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Arquivo para outubro 6th, 2020

Eça de Queirós e a mesa

06 out

Estando em Portugal em 2018, e sendo a Uab (Universidade Aberta) muito próxima a Confeitaria Cister, onde Eça de Queiroz frequentava, há inclusive um desenho do canto que ele gostava de ficar e ali escrever (foto), lembro da mesa portuguesa lembrando deste canto de Lisboa, e os escritos de Eça sobre a mesa de refeição.

Um dos textos mais comuns sobre o tema é um artigo conhecido como “cozinha Arqueológica”, publicado em 1893, na Gazeta de Notícias, de Lisboa, Portugal. Nele Eça afirmou: “a mesa constituiu sempre um dos fortes, se não o mais forte alicerce das sociedades humanas” e ainda “o caráter de uma raça pode ser deduzido simplesmente de seu método de assar a carne” (III, p. 1226)

Eça antecipou as reflexões de historiadores como Jean François-Revel (1996) e Massimo Montanari (2004), para quem os valores do sistema alimentar são resultado da representação dos processos culturais e as relações se desenvolvem de acordo com critérios econômicos, nutricionais e simbólicos.

O autor não apenas propôs observações da cozinha nas sociedades clássicas, como também considerou que a gastronomia possui um arqué, um elemento básico das representações da sociedade portuguesa, o que foi notado por vários de seus leitores e críticos, a comida despertou, por exemplo, a atenção de Machado de Assis já em 1878.

A moda brasileira, Machado de Assis viu aí em Eça uma fartura desnecessária, o argumento sobre este tipo de excesso se contrapõe o da coerência gastronômica que se constitui ao longo da obra, a comida está relacionada ao próprio excesso deste escola literária, se Eça não tivesse continuado a ser cuidadoso com este tema, o cuidado deveria aumentar tanto em quantidade como em qualidade nas obras e versões seguintes, reforçando por exemplo que o autor de “Os Maias” pode ter encontrado na cozinha os elementos fundamentais de seu projeto de representar Portugal através de seus traços mais característicos.

O certo é que a mesa se expande aos valores culturais e sociais, assim como os tempos, as épocas de desenvolvimento das sociedades e até das escolas literárias as refletem.

ASSIS, Machado. Eça de Queirós: O Primo Basílio. In: Obra Completa. V. III. Rio de Janeiro: Aguillar, 1997.

 

O banquete de Platão

06 out

Nos banquetes, as mesas e o compartilhamento de alimento se celebram muitas coisas, inclusive o diálogo sobre temas essenciais.

Ocorrido por volta de 380 a.C. é um diálogo, e há alguns que preferem a tradução do grego como Simpósio (no grego antigo sympotein significa “beber junto), e o tema central é o Amor, entre o eros e o ágape, e o personagem central como na maioria dos seus diálogos é Sócrates.

Também estão no diálogo Aristófanes e Ágaton (ou Agatão), na casa dele ocorrera um banquete anterior em comemoração ao prêmio literário que ele havia ganhado, neste banquete Sócrates e outros participantes discursaram sobre o “amor”, estavam nele Apolodoro e Glaucon, Aristodemo e o próprio Ágaton.

Glaucon considera Apolodoro como doido porque despreza o material, Ágaton significa “bom” em grego, coisas boas e o amor levam à prática do bem e do belo, e se soubéssemos a prática do amor o bem que faz, os homens fariam um exército de amantes, lembrando o exército de banos, cuja frente estava Pelópidas e Epaminondas em 371 a.C.

O discurso de Fedro é que o amor cultuado pelos homens revela-os mais virtuosos e felizes durante a vida e após a morte, mas é na cosmogonia que os discursos vão se contrapor, enquanto Fedro vê a origem de Eros como um deus muito antigo, sem menção de progenitores, teve seu nascimento junto a Geia (terra) após o Caos.

Pausânias o segundo a discursar, contrariando Fedro, existem vários Eros, era filho de Afrodite, e duas Afrodites, uma filha de Urano e outra de Zeus, a de Zeus gera um eros vulgar e a de Urano um Eros celeste.

Eriximaco aprova a distinção de Pausânias sobre a duplicidade do Amor e, universalista, o amplia a todo cosmo: “grande e admirável, e a tudo se estende  ele, tanto na ordem das coisas humanas como entre as divinas”, sendo médico afirma que o amor e a concórdia provem a harmonia, combinando opostos (o sadio e o mórbido) que se estendo por todo universo: “deve-se conservar um e outro amor …”.

Aristófanes insistirá no poder que o amor possui sobre a natureza histórica, com o uso do mito dos andróginos, legimitima a homoafetividade e a desenfreada busca pelo que hoje chamamos de “almas gêmeas”, que é uma busca pelo perfeccionismo e de certa forma pelo narcisismo.

Sócrates elogia o fato de Ágaton ter principiado a mostrar a natureza e quais são as obras do Amor, mas depois segue seu clássico método da Pergunta: “é de tal natureza o Amor que é Amor de algo ou de nada?”, Ágaton confirma que o Amor é Amor de algo. De qual “algo” é o Amor e segue com a indagação: “Será que o Amor, aquilo de que é amor, ele o deseja ou não ?” e segue o banquete a moda dos clássicos gregos.

O banquete, a mesa a qual todos sentam é o importante deste diálogo, parece tão clássico e tão presente, mas acrescentaríamos uma questão e Francisco de Assis, lembrado estes dias, afirmava ele com convicção: “O Amor não é amado”, assim antes de ser instrumento como afirma Agaton é ele próprio algo a ser usado como instrumento, em momento de tanta dor na humanidade, ou então a maneira socrática perguntar: “É o Amor amado ?”.

Platão, O Banquete, ou, Do Amor – trad. José Cavalcante de Souza, Rio de Janeiro: DIFEL, 2008.