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O debate atual sobre a justiça

26 ago

Herdeiro de John Rawls, Michael Sandel faz sucesso, vale para ele o que diz para muitos outros que fazem sucesso: “Quem faz sucesso tende a achar que é graças a si mesmo”, certamente se não fosse professor de Harvard, não daria conferências assistidas por milhares de pessoas, e não poderia falar de polarização sem uma definição mais clara de seu próprio posicionamento.

O seu livro A tirania do mérito (Editora Civilização Brasileira, lançado setembro de 2020), chamou a atenção de setores progressistas, porém há uma crítica velada a estes próprios setores, para ele acusados “de abraçar, como resposta aos desafios da globalização, uma cultura do mérito que levou a um legítimo ressentimento das classes trabalhadoras, de desastrosas consequências que se puseram de manifesto, inclusive, na gestão desta pandemia” (Jornal El país, setembro de 2020).

Tem o mérito (fazendo um paradoxo) de dizer o que é óbvio, que sem uma política de cotas e de quebras de barreiras das desigualdades (inclusive a cultural, que ele aponta) não há possibilidade de mobilidade das camadas desfavorecidas, porém a linha de pensamento de Sandel tem raízes nas leituras de John Rawls, e sua obra “O liberalismo e os limites da Justiça” (Gulbenkian, 2005) é prova disto, e ambos foram colegas em Harvard.

No início dos anos 1980, o próprio Rawls citava a crítica comunitarista de Sandel como “a mais contundente dentre todas” e embora colocasse em xeque a “deontologia com rosto humano” (vejam no post anterior as raízes deste pensamento), era um pensamento inerente à teoria rawlsiana de um “liberalismo deontológico” combinado com um “empirismo razoável”, os termos podem ser encontrados na obra de Sandel.

A fim de obter uma “política liberal sem constrangimento metafísico”, Sandel interpelava o colega Rawls, em última instância, a abandonar a argumentação deontológica de um “eu desimpedido (unencumbered self), “incapaz de autorrespeito” e de “autoconhecimento, em qualquer sentido moralmente sério”, veja que há um objetivismo dentro daquilo que Hegel chama de eticidade.

O próprio Rawls já havia sido levado a reformular seu liberalismo político, partindo do contexto do pluralismo razoável e afastando-se de uma teoria moral abrangente de justiça.

As conferências de Sandel fazem sucesso nos EUA e agora também no exterior, e também no caso dele não é outra coisa senão o fruto da meritocracia (de Harvard neste caso), porém suas obras devem ser lidas com atenção.

SANDEL, Michael. Liberalism and the Limits of Justice. Cambridge: Cambridge University Press, 1982. Em port.: O Liberalismo e os Limites da Justiça. Trad. C.P. Amaral. Lisboa: Gulbenkian, 2005.

 

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