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Arquivo para outubro 17th, 2020

Política e religião

17 out

Hannah Arendt vai argumentar contra a confusão entre política e religião, e esclarece a diferença entre um local de reunião (sendo pública) com diferenças do que chama de aparência e manifestação. Diz a autora:

“A política cristã sempre esteve diante da dupla tarefa de, por um lado, assegurar-se através da influência sobre a política secular, de que o local de reunião não político dos fiéis esteja protegido de fora, e, por outro lado, impedir que um local de reunião se torne um espaço de aparição, e com isso que a Igreja se torne um poder secular-mundano, entre outros. Daí, verificou-se que a vinculação com o mundo correspondente a tudo espacial e o faz aparecer e parecer, é muito mais difícil de se combater do que a reivindicação de poder do secular, que se apresenta de fora para dentro. Quando a Reforma conseguiu afastar da Igreja tudo aquilo que tem a ver com aparência e manifestação, transformando-a de novo em local de reunião para aqueles que, no sentido dos Evangelhos, viviam no recolhimento, desapareceu também o caráter público desses espaços da Igreja. “

A autora não viveu até nossos dias para ver as consequências disto, ou seja, que a negação do caráter público desses espaços da igreja, transformou-a no oposto, isto é, num oportunismo político para ganhar os fiéis que vão ali buscar uma mensagem divina, um conforto para a alma, e muitas vezes a mudança de vida (conversão).

O que aconteceu foram duas apostasias, a religiosa que é negar o poder divino de Deus, “meu reino não é deste mundo” e a segunda muito pior, que é afirmá-la como poder humano ao qual a política pública deve se submeter e assim tornar os fiéis religiosos vinculados a alguma corrente política, ideológica ou cultural.

Mesmo Jesus sabendo que os judeus viviam sobre um império romano opressor e injusto, isto pode ser observado quando diz, entre muitas passagens: “os publicanos e as prostitutas vos precederão no reino dos céus” (Mt 21,31), que os aproxima como pecadores, e os publicanos eram os responsáveis pela província perante o Império Romano, inclusive a renda e os impostos.

Isto é necessário para compreender o sentido da política e da religião no trecho em que Jesus é questionado sobre a justiça de pagar o tributo ao imperador, ao que ele responde: «Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.» (Mt 22,21) portanto logo após o trecho anterior, onde é questionado o direito (e o poder) de perdoar os pecados, qual era de fato sua autoridade e depois irá compará-la ao poder temporal (e espacial conforme Arendt) do que é “fora” da reunião.

Em termos específicos do religioso a apostasia de apostar em partidos e ideologias, quase sempre com duplicidade de propósitos e fundamentos, ora favorecem a vida, ora a desfavorecem (o aborto e a eutanásia, por exemplo), ora defendem os pobres, ora justificam a corrupção, e assim por diante, não deve ser comparado ao infinito poder divino, claro para aqueles que acreditam, e para os que não creem a busca de uma diretriz para a sociedade e para o mundo implicam em valores.