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Arquivo para outubro 22nd, 2021

A peste, a verdade e a cegueira

22 out

Chega-se um momento em que também resignar-se a doença e não traçar rumos novos é também uma covardia, diz Camus na sua crônica a Peste: “Mas chega uma hora na história em que aquele que ousa dizer que dois e dois são quatro é punido com a morte”, pois é “…uma ideia que talvez faça rir, mas a única maneira de lutar contra a peste é a honestidade”.

Ultrapassar o medo, e para muitos a dor, “compreendi que toda a desgraça dos homens provinha de eles não terem uma linguagem clara. Decidi então falar e agir claramente, para me colocar num bom caminho.”, isto implica não apenas em sabedoria e coragem, mas também ultrapassar a cegueira humana.

Assim é que: “Desde o início da história, os flagelos de Deus põe a seus pés os orgulhosos e os cegos. Meditai sobre isso e caí de joelhos”, e no caso presente, um minúsculo vírus põe toda a sabedoria e inteligência humana de joelhos, assim que não sejam para admitir o infinito, o Amor e a presença de um mistério na vida.

Camus via isto não de uma maneira religiosa, mas verdadeira: “O mal que existe no mundo provém quase sempre da ignorância, e a boa vontade, se não for esclarecida, pode causar tantos danos quanto a maldade. Os homens são mais bons do que maus, e na verdade a questão não é essa. Mas ignoram mais ou menos, e é isso que se chama virtude ou vício, sendo o vício mais desesperado o da ignorância, que julga saber tudo e se autoriza, então, a matar”, mas se faz o ódio e a guerra.

A figura bíblica do cego Bartimeu é bastante ilustrativa da cegueira humana, porém este cego tinha consciência de sua limitação, ao saber que Jesus se aproximava dele gritava para que tivesse piedade dele, os apóstolos se incomodavam, porém Jesus vai perguntar ele gritava (Mc 10:48-52): “Filho de Davi, tem piedade de mim” Então Jesus parou e disse: “Chamai-o”. Eles o chamaram e disseram: “Coragem, levanta-te, Jesus te chama!”. O cego jogou o manto, deu um pulo e foi até Jesus. Então Jesus lhe perguntou: “O que queres que eu te faça?” O cego respondeu: “Mestre, que eu veja! Jesus disse: “Vai, a tua fé te curou”. No mesmo instante, ele recuperou a vista e seguia Jesus pelo caminho”.

A consciência da cegueira de Bartimeu o movia, e o desejo da cura o incomodava mais ainda, aquele que julga ver e vê tudo numa penumbra é mais cego que Bartimeu e como diz um trecho da crônica A peste, sobre os cegos que não querem ver: “negavam, enfim, que tivéssemos sido esse povo atordoado de que todos os dias uma partilha, empilhada na boca de um forno, se evaporava em fumaça gordurosa, enquanto a outra, carregada com as correntes da impotência e do medo, esperava a sua vez”.