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A hermeneutica em Paul Ricoeur

28 out

Depois de tentar entender a hermenêutica numa linha:  F. Scheleimacher outro (1768-1834), Martin Heidegger (1889-1976) e Hans-Georg Gadamer (1900-2002), me perguntei qual era a visão de Paul Ricoeur (1913-2005) ?

Encontrei-a em um único livro, que alívio, O conflito das Interpretações, em uma excelente publicação portuguesa da Rés-Editora, embora outras obras de Ricoeur façam referencia ao tema: Teoria da Interpretação e um ensaio sobre Freud.

Começa apresentando o problema de modo claro: “Se um texto pode ter vários sentidos […] é preciso recorrer a uma noção de significação muito mais complexa do que a dos signos ditos unívocos que uma lógica da argumentação requer […]. Por consequência, a hermenêutica não poderia permanecer uma técnica de especialistas […], ela põe em jogo o problema geral da compreensão.” ( RICOEUR, s/a, p. 6) lembro a “interpretação de texto” na escola primária.

Ao contrário de Dilthey que via a interpretação como “o transporte entre duas vidas psíquicas” Ricoeur vai além da vida vivida aos “modos de compreensão disponíveis numa época: mito, alegoria, metáfora” (RICOEUR, s/a, p.) permitindo uma hermenêutica mais “completa”.

Vai além também da “via curta” adotada por Heidegger em Ser e Tempo, para formular uma ontologia da compreensão que “não se chega a ela gradualmente, aprofundando as exigências metodológicas da exegese (sic), da história ou da psicanálise: transportamo-nos até ela através de uma súbita inversão da problemática.” (RICOEUR, s/a, p.8)

Faço a observação da exegese, porque mesmo que se faça a análise minuciosa de uma palavra, sua etimologia e até mesmo sua contextualização histórica, faltará a experiência vivida, eis a única e verdadeira hermenêutica universal e filosófica, a que brota da vida, mas “vivida”.

Na visão de Ricoeur, Heidegger nunca teve a pretensão de analisar um ente particular,  “ele quis reeducar o nosso olho e reorientar o nosso olhar; ele quis que subordinássemos o conhecimento histórico à compreensão ontológica, como uma forma derivada de uma forma originária” (RICOEUR, s/a, p.12), fazendo uma metáfora como gosta Ricoeur, trocar os óculos.

Outramente (outro livro de Ricoeur),  sua ontologia é uma ontologia militante que, partindo do conhecimento histórico, chegará por meio da interpretação, ao plano ontológico, e não só do ser, mas do Outro Ser.

Podemos chamar a via de Ricoeur de via longa, parte da compreensão pela linguagem, ou seja, pretende compreender os signos que compõe a cultura antes de compreender o seu próprio estatuto ontológico, mas deve-se ter o cuidado da reflexão como intermediário entre estes dois estágios, “a reflexão é uma intuição cega se não é mediatizada por aquilo a que Dilthey chamava as expressões nas quais a vida se objetiva” (RICOEUR, s/a, p.19), dito assim:

“O sujeito que se interpreta ao interpretar os sinais já não é o Cogito: é um existente que descobre, pela exegese da sua vida, que está posto no ser mesmo antes de se pôr e de se possuir.  Assim, a hermenêutica descobriria uma maneira de existir que permaneceria de ponta a ponta serinterpretado.” (RICOEUR, s/a, p. 13)

RICOEUR, P. O Conflito das Interpretações: Ensaios de Hermenêutica. trad. port. Artur Morão. Porto: Rés-Editora, s/a.

 

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