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Arquivo para dezembro 17th, 2020

Dois corações e uma nova relação

17 dez

A sagacidade de Peter Sloterdijk penetra na mística católica pós-reforma, “particularmente sob a influência mística do Sagrado Coração de Jesus, Marguerite Marie Alacoque (1647-1690). um vasto movimento de culto, que também acabou por impor concessões litúrgicas e formulações doutrinárias” (pag. 115).

Vai destacar a obra do padre oratoriano e missionário popular João Eudes (1601-1980) “nascido na Normandia, que entrou nos anais católicos como fundador de um culto de grande força litúrgica, o culto de dois corações” (pg. 116), o Imaculado Coração de Maria e o Sagrado Coração de Jesus.

Ao contrário de muitas interpretações, este filósofo ateu, além de manter a atualidade do tema, desde ao fundamento deste tipo de mística, é “uma luta contra a vida exterior, não católica, separada de algo que não está no interior de Deus” (pag. 116).

Segundo Eudes a vida dos santos era sustentada numa “contínua suspensão da bolsa amniótica do Absoluto” (a citação é de Sloterdijk), porém o importante é destacar o típico engajamento de Maria, que consiste segundo o filósofo “no fato de ter criado um céu cardíaco bipolar, no qual o coração do Filho podia fundir-se em uma união mística com o coração da mãe” (pag. 116), algo com o tema do post anterior, mas em qualidade muito superior.

Retirada a manifestação ateística do “bipolar”, pode-se dizer que estes corações em profunda relação não é uma espiritualidade antiga, algo de senhoras que usam a fita vermelha em dias festivos do Apostolado do Sagrado Coração de Jesus, mas sim aquilo que o padre Eudes elaborou no período pós-reforma e que o filósofo chama de “o baldaquim do duplo coração do Filho e da Mãe … uma família intercordial, metafisicamente ampliada” (idem, p. 116).

Esta relação destes corações, interpretado no coração da natureza, ardendo em colabora que toca o coração radiante de amor do mundo superior na obra de Jacob Böhme (Obras Teosóficas, 1682), na foto ilustrada na página 117 do livro, a relação mais ampla aparece nas páginas finais na digressão 10 “Matris in grêmio” (no colo da mãe), descrita como um “capricho mariológico”.

A ideia da criança no ventre de Maria, toma uma figura divina (do Deus Pai), aquilo que os ortodoxos e católicos chamam de Teotokos (mãe de Deus) (na foto o ícone de G. Gashev) que para evangélicos é uma heresia, porém o que significam para este momento de crise pandêmica, e de uma anterior crise civilizatória  ?

SLOTERDIJK, P. Esferas I, trad. José Oscar de Almeida Marques, São Paulo: Estação Memória, 2016.