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Matris in grêmio II

19 dez

É curioso que um filósofo ateu (Peter Sloterdijk escreveu Pós-Deus), tenha feito uma referência a Maria como mãe de Jesus no seu livro na sua digressão 10, onde faz uma análise do texto De humanitae conditionis in miséria de Lotário de Segni (1160-1216) que viria a tornar-se o papa Inocêncio III, que afirma que a interrupção da menstruação de Maria durante a gravidez do menino divino provocou um alimentação diferente.

Diz o texto, que ignora o dogma da manutenção da virgindade de Maria, afirma Soterdijk “não há dúvida que Jesus, mesmo in gremio (significa no útero da mãe) deve ter sido provido de  uma diferente plano alimentar” (Sloterdijk, 2016, p. 557) e usa a Question 31 da Summa Teológica de Tomás de Aquino, onde esta noogenese implica também na ligação de dois corações.

Diz Tomas de Aquino: “… pois, pela ação do Espírito Santo, esse sangue é recolhido do regaço da Virgem e conformado em feto. E por isso se diz que o corpo de Cristo foi formado pelo sangue mais casto e puro da virgem” (Aquino, Suma Teológica III, 31, 5, 3, SP: Loyola, 2001-2002), lembre-se que no dogma cristão o Espírito Santo concebe a criança e não José seu marido, na época apenas prometido pela família de Maria.  

No texto bíblico, Maria prometida em casamento a José, que ainda não a desposara, recebe a notícia do anjo e pergunta: “como acontecerá isso, se eu não conheço homem algum ?” (Lc 1,34), e recebe a resposta que será pela ação do espírito, sob a sombra do poder do Altíssimo.

Ora esta ligação entre os dois corações, o sagrado coração de Jesus e o divino coração de Maria tem também uma ligação secundária, na visita a Isabel, sua prima, que também concebera de modo milagroso, já que estava na velhice e não era fértil, desta relação entre os dois corações resultará também a ligação ao coração da criança no ventre de Isabel, João Batista e que está relacionada aos fetos e contagia Maria.

Este segundo “matris in grêmio”, não citado por Sloterdijk, revela já uma ação inicial do sagrado coração do menino e outro coração no ventre de outra mãe Isabel, prenuncio da relação do divino coração com os homens e toda a humanidade, curiosamente um ateu corrobora com a ideia do “Sagrado Coração de Jesus”, uma devoção popular.

Diz o autor, mesmo sem ser crente que ao comentar uma escultura (do Museu de Cluny de Paris, datada do final do século XIV, na foto acima), que “é a própria matriz de Deus que ofereceu miraculosamente ao escultor o material de sua escultura, e a Deus o material para tornar-se homem …” (Damasceno apud Sloterdijk, 2016, p. 558), uma exegese curiosa para um autor descrente.

SLOTERDIJK, P. Esferas I: bolhas. São Paulo: Estação Liberdade, 2016.

 

 

 

 

 

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