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Arquivo para 2020

De que nossa consciência será um dia cobrada.

20 nov

Não é preciso ser religioso para perceber que um dia, mesmo que seja diante da morte, pensaremos o que foi a nossa vida, como tratamos aos pobres, a todas as pessoas que nos foram próximas, a natureza e ao respeito a privacidade alheia, enfim a tudo que preserva a vida, e a água é a origem da vida, e ão há vida se não houver o Outro que não são aqueles próximos tão próximos, mas também aos que estão distantes ou não são do nosso círculo.

Certamente teremos em mente algum dia sobre o que foi que fizemos e o que deixamos de herança para as pessoas que nos queiram bem ou mal, não importa, cada um estará diante da própria consciência, e como diz a fenomenologia consciência é consciência de algo, o que é este algo diante da vida.

Quais são este algo essenciais a vida: a fome, a sede, a falta de habitação e o ultrage a cada pessoa, pode-se dizer que é a invasão de privacidade, o excesso de explosão pública, que Byung Chul Han chama de narcisismo, além dos diversos tipos de abusos, são todos uma espécie de nudez.

A falta de água potável para em torno de 500 milhões de pessoas, mas também a falta de políticas públicas de saneamento básico que atinge outro meio bilhão de pessoas, torna o problema da água um problema vital para muitas pessoas no planeta.

Aos que creem o exame final no qual diante de Deus todos serão cobrados está descrito pelo evangelista Mateus como aqueles que serão chamados a participar do Reino de Deus (Mt 25: 35-39): “Porque tive fome, e me destes de comer: porque tive sede e me destes de beber: era forasteiro, e me hospedastes: estava nu, e me vestistes, enfermo, e me visitastes: preso, e fostes ver-me. Então perguntarão aos justos: Senhor, quando foi que te vimos com fome e demos de comer? Ou com sede e te demos de beber? E quando te vimos forasteiro e te hospedamos? Ou nu e te vestimos?”, e a resposta será tudo o que fizemos aos mais pequeninos foi a mim que me fizestes.

A crueldade que mesmo em tempos de pandemia permanecem, quando até não crescem, torna o ambiente civilizatório perigoso e preocupante.

 

O problema da água e do saneamento

19 nov

Embora o planeta tenha água em abundância o problema da água não é desprezível e o que afeta diretamente o planeta, em especial os pobres e os que vivem em regiões sem saneamento básico, é o problema da água potável, e nele está o grave problema da contaminação por atividades agrícolas.

Assim é preciso junto ao inadiável problema da gestão sustentável da água, pensar um desenvolvimento sustentável em três dimensões: social, econômica e ambiental, mesmo aqueles que afirmam política públicas para isto não aceitam a redução de atividades econômicas rentáveis e poluentes.

Os estudos apontam que as causas maiores, cerca de 70% são devido ao mal uso do solo na agricultura (defensivos agrícolas, assoreamento de rios, monocultura intensiva, etc.), depois vem a poluição da indústria 20%, o uso doméstico 7% e as perdas 3% (veja a figura acima).

Por que foi da biologia e dos ecossistemas que vieram as ideias da complexidade, é este o setor mais sensível a pequenas atitudes que podem e devem mudar o planeta no futuro, recolher o lixo poluente, fazer coleta seletiva e até mesmo reaproveitar agua de chuva e usar energia solar são atitudes que podemos tomar individualmente e serão benéficas como um todo, vejam que a complexidade podem envolver ideias simples de serem praticadas.

A educação das novas gerações devem assim ser responsabilidade de todos, do poder público, das escolas e das famílias, pequenos hábitos inseridos no dia a dia podem transformar em escala um número enorme de situações, efeito conhecido na complexidade como “efeito borboleta”, a batida da asa da borboleta podem influenciar o clima, e o desmatamento e descaso com a natureza tem efeito negativo no clima.

As pesquisas em planetas onde pode haver vida tem como primeiro item a presença de água, e providenciar água potável é então a primeira atitude em defesa da vida.

 

O erotismo em tempos de crise

18 nov

O assunto é difícil quando não se desvia para o liberalismo geral, defesa do erótico a qualquer preço ou da “liberdade do corpo”, porém o que acontece é que entre as diversas crises civilizatórias também o amor humano se encontra em crise.

Encontro pouca literatura existe a respeito que não vá para o liberô geral ou para o moralismo doentio, o que acontece é que, reconhece o filósofo Byung Chul Han, vivemos A agonia do eros, a incapacidade de amar, e no diagnóstico do filósofo coreano-alemão, estamos destruindo as relações a partir da erosão do Outro, que atinge todos os âmbitos da vida e caminha de mãos dadas com um “narcisismo doentio” que invade nossas vidas.

Escreve seu diagnóstico mais profundo: “O fato de o outro desaparecer é um processo dramático, mas, fatalmente avança, de modo sorrateiro e pouco perceptível”, um indício é o número de selfies onde as pessoas procuram mostrar suas diversas faces, sem escolher situação e em qualquer lugar.  

Se não reconhecemos a outra pessoa como um “outro”, nos tornamos incapazes de amar, e assim de chegar a uma viva e libertadora experiência do amor, é libertadora inclusive de nós mesos, de nossas frustrações e incoerências, sintetiza Han é o outro que nos salva de nós mesmos.

Em tempos de crise o amor, o carinho e o verdadeiro interesse pelo Outro é o que pode tornar a crise menos grave, se estamos vivendo o oposto, mais egoísmo, mais narcisismo e mais competição (Han argumenta como a sociedade da eficiência e do apelo ao sucesso) significa mais crise e menos erotismo.

Não há como desenvolver o amor e a alegria em torno destas situações, mesmo aqueles que tem uma relação de amor sofrem as consequências do ambiente violento e de apelos a atitudes contrárias ao amor e a afetividade, mesmo relações de amizade que requerem empatia estão em jogo.

Faço ainda uma reflexão além de Han, porque justamente a sociedade que mais exalta o erotismo sofre com a agonia dele, talvez aquilo que vemos como erótico ultrapasse os limites da privacidade, de algum recato e de respeito aos limites do Outro e do próprio corpo.

O discurso do respeito não está ultrapassado, afinal o que são os números assustadores de violência doméstica de todo tipo, senão a ausência do respeito, a imagem “Dentro e fora” (1929) de André Groz dá contornos interessantes sobre o aspecto da ligação do erotismo com a falta de sensibilidade.

 

Os pobres e a pobreza

17 nov

O pobre é a condição desumana de vivência de uma determinada pessoa que pode ou não estar vinculada a condição social, já a pobreza é estrutural e onde ela existe boa parte da população ali está condenada a ser pobre.

Relatório da ONU de 2019 dava o dado de 500 milhões de pessoas vivendo em condição de pobreza, abaixo da linha da dignidade humana, o português  Pedro Conceição, diretor do Escritório que fez o relatório do Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento, cria um conceito importante da pobreza multidimensional, que cria indicadores ligados a saúde, à educação que são o impacto estrutural em suas vidas:

“Pobreza Multidimensional é um conceito importante, porque tenta perceber de que forma é que as pessoas vivem em pobreza, mas não só. Através do fato de serem baixos níveis de rendimento. Tende a medir também a forma como indicadores ligados a saúde e à educação têm impacto na forma como as pessoas vivem as suas vidas. Quando temos este conceito um bocado mais abrangente da pobreza, aquilo que verificamos é que o número de pessoas que vivem em pobreza é maior do que aquele número de pessoas que vivem em pobreza quando medimos apenas através do rendimento. Há 500 milhões de pessoas que vivem em pobreza multidimensional do que aquelas que vivem em pobreza extrema, se olharmos apenas para indicadores de rendimento.”

Assim quando medimos apenas o rendimento estamos encontrando aqueles que são pobres, e é preciso atacar o problema estrutural que é multidimensional.

O relatório diz que 85% da pobreza mundial está concentrada na África subsaariana, em países como Burquina Faso, Chade, Etiópia, Niger e Sudão do Sul, há 90% de crianças com menos de 10 anos consideradas multidimensionalmente pobres.

O relatório avalia os progressos que foram conseguimos para atingir o objetivo 1 da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável que prevê erradicar a pobreza “em todas as suas formas em todos os lugares”, neste relatório o número cresce para cerca de 2 bilhões de pessoas que abrangem a pobreza global.

Locais onde há “um progresso estatisticamente significativo” para alcançar o objetivo 2 e reduções mais rápidas ocorrem na Índia, Camboja e Bangladesh, mas não se pode pensar que este desenvolvimento será “natural” se não houver um esforço por parte de países ricos de repensar a distribuição de renda.

 

A segunda onda e as vacinas

16 nov

A segunda onda chegou nos Estados Unidos, é bom lembrar que  está no mesmo hemisfério que a Europa, assim o período sazonal no qual a o vírus prefere períodos mais frios e úmidos, lá estão no meio do outono e se aproximando do inverno, fez com que os números de infecções e mortes subisse em território americano, quinta feira passada chegou aos

Já as vacinas seguem a polêmica da Coronavac, enquanto o sucesso inicial dos testes da Pfizer e BioNTech apontando uma eficácia superior a 90%, fez até as bolsas subirem e haver um otimismo em torno da pandemia, afetando até mesmo as bolsas.

A fórmula de desenvolvimento possui uma ação diferente das tradicionais, funciona como um imunizante que sim ter a capacidade de acabar com a pandemia da Covid-19, a maioria das vacinas usam a ideia do vírus enfraquecido ou do vírus inativado, que é o caso da Coronavac.

A vacina das farmacêuticas Pfizer e BioNTech, apontaram uma eficácia superior a 90% e a fórmula possui uma ação diferente das vacinas tradicionais, ele possui um imunizante a ideia é fazer o nosso próprio corpo produzir a proteína do vírus e assim ampliar as possibilidade de produção de anticorpos.

Os casos relatados que afirmam que a vacina provoca uma “ressaca”, como o próprio nome diz são casos e não há nenhum estudo científico que indique algum problema devido a este efeito colateral, quase todas vacinas provocam algum efeito uma febre pequena, um cansaço ou alguma dor no corpo.

Também a antecipação da vacina é possível tanto para a Pfizer como para a coronavac, com a comprovação de uma segunda onda vindo, o número de casos nos EUA cresceu de maneira surpreendente chegando a 76.195 na última quinta-feira (o recorde de 16 de julho foi 77.299) e a Europa já adota medidas de isolamento social para tentar conter a segunda onda, que já anunciaram medidas de fechamento de escolas e restrição de bares e restaurantes.

No Brasil os números também estão subindo, ainda sem medidas concretas, a maioria dos governos estaduais vacilam em tomar medidas duras devido o cansaço da população com as restrições que se prologam, embora nunca tenha havido uma medida dura como um lockdown ou restrição de circulação.

Uma análise comparativa com a segunda onda da gripe espanhola (figura) que matou 50 milhões de pessoas, numa população global bem menor que a atual mostra que a segunda onda pode ser de fato muito pior que a primeira, e também a sazonalidade (outono e inverno na Europa) deve ser considerada.

 

Culturas saudáveis e talentos

13 nov

Uma sociedade do cansaço, do medo e de pressões autoritárias podem sufocar talentos, esconder dons naturais que todas as pessoas tem, e que desenvolvê-los dependem de cuidados especiaiscomo dar tempo, espaço e ter sensibilidade para que eles se desenvolvam.

Outro problema grave é a exigência social de eficiência e a pressão por resultados, eles virão naturalmente se houver espaço para aprendizagem, crescimento e respeitos as diferenças culturais e sociais, desde o cultivo na família, passando pela escolaridade e pela estrutura social, somente os dons serão desenvolvidos quando estas estruturas estiverem preparadas para apoiar o talento individual.

Do ponto de vista pessoal é preciso superar muitas vezes sentimento de inferioridade, conversar e procurar apoio em especialistas e setores sociais que possam desenvolver a aptidão que tem, que muitas vezes precisa de aprofundamento vocacional e cultivar os dons que possui até que ele se expresse como um talento.

Todo o trabalho sociológico de Marcel Mauss, em sua Teoria do Dom é para demonstrar que nem sempre é a utilidade, a simples troca por vantagens financeiras que em muitas sociedades transformam os dons culturais e sociais em estruturas sociais saudáveis, onde se desenvolvem naturalmente aqueles talentos que cada pessoa possui, a questão da troca e da reciprocidade são estudadas em algumas culturas antigas.

Ao estudar culturas não europeias, o dom no ciclo virtuoso dar-receber-retornar, Mauss ajudou a desconstruir o universalismo europeu, e pode ser considerado uma das fontes de estudos da decolonização.

Em seu ensaio o antropólogo e sociólogo Maus, percebeu muito cedo este desafio de aproximar uma discussão sobre a relação entre a crítica decolonial e a crítica antiutilitarista como a sua visão do “dom” que pode e deve se desenvolver em harmonia social.

Ao estudar culturas não-ocidentais, Mauss procura demonstrar o valor saudável e “universal” do sistema do dom, sob a forma do ciclo de dar-receber-retornar, existia antes do surgimento do mercado e do Estado e continua a existir, apesar da ideologia utilitarista dominante que buscar enfatizar o egoísmo e o mercantilismo dos talentos.

A parábola bíblica dos talentos, onde um homem ao viajar ao estrangeiro entrega seus bens aos seus empregados, dando “talentos”, embora isto signifique um valor financeiro a analogia com os talentos individuais fica clara no texto, diz a leitura Lc 25,14-15 : “Um homem ia viajar para o estrangeiro. Chamou seus empregados e lhes entregou seus bens. A um deu cinco talentos, a outro deu dois e ao terceiro, um; a cada qual de acordo com a sua capacidade. Em seguida viajou”, e a parábola afirma que o que recebeu cinco dobrou o seu talento, enquanto o que recebeu um o enterrou para devolver quando o patrão voltasse.

Assim não se trata de igualitarismo, mas de uma livre distribuição de dons e como cada um trabalha seu talento, num contexto saudável no caso da parábola o homem “vai para o estrangeiro”, isto é, cada um pode trabalhar seu talento conforme recebeu, e ao voltar ele dá uma recompensa maior ao que mais trabalhou os talentos que recebeu, porém todos recebem algum “valor” em talentos e tem a oportunidade de desenvolver, também é claro que neste contexto é a capacidade de cada um em receber e retornar os talentos, como Mauss completa o ato do “dar”, criando um ciclo virtuoso.

 

Dons e talentos

12 nov

Dons são coisas que fazemos e parece que nascemos com ela, por isso foi traduzido no português como “dádiva”, enquanto talento podemos ter uma aptidão mas ela precisa ser desenvolvida e aprimorada para se tornar realmente um dom, assim recebemos de alguém, de uma estrutura ou cultura e precisamos despendê-lo.

Algumas culturas trazem dons naturais, assim diz-se que aquela cultura tem bons cozinheiros, aqueles são trabalhadores natos, porém uma cultura nociva ou pouco natural pode não desenvolver os talentos e até dependendo de estruturas autoritárias, sufocá-la, mas também de modo branco uma cultura pode deteriorá-los.

Dons artísticos, estéticos e até mesmo morais dependem de uma cultura que propicie seu desenvolvimento e os tornem talentos que possam ser “doados” a população de um modo geral, qualquer cultura que sufoque dons naturais está em retrocesso e pode até mesmo perder suas raízes originárias, assim muitos povos que foram colonizados, marginalizados ou inferiorizados sofrem este tipo de mutilação, porém há sempre uma maneira de resistir.

Também estruturas sociais, educacionais e religiosas podem sufocar dons naturais, e com isto os talentos que devem ser desenvolvidos não afloram, percebem o processo de crise que vive, mas não percebem a raiz e o ponto focal da crise, matam os talentos e sufocam os dons naturais que em geral resistirão, a obra de Picasso “Guernica” (foto) é ícone da resistência espanhola ao autoritarismo, só voltou a Espanha quando a democracia se estabeleceu.

É a principal característica de um sistema autoritário, sufocar os talentos e tentar controlar os dons, assim poucos artistas sobreviveram tanto no stalinismo soviético como no nazismo e regimes totalitários que serviram de apoio, como o franquismo espanhol e o fascismo italiano, mas também a modernidade perece deste mal.

A arte é sempre um momento de resistência, Byung Chul Han desenvolveu o conceito de Jardim Secreto, onde é possível cheirar, apalpar e as coisas, sem mediação das mídias,     uma forma de recuperar o que ele chama de “beleza original”, o termo é bom, mas deveria ser conjugado com o conceito de dons originários.

Também Da Vinci afirmou que a “lei suprema da arte é a representação do belo”, já para Kandinsky: “É belo o que procede de uma necessidade interior da alma”.

Segundo Aristóteles “o belo é o esplendor da ordem”, porém por causa da associação desta palavra ao positivismo, faria uma paráfrase dizendo que o belo pode contribuir para uma harmonia originária que nos leve ao bom e belo como pretendia Platão, um diálogo que leva a alma para além do mundo físico, então ali se encontra o dom, a parte da cultura originária de cada pessoa e de cada povo.

Conjugando dom e talento, temos um dom natural que ao desenvolver-se dentro de uma cultura propícia torna-se um talento e nos eleva enquanto Ser.

 

A teoria do dom

11 nov

Deixamos uma questão ao final do post anterior (Poder e dom), como os dons poderiam servir a sociedade, e há estudos sociológicos a respeito.

Marcel Mauss, junto com seu tio Emile Durkheim foram animadores da Revista francesa Année Sociologique, e ele foi o principal sistematizador da teoria do “dom” que foi traduzida para o português como dádiva, em inglês é ainda pior porque tornou-se teoria do presente (gift em inglês), pensamentos importantes para os fundados de solidariedade e de alianças fraternas nas sociedades contemporâneas.

Alain Caillé, fundador e editor da Revue du M.A.U.S.S. (Movimento Anti‑Utilitarista nas Ciências Sociais) e um dos propagadores do pensamento de Marcel Mauss na atualidade afirmou que esta teoria “fornece as linhas mestras não apenas de um paradigma sociológico entre outros, mas do único paradigma propriamente sociológico que se possa conceber e defender” (Caillé, 1998, p. 11).

O livro de Marcel Mauss Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas (2003), trouxe entre muitas contribuições a ideia sociológica que o valor das coisas não pode ser superior ao valor da relação e que o simbolismo é fundamental para a vida social.

O surgimento de uma obrigação moral coletiva envolvendo os membros de uma sociedade, supõe aspectos tão diversos desde a troca de mercadorias como a simples troca de um mero sorriso, é preciso ressaltar a complexidade das motivações e as modalidades das interações para não reduzi-las ao simplismo das ideias puramente econômicas, aquilo que chamou de homo economicus.

As noções de honra e prestígio perpassam a economia da dádiva, sendo essenciais para garantir a circularidade e reversibilidade das trocas. 

O Ensaio sobre a dádiva inaugura uma profícua tradição de estudos sobre a reciprocidade e a circulação das coisas, ampliando o tema da aliança, central na Antropologia francesa a partir da obra de Claude Lévi-Strauss (1908-2009), e que conhece leituras específicas nos trabalhos de Maurice Godelier (1934-) e de Pierre Bourdieu (1930-2002), ele elabora não apenas a teoria do dom ou do doar, mas a tríplice obrigação do dar, receber e retribuir, a partir da análise de diversos povos que estudou.

Em seus estudos os bens circulam entre clãs e tribos seguindo a regra de que, quanto mais grandiosas as doações, maior prestígio concedido a seus doadores, porém as prestações devem ser retribuídas, se não imediatamente, em momento posterior, assumindo um caráter disfarçadamente desinteressado ou informal.

Conforme seu estudo, isto ocorre com os taonga na Polinésia (foto), com os vaygu’a na Melanésia e com os cobres brasonados no noroeste americano.

Esta ideia de dom (ou dádiva como foi traduzido) é a que aquilo que temos seja como valor ou como talento pode ser dado, retribuído ou recebido.

 

CAILLÉ, Alain. “Nem holismo, nem individualismo metodológicos: Marcel Mauss e o paradigma da dádiva”, Revista Brasileira de Ciências Sociais.1998.

MAUSS, Marcel, Essai sur le don. Forme et raison de l’échange dans les sociétés archaïques, Paris, PUF, 2007 (Trad. Bras. Paulo Neves. São Paulo, Cosac Naify, 2003)

 

O poder e os dons

10 nov

É possível que alguém que tenha dons muito especiais tenha também poder, mas apenas como um serviço a determinado grupo e em certo contexto, as duas coisas pouco se confundem, e confundi-las é quase sempre um artificio demagógico.

Pessoas sabias receberão cargos ou estarão em estruturas de poder apenas por mérito, ou porque há uma necessidade de seus dons para aquela estrutura ou centro de poder, porém se são pessoas que desejam o poder a todo custo, raramente terão os dons necessários para aquilo para a qual são designados.

O poder já foi estudado na filosofia de diversas formas, na polis grega ele era um convite a cidadania, porém quase todos os filósofos (é claro depois de Socrátes e dos sofistas) deveriam se formar em valores e ter virtudes que contribuiriam para um cargo dentro da polis grega.

Entre os filósofos contemporâneos Max Weber definiu poder como a imposição da vontade de uma pessoa ou instituição sobre os indivíduos, enquanto para Marx o poder reside naquele que possui os meios materiais de produção de capital, que na sua época era as fábricas e as terras, mas hoje seriam as grandes corporações, os donos das mídias verticais (TVs, Radios, etc.) enquanto para Michel Foucault o poder na contemporaneidade não se encontra centralizado, mas dissolvido na sociedade, também criou o conceito de biopoder, enquanto as práticas pelas quais os estados modernos procuram regular os sujeitos e “obter a subjugação dos corpos e controle de populações”.

Peter Sloterdijk escreveu sobre a situação “timótica” de nosso tempo, o termo “thymós” está na base da teoria de Platão para designar os “órgãos” de onde nascem os impulsos, as excitações, as afecções mais inflamadas, parecem de fato algo comum em nossos tempo, não reagimos com reflexão as situações de poder e de comando para quase sempre emocionalmente, por impulso.

Byung Chul Han, que foi aluno de Sloterdijk escreveu sobre o psicopoder, influenciado pelas mídias verticais e claro também presentes nas mídias de redes sociais, onde o estado de alta tensão timótica é instaurado pelas sucessivas e repetitivas notícias que garantem este estado.

Os dons pessoais, coletivos ou sociais de cada pessoa ficam submersos a estas estruturas de poder e propaganda, semelhantes ao fascínio que exerceram os discursos de ditadores e populistas no período da guerra e posteriormente, e não podemos imaginar que isto esteja longe da realidade atual.

Quais são os dons daqueles que poderiam servir a população se não estiverem subjugados a este ou aquele grupo de pressão, é cada vez menos plausível, então o palco para demagogos e populistas está em aberto, e os ditadores estão a espreita.

 

Pandemia e suas segundas ondas

09 nov

Na história houveram oito pandemias deste tipo desde 1700, vamos notar que pelo menos sete tiveram uma segunda onda em alguma parte do mundo, conta os registros de infectologistas, porém temos na memória a Gripe Russa (de 1889 a 1890), com a Gripe Espanhola (de 1918 a 1919), a Gripe Asiática (de 1957 a 1958), a de Hong Kong (1968 e 1969) e mais recentemente a Gripe Suína (de 2009).

A segunda onda da covid-19 na Europa está se espalhando de modo mais rápido do que a primeira, afirmou o infectologista Arnaud Fontanet, conselheiro científico do governo francês par ao combate a pandemia, enquanto a mutação do vírus se espalhou a partir da Espanha é já é 80% dos novos casos registrados.

A segunda onda pode ocorrer por vários motivos, entre eles o comportamento humano, que significa como lidamos com o vírus e sua sazonalidade, também o número de pessoas suscetíveis, duração de imunidade e mutações (como a da segunda onda na Europa) são outras possíveis explicações para esta onda.

O comportamento é fácil de explicar, dificilmente em países mais liberais as pessoas estarão menos propícias a aceitar as privações do isolamento, já a sazonalidade pode ser entendida como picos em diferentes estações do ano, na Europa os picos são o outono e o inverno que acontece agora, enquanto no Brasil varia de acordo com a região: o Norte e Nordeste tem períodos mais chuvosos, no Sudeste e no Sul que se iniciará em março de 2021.

A promessa de uma vacina “mais rápida” é temerosa, os especialistas que respeitam o período de testes entendem que será muito difícil uma vacina antes de julho do ano que vem, e devemos respeitar e ser prudente com o período de testagem, equívocos de uma vacina podem ser mais graves que a própria pandemia.

Se a segunda onda ocorrer, a intensidade e a gravidade vão depender de nossa capacidade de aplicar medidas de intervenção e coordenação das medidas em um mundo que polarizou até mesmo questões básicas como saúde, alimentação e seguridade social, disto dependerá se a segunda onda seja mais grave que a anterior.

A principal função de esclarecer a segunda onda, o processo regulamentar de testagem das vacinas e as medidas preventivas é mantar a calma e a confiança da população de que está havendo um combate aos estragos provocados pela pandemia, é difícil, porém sem isto teremos um caos social cada vez maior.