Arquivo para novembro, 2023
Unitas multiplex, redes e as bem-aventuranças
Entre os principais conceitos desenvolvidos por Edgar Morin estão o dasein cósmico (parecido ao Dasein heideggeriano mas expandido ao cósmico e semelhante ao Cristo Cósmico de Teilhard Chardin), a hominização e a identidade humana, que também se liga a antropolítica, porém um conceito fundamental e novo é o Unitas Multiplex.
Segundo Jean Ladriére, Unitas Multiplex é “um sistema é um objeto complexo, formado de distintos componentes unidos entre si por um certo número de relações”, e isto tanto combina com o conceito de redes sociais (não mídias) como de complexidade de Morin, e aqui vamos estabelecer um conjunto de relações com as virtudes bíblicas das bem-aventuranças.
Num sistema complexo um certo número de relações pode estar rompido, aquilo que nas redes sociais são chamados “buracos estruturais” (Burt, 1992), os laços fracos (Granovetter, 1973) e os mundos pequenos de Watts (Watts, 1993).
Um sistema representado como uma rede social é uma estrutura que liga os nós (forma um grafo matemático), geralmente cada destes nós são pessoas, e ligações entre nós, representando relações entre essas pessoas (GRANOVETTER, 1973).
Para Granovetter pontes são os links que possibilitam laços fracos, aqueles que estão na periferia da rede ou que são alcançados apenas por alguns nós.
Mas nem a teoria das redes e a do unitas multiplex estabelecem as virtudes que possibilitam maior contato entre este nós, e como todos estes nós podem ser alcançados, falar de empatia e laços de solidariedade é pouca coisa, as bem aventuranças bíblicas podem ajudar.
Jesus sobe a um monte e fala para uma multidão de pessoas, não só os discípulos mas todos que os que querem ouvi-lo (Mt 5,3-12):
“Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus. Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados. [os laços fracos]
Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. [os laços fortes]
Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. [a empatia]
Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus!
Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e, mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim.
Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus” [manter a rede unida ao corpo místico ou ao “dasein cósmico”].
Parece heroico, ou utópico, mas se queremos uma Terra-Pátria de paz é uma boa receita.
BURT, R. S. The social structure of competition. In: NOHRIA, N.; ECCLES, R. G. Networks and organizations: structure, form and action. Boston: Harvard Business School, 1992.
GRANOVETTER, M. S. The strength of weak ties. American Journal of Sociology, Chicago, v. 78, n. 6, p. 1360-1380, May 1973.
WATTS, D. J.; Strogatz, S. H. “Collective dynamics of ‘small-world’ networks” (PDF), NATURE, Vol 393, 1998.
O homo economicus e a redução do Ser
Ainda sobre a Carteira de Identidade Humana, cap. 2 do livro Terra-Pátria de Edgar Morin, após um longo discurso sobre a questão pré-histórica, já há novos avanços e descobertas neste sentido, como por exemplo a Caverna de Chauvet (descoberta por espeleólogos amadores, em 1994, entre eles Jean- Marie Chauvet), mostram que aquilo que é chamado de subjetividade humana é algo presente e intrínseco no homem que nos faz repensar sua origem “genética”.
Esta caverna de 32 mil anos atrás (foto), do período Paleolítico, mostra através das pinturas e ambientes de uma caverna que o homem, mesmo que primitivo, guardava sentimentos já muito superiores ao que pensamos ser datados de nossa era.
Morin mostra a fragmentação desta visão de ser do homem: “Os caracteres biológicos do homem foram discutidos nos departamentos de biologia e nos cursos de medicina; os caracteres psicológicos, culturais e sociais foram divididos e instalados nos diversos departamentos de ciências humanas, de modo que a sociologia foi incapaz de ver o indivíduo, a psicologia incapaz de ver a sociedade, a história acomodou-se à parte e a economia extraiu do Homo sapiens demens o resíduo exangue do Homo economicus.” (MORIN, 2003, p. 61)
A filosofia, somente pode “se comunicar com o humano em experiências e tensões existenciais como as de Pascal, Kierkegaard, Heidegger, sem no entanto jamais poder ligar a experiência da subjetividade a um saber antropológico” (idem), e somente nas décadas de 50-60 aparecem os pensamentos sobre “as primeiras abordagens da dialética universal entre ordem, desordem e organização…” (ibidem) e que vai nos conduzir a uma base de uma antropologia fundamental.
Morin lança 5 pontos essenciais para sair da agonia planetária: “• estamos perdidos no cosmos; • a vida é solitária no sistema solar e provavelmente na galáxia; • a Terra, a vida, o homem, a consciência são os frutos de uma aventura singular, com peripécias e saltos espantosos; • o homem faz parte da comunidade da vida, embora a consciên[1]cia humana seja solitária; • a comunidade de destino da humanidade, que é própria da era planetária, deve se inscrever na comunidade do destino terrestre.” (MORIN, 2003, p. 63).
O pensamento de Morin não é um tratado sobre a humanidade, mas um alerta dos perigos que esta falsa aventura imperativa econômica, de poder e de desastre ambiental nos conduziu.
MORIN, E. e Kern, A.B. Terra-Pátria. Trad. por Paulo Azevedo Neves da Silva. Porto Alegre: Sulina, 2003.
A identidade terrestre e o buraco negro
O Capítulo 2 do livro de Edgar Morin é “A carteira de Identidade terrestre” ali ele desenvolve a partir das descobertas da astrofísica, da biologia, da paleontologia as ideias sobre a vida do universo, que a natureza da Terra e da própria vida do homem foram “subvertidas nos anos 1950-1970” e ainda não tínhamos o James Webb e a descoberta dos laços entre o homo sapiens e os neandertais.
“Depois, com Copérnico, Kepler, Galileu, a Terra deixou de ser o centro do universo e tornou-se um planeta redondo em torno do Sol, a exemplo dos outros planetas” (pag. 43) e parecia “testemunhava a perfeição de seu criador divino” pela ordem e regularidade, até que se descobriu um universo em expansão a partir das observações do afastamento das estrelas de Hubble em 1923, o astrofísico daria depois o nome ao famoso telescópio já superador pelo James Web.
No começo do século XIX, “Laplace expulsou o Deus Criador de um universo auto-suficiente e que se tornara uma máquina perfeita para toda a eternidade” (pg. 44) e não citado ali, mas Também numa Conferência de matemática no início do séc. XX Hilbert propõe alguns últimos problemas não resolvidos pela matemática, para dizer que tudo ela lógico e matemático.
Em 1965, Arno Penzias e Harold Wilson dariam fatos para esta expansão do universo como uma “irradiação isótropa proveniente de todos os horizontes do universo” e esse “ruído de fundo cosmológico” uma espécie de “resíduo fóssil” da deflagração inicial da explosão inicial que confirmaria a famosa teoria do Big Bang, hoje os novos dados põe em dúvida isto, mas algo ficou deste período que é a concepção de anti-matéria e a investigação de buracos negros.
A década de 60, quando Penzias e Wilson ganham um prêmio Nobel, traria novos corpos celestes entre eles: “os quasares (1963), pulsares (1968) (pg. 44), depois buracos negros, e os cálculos dos astrofísicos fazem supor que conhecemos apenas 10% da matéria, 90% sendo ainda invisível a nossos instrumentos de detecção” e que só agora o James Web olha.
O centro de nossa galáxia não é mais o sol, mas um buraco negro, e nele se desdobra toda uma nova visão do universo como “em seu princípio o Desconhecido, o Insondável e o Inconcebível” (pg. 44), eis-nos agora numa galáxia de 8 bilhões de anos após “o nascimento do mundo, e que, com suas vizinhas parece atraída a uma enorme massa invisível chamada “grande Atrator” “ (idem), que é um buraco negro.
E nós um pequeno planeta, surgido a 4 bilhões de anos, descobre-se que tem uma história, “e adquire forma no século XIX” e no limiar do século XX, o alemão Alfred Wegener elabora a teoria da deriva dos continentes, apesar da resistência inicial, comprovada posteriormente.
Após os seus longos períodos iniciais de esfriamento, formação dos primeiros microrganismos, e finalmente o homem aparece “ramo último e desviante da árvore da vida, aparece no interior da biosfera, a qual, ligando ecossistemas a ecossistesmas, envolve já todo o planeta”, esta nascimento inicial, em descoberta recente também une Neandertais e homo sapiens.
Se “Bacon, Descartes, Buffon, Marx lhe dão por missão dominar a natureza e reinar sobre o universo” (pg. 54), a partir de “a partir de Rousseau, o romantismo irá ligar umbilicalmente o ser humano à Natureza-Mãe” e assim tendo uma mãe o homem pode nascer e habitar esta Mãe-Terra.
MORIN, E. e Kern, A.B. Terra-Pátria. Trad. por Paulo Azevedo Neves da Silva. Porto Alegre : Sulina, 2003.