Mitos, oralidade primária e religiões
O mito é uma forma de explicar fenômenos, não apenas naturais, mas também culturais e históricos de modo a manter um determinado fato ocorrido para além do estado factual, a oralidade é uma forma de comunicação e as religiões tem uma estrutura de cosmogonias que dão aos fatos um sentido mais profundo.
É preciso destacar nas religiões e antigas oralidades primárias o papel dos oráculos e profetas, que tinham alguma “autoridade” para narrar os fatos históricos de modo que a compreensão se mantivesse e evitasse desvios de narrativas, e entre oráculos e sofistas há uma distância.
Os sofistas existiram e ainda existem para elaborar narrativas que justifiquem o poder, até mesmo as atrocidades e desmandos que ocorram e muitas vezes se confundem com os falsos profetas e oráculos do poder.
Porém os mitos foram inúmeras vezes necessários na história, a batalha narrada em Ilíada e Odisseia na forma de poemas, pode dar a entender apenas uma narrativa de poder, no entanto ali alguns mitos são usados como forma de manter uma narrativa e houve a batalha.
Já o mito religioso sore Adão, é até possível que tenha existido, porém a origem humana hoje se sabe pelas pesquisas que houve uma variação entre os Neandertais e o Homo Sapiens, os primeiros que desapareceram eram de crânio mais alongado e dentes mais fortes e que nasciam mais cedo, que os adaptava melhor aos alimentos menos tratados e mais duros.
Tudo que sabemos da origem da vida é o surgimento de microbiótica nos oceanos primitivos e depois os pequenos animais multicelulares e as conchas (foto) no período pré-cambriano.
Porém descobertas recentíssimas mostram que não apenas conviveram e tiveram cruzamentos, como há DNAs dos neandertais que ainda estão presentes no humano atual, mas os neandertais desapareceram a cerca de 40 mil anos.
Assim o mito bíblico adâmico deve ser compreendido de duas formas, a primeira é que o homem veio da natureza (na narrativa bíblica do barro) e que de alguma forma, que até a ciência tem dificuldade de explicar, entre as vidas que surgiram na formação da biosfera, o homem se formou, a segunda explicação é que os filhos Abel era pastor e Caim agricultor, então é o período sociológico que o homem já cultiva e inicia o “controle” da natureza.
A oralidade primária vai ter um papel fundamental para transmitir os “conhecimentos” que facilitam este controle, e os mitos devem significar este “controle” primário da natureza, assim como a transmissão oral sem desvios.
É no outono que se contam as galinhas
Aproxima-se a primavera no hemisfério sul e o outono no hemisférico norte, é o período que os europeus sabem que devem ter provisões fazer reparos nas casas para algum tipo de proteção ao frio: sistemas de calefação, carvão, gás e organizar a dispensa para este período.
Há um ditado no leste europeu, versão de nosso ditado “não se contam com os ovos antes da galinha botar”, lá se diz “no outono que se contam as galinhas”, isso serve para a guerra que se aproxima de completar dois anos no leste europeu e que respinga em toda humanidade.
Muitos analistas, entre eles o português Miguel Monjadino, afirmam que o principal objetivo de Kiev “é recuperar território suficiente até o outono para manter o apoio da sua sociedade, de Washington e das capitais europeias para uma campanha militar na primavera” de lá que será nosso outono aqui, só depois de março de 2024.
Analistas americanos indicam mais de 500 mil militares já mortos nesta guerra, e ainda há de se considerar o fim do acordo sobre embarque de grãos da Ucrânia na região dos portos do mar Negro e aumento de armas, e agora também aviões.
Porém a contagem das perdas já começa, o desastre com um avião brasileiro que caiu na Rússia e matou seus ocupantes chama a atenção para mais uma morte estranha de opositores de Putin, a morto do chefe do grupo paramilitar Wagner, Yevgeny Prigozhine todos ocupantes do avião foi confirmada em análise genética.
Ao mesmo tempo que dava condolências a família de Prigozhine, Putin afirmou que cometeu muitos erros na vida, numa alusão clara que não gozava mais de sua simpatia.
No lado econômico os BRICS, aliança que participa a Rússia e o Brasil, anuncio um aumento de seus membros e uma possível moeda no futuro, o objetivo é competir com o euro e o dólar.
A paz parece cada vez mais distante e o aumento de tensão é cada vez maior.
Então o que é crer ?
Já acreditamos em muitas coisas que não eram verdadeiras, o sol não é o centro do nossa galáxia, no centro está um Buraco Negro, e tanto a matéria como a energia escura parecem desafiar as leis atuais chamada de Física Padrão, um cientista disse que Deus fez a divisão por 0 e tudo pode ter surgido milagrosamente do Nada.
Se examinamos de perto as crenças, em todas existe a regra de ouro: não faças ao outro o que não gostaria que fosse feito a você, em especial disse Jesus sobre o maior mandamento(Mt 22, 37-40): “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento!’ Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: ‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’. Toda a Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos”.
Sem isto caímos no olho por olho dente por dente, disse o filósofo Byung Chul Han sobre um dos livros inaugurais de nossa era, o poema Ilíada (séc. VIII a.C.) (na imagem acima de Pablo Delgado), sua primeira palavra é “menin, a saber a cólera [Zorn]: “cantem, deusas, a cólera de Aquiles filho de Peleus” (pg. 22), assim a cultura humana, em especial a ocidental está fundada na violência e o filósofo aponta que ‘a desintegração da sociedade de hoje não deixa de existir a energia épica da cólera.” (pg. 23).
A oposição divina do pacifismo não é apenas uma inversão história, é neste momento de crise civilizatória a possibilidade real que o processo avance e a que a humanidade não se massacre.
É verdade que nem mesmo sobre o Deus Homo Jesus existe uma visão correta, não era um guerreiro, um fazedor de milagres e se os fazia pedia sempre discrição, jamais o fez por um ato exibicionista ou triunfalista, não estimulou nenhum tipo de cólera, ainda que a falsidade de muitos religiosos o irritasse, e sempre pergunta aos discípulos: “quem dizem que Eu sou”.
Em Mateus 16, 14 após indagar isto: eles responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros, que é Elias; outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas”.
E depois perguntam a eles, porque só os verdadeiros discípulos reconhecem o Homo Deus amor e misericórdia (Mt 16,16) e Pedro responde: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”.
Como no tempo de Jesus e em toda história sempre houveram falsos profetas e discípulos, porém Jesus alerta é só da boa árvore que brotam bons frutos, então a distinção é simples.
HAN, Byung-Chul. No enxame: Perspectivas do digital”, trad. Lucas Machado, Petrópolis: Vozes, 2018.
Deus e o tempo não existem
Nem bem explicamos direitos a física quântica e a relatividade geral e a física parece estar em crise, filósofos e físicos parecem ter encontrado paradigmas e fenômenos estranhos em observações do universo e da física das partículas, qual a relação com Deus, mas há algo além do espaço-tempo e Deus é (existir é no espaço-tempo).
Não se trata da descoberta da partícula de Higgs ou partícula de Deus, comprovada sua existência, mas de uma especulação ontológica que agora se leva a sério, sempre afirmamos um princípio da dualidade, ou seja, A é falso ou Verdadeiro e não podendo ser os dois ao mesmo tempo e também se formos de A para B devemos passar por B intermediário, esta é a ontologia tradicional.
Assim desde os pré-socráticos até Kant o tempo era absoluto e esta física se comprovava, entretanto da descoberta física do terceiro incluído, este chamado “nível de realidade” traz o questionamento contemporâneo do questionamento do que é existência e Ser, uma nova abordagem científica, social e espiritual sob um método chamado de Transdisciplinaridade.
Não foram religiosos que o proclamaram, mas físico como Barsarab Nicolescu, educadores e filósofos como Edgar Morin e artistas como Lima de Freitas, um serigrafista e pintor português, que assinaram a Carta da Transdisciplinaridade de Arrábida.
Para teólogos e místicos que estão de acordo com este princípio, Deus existe uma vez que entrou na história através do “Deus Homo” Jesus, Deus é através do Ser divino eterno e Deus é comunicação através do Espírito Santo, a hipótese trinitária parece perfeita.
Se existiram manifestações divinas, Teofanias quase sempre sujeitas a contestação apesar de inúmeras contestações, tanto teoricamente quanto praticamente parece cada vez mais perto um momento de grande abertura da “clareira” de uma consciência geral.
Claro que há falsificadores, como sempre houveram na filosofia, nas ciências e nas religiões, onde a fantasia e o imaginário podem ter asas, porém há gente séria e que sabe que o fenômeno existe pelo menos na consciência de bilhões de crentes no mundo todo, em todas culturas e também cientistas, filósofos e psicólogos sérios tem suas crenças.
A realidade presente ao mesmo tempo que aumentaram falsificadores e falsos profetas, parece aproximar-se daquele momento em que o Homo Deus histórico Jesus afirmou (Jo 1,51): E Jesus continuou: “Em verdade, em verdade, eu vos digo: Vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem”, que era como Jesus curiosamente se referia a sua própria existência para dizer que se fez homem.
Os eventos em vários aspectos parecem convergir para isto e é grande esperança para uma humanidade confusa, uma civilização em crise e uma realidade dura.
A eclipse de Deus
O livro de Martin Buber com este nome trata como podemos encontrar na filosofia e na história da religião, desde os filósofos pré-socráticos até pensadores do século XX uma interpretação das crenças ocidentais, com ênfase na relação entre religião e filosofia, com a ética e a psicologia junguiana, o que valeu uma réplica de Jung e uma tréplica de Buber.
Vivemos como diz Buber num tempo da eclipse de Deus, como ao ver a Lua passar na frente do Sol, parece que ele não existe mais, quando de fato está encoberto, isto é curioso, porque a polêmica com Jung é causada por uma pergunta em uma entrevista sobre a existência de Deus, Jung respondeu: “Eu não preciso acreditar, eu sei” (Jung, 1977, p. 428).
Isto causou furor na época e até hoje livros como Deus: um Delírio (o titulo em inglês é The God delusion) encontramos uma citação na página 51, num livro que mostra as desilusões de Dawkins mais que os delírios dos que creem, principalmente aquilo que na filosofia se refere ao Absoluto, cujo auge da elaboração ocidental é o conceito abstrato do absoluto de Hegel.
O absoluto de Hegel que é uma articulação entre o objetivo e subjetivo dualista do idealismo, é uma singularidade de uma potência substancial, própria da subjetividade e do conceito como havendo uma substância universal, que através da abstração se efetiva na consciência de si e torna-se igual a essência, uma espécie eu eu-mesmo essencial.
O comentário posterior de Jung, expresso principalmente em uma carta a uma amiga que foi publicada, ele explica: “o que quer que eu percebo de fora ou de dentro é uma representação ou imagem … causada, como eu com ou sem razão suponho, por um objeto “real” correspondente. Mas eu tenho que admitir que a minha imagem subjetiva só é grosso modo idêntica ao objeto … nossas imagens são, em regra, de alguma coisa … a imagem-Deus é a expressão de uma experiência subjacente de algo que não posso alcançar por meios intelectuais …” (Jung, 1959).
A resposta de Jung, sem que a articule de modo implicitamente filosófico é uma resposta ao subjetivismo idealista, ela não se alcança por meio da razão, é um objeto de fé, de crença e quem a tem a possui dentro e fora sendo ao mesmo tempo subjetiva e objetiva.
A passagem bíblica que melhor ilustra este sentimento é aquela (Jo 15, 45-46): “O Reino dos Céus também é como um comprador que procura perolas preciosas. Quando encontra uma perola de grande valor, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquela perola”.
Jung, C.G. The Face do Face entrevista in C.G. Jung Speaking: Interviews and Encounters, Princeton, Belligen paperbacks, 1977, p. 424-439.
Jung, C.G. (1959), Letter to Valentine Brooke in C.G. Jung Letters, Volume 2, 1951-1961, edited by Gerhard Adler, (London: Routledge and Kegan Paul), pp. 525-526, 1959.
A modernidade e Deus
Se é verdade que o discurso religioso de nossos dias atuais beira a insanidade, é verdade também que aquilo que a modernidade pensou e pensa de Deus é praticamente desconhecimento de presença na literatura não cristã.
Nascido de família de pastores luteranos Nietzsche não falou da Morte de Deus como pensam sua leitura rasa, não leram a Gaia Ciência onde o filósofo proclama “O homem louco – Não ouviram falar daquele homem louco que em plena manhã acendeu uma lanterna e correu ao mercado, e pôs-se a gritar incessantemente: ‘Procuro Deus! Procuro Deus!’?” e pode-se ler mais a frente: “Para onde foi Deus’, gritou ele, ‘já lhes direi! Nós o matamos – vocês e eu. Somos todos seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como conseguimos beber inteiramente o mar? Quem nos deu a esponja para apagar o horizonte? Que fizemos nós, ao desatar a terra do seu sol? Para onde se move agora? Para onde nos movemos nós?’” está no §125.
Buscou na filosofia do oriente: Assim falou Zaratustra a mística perdida, mas sua obra o Nascimento da Tragédia tem passagens marcantes onde mostra a necessidade de compreensão desta forma de entender a vida, onde faz estudos sobre o apolíneo e o dionisíaco, onde o capítulo 5 se acredita que é de onde parte Heidegger para escrever a Origem da Obra de arte.
Da Influência de Husserl nasceram as filosofias de Heidegger e Edith Stein, que depois se tornou mística, sendo judaica se tornou cristã e foi mártir na Alemanha Nazista, ainda sobre a influência de Heidegger está Hannah Arendt, cuja tese de doutorado é “O amor em Santo Agostinho”, ainda que existam lacunas que seus contemporâneos atestam é uma boa leitura.
De Hannah Arendt nasceu as meditações sobre a Vitta Activa e Vitta Contemplativa, que o filósofo contemporâneo Byung Chul Han vai retomar em sua Sociedade do cansaço, não deixando de tocar na filosofia cristã de São Gregório de Nazianzo (ou Nazianzeno).
Ele foi fortemente influenciado por Peter Sloterdijk, que apesar de seu ateísmo, em todas suas obras a marcas profundas do conhecimento do pensamento cristão, reivindica o profeta Jonas para dizer que todos nós temos uma baleia (Jonas ao recusar sua missão foi devorado por uma baleia e devolvido a praia) e um pouco de Jonas, recusa a nossa missão neste planeta.
Byung Chul Han faz um diagnóstico muito atual, ele acrescenta que a “perda moderna da fé, que não diz respeito apenas a Deus e ao além, mas á própria realidade, torna-se vida humana radicalmente transitória” (Han, pag. 42).
Isto não é um problema a parte, é parte essencial do pensamento moderna, recusa do essencial, adoção do transitório, vida fugaz e frívola e de prazeres passageiros e ex-tásicos (extase, está fora, também pode ser transe).
HAN, B. C. A sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017
Plano cultural e ameaça a paz
A Rússia anunciou oficialmente a revisão dos de todos livros de história ensinados aos adolescentes, que lá são a 8ª., 9ª. e 10ª. série do ciclo de ensino, recontando a história das décadas de 1970 a 2000, período do fim da “União Soviética” e uma nova seção dos anos de 2014 aos dias atuais, onde a guerra é chamada de “operação militar especial”.
O anuncio foi feito por Vladimir Medinsky, conselheiro russo do presidente Vladimir Putin em uma coletiva de imprensa, e ao atingir a faixa etária dos adolescentes, não apenas prevê uma guerra longa, estes estão sendo preparados para os próximos 10 anos quando serão adultos, como desperta desconfiança de planos militares mais audaciosos que a guerra na Ucrânia.
As ameaças a Polônia já são reais, e além da Polônia pertencer a OTAN, isto relembra o 1º. de setembro de 1939 quando a Alemanha invadiu a Polônia deflagrando a 2ª. Guerra Mundial.
Isto coloca a paz mais distante, e a esperança vem agora do bloco de aliados declarados ou táticos do governo russo, o próprio Zelensky da Ucrânia acredita que os Brics, banco internacional que a Rússia participa pode ser uma última tentativa e mediação da Guerra.
A guerra cultural com narrativas até opostos, sobre o que é o processo civilizatória e sua ameaça são cada vez mais presentes no cenário mundial, uma guerra em escala global nos dias de hoje, com armas nucleares muito mais letais que anteriormente é a ameaça civilizatória real.
Entre várias análises, o escritor e jornalista israelense Yuval Harari, autor do livro “Sapiens – Breve história da humanidade”, declarou ao jornal londrino The Guardian, que a guerra da Ucrânia vai definir o futuro de todo o mundo, “A cada dia que passa fica mais claro que a aposta de Putin está falhando. O povo ucraniano está resistindo de todo o coração, conquistando a admiração do mundo inteiro e vencendo a guerra”, mas há outras visões.
O que está claro que o processo civilizatório está em xeque sim, não no sentido que os livros culturais da Rússia apontam, não se trata da vitória desta ou daquela tendência “cultural” e sim da convivência de ideias diferentes dentro de ambientes democráticos e de diálogo.
Sempre há esperança para a paz, mas espíritos armados e ameaças preparam somente a guerra.
Jesus relembra ao jovem rico (Mt 19,18-19) os mandamentos: “Jesus respondeu: “Não matarás, não cometerás adultério, não roubarás, não levantarás falso testemunho, honra teu pai e tua mãe, e ama o teu próximo como a ti mesmo”, mas diz a leitura que ele vai embora porque era muito rico, isto vale para o dinheiro, mas também para o orgulho, o poder e a arrogância.
Entre o testemunho e o perdão: a cura
A análise de Paul Ricoeur se o perdão pode curar vai da memória ao esquecimento, mas o autor esclarece que “no quadro da dialéctica mais vasta do espaço da experiência e do horizonte de experiência”, e lembra que Freud chama isto de “translaboração”, que significa ultrapassar a crença que o passado é fechado e determinado e o futuro é indeterminado e aberto.
Os fatos passados são inapagáveis: não podemos desfazer o que foi feito, nem fazer que o que aconteceu não tenha acontecido, mas é preciso lembrar que o testemunho de quem sofreu os fatos ou de quem os praticou pode e deve ser modificado, em função de “nossas lembranças”.
Não se trata do perdão, ou de construir nova narrativa, mas Paul Ricoeur relembra Raymond Aron em sua Introdução a Filosofia da História, como o que ele chama de “ilusão retrospectiva da fatalidade” e que ele opõe a obrigado do historiador de se transportar para o momento da ação e se fazer contemporâneo dos autores.
O autor sentencia: “toda memória é seletiva”, e lembra o autor “se poderia implantar o esquecimento da fuga, a estratégia da escusa, a tarefa da má-fé, que faz do esquecimento passivo-activo um empreendimento perverso”, assim não é só esquecer, mas re-ver.
O ponto do texto de Ricoeur onde pode ser inserido o testemunho é precisamente este no qual afirma, tentando conjugar perdão com trabalho e luto: “Ele casa-se com um e com outro. E, juntando-se a ambos, traz aquilo que em si não é trabalho, mas precisamente dom, O que o perdão acrescenta ao trabalho de lembrança e ao trabalho de luto é a sua generosidade”, diria então lembrando que “dom” tanto em francês (don, termo usado na obra de Marcel Mauss) ou em italiano donno, tem uma tradução difícil (dádiva?), mas seria mais próximo de gratuidade, não gosto de dádiva porque embora possa ter algo de divino, é um desapego de quem dá (o perdão) e é um testemunho.
Relembrando o mito adâmico bíblico, parece natural a morte, a vingança e a guerra, mas é o dom e o perdão que podem dar uma reviravolta civilizatória e construir a paz e a prosperidade.
RICOEUR, P. O perdão pode curar? Trad. José Rosa, Esprit, n. 210, 1995. (pdf)
Erro e perdão
Do ponto de vista científico encontrar erros em métodos e análises significa mudar a rota e não a hipótese de pesquisa, se uma hipótese não se confirma isto é um resultado e não um erro, aliás para Popper é assim que a ciência caminha, porém outro pensador Thomas Kuhn defende que há rupturas ou novas hipóteses de pesquisa, a física quântica é um exemplo disto.
Já na filosofia a maioria dos filósofos defendem que o perdão é uma virtude moral, assim ele expressa a capacidade humana de superar o ressentimento e a vingança, e com isto restaurar as relações interpessoais e sociais, mas há filósofos que veem o perdão como fraqueza ou ilusão, já que nega a gravidade do mal e a responsabilidade do ofensor.
O filósofo contemporâneo que tratou o perdão foi Paul Ricoeur, que o desenvolveu sem se afastar do sentido religioso (cristão principalmente) e o vê como um paradoxo, pois vai de encontro ao imperdoável, ou seja, àquilo que não pode ser reparado ou compensado pela justiça.
O tema é relevante por que Ricoeur lembra que o tema se tornou relevante “particularmente característico do período pós-guerra fria, em que tantos povos foram submetidos à difícil prova de integração de recordações traumáticas” em texto publicado em Esprit, no 210 (1995), pp. 77-82 e que pode ser encontrado na Internet (pdf).
O autor coloca “o perdão na enérgica acção de um trabalho que tem início na região da memória e que continua na região do esquecimento” (Ricoeur, 1995), e que um fenômeno “que se pode observar à escala da consciência comum, de memória partilhada” e esclarece que deseja evitar a notação discutível de “memória coletiva”.
Embora escrito bem antes de nosso tempo, tanto a questão totalitária está em jogo como a questão do colonialismo, também o racismo e anti-semitismo e isto significa uma memória “partilhada” que pode levar à fúria.
O filósofo usa o vocabulário do filósofo alemão R. Roselleck, que opõe a “nossa consciência histórica global”, que ele chama de “espaço de experiência” e, por outro, o “horizonte da espera”, se olharmos de fato nossa experiência quase recente podemos superar os ódios e ressentimentos entre povos e culturas, por isto considero correto não usar “memória coletiva”.
É preciso superar erros históricos, equívocos e caminhos já trilhados, que nos levaram ao caos.
RICOEUR, P. O perdão pode curar? Trad. José Rosa, Esprit, n. 210, 1995.
Ética mínima: corrigir o erro
É muito comum o discurso, até eu as vezes digo, que o maior erro é não dizer não, mas educar significa explicar o não e ajudar as pessoas a corrigirem seus erros e ouvir o contra-argumento.
Isto implica em manter a ética, mesmo diante do erro, quando é comum apelar e sair pelo erro, mas o que significa errar?
Diz Aristóteles em sua “Ética a Nicômaco” que é possível, do ponto de vista moral, errar de muitas maneiras, mas só há uma forma de acerta: “Erramos quando temos medo de tudo e não enfrentamos nada; erramos quando nos entregamos sem medida a todo tio de prazer; erramos quando não restituímos o que é do outro por direito. Por outro lado, acertamos quando evitamos os excessos”.
O excesso pode dizer respeito até mesmo aquilo que consideramos virtuoso, que é o que diz respeito ás nossas disposições: o estudo, o lazer, o trabalho enfim tudo que é importante, mas exige equilíbrio e temperança.
Os hábitos e os vícios dependem dos hábitos, e hábitos dependem de contínuas ações, mas como corrigir os vícios e erros? a prática de ir direto ao ponto pode ser um equívoco, todo erro deve ser contextualizado para evitar o julgamento precipitado e ás vezes equivocado
Corrigir é sobretudo dar espaço a que o erro seja compreendido e a repreensão exige já uma ação social, em muitos casos legal, assim exige os fatos comprovados, testemunha e a forma correta de corrigir, a justa medida é sempre aquela que permite o erro ser corrigido.
A correção fraterna é indicada em (MT 18, 15) diz para tomar seu irmão em particular, se ele te ouvir terá um irmão, se não te ouvir toma uma testemunha se ainda não te ouvir é um pecador público.
O que mudou, não há mais correção, mas apenas punição e nem sempre ela é de direito.