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A religião idealista
Entre os jovens hegelianos, aqueles que junto com Marx criticaram os “velhos hegelianos”, em especial David Strauss e Bruno Bauer, estava Ludwig Andres Feuerbach (1804-1821) muito mais conhecido pelas “Teses sobre Feuerbach” de Karl Marx, do que por sua própria obra, mas os seus conceitos, ainda que criticados por Marx o influenciaram também além dos outros “novos hegelianos” conhecidos também como a “esquerda hegeliana”.
Feuerbach vindo de um ambiente católico foi educado no protestantismo, desde jovem orientou-se para a religião iniciando seus estudos na Universidade de Heidelberg, mas ao conhecer Friedrich Hegel, abandona a teologia e torna-se aluno deste filósofo por dois anos, o que provoca profundas mudanças em seu pensamento e cria o que chamo aqui de “religião idealista”, mas o Deus do cristianismo não é mais o deus de Feuerbach.
A ideia de absoluto de Hegel é bem conhecida, onde o seu “em si” que é seu “uno” não se aliena à matéria para enfim surgir como “Espírito Absoluto”, mas o homem, como espécie consciente, é o próprio infinito e absoluto, sendo a razão do homem para sua “libertação” em detrimento de uma doutrinação ou de uma cristianização (Feuerbach, 2013, p. 2-23) este Deus que o homem “imagina” é para o jovem hegeliano agora na verdade seu próprio ser, sua própria essência, é preciso entender que Ser para os idealistas não é o Ser ontológico, e sim um ser “antropológico”.
Assim a religiosidade, na análise idealista, não estaria vinculada a um ser imaterial, que transcende o humano (a transcendência idealista é o conhecimento do objeto), não é um Ser atemporal e criador, mas a própria natureza, noutro caminho Spinoza também explorou isto.
Assim Feuerbach entende que a relação do homem com o seu “deus” que é diferente de outros “jovens hegelianos” (Marx vai criticá-lo), o seu deus ou deuses, está fundado na sua própria ex-sistência, assunto também explorado na ontologia, mas visto como uma relação com o “tempo” ou ser o ser temporal.
O deus idealista é aquele que o homem externaliza “nada mais é do que a essência divinizada” (Feuerbach, 2009, p. 29), de certo modo mais ainda como “a história da religião é a história do homem” (Feuerbach, 2009, p. 30) e aqui encontra-se o marco divisório com Marx porque este vê a história como o seu “modo de produção”, a relação com o trabalho e os meios de produção para realiza-lo: feudalismo, capitalismo, etc.
Assim Feuerbach entende que a relação do homem com o suprassensível, que para ele “existe” isto é tem sua ex-sistência, é na verdade uma “patologia estética”, uma amalgama de sentimentos místicos que são ao mesmo tempo alicerce e fomentador da religiosidade: “Luto e dor pela morte de uma pessoa ou pela diminuição da luz e calor, alegria pelo nascimento de uma pessoa, pela volta da luz e do calor após dias gelados de inverno ou pela colheita, terror diante de fenômenos em si terríveis ou pelo menos na imaginação do homem … (Feuerbach, 2009, p. 49).
Assim o grande equívoco, mesmo para “religiosos”, é separar a substancialidade da espiritualidade, é ao nosso ver a essência da falsa ascese contemporânea.
FEUERBACH, Ludwig. Preleções sobre a Essência da Religião. Trad. José da Silva Brandão. Petrópolis/RJ. Editora Vozes, 2009.
FEUERBACH, Ludwig. A Essência do Cristianismo. Trad. José da Silva Brandão. Petrópolis/RJ. Editora Vozes, 2013.
A questão do espírito em Hegel
Byung-Chul Han critica a Fenomenologia do Espírito de Hegel vista “em termos do esquecimento do ser” (tema central de Heidegger) como um “eu árido” que encontra “sua limitação ao ente que lhe sai ao encontro” (Han, 2023, p. 334), assim não é a resistência do espírito.
Recupera Hegel em parte, na epígrafe do último capítulo “a verdade é o todo”, rediscute a dialética e sua metafísica no idealismo “em relação ao “apenas ser” que o esvazia até um nome “que não nomeia mais nada”, a consciência natural … quando se dá conta do ser, assegura que ele é algo abstrato” (Han, 2023, p. 336).
Esta consciência natural (idealista) “se demora em “perversidades” … “ela tenta eliminar uma perversidade organizando outra, sem se lembra que a autêntica inversão” [ocorre quando] “a verdade da essência se recolhe ao ente” (Han, 2023, p. 336, citando Heidegger).
Em contraste com a dialética de Hegel, este tópico daria um livro, trava um diálogo com Derrida e Adorno na questão sobre o luto e o trabalho do luto, matar a morte, não é apenas algo secreto no coração de Platão ou Hegel (pg. 384), mas também reverter o negativo do Ser.
Este trabalho da “tragédia” se distingue do “trabalho do luto” da dialética (Han, 2023, p. 385), é aquilo que Han chama em outros trabalhos do excesso de positividade, não entender a dor (na sociedade paliativa por exemplo, analisando a pandemia e a própria dor).
“As lágrimas liberam o sujeito de sua interioridade narcísica … elas que o “feitiço que o sujeito lança sobre a natureza” (Han, 2023, p. 394), citando Adorno a “Teoria Estética” é o livro das lágrimas e que ao contrário de Kant “o espírito percebe frente a natureza, menos sua própria superioridade do que sua própria naturalidade” (Han, 2023, p. 395).
O absoluto de Hegel é abstrato: “o Absoluto só é absoluto na medida que se sabe como Absoluto, isto é, como autoconsciência” (Hegel no §565 da Fenomenologia do Espírito).
Para a ascese verdadeira ela está além da natureza humana, aquilo leva a uma ascensão, uma nova interioridade que se expresse numa exterioridade mais humana, não a autoconsciência humana (pensada até na religião) e sim aquela que admite a singularidade humana no uno divino e este sim Absoluto.
Han, B-C. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger. Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. RJ: Petrópolis, Vozes, 2023.
A interioridade em tempo de exterioridades
O homem moderno se projetou não só sobre os objetos (o que a filosofia idealista chama de subjetividade) como também há uma ausência de ascese interior, aquilo que projeta e se constrói em sua alma, não são apenas valores, mas uma característica do ser-aí (dasein).
Isto se prolonga mais profundamente sobre a descrença de que exista alguma interioridade e então cultivar a empatia, o altruísmo, a boa vontade e partilhar o bem-comum é cada vez mais distante diante de valores egoístas, narcisistas e cultivo apenas da exterioridade mundana.
Os neoplatônicos, como Plotino (205 – 270), acreditavam no monismo e nessa irradiação de luz, existe um uno ou um deus (não era o Deus cristão) de onde emana uma fonte divina que irradia por toda a criação, nesta luz una que Agostinho de Hipona vai se apoiar nesta filosofia para negar o dualismo maniqueísta o qual crera antes e dali se deu uma virada ao cristianismo.
Alma, ou anima para os gregos, não é apenas uma interioridade mais também aquilo que o move exteriormente, assim não está desligado de suas ações no mundo, a distância entre a vita activa e a vita contemplativa, foi descrita por muitos autores, na antiguidade Gregório de Nazianzeno (329-369), um místico cristão que é citado por Byung-Chul Han na Sociedade do cansaço, e desenvolvido mais amplamente em seu livro mais recente Vitta Comtemplativa.
A festa judaica do Sabá (ou Shabat) (foto) é descrito no livro de Byung-Chul Han como o phatos da ação, que ele começa no seu livro descrevendo esta festa que contempla Deus e o Sabá, para a cultura judaica a redenção, o imortal (pag. 107), ontem o tempo fica em suspenso, ou seja, o momento de pausa na ação humana para a ação divina, assim complementar a ação.
A exterioridade e a interioridade estão relacionadas, o mal-estar civilizatória se deve a cultura e ao tempo que vivemos, mas também as interioridades sem uma verdadeira ascese.
Na Bíblia quando um paralítico (alguém com dificuldade de ação) se aproxima de Jesus antes de curá-lo ele afirma que os pecados estão perdoados (Mt 9,5), dá-lhe a interioridade plena, o Sabá.
HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa. Trad. Lucas Machado, Brasil, RJ: Petropolis, 2023.
A coragem e o Ser
O imprudente não é corajoso, na antiguidade Platão e Aristóteles a definiram de modo parecido, para Platão a coragem “saber o que não temer” enquanto para Aristóteles é a virtude moral que se encontra no meio-termo entre a covardia e a imprudência.
Porém quando a coragem se torna covardia, certamente não é quando é prudente e sabe os perigos que cercam determinada atitude, mas se é uma virtude ela não pode estar distante da verdade, assim significa que não pode renunciar a verdade, sob pena de renunciar ao seu Ser.
Mas a verdade não é uma visão dos dados, dos fatos ou um posicionamento diante da realidade, a filosofia e a física moderna incluem uma terceira hipótese entre Ser e não Ser, e assim é possível o “meio-termo” aristotélico sem que ele seja a capitulação da verdade.
O tema angústia e medo, que ocorre quando há ameaça a própria existência, levando-as muitas vezes a permanecer na dispersão da preocupação, em Heidegger, essa dispersão, que é o modo de existir da maioria das pessoas, só pode ser vencida através de uma “decisão antecipatória” que leva o Dasein a acolher nele só o que é finito, moral ou imediato.
Outros autores, como Kierkegaard que criticou os que haviam pensado uma solução desta preocupação em um deus “imaginado” pela razão, e neste sentido está correto já que isto não é depositado na fé, criticam os que haviam pensado em uma transcendência do “Deus acima de Deus”, que seria uma espécie de coragem do Ser, e isto seria a potência do ser com raízes na transcendência, estão certo porque não sendo algo divino “a confiança em Deus” transformam em potência situada além, e assim torna-se a confiança em si mesmo.
Há algo na existência humana que é uma espécie de medo máximo: a morte, há aqueles que buscam a fonte da eterna juventude, o prolongamento da vida, porém a finitude humana é algo que causa um medo fatal, e diante da morte muitos poucos são aqueles que não invocam a presença divina, a presença da mãe ou algum outro recurso transcendente.
O filósofo coreano-alemão Byung-Chul Han esclarece bem isto: “A perda moderna da fé, que não diz respeito apenas a Deus e ao além, mas à própria realidade, torna a vida humana radicalmente transitória” porque viver bem cada momento presente é estar na eternidade.
Nem todos creem porque precisam ver o eterno, porém Tomé que viveu com Jesus precisou tocá-lo ressuscitado para crer que há o eterno, há o infinito além do humano, o Ser-aí que somos.
De que é composto o universo e qual sua origem
Os filósofos gregos do século 6 a.C. acreditavam que os quatro elementos de toda natureza eram: fogo, terra, água e ar, Pitágoras propôs uma escola praticamente religiosa que tudo eram números enquanto Demócrito propôs o átomo e que eles teriam formas arredondadas, lisas, irregulares e lisos podendo formas uma infinidade de elementos, mas até o final da idade média se acreditava que o fogo eram composto de uma destas partículas: o fogisto, devemos a tabela química a Dimitri Mendelev que em 1869 organizou os seus elementos químicos, antes o alquimista Henning Brand descobriu que o fósforo aquecido com resíduos de urina provocava chamas e Antoine Lavoisier em 1789 organizou alguns elementos em simples, metálicos, não metálicos e não metálicos.
A física padrão atual estabeleceu 7 elementos: neutrinos, elétron, quarks, fóton, gráviton, glúon e bóson de força fraca, mas há um mundo quântico mais misterioso o das supercordas, parece assustador ou usando a palavra dos físicos fantasmagórico (Einstein a usou a primeira vez ao perceber que há um terceiro estado na física quântica em que o elemento nem é nem não é, chamado mais tarde de Terceiro Incluído).
A teoria do universo mais convincente até recentemente era a do Big-Bang e um universo em expansão, a entropia, Stephen Hawking foi seu grande teórico, embora esta teoria já existisse antes, e propôs assim uma “flecha do tempo” em seu livro mais famoso uma “Uma breve história do tempo” (1988), porém as descobertas do James Webb colocaram em cheque ao encontraram nos confins do universo galáxias e corpos celestes que não deveriam estar lá, agora até mesmo a flecha do tempo é questionada.
O importante ao olhar para o universo é entender de onde veio tudo e se este todo e a vida inteligente, que por enquanto só encontramos em nosso planeta terra, teve um início e mais importante que isto teve uma intenção.
O “fiat lux” bíblico parece concordar tanto com a teoria do Big Bang, antes dos átomos haveriam ondas ou “cordas” criadas nos primeiros 10−44 segundos (tempo de Planck) e depois criados os elementos subatômicos, no caso das cordas, tudo é formado inicialmente por cordas unidimensionais que se dividiriam em cordas “abertas” (lineares e cordas “fechadas” (em força de laço), vibrando em diferentes frequências que dariam origem não apenas aos 7 elementos, mas também as moléculas iniciadoras da vida.
Seja como for existiu um momento inicial, e a forma deste “ente” deve ter sido precedida por um “ser” criador, o paleontológico e teólogo cristão Teilhard Chardin propôs que todo universo seria corpo deste supremo “Ser” do “ente”, assim ele deveria ter uma realidade divina e outra material (humana), assim propôs que o universo é cristocêntrico.
Do nada não é possível ter surgido o Tudo, e se há uma forma original do Todo, de algum “elemento” o mundo físico é composto, assim há um “Corpus” deste Todo, com a diferença que Ele é criador e todo o resto criado, mas criado com algum substrato do seu próprio Supremo Ser, claro a teoria para isto é mais elaborada, mas a sua compreensão é simples, somos parte de um corpo, de um conjunto que se comunica, a ideia da individuação do universo não é plausível, porque lá no início éramos uma coisa só: um pequeno corpúsculo cósmico, um conjunto de cordas vibrantes (poderíamos pensar até mesmo num coro fazendo uma música), porém houve uma momento de criação e um Ser o criou a partir de si mesmo.
A ascensão e a não-presença
A leitura deste livro de Byung-Chul Han, “O coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva” é diferente dos demais “ensaios” do autor, revela uma primeira incursão no mundo filosófico, longe de ser um tratado, já há conotações de um pensamento original.
Em tempos tão escassos de pensamentos autênticos, estamos sobre o fogo cruzado do novo e velho idealismo Hegeliano, e o autor demonstra isto não pela análise crítica histórica, mas pelo que vai mais no fundo de pensadores como Kant, Hegel, Derridá e seu mestre P. Sloterdijk.
Diria que o ápice, pelo meu víeis de leitura, está na análise de Lévinas, ao citá-lo na página 68: “A ´destruição imaginária de todas as coisas´, a Epoché de Lévinas, não é seguida por uma ausência total do ser” … “contra todos imperativos formais lógicos” (pg. 68), o que lembra o terceiro incluído de Barsarab Nicolescu, em alusão à física quântica, é um novo limiar lógico.
E segue adiante “Não existe mais isto, nem aquilo; não existe ´alguma coisa. Mas a ausência universal é, por sua vez, uma presença, uma presença absolutamente inevitável” (pg. 69 citando novamente Lévinas: “A existência da existência”).
Lévinas chega a sugerir a real experiência deste “Il y a” (ser* em francês, sua língua natal), este nada não indica um substantivo e como tal é um “não algo” (lembra as não coisas de Han), esta presença “fantasmagórica” (Einstein chamou assim o terceiro incluído da física quântica), “o ser permanece como um campo de força … regressando ao seio do mesmo da negação que o afasta, e a todos os graus desta negação” (novamente citando Lévinas, pg. 70).
O potencial sugestivo do “Il y a” é elevado pela dissonância lógica: “A obscuridade – enquanto presença da ausência – não é um conteúdo puramente presente. Não se trata de um ´algo’ que permanece, mas da atmosfera mesma de presença, que certamente pode aparecer muito depois com um conteúdo …” (pg. 70 citando ainda a obra de Lévinas).
A ascensão de Jesus (foto Painel de Azulejos, Portugal), festa mundial nesta semana em muitos países cristãos é até feriado, a luz desta visão ontológica pode revelar uma reformulação teológica, porque na leitura bíblica sua partida e ausência corresponde a vinda de uma terceira pessoa da Trindade: o Espírito Santo.
Assim em João 16,13 se lê: “No entanto, quando o Espírito da verdade vier, Ele vos guiará em toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos revelará tudo o que está por vir”, e assim desvelará a verdade.
Esta verdade onto-teo-teleo-lógica deve incluir uma lógica trinitária: o Terceiro Incluído.
* ser em gera.
Han, B.C. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger. Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. Petrópolis: Vozes, 2023.
A volta às nações e ausência do Todo
Em tempo de hipercomunicação, a mídia social faz sentir a ausência do Todo, que Peter Sloterdijk chama do Grande: “a forma do grande no mundo industrial insiste no conhecido estresse megalopata em dimensões ampliadas – mas então devem preocupar-se as pessoas da rua, que antes teriam apoiado um Ministro das Relações Exteriores” (Sloterdijk, 1999, p. 61), o que ele não imaginava era que isto teria uma reação contrária: a volta do patriotismo.
Porém somente forças inesperadas perceberam este efeito, enquanto a sociedade atual: “sofrendo crises de náusea frente a sua classe política, no momento não pode fazer mais do que conceder uma pausa de reflexão para questões fundamentais” (p. 62).
O autor percebe a falta de “alguma coisa”, o destaque é dele, mas prefere “interpretá-lo como o espírito da era agrária” e dos grandes impérios (pg. 60), e em sua visão agnóstica, “para ela chegou o momento crítico com a “morte de Deus” “ (idem), novamente o destaque é do autor.
Assim na ausência de uma figura escatológica, num mundo que rejeita a ideia do sagrado, do divino e de um Deus humano-divino dos cristãos, “a forma do Grande é mudada, patologias de filiação de todo tipo tornam-se epidêmicas” (pg. 66), não só na política, mas também religiosas, todos acreditam terem encontrado um “grande” e o colocam hereticamente no lugar de Deus, até mesmo nas religiões um deus imaginários da riqueza, do ócio e até da luxúria, por mais contraditório que possa parecer.
O livro do final do milênio passado, entende o problema certo mas no lugar errado, sob o tema de “revolução conservadora” (novo destaque do autor) experimenta-se a “duas ou três gerações nos movimentos catolizantes da resistência na Europa central e do sul, provavelmente pela frente uma grande carreira intercultural – sob estandarte religioso, culturalista, regionalista” (pg. 67).
Volta a uma análise correta: “no Grande moderno – as identidades estado-nacionais quase religiosas que desde o século XIX marcaram formas políticas de vida na Europa e mais tarde no mundo inteiro” (idem), lembre-se o nazismo e agora em várias formas de guerras “nacionais”.
O fenômeno moderno deste Grande, da grande pátria seja em Israel ou na Rússia, na China ou nos EUA, não é outra coisa senão a ausência de um Grande Maior, o divino que leve os homens a quebrar fronteiras, a conviver com o diferente e a entender a necessidade de uma nova civilização que veja o planeta como Terra-Pátria.
Para o grande religioso, pode-se perguntar onde está Deus, mas a figura divina-histórica de Jesus e sua visão além-abraamica que ultrapassa a destes povos em conflito, proclamava um lema universal: “Quem me vê, vê aquele que me enviou” (Jo 12,45).
Um poder escondido nos pequenos
Em toda história se ignorou as camadas da sociedade que não tinham participação no poder, não em regimes autoritários onde isto fica evidente, ainda que os ditadores gozem de alguma popularidade devido seu poder de manipulação e uso da força, a maioria da sociedade deve e o processo se torna irreversível com o acesso através das mídias sociais, que podem ser redes.
O poder dos laços fracos, desconhecido pela maioria dos manipuladores e autoritários existe e mesmo que submetidos a um duro regime, nas sombras e nos meios informais ele acaba se manifestando, porém, o poder de propaganda e de massificação na grande mídia era imenso.
É verdade que parte da opinião dita popular também está sujeita a tradições e culturas de opressão e manipulação, já o era antes, e agora pode tornar-se perverso, mas quando usado para promover o bem comum, a igualdade e o respeito, poder ser a única força assimétrica.
A opressão supõe sempre um certo consentimento, por persuasão, por medo ou por alguma conveniência circunstancial ou histórica, porém ao longo do tempo, pode demorar anos, uma verdadeira opinião “pública” prevalecerá e a polarização das forças imperiais em jogo, irão se enfraquecer.
Como reconhecer o lobo e o cordeiro neste jogo, é simples, e a parábola bíblica explica (Jo 10,12):
“O mercenário, que não é pastor
e não é dono das ovelhas,
vê o lobo chegar, abandona as ovelhas e foge,
e o lobo as ataca e dispersa”.
O pastor conhece as ovelhas e elas escutam sua voz, diz outro trecho bíblico, e ele não age com o poder, mas como protetor e facilitador do caminho das ovelhas para não se perderem.
O infinito não é só “acreditar”
Nem sempre que temos conceitos morais e religiosos significam que superamos o medo, a angústia e as dificuldades da vida, orações e pregações fervorosas podem encobrir a verdade, isto afasta muitas pessoas da crença na felicidade e vida eterna porque não leem isto na vida real de quem crê.
Quando algo do infinito nos toca na vida, não apenas descobrimos a verdade, não apenas uma crença em alguém (algo é coisificar o eterno) que faz parte desde já em nossa existência, isto nos revigora e torna capazes de ajudar o mundo da paz, da esperança e do verdadeiro Amor.
Sabemos em nosso íntimo que ninguém pode sondar e saber verdadeiramente de nossa alma, no entanto, alguém perscruta nosso interior, quando amamos e fazemos algo bom pelos outros, por nós mesmos e pela humanidade, algo bom invade nosso ser e nos dá serenidade.
Esta força que desperta interiormente levou grande sábios, mestres e santos a descobrirem algo novo que os fez progredir numa verdadeira ascese, foram capazes de atitudes heroicas, mas curiosamente com peso menor que seria para os homens que não conhecem esse Amor.
Quando vivemos de fato esta dimensão, até mesmo certo tipo de religiosidade rotineira e burocrática nos abandona, queremos ver o Outro crescer, queremos ouvi-lo e amá-lo como é.
Assim superamos o medo com atitudes positivas em relação ao mundo e as outras pessoas, assim o que é realmente Verdadeiro, ou seja, o bem humano e o divino em nós, se manifesta também fora e não há nisto nenhum medo, nenhuma angústia porque é um Bem Verdadeiro.
O contrário, a constante oposição ao Outro, o sentimento de sempre salientar a diferença e a arrogância de ser superior em algo que fazemos bem ou melhor que os outros, embora pareça verdadeiro, leva junto um sentimento que nos afasta do Outro e da humanidade, não é a paz.
Se olharmos para as guerras, veremos sempre este princípio, ver o outro inferior e menor que nós, assim não são dignos de viverem, “merecem” toda maldade que no fundo está no nosso interior e não nestas pessoas, a maioria inocentes, ainda que dentro de cada povo ou nação há pessoas que não seriam dignas do nosso bem querer, não é eliminando-as que construímos a paz.
A paz verdadeira entre os homens nasce do coração sereno, que entende o infinito, e que almeja ainda que num futuro distante, uma vida melhor para todos, sem injustiças e guerras.
Substância e a essência do Ser
Substância é um conceito essencial tanto da metafísica como da ontologia, embora a modernidade queira caracterizá-la apenas como aquilo que é material, a etimologia diz sub instância, ou do latim literalmente é “o que está abaixo de”, mas pode ser também “derivado de”.
O dualismo como vê tudo como oposição e afirmação, uma substância primeira é aquela que não tem a disposição em contrário, por exemplo, um homem, uma árvore ou um animal, não existe seu oposto, porém ainda não é o que designa o Ser, já que estes mudam, nascem com alguma forma originário e depois modificando são o fundamento de algo “derivado”: uma acidente, uma sub-instância de homem, de árvore ou de algum animal.
No século XVII René Descartes propõe uma divisão entre corpo e mente, dividindo a substância em duas categorias: res extensa, que se refere à matéria física, e a res cogitans que se refere à mente ou ao pensamento, o dualismo simplificado como corpo e mente, neste século havia ideias contrárias: o monismo “atomista” de Leibniz e o natural de Spinoza.
O século XVIII esta ideia sofre duas reformas: a de Hume que critica a substância como algo essencial sendo apenas uma ideia criada pela mente humana, para dar sentido à experiência, e o idealismo kantiano, a substância não é uma coisa em si, mas uma categoria do entendimento humano.
Ainda nos limites do kantismo, permanecem duas possibilidades de conceber um ser ou um objeto, o sentido imanente, que permanece no âmbito da experiência possível, mas agindo somente através dos sentidos (conceitos ou princípios cognitivos) e o transcendente, que admite um deus imanente, que permeia toda a realidade e não se separa da matéria.
O transcendente é então o que leva o sujeito (daí chamar-se subjetividade) ao objeto (objetividade) permitindo o conceito ou princípio cognitivo.
A ideia de uma pessoa, ou três pessoas no caso cristão, é aquela que dá ao ser (não o separa do objeto e da experiência) a sua transcendência e assim permite uma ascese espiritual.
No caso cristão chamo a atenção para Jesus Ressuscitado que pede e assa um peixe e come, não por necessidade, mas por possibilidade, assim não afeta a substância embora a conceba.
Diz a passagem (Lc 24, 40-43): “E dizendo isso, Jesus mostrou-lhes as mãos e os pés. Mas eles ainda não podiam acreditar, porque estavam muito alegres e surpresos. Então Jesus disse: “Tendes aqui alguma coisa para comer?” Deram-lhe um pedaço de peixe assado. Ele o tomou e comeu diante deles”, se não tinha necessidade porque comeu, lembrem-se da última ceia.