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Arquivo para fevereiro 4th, 2021

Uma relação e um terceiro

04 fev

Costuma-se dizer que aquele que está com Deus tem tudo, ou aquele que tem um amigo possui um tesouro, ou ainda que o homem que encontrou a companheiro ou a companheira que encontrou um companheiro, encontrou a felicidade, quase sempre dois a dois sem um “algo” a mais entre eles.

Sócrates dizia que a verdade não está com os homens, mas entre os homens, quer dizer existe um terceiro elemento no caso da lógica, mas no caso onto-lógico existe um terceiro Ser.

Quem é este, se duas pessoas tiverem num verdadeiro epoché, isto é, se relacionam num vazio capaz de estabelecer uma ligação que produza tal força que surge uma terceira possibilidade, o que pode ser chamado de mutualidade, reciprocidade ou de modo mais simples solidariedade.

Porém esta terceira presença precisa de uma nova categoria ontológica, o não-ser ou aquilo que Paul Ricoeur chama no seu discurso linguístico “ser-como” e que na hipótese lógica do terceiro incluído, aquele que existe além do A e o Não-A, e que a física quântica estabelece como real.

Também o discurso religioso mudaria se a terceira pessoa a que todos clamam pudesse pertencer não ao próprio ego, mas justamente a sua negação para a inclusão do Outro, por isso estes temas estão relacionados, também na Bíblia por “ama teu próximo” não significa o da sua igreja, do seu grupo e apenas aquele que passa ao seu lado, mas há algo além o “como”, assim é Ser “como”.

O Ser-Como estabelece Ricoeur em outro texto (acima era uma referência ao seu livro Metáfora Viva), o texto “Le socius et le prochain” (O próximo e o sócio, sem tradução para o português), significa ultrapassar a barreira utilitária do Sócio para chegar ao Próximo, o livro é tão importante que mereceu uma citação na Encíclica do Papa Francisco “Fratelli Tutti”.

A maioria dos líderes que não possuem o magnetismo de um carisma verdadeiro, vale para qualquer segmento social: uma empresa, um grupo religioso, um partido ou alguma forma de governança, não olham para seus liderados como “próximos” (muitos até querem mesmo a distância), mas como sócios, ou repetidores de suas palavras e de suas vontades.

Três antídotos são naturais para verificar este novo tipo de liderança: seu apreço aos mais simples que não podem trazer grande poder de “sócios”, desapego ao cargo e aos luxos que o poder pode proporcionar e principalmente uma extraordinária capacidade de escuta.

Assim quando se quer caminhar a dois é necessário pensar se existe a possibilidade da terceira Pessoa estar “incluída”, numa lógica do terceiro incluído e da abertura de ambos capaz de fazer o vazio, o “epoché” para ouvir o Outro.