A cultura de massa e sua crítica
No livro de Morin “A cultura de massa do século XX”, é colocado que há uma zona “onde a distinção entre a cultura e a cultura de massa se tornapuramente formal: A Condição Humana, a Náusea ou A peste entram na cultura de massa sem deixar, contudo, a cultura cultivada” (Morin, 1997, p. 53) e o livro de Camus é interessante pela coincidência com a questão da Pandemia atual, e interessante que não tenha entrado nas análises do aspecto cultural do momento.
Já postamos no blog em outro momento sobre o livro de Camus “O Mito de Sísifo” e outro sobre o romance de José Saramago “Ensaio sobre a cegueira” (1995), embora muito lido em alguns países da Europa em meio a pandemia, sua análise não entrou nos círculos da “alta narrativa” cultural, ou a cultura cultivada, que tentamos explicar em algumas postagens nesta semana.
Escrito em 1947, pelo fraco-argelino Alberto Camus, importante sua origem, porque sua crônica parte de uma análise de uma epidemia que ocorreu na cidade argelina de Orã, em algum ano da década de 1940, período que Camus trabalhava clandestinamente no jornal clandestino “Combat!” onde escreveu textos engajados contra o nazismo, entre eles pode -se destacar “Cartas a um amigo alemão” (1945).
O livro trata do absurdo da existência, quando em meio a uma epidemia faltam o amor e a solidariedade humana, cujos sentimentos podem ser sintetizados onde escreveu: “Havia sentimentos comuns, como a separação ou o medo, mas continuavam a colocar me primeiro plano as preocupações pessoais. Ninguém aceitara ainda verdadeiramente a doença”.
Outro trecho que pode-se destacar: “Muitos continuavam a esperar que a epidemia cessasse e que eles fossem poupados, com as suas famílias. Por consequência, não se sentiam ainda obrigados a nada. A peste nada mais era para eles do que uma visita desagradável que havia de partir um dia. Assustados, mas não desesperados, não chegara ainda o momento em que a peste lhes surgiria como a própria forma da sua vida e em que esqueceriam a existência que até então tinham podido levar.”
Com a guerra recém terminada no período que escreve o livro, não deixa de lembrar: “Os flagelos, na verdade, são uma coisa comum, mas é difícil acreditar neles quando se abatem sobre nós. Houve no mundo igual número de pestes e de guerras. E contudo, as pestes, assim como as guerras, encontram sempre as pessoas igualmente desprevenidas.”
Faz uma análise sagaz dos flagelos na história: “Desde o início da história, os flagelos de Deus põem a seus pés os orgulhosos e os cegos. Meditai sobre isso e caí de joelhos.” e acrescenta: “Ah, se fosse um terremoto! Uma boa sacudidela, e não se falava mais nisso… contam-se os mortos, os vivos, e pronto. Mas esta porcaria de doença! Até os que não a apanham parecem trazê-la no coração.”, e sua conclusão traz uma reflexão: “Quanto mais a pandemia se estender, mais a moral se tornará elástica.”
Compreendi que a ausência da solidariedade e da compaixão, assim como a elasticidade da moral não eram fatos atípicos em epidemias, mas de certo modo esperados, porém acrescento que sempre há uma alternativa mais humana, mais solidária que nos devolva a esperança de um muito mais justo após um triste flagelo, aprender algo com ele.