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A grande paixão civilizatória

14 abr

Guerras militares, guerras de mercado, situações endêmicas (a dengue atualmente no Brasil, por exemplo) e uma retórica polarizadora sem fim é uma crise civilizatória, a base não é a situação conjuntural de agora, ela vem desde o início da colonização e se agravou com duas guerras mundiais.

Parecia no final da segunda grande guerra que com a ONU, o estabelecimento de direitos humanos e os acordos nucleares que tínhamos encontrado a saída, porém a base de todo este processo, temos postado aqui, é um pensamento idealista, que a polarização chama de neoliberal e o outro polo de comunista, porém toda guerra é de pilhéria e morte de inocentes.

Reunidos pela OTAN, os ministros da Defesa europeus (foto) salientaram em reunião finalizada no domingo (13/04), que apesar das negociações dos Estados Unidos com a Rússia, que ambos consideram avanços, a Europa desacredita porque as agressões da Rússia continuam, e ameaçam a região.

Não importa a retórica, a base de todo pensamento idealista/iluminista é um estado forte e muitos países não abandonam este pensamento, a crise tarifária agora é a manifestação do lema de Trump: “American first”, americano primeiro enfrentando até mesmo a Europa.

O pouco que entendo de economia, entendo que há uma interdependência das nações, um carro produzido em qualquer parte do mundo tem peças produzidas no mundo inteiro, os americanos querem que voltem a ser produzidos lá, com as tarifas o carro americano fica mais caro, enquanto a tática da China tem sido produzir barato e dominar os mercados.

Aliás a pedido das montadoras americanas, no quesito produção de carros Trump recuou, no sábado (12/04) recuou também na taxação de smartphones, computadores e chips.

Haverá mais empregos nos EUA, mas isto não me parecia um problema, muita gente ia para lá porque haviam empregos e bem remunerados, porém neste quesito a deportação de ilegais é também no caminho contrário e a falta de mão de obra poderá representar outro problema.

A guerra no Oriente Médio segue cruel com os Houthis, nos ataques o chefe da inteligência do grupo Abdul Nasser Al-Kamali foi morto, e as ameaças ao Irã prosseguem um caminho perigoso.

Há sempre esperança, há sempre negociadores com desejo sincero da paz, o que faz a crise civilizatória avançar é o pensamento imperialista e belicista aumentar com a eleição cada vez maior de governos autoritários, influenciados pelo pensamento iluminista, que veem os países de outros povos como inimigos e não cedem em qualquer processo de negociação.

É uma semana para os cristãos que envolve a paixão de Jesus, parece estar mais próxima de uma paixão civilizatória da humanidade, é preciso pensar nos inocentes, no futuro da humanidade e na paz tão desejada, mas pouco lembrada na hora de algum conflito, é preciso semear a paz.

 

Vita Activa e disposição

11 abr

A preguiça foi tratada como defeito por séculos (as vezes injustamente, como acusar desempregados de “vadiagem”), hoje ela se chama procrastinação, no seu limite ela é levada à Síndrome de Burnout ou síndrome do pânico (são diferentes), porém ambas são fruto de uma exagerada dose de pressão, de stress ou de trabalho.

Associações internacionais já reconhecem como um fenômeno que afeta a saúde, o número é muito maior que os registrados pois há medo de perda do emprego, da credibilidade e isolamento.

Assim é preciso caracterizar aquilo que a fenomenologia chama de intencionalidade, usando uma categoria que foi introduzida por Heidegger como disposição, como “um estado de espírito que precede a qualquer intencionalidade dirigida a um objeto”, citando Heidegger: “A disposição já abriu porém, o ser-no-mundo como um todo, e torna primeiramente possível um dirigir-se a [algo]” (Han, 2023, p. 66).

Assim a disposição é necessária, diz Han: “não podemos dispor da disposição”, “a disposição constitui então o quadro pré-reflexivo para atividades e ações”, assim, ela “pode facilitar ou impedir ações de-finidas” (p. 67).

Este quadro do pensamento “não é pura atividade e espontaneidade” … “a dimensão contemplativa habita … o transforma em um corresponder” (idem), isto está delineado no pensamento de Han no início desta página como uma “passividade ontológica originária”.

Não a atividade, “mas o estar lançado” [Geworfenheit] define este originário ontológico, como ser-no-mundo originário, para este ser corresponder significa àquilo que “se dirige a nós como voz [Stimme] do ser” (p. 67), assim ouvir e escutar atentamente precede a ação e dá à disposição.

O “corresponder ouve a voz do chamado […] é sempre necessário … não apenas por acaso e ás vezes, um disposto [gestimmtes]”, “o falar do corresponder recebe sua precisão” … “antes, ela concebe ao pensado uma de-finição” (Han, 2023, p. 68).

Assim a ação exige pela ordem de precedência, um chamado (uma voz), uma disposição e uma intenção e a elas correspondem um pensado de-finido.

Não agindo sobre o pensar, somos impulsionados contra nossa inércia anterior, nossa inatividade não é posta em ação, não há disposição para ela e cria um conflito em nosso ser.

Han a compara a inatividade da máquina, que nunca precede a contemplação, não surge nada quando está parada, é uma inatividade sem qualquer ação é sua ausência.

Se somos impulsionados como máquinas, sem disposição, enfrentamos um desgaste em nosso ser-no-mundo, o  “pensar está sempre recepcionando” daí sua in-disposição, seu transtorno.

Sem ouvir a voz do nosso Ser, sem contemplar, a ação é maquinal, muitas vezes difícil e cansativa, se pensada e pausada ela é segura, decidida e alcança propósitos verdadeiros.

HAN, B.-C. Vita Contemplativa Ou sobre a inatividade. Trad. Lucas Machado, Petrópolis: RJ, 2023.

 

Liberdade, memória e eternidade

10 abr

O tema pode parecer apenas teológico, mas não é, tanto Hannah Arendt como Byung-Chul Han trataram este tema, claro além de autores de alcance teológico como Agostinho de Hipona e Thomas de Aquino, também por autores atuais como Kierkegaard, Heidegger e Ricoeur que delinearam algumas questões na problemática entre tempo e eterno.

O esquema epistêmico de Hannah Arendt é bem mais profundo porque apresenta também o aspecto político: a memória, que tem referências a história, a narração, que tem a ver com a possibilidade ([hermenêutica] de resgatar os eventos, e a imortalidade, que coloca a ação do mundo concreto, tornando homens seres capazes de continuidade no tempo, visto assim:

“o sentido da Política é a liberdade” (ARENDT, 2002, p. 9).

Mneumônicos são inseridos em processos para preservar a narração, ou seja, sua memória.

Por outro lado, a imortalidade é aquilo que está sendo perpetuado pela memória e narração, porém a autora não se negou a ver uma diferença entre imortalidade e eternidade, apontamos no post anterior aquilo que é também a elaboração da autora, a ligação entre estas categorias.

Isso não nega e sim evidencia a concepção de imortalidade, que se impõe como aquilo que está sendo perpetuado no tempo pela memória, pela narração e também se desenvolve como uma Vita Activa, isto é o que compõe a tradição e a atualização de uma narrativa e neste ponto se confunde com a teologia, ou seja, ultrapassa o temporal e se desvela no eterno.

A tradição porém, foi gradativamente perdendo essa noção do público e do privado, a ponto desta fronteira entre os dois desaparecer, é fácil perceber isto na atualidade ao ver a exposição do privado até mesmo daquilo que é mais sagrado, e na concepção de Arendt, isto é um prejuízo vital, em vista da ação, categoria central para a constituição do mundo público, ela deixa de ser considerada em favor do respeito aos membros da sociedade.

Byung-Chul Han, no livro o Enxame sentencia: “o respeito é o alicerce da esfera pública. Onde ele desaparece, ela desmorona. A decadência da esfera pública e a recente ausência de respeito se condicionam reciprocamente.” (B.-C. Han, No exame, 2018, p. 12).

Arendt ressalta a ausência de empatia: “A morte da empatia humana é um dos primeiros e mais reveladores sinais de uma cultura à beira da barbárie”.

As religiões chamaram isto de aliança, porque todas elas têm um caráter simbólico, como a Arca da Aliança para o antigo testamento e a Paixão de Jesus para o novo testamento, este significado é o transcender a morte (eternidade), ultrapassá-la com todos seus valores: ódios, guerras, divisões e todo tipo de desumanidades praticamos pela finitude humana (Pillars of Creation, imagem do telescópio James Webb).

 

ARENDT, A. O que é Política. Tradução Reinaldo Guarany. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

 

 

 

Verdade, método e liberdade

09 abr

A verdade não é uma regra lógica ou mesmo uma busca científica, a ciência caminha em passos de construção do conhecimento, aquilo que é chamado de epistemologia, na sua raiz grande era a negação da doxa, da mera opinião.

A verdade dizia Sócrates (através dos discursos de Platão) “não está com os homens, mas entre os homens”, assim são precisos diálogos e contraposições de ideais para que se chegue ao que Hans-Georg Gadamer formula como “circulo hermenêutico” (já postamos aqui).

A hermenêutica é a arte de compreender o que está escrito ou falado, assim ela é a busca daquilo que cada autor formula, ou seu mapa mental, esta fidelidade exige assim um estudo não para colocar ideias ou palavra na boca do autor, mas descobrir sua intencionalidade.

As narrativas contemporâneas refletem esta ausência de hermenêutica, cada autor que dar ao outro o seu próprio discurso, isto só é possível restringindo a liberdade, ou intimidando o Outro, aquilo que na cultura atual é chamado de hater, ela é própria do autoritarismo dogmático, daqueles que só sabem ouvir o próprio discurso e se negam a entender o distinto.

A liberdade é essencial para o diálogo, para uma autêntica construção do conhecimento, e uma sincera busca pela verdade, é preciso ouvir o outro (o texto falado ou escrito) para se produzir uma nova fusão de horizontes, o processo compartilhado entre interlocutores.

A lógica da narrativa é a imposição de um discurso que se pretende único e verdadeiro, assim a liberdade não é permitida, os interlocutores são interrompidos ou calados em seu discurso, isto para que somente uma narrativa sobreviva e seus valores e argumentos sejam impostos.

A idolatria moderna do estado como única fonte de poder, ainda que se auto referencie como democrático, é a incapacidade de uma hermenêutica e de um método onde o diálogo é aberto.

É preciso suspender nossos conceitos, colocar entre parêntesis, um epoché. 

O círculo hermenêutico não é um fim em si mesmo, Hans-Georg Gadamer faz uma longa reflexão sobre o pensamento de Dilthey, que julga romântico e em parte é uma das influências na hermenêutica de Schleiermacher e as via comprometidas com a razão cartesiana e sua lógica.

Presos a esta lógica, o dualismo sujeito e objeto permanece, e segundo Gadamer (1998, p. 340) ele remonta a Vico que já havia afirmado o primado epistemológico do mundo da história segundo o espírito humano, este tipo de conhecimento torna sujeito e objeto interligados.

Assim a verdade é ontológica, própria do espírito humano, própria de seu ser, nele há verdade.

GADAMER, H-G. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.

 

O mal e sua ontologia

08 abr

Ainda que o mal possa ser entificado, isto é ser tornado um ente, quer seja no sentido de mal sistêmico, quer seja no sentido de um ente que personifica o mal (daemons grego ou um demônio na teologia ou uma atitude), Husserl vai perceber a partir da influência de seu professor Franz Brentano (pai da psicologia social) que ele é “a unidade objetiva completa que corresponde ao sistema ideal de todas as verdades de fato, e dele é inseparável” (Husserl, 2005, p. 136).

Claro ele está falando da verdade, mas a entende como tendo um sentido objetivo, assim a sua negação, não é outra coisa senão a negação do Ser do ente, e que esta correspondência nega a sua Noesis e não permite que a verdade se externalize, sendo uma unidade objetiva do Ser, o noema exige uma visão consciente do objeto.

Isto porque cada tipo de objeto tem desdobramentos próprios possíveis, por assim dizer, tem um método próprio prescritos a priori por leis de essência determinadas pelo eidos da objetividade em questão* (Husserl, 2006, 309), isto quer dizer que é a essência da objetividade que pré-determina o tipo de desenvolvimento concordante que se tem da experiência dele, é uma vivência, e assim se não é verdadeiro é sua negação, é o mal.

Pode haver a vivência da evidência nesta experiência do objeto, e isto colabora com seu status de ente enquanto um “ser verdadeiro” (Husserl, 2006, p. 309), aquilo que Husserl chamava de “Lebenswelt”, uma lógica da vida, neste caso da vivência experimentada com o objeto.

Se não entendemos que pequenas faltas, desconhecimento do Outro, da natureza como habitat, e tudo que nos afasta do Ser como construção da verdade, aqui ela é ontológica, estamos negando e alterando o sentido daquilo que será expresso no objeto, claro que é sempre uma influência da visão do mundo, e nela pode estar a essência da não verdade.

Agostinho de Hipona tinha dito isto de outra forma, o mal é a ausência do Amor, hoje podemos atualizar dizendo, a ausência da empatia, da solidariedade e do humanismo de todo homem, aquele que não é “do meu grupo”, “da minha bolha” ou até do “bem” num sentido lógico e não onto-lógico.

São atitudes que devemos repensar, julgamentos precipitados, visões unilaterais de mundo e do Ser, toda corrupção da alma, começa por uma corrupção da verdade, é uma negação do Ser de alguma forma, é ausência de uma visão de mundo completa, universal.

HUSSERL, E. Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica. Tradução de M. Suzuki. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2006.

 

Finitude, guerras e paixão

07 abr

Não nos referimos aqui a paixão emocional, porém aquela que os sofrimentos causam e que segundo o sentimento religioso (lembrando a paixão de Jesus) é também um momento de muitas mudanças trágicas e reafirmação de um alento salvífico.

O homem quando esquece de sua finitude se imagina dono do seu futuro e não olha ao lado.

A humanidade parece viver isto, agora no lado econômico, com uma economia já frágil devido as guerras, o tarifaço do governo Trump sobre as importações daquele país trazem uma forte instabilidade no comércio internacional, com reflexo no câmbio financeiro e nas bolsas.

Apenas alguns países com pouca expressão econômica ficaram fora deste tarifaço, as ilhas Seycheles, Burkina Fasso e algumas ilhas do pacífico, até mesmo o governo da Argentina que correu para algum acordo (Milei foi pessoalmente aos EUA) voltou de mãos vazias, a desculpa foi o atraso do helicóptero que levava Trump, mas pouco depois afirmou que exige que um afastamento da China que tem fortes investimentos lá, desde o governo anterior.

As tarifas lembram os níveis do Ato de Tarifas de Smoot-Hawley de 1930, aprovado por uma margem de 20 votos no Senado americano, que provocou uma guerra mundial global e aprofundou a Grande Depressão, conforme análise de especialistas em comércio.

Não apenas por estas tarifas, pois cresce a impopularidade do governo Trump, houveram diversas manifestações neste fim de semana nos EUA, até tradicionais parceiros os vizinhos México e Canadá estão nesta guerra, já com medidas de retaliação as importações dos EUA.

As bolsas asiáticas já abriram em “forte queda” nesta segunda feira, segundo diversos canais de notícias, e deve provocar além dos problemas econômicos agravamento nas guerras e uma onda ainda mais forte de governos autoritários, medidas de restrição de liberdade, etc.

Assim é um clima de paixão, não a divina, mas a humana, o processo civilizatório pode entrar em uma fase mais acelerada que as guerras militares em uma crise econômica e humanitária, que já é grave em quase todo o globo, tudo parece próximo ao cenário da pré-guerra de 39.

O Brasil na época, durante o início do governo Vargas (que depois de eleito se tornará uma ditadura) queimou toneladas de café nos portos, então uma riqueza nacional, para segurar os preços e isto encerrou o grande ciclo do café no Brasil e em especial no Estado de São Paulo, grande produtor.

Dois analistas econômicos André Valério e Rafaela Vitória afirmaram que “o cenário que já era complexo ficou consideravelmente mais incerto”, referindo-se também aos índices de produção no Brasil que tiveram uma leve queda em fevereiro/2025 apontou Rafaela no X (veja o gráfico).

 

Entre  a finitude e a eternidade

04 abr

Os deuses e mitos gregos eram imortais, porém sua mistura com a natureza os tornava quase tão humanos como os homens, tinham vícios tanto que tinha uma deusa própria para eles, a deusa Cacia ou Kakía (Kακία), personificava o vício e a imoralidade, era oposta ao areté (virtude).

Já postamos sobre as diferenças de conceitos de imortalidade e eternidade em Hannah Arendt e na leitura dela por Byung-Chul Han (veja o post), a pergunta que fica é o quanto é possível no espaço-tempo que vivemos, poder estar conscientes e passíveis de vivenciar este desejo do eterno.

Há aqueles que esperam um grande milagre da ciência, congelam seus corpos a espera deste futuro (criogenia), o polêmico Raymond Kurzweil escreveu em 2005: The Singularity is Near: when humans transcend biology, e ficou por anos preparando seu corpo para imortalidade, porém agora aos 77 anos já reduziu a carga de remédios que tomava para isto, ele fez um software para computadores aos 15 anos e é um dos conselheiros de Bill Gates.

Porém o delírio humano não vai ceder a ideia mais plausível e generosa da eternidade, o universo está aí, agora com as fantásticas descobertas do megatelescópio James Webb já há a teoria que sempre esteve aí, e outra mais plausível ainda que o tempo é uma ilusão.

Uma citação de Byung-Chul sobre Heidegger (em seus Cadernos negros) é interessante: “O que aconteceria se o pressentimento do poder silencioso da reflexão inativa desvanecesse?” (Han, 2023, p. 63), claro a pergunta é filosófica, no entanto remete ao ser: “o pressentimento não saber deficiente, ele nos abre o ser, o aí, que se furta ao saber proposicional” (idem).

É um “degrau preliminar na escada do saber” escreve citando Heidegger, vai estabelecer uma pré-categoria do consciente como Ser-Disposto [Gestimmt-Sein], explica: “não é um estado subjetivo que colore o mundo objetivo. Ela é o mundo … é mais objetiva que o objeto, sem, porém, ser ela própria um objeto” (pag. 66).

Assim nós “não podemos dispor da disposição. Ela nos toma” (pag. 67), não a atividade, mas o estar-lançado [Geworfenheit] como passividade ontológica originária define nosso ser-no-mundo originário” (idem, pg. 67), assim é preciso negá-la pois o mundo “se revela em sua indisponibilidade” (idem), a disposição precede toda atividade, e conclui, é de-finidora.

Defini até mesmo o nosso pensar, que significa “abrir nossos ouvidos”, escutar e corresponder e cita novamente Heidegger: “Philosophia é o corresponder verdadeiramente consumado que fala enquanto atenta ao chamado do ser do ente” (pg. 68).

E faz uma reflexão sobre a Inteligência Artificial, ela “não pode pensar, pois ela não é capaz do pathos. Padecer e sofrer são estados que não podem ser alcançados por nenhuma máquina” (pg. 69), o homem pode chegar a renúncia pensou Heidegger: “A renúncia é uma paixão pelo indisponível … a renúncia doa” (pg. 71), o ser: “doa a si mesmo na renúncia.  Assim, a renúncia se converte em um ´agradecimento´” (pg. 72) novamente citando Heidegger.

É certo que Heidegger este perto deste sentimento de eternidade, e Byung-Chul Han está bem próximo disto, escreveu: “a salvação da Terra depende dessa ética da inatividade” e citando Heidegger: “salvar significa, na verdade: deixar algo livre em sua própria essência” (pg. 73).

 

O agir segundo a Vita Activa

03 abr

Conforme exposto anteriormente a Vita Activa não é separada da Vita Contemplativa, isto já estava elaborado em Hannah Arendt e será amplamente tratado em Vita Contemplativa de Byung Chul Han.

Para estabelecer paralelos é preciso entender que Arendt retoma Aristóteles que via três modos dignos da vida do homem, os povos submetidos a escravidão pela guerra permaneciam ligados aos senhores apenas para suprir as necessidades de manterem-se vivos, e o filósofo grego via de modo similar a vida dos artesãos e mercados.

Para ele o homem “político” era realmente livre e podia se dedicar ao contemplativo, assim a dignidade estava ligada a contemplação, mas vista como a vida da fortuna (a Eutychia) que personificava o destino, boa sorte, prosperidade e abundância. 

Isto porque o homem ainda que aspirasse a imortalidade, é a vida sem a morte nesta terra, é uma vida “imanente” neste mundo, Arendt vai diferenciar da eternidade, que aspira um além do cosmos, ou o próprio cosmos pensado com criação da eternidade transcendente.

Já a imortalidade é continuidade no tempo, é vida sem morte nesta terra, é vida “imanente” a este mundo, a vida dos deuses do Olimpo era assim do modo como os gregos entendiam a natureza e sua “imortalidade” junto ao cosmos, sendo a mortalidade dos homens o que o distinguia no cosmo.

Byung-Chul descreve que “poucos antes do Vita activa ou sobre a vida ativa de Arendt, Heidegger proferiu uma palestra com o título Ciência e reflexão [Besinnung]. Em oposição à ação que impulsiona adiante, a reflexão nos traz de volta para onde sempre já estamos” (Han, 2023, p. 62), assim “uma dimensão da inatividade é inerente à reflexão” (idem).

Para Hannah Arendt, labor e trabalho são dois elementos que compõem a atividade humana, juntamente com a ação, enquanto labor corresponde a atividade biológica do ser humano para sua sobrevivência como espécie, já o trabalho permite a criação de objetos e a transformação da natureza.

A sociedade da performance, do midiático e da impulsividade desloca o ser para uma ação que não é nem boa nem má, é pura reatividade e assim é incapaz do agir consciente, a ação do Ser.

É ainda fácil perceber aqueles que agem com sabedoria pelos resultados de suas ações, não a simples resposta a algum discurso ou ação, mas uma reflexão em ato, ainda que seja o silêncio.

HAN, B.-C. Vita contemplativa: ou sobre a inatividade. Trad. Lucas Machado, Brazil, Petrópolis, RJ: Vozes, 2023.

 

Silêncio, parte essencial da linguagem

02 abr

A questão do silêncio é fundamental na valorização da linguagem, a palavra falada supõe que haja um interlocutor capaz do silêncio, se for profundo acontece o epoché (vazio interior) que todos os filósofos de certa forma impõe para que haja a articulação da palavra no pensamento, ela é antes e complementar a ação, Foucault foi um dos filósofos que percebeu esta lacuna já no século XIX.

No círculo hermenêutico ela é anterior ao processo de interpretação e necessária para que haja o diálogo e “fusão dos horizontes” como a hermenêutica filosófica exige, esse apenas agir sobre o impulso da linguagem omite uma parte essencial que é a reflexão, meditação ou para mentes que realmente buscam a verdade a contemplação, hoje há a impulsividade da ação.

Hans-Georg Gadamer foi o grande filósofo da hermenêutica, ele argumenta que não há só o conhecimento significativo das humanidades redutível ao das ciências naturais, uma lógica e uma linguagem apenas gramatical, há uma verdade mais profunda que o método científico.

Não é um simples retorno a metafísica, é o agir segundo o pensar, segundo uma articulação da consciência humana e coletiva, capaz de enxergar o outro e sua hermenêutica, capaz de rever o humanismo de todo homem, sem uma leitura vertical, da simples autoridade de poder.

Agamben em “A linguagem do silêncio” também fala desta articulação falsa da linguagem como um campo que procura apreender com a razão apenas ela é uma “experiência de linguagem que vai em direção ao pensamento sem jamais atingi-lo; ela é a tensão e infinita nostalgia, que jamais compreende o que quer apreender e jamais chega aonde quer ir” (Agamben, 2013, São Paulo, Revista Fronteira Z, p. 293).

O famoso canto das sereias que atraiam os marinheiros para a morte, na Odisseia de Homero (foto mosaico do sec. III Museu Nacional do Bardo, Túnis), é também esta falta de silêncio que Ulisses via em seus subordinados (Ulisses tapa os ouvidos e amarra os marinheiros no mastro do navio), tornou-se metáfora para o falatório que encantam seus seguidores, os maiores ditadores foram sempre bons oradores.

Assim colocar a contemplação em ação, requer uma verdadeira contemplação, a palavra lida é um guia sempre que é purificada por uma “arte de amar”, de solidarizar, de humanizar a ação.

 

Pequenas ações, ausência do pensar e grandes desastres

01 abr

Li de um psicólogo: “Não são grandes ações que causam grandes efeitos!” é preciso estar atentos a pequenos vícios, pequenas faltas que julgamos toleráveis porque elas se tornam com o passar do tempo grandes problemas, a ideia de deixar livre tudo a nossa volta, torna-nos mais vulneráveis às frustações, as dificuldades da vida, as decepções e obstáculos.

Não se trata também da disciplina rígida dos ditadores e pessoas de pouco diálogo, donos da verdade, pseudo “pensadores” cada dia mais comum na vida cotidiana da sociedade midiática.

As ideias do simplificar, do fazer o que dá na “telha”, liberdade sem obrigações, um mundo sem obstáculos e sem dor (Byung-Chul Han: A sociedade paliativa: a dor hoje), cria um mundo de rebeldes sem medir consequências, ódios gratuitos, intolerância, bolhas e obstáculos ao diálogo, ao direito do Outro e do diferente, enfim a sociedade do ódio e da guerra.

Cada pessoa pode dar seu passo interior antes de levá-lo a sociedade, a ideia que toda ação é externa é própria do não-pensar, o agir impulsivamente e isto não tem apenas ligação com as novas mídias, mas a ausência de reflexão, de meditação e de contemplação (Vita Contemplativa, Hannah Arendt e Byung-Chul Han), pensamentos verborrágicos sem reflexão.

Explica Han citando Arendt: “Vita activa, de Hannah Arendt, começa com a distinção entre imortalidade e eternidade” (Han, 2023, p. 144), e prossegue: “Envolto pelo infinito, o ser humano, como ser moral, busca pela imortalidade ao criar obras que permanecem” (Han, p. 145), mas “em contrapartida, o objetiva da vita contemplativa não é, segundo Arendt, o persistir e durar no tempo, mas a experiência do eterno, que transcende tanto o tempo como também o mundo circundante” (Han, p. 145).

Esclarece que ao escrever também a própria Arendt pode ter tido a intenção de ser imortal, mas “mesmo a escrita pode ser uma contemplação que nada tem a ver com a busca da imortalidade” (p. 146) e ela admira-se que Sócrates não tenha escrito, renunciando assim a imortalidade, não o cita, mas também Jesus não escreveu, os evangelhos só foram escritos pelos discípulos.

Assumir os pequenos tropeços, recomeçar e pensar porque tropeçou ajuda a caminhar.

HAN, B.-C. Vita contemplativa: ou sobre a inatividade. Trad. Lucas Machado, Petrópolis, RJ: Vozes, 2023.