O véu da ignorância, a teoria e o justo
John Rawls perguntou se é possível chegar a um comum entendimento sobre o que é justo. Sua justiça é aquela fundamentada na consideração de todos serem iguais e livres, tipoco do capitalismo de mercado e de vem estar social.
Rawls propôs que existe um véu de ignorância sobre o qual devem ser examinadas as relações entre a sociedade desejada, a sociedade real e a utopia da justiça justa.
Explica Rawls o véu da ignorância: “Não sabem como as várias alternativas afetarão seu caso particular e são obrigadas a avaliar os princípios tão só a base das considerações gerais” (Rawls, 1981, p. 119)
Sobre sua posição três teóricos fizeram críticas: Jean-Pierre Dupuy, Michael Sanders e Robert Nozick, o primeiro ironiza o autor afirmando “Rawls sabe muito bem que, a maioria das vezes, é em nome dos condenados da Terra que se suprimem as liberdades e que se estabelecem os privilégios” (Dupuy, 199, p. 129), o que o autor quer dizer com isto é que “demasiada justiça é menos justiça” (Dupuy, 199, p. 131).
Mas o véu da ignorância é válido também para Dupuy que usa a obra de Alexis Tocqueville (Da Democracia na America II, XIII): “Destruíram os privilégios incômodos de alguns semelhantes, encontraram a concorrência de todos … é por isso que o desejo de igualdade se torna sempre mais insaciável à medida que a igualdade é maior”.
Filósofos comunitaristas como Michael Sandel além de outros (Charles Taylor, Michel Walzer, etc.) tecem várias considerações críticas sobre a teoria da equidade de Rawls com sua pretensão de universalização do liberalismo, porque diz que este apresenta uma concepção abstrata de pessoa, destacando que devemos pretender que os direitos coletivos sejam preponderantes sobre os individuais.
Sandel considera que no pensamento de Rawls o justo é anterior e prioritário em relação ao bem, assim a justiça seria a primeira virtude e nenhum valor moral ou político a sobrepõe.
O véu da ignorância pressupõe que as partes afastam todas as diferenças e discordâncias seriam superadas e não haveria pluralidade.
Mas Sandel também estaria disposto a caminhar nesta direção uma vez que para ele haveria um conflito de prioridade e hierarquia entre liberdade, igualdade e fraternidade, para ele considerados valores fundamentais, assim também haveria um “véu de ignorância”.
Por último Nozick é um defensor do liberalismo radical, ou liberarianismo, construindo um estado mínimo, o mais viável para ele, com funções limitadas de proteção aos direitos individuais, propriedade e segurança dos cidadãos.
Escreveu Nozick “O dever de não interferir no domínio de escolha de outrem é tudo o que qualquer sociedade deveria (coercitivamente) exigir; níveis mais altos de ética, envolvendo a benevolência positiva” (Nozick, 2011, p. 280), mas revela e inclusive escreve que isto representaria um “ideal pessoal” que seria da escolha de cada um, portanto há também um véu de ignorância no caminho da construção deste ideal pessoal.
Heidegger escreveu sobre o “desvelar”, um caminho no qual é necessário alguma construção social ou pessoal segundo a qual tiramos o véu de nossa ignorância e caminhamos para uma sociedade mais justa, sem este processo aqueles que vociferam contra “teorias” estão na ignorância e no fanatismo e pouco ou nada contribui com as transformações necessárias.
Os que vociferam contra as teorias, são os submissos àquelas que regem nosso dia-a-dia, porque não se dão ao trabalho de “desvelá-las” e aquelas que predominam em tempos de crise, são as que as geraram.
DUPUY, Jean-Pierre. Ética e filosofia da ação. Lisboa: Inst. Piaget, 1999.
HEIDEGGER, Martin. Caminhos da Floresta. Lisboa: Fundação Colouste Golbenkian, 2012.
NOZICK, Robert. Anarquia, Estado, Utopia. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
RAWLS, John. Uma teoria da Justiça. Brasilia: Ed. Universidade de Brasilia, Coleção Pensamento Político, no. 50, 1981.
SANDEL, Michael. El liberalismo y los limites de la justiça. Barcelona: Gedisa, 2000.