910 e 1926.

Destaca já no início, em busca de uma identidade portuguesa, sem chauvinismo, sem messianismos e sem isolacionismo, a vê como um “um país paradoxo vivo dos mais estranhos que a memória dos homens conhece” (pag. 36), com muitas exceções: um império colonial tão largo (Portugal é o primeiro império da era moderna de Macau, Goa até a África e o Brasil), exceção como realizou sua revolução política (a esquerda como é normal), foram as próprias forças armadas que desaparelharam o Estado e fazem voltar do exílio membros de partidos proscritos.

Perguntava na época, fazendo um paralelo ao ano da revolução liberal de 1820 (feita pela coroa), “prefácio às Cortes Constituintes do mesmo ano. Seguir-se-á 1823?” (pag. 37) e teria relação com nossa “independência” de 1822.
Diz em sua obra como que definindo uma identidade portuguesa, após dizer que fizeram várias imitações (1820, a Espanha; em 1834, a Inglaterra; em 1910, a França jacobina com o regicídio e 1926 Itália fascista), foi com o assassinato do Rei Carlos I e o herdeiro que se fez a república.

Porém destaca traços peculiares no povo português: “Povo místico mas pouco metafísico; povo lírico mas pouco gregário; povo activo mas pouco organizado; povo empírico, mas pouco pragmático” (idem) e destaco o traço mais essencial que difere-o de toda Europa: “povo convivente, mas facilmente segregável por artes de quem o conduz ou se propõe conduzi-lo” (ibidem), mas o convívio reservado na privacidade como todo europeu, é prazeroso e alegre diferente de toda europa e parte do mundo onde a indiferença já impera.

Este erudito português, falecido em 1985 não viu Portugal integrar-se a Comunidade europeia e a crise que se sucedeu, mas deu uma sentença fundamental: “A hora lírica está a passar. Começou a suceder-lhe a hora da acção” (ibidem), alertando para modelos de mudança que se estagnaram, que é um alerta para muitos que estão em passos de retrocesso. 

Site: http://centenariopadremanuelantunesj.pt/

 

Luta pela paz, com mansidão e justiça

02 nov

A história da humanidade é até os dias de hoje uma história de guerra do Mesmo contra o Outro, o livro A expulsão do outro de Byung-Chul Han não é senão a constatação desta realidade, pode-se revolucionar esta história ?
É nosso destino, uma fatalidade, penso que não, quando mais se falou de paz se fez a guerra, talvez quando mais se fale de guerra possa ser pensada a paz, a Terra como pátria humana.
Os desafios são imensos, e os medos crescem a cada novo governo autoritário, é bom que se diga também há ilhas de esquerda, e fortaleza de direita que não são senão pessoas “eleitas”.
Não penso em resistência nem em oposição, continuo a pensar em transformação, o grande retrocesso que acontece em toda humanidade, se fosse localizado seria fácil tem uma só leitura: não conseguimos ir a frente, os saudosistas dizem: “como era bom aquele tempo”, qual ?
Lutar pela paz deve ser também pela justiça e contra toda sorte de opressão, engrandecer a sabedoria simples e entender que é preciso profundidade para ser simples, uma “sofisticação” como disse Leonardo da Vinci, e estabelecer um espírito de mansidão onde seja possível pensar.
Sem deixar de perceber uma dose excessiva de autoritarismo é hora de perguntar, qual o lugar exato do estado na vida cotidiana? sua abrupta interferência até na vida pessoal não é senão uma forma de autoritarismo? temos câmaras e radares a cada quilômetro, não é exagero.
Armas para a paz, não faz o menor sentido, mais armas mais violência, nunca o contrário.
Lembram as bem aventuranças bíblicas Mt 5,5: “bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra”, claro o que vejo hoje é o poder na mão de raivosos e autoritários, mas não é o fim.
O verso longo seguinte é praticamente um alerta para a justiça Mt 5,6: “Bem-aventurados os que têm fome e se de justiça, porque serão saciados”, e, mais a frente Mt 5,9: “os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus”, será que o humanismo morreu ?
O fato que todos, ou pelo menos uma grande parte da humanidade, tem uma percepção que algo precisa ser feito com urgência para superar os “perigos contra a humanidade” nos desafia.
É urgente uma governança mundial, e não menos urgência programas de distribuição de renda.
O colapso ecológico, e nas grandes metrópoles também o urbano pedem medidas mundiais.
Lembro as duas bem-aventuranças como estímulo para aqueles que lutando pela humanidade sofrem perseguições, injustiças e calúnias.
Mt 5,11 “Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e, mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim”, isto é cristianismo, é preciso conjugar Amor com paz e justiça.

 

Simplicidade e profundidade: problemas modernos

01 nov

Aprendi na infância com a simplicidade de meu pai que pode haver sabedoria e pensamento profundo onde não há cultura erudita, a razão é muito simples, algumas pessoas ficaram imunes a contaminação dos argumentos racionalistas, iluministas e idealistas.

Isto porque muita coisa no senso comum tem presente estes raciocínios, por exemplo, a visão mecanicista da relação causa e efeito, não vale mais com a física quântica, os argumentos muito usados como autoajuda contemporânea é contestado pelo poeta Fernando Pessoa: “querer não é poder”, pelo simples fato que existe o Outro, mas no argumento do poeta: “Quem pôde, quis antes de poder [para] só depois de poder”, mas conclui: “quem quer nunca há-de poder, porque se perde em querer”, poderia acrescentar à mansidão do post anterior.

Quanto a profundidade, não é pensador ou filósofo quem lê pensadores ou filosofia, mas quem aprendeu com treino de audição e leitura também, a meditar, pensar em contemplação, quase impossíveis em tempos ruidosos e ansiosos.

Pode pensar quando se tem tempo para isto, quando consegue sentir o Aroma do Tempo, diz no livro com este nome Byung-Chul Han: “o aroma não é de uma eternidade atemporal”, mas de estratégia de duração, diríamos de dilatação do tempo pela contemplação e aquietação do Ser, tão necessários a vida moderna.

Isto pode parecer por demais dispendioso, usar o tempo para em não “gastá-lo” em não “utilizá-lo”, é sim usar também o tempo de modo não consumista ou utilitarismo, como tempo do Ser.

E as pessoas simples, porque aprenderam na sua simplicidade a apreciar uma paisagem, uma flor ou mesmo uma boa música ou um belo quadro, na realidade estão educados a “ser”.

Lembro de meu pai na infância dizendo: “é melhor acender uma vela que amaldiçoar a escuridão”, parecia então provinciano e demasiado simplista, mas era pura sabedoria: a clareira.

Em termos bíblicos é minha interpretação hermenêutica dos “pobres de espírito”, num sentido que deixam passar fatos claramente e sem sentido e mergulham nos essenciais.

Disse o multifacetado artista Leonardo da Vinci: “A simplicidade é o último grau de sofisticação.”