Os limites do pensamento lógico
O pleno desenvolvimento da ciência moderna e da técnica foi a realização de um programa sonhado por Francis Bacon, René Descartes e Immanuel Kant como um domínio total do homem sobre a natureza num perigoso limiar ético, fabricar aquilo que é natural, porém isto esbarra em dois dilemas: o natural foi e (ao meu ver) sempre será o “não fabricado” e ao torna-la substancia manipulável continuar a ser de fato o que era naturalmente.
Em trechos de apontamentos de Heidegger entre 1936 e 1946 (portanto na etapa final da 2ª. guerra mundial), o autor escreveu um ensaio chamado Superação da Metafísica, e com toda a sua genialidade descreve o que resultaria na produção técnica e industrial da vida, escreveu: “Uma vez que o homem é a mais importante matéria prima, pode-se contar com que, com base nas pesquisas químicas atuais [da época claro], serão instaladas algum dia fábrica de produção artificial de material humano. As pesquisas do químico Kuhn, distinguindo de dirigir planificadamente a produção de seres vivos machos e fêmeas, de acordo com as respectivas demandas” (Heidegger, Uberwindung der Metaphysik, parágrafo 26).
Também Adono e Horkheimer expressaram na célebre Dialética do Esclarecimento, que esta “desde sempre, no mais abrangente sentido do pensamento em progresso, perseguiu a meta de retirar do homem o medo e instituí-lo como senhor. Porém, a terra completamente esclarecida cintila sob o signo do infortúnio triunfal.” (Adorno, Horkheimer, 1987, p. 25).
Também Habermas falava desta extravagância da má ficção científica, produção experimental de embriões, mesmo ateu convicto, em sua obra Die Zukunft der menschlichen Natur. Auf dem Weg zu einer liberalen Eugenik? reclama desta visão de “parceiros da evolução” ou até “brincar de Deus” como metáforas para auto-transformação da espécie.
Não se trata de opor ao avanço da ciência, pensamento retrógrado presente em todos os meios sociais, mas de se opor a má ciência, ao mau progresso que resultam em flagelos para a própria humanidade.
O sentido de recuperar plenamente a vida, de se opor ao crescente autoritarismo e belicismo, de proclamar a paz, o desenvolvimento sustentável e a origem divina da vida humana não é só uma proclamação de fé ou de humanismo sério e sincero, é uma resistência do espírito, da esperança e de uma racionalidade acima da lógica instrumental e agnóstica.
O poder temporal e o perdão
O poder temporal raramente encontra espaço para o perdão, porém isto não significa que nunca passe pelo pensamento humano e pela filosofia, ainda que em sua essência perdoar seja divino, e isto significa ir além do que humanamente é pensável.
Para o filósofo Jacques Derrida: “quando o perdão está a serviço de uma finalidade, seja ela nobre ou espiritual, como a redenção ou a reconciliação, ou seja, cada vez que ele tenciona restabelecer uma normalidade, social, nacional, política ou psicológica, por um trabalho de luto ou terapia, não é puro […] O perdão deveria permanecer excepcional e extraordinário, colocando à prova o impossível, como se ele interrompesse o curso ordinário da temporalidade humana”, assim permaneceu dentro de limites humanos.
Não há dúvida que crimes contra a humanidade, atrocidades e barbáries são além do limite da “temporalidade humana” e assim o poder terreno também o é, uma vez que é temporal, mesmo ditadores que permaneceram toda vida no poder tiveram um fim trágico ou de morte temporal, e alguns foram esquecidos, outros até banidos da memória popular.
Assim é de se considerar como algo fundamental o perdão além do poder temporal, e ele poderia ser um regulador para períodos de crises e de guerras, em quase todas não se pode medir o grau de atrocidades cometidas, tanto da parte dos “vencedores” como “perdedores” e o racional (e divino) seria considerar que se enfiaram numa contenda que jamais deveriam entrar.
Assim também nossas mágoas e desavenças pessoais e sociais, o quão seria útil e saudável um momento de serenidade e sentar-se a mesa de diálogo e poder tratar de soluções impensáveis, ou no dizer de Derrida “colocando à prova o impossível”, o momento parece este.
Se tivermos a coragem de ouvir aquele “inimigo” que jamais ouviríamos, de dar a mão a alguém cuja mágoa ou desavença é muito grande, poderíamos retornar um caminho destrutivo que parece sem volta, e cuja superação depende apenas de uma atitude: perdoar.
Até mesmo aqueles que nunca nos pedirão perdão, perderam a serenidade e humanidade de ver o outro além de julgamentos e discórdias, há sempre um outro ser ali, ontologicamente só negamos o Ser, se negamos a ouvi-lo e dar-lhe algum crédito, talvez precise disto.
Perdoar é divino, quem dá este passo entende que há outra realidade além do que imaginamos ser real e possível, o impossível também está ao alcance de quem perdoa.
Unidade ou dualismo
O dualismo é parte essencial do pensamento moderno, ainda que se conheça pouco ou nada da filosofia, e penetrou profundamente na alma humana e vez as coisas por contrastes, não aquele que veio de Platão as sombras da caverna onde não vemos com clareza e não a clareira lugar de busca de Heidegger para encontrar o ser esquecido na filosofia.
Byung-Chul Han ao descrever as narrativas modernas é incisivo: “o novo bárbaro celebra a pobreza de experiência: não se deve imaginar que os homens aspirem a novas experiências. Não, eles aspiram a libertar-se de toda experiência, aspiram um mundo em que possam ostentar tão pura e tão claramente sua pobreza externa e interna, que algo de decente possa resultar disso” (Han, 2023, p. 35) citando Walter Benjamin.
Em seguida dirá que eles “professam a transparência e a falta de mistério, ou seja, professam a falta de aura. Também rejeitam o humanismo tradicional” (pgs. 35-36), esclarece, entretanto, que o livro citado de Walter Benjamin “é repleto de ambivalências” e ao final após uma “certa” apologia a modernidade (as aspas são minhas) dá lugar a desilusão e prenuncia a Segunda Guerra Mundial.
Podíamos ter nos libertado deste “mal-estar da modernidade” (como escreveu Freud) porém o ceticismo de Benjamin volta a fazer sentido, citado em Han: “Ficamos pobres. Abandonamos uma depois da outra todas as peças do patrimônio humano, tivemos que empenhá-las muitas vezes a um centésimo de seu valor para recebermos em troca a moeda miúda do “atual”…” (pgs. 37-38).
Falamos de paz enquanto fazemos guerras, falamos de união e estamos profundamente divididos, falamos de democracia e saímos em apoio a atitude e governo autocráticos, e talvez a maior de todas os sofismas, pretendemos eliminar a pobreza e a miséria enchendo nossos bolsos, não há coerência entre discurso e atitude, trata-se de elaborar boas narrativas, e isto partiu da divisão entre o que próprio do sujeito (não a subjetividade e sim a sua alma) e o objeto (não a objetividade, mas o uso material daquilo que produz vida).
Falta uma “aura” reclama Byung-Chul Han, talvez a espiritual, faz sentido a resistência do espírito de Edgar Morin, mas é preciso encontrar um sentido verdadeiro para isto, aquilo que a maioria dos homens chama de religião não é outra coisa senão justificar narrativas pessoais.
É possível reencontrar a unidade, o diálogo e a paz, mas é preciso “desarmar” os espíritos.
Han, B.C. A crise da narração. Petrópolis: ed. Vozes, 2023.
Inocência, pureza e paz
Parece contraditório e até inocente, de certa forma o é, mas num mundo tão conturbado com tantos problemas urgentes falar de paz, de pureza de sentimentos e comportamentos não só é ingênuo para aqueles que acreditam em soluções violentas, elas estão provando insuficientes.
Se nos preparamos para a guerra temos a convicção de que ela e só ela é a solução, no entanto, produzem mais injustiças, mais desigualdades e só os ditadores e poderosos se beneficiam delas, não se incomodam com as crises financeiras, as mortes inocentes porque na sua mente só a sua segurança e bem estar pessoal importa.
Também autores de grandes obras, como Edgar Morin, que fala da resistência do espírito, o limitar de uma tragédia de grandes proporções alimenta mentes doentias em todas as esferas, acreditam que isto possa ser um “sinal do futuro”, mas é o sinal de um passado, também no limiar da primeira e segunda guerra muitos autores advertiam isto, como Karl Kraus.
A pureza das crianças devia ser observada mais atentamente, podem até brigar, mas logo querem refazer as amizades para poder brincar com os amigos, não levam tudo a ferro e fogo, a menos que sejam estimuladas por adultos, e há quem o faça infelizmente.
Querem o bem comum, desejar o bem a todos e desejar um mundo mais igualitário e de paz não é um pensamento qualquer, está no fundamento de toda civilização que presa este nome, as nações e impérios bélicos sumiram depois de uma decadência trágica.
Na antiguidade os gregos falavam do Sumo Bem, da aretê (virtude) e da educação do cidadão, objetivo ultimo tanto de Platão quanto Aristóteles, ainda era uma sociedade de escravos e onde crianças e mulheres tinham poucos direitos, porém já havia esta meta.
Desejar a paz, ter inspiração na pureza e na alegria da convivência das crianças, pode nos tirar do pensamento perverso que ronda nosso cotidiano, de divisões, ódios e rancores.
Apagando incêndios
Com iniciativa do Egito e do Qatar, apoiado por outros países, há uma tentativa de um cessar fogo entre o Hamas e Israel que evitaria uma provável retaliação do Irã pelo assassinato do líder do Hamas, Ismil Haniyeh, em Teerã, no final de julho passado.
O Irã considera possível, porém exige um fim de incursões de Israel na faixa de Gaza, Israel se prepara como se a guerra fosse inevitável, e isto levantaria um novo front de guerra mundial entre o Ocidente e agora o mundo árabe.
O outro front na guerra entre Ucrânia e Rússia com um envolvimento cada vez maior da OTAN, a Ucrânia lançou um ataque surpresa em território russo na cidade de Kursk onde se trava intensos combates, com a Rússia fazendo novo recrutamento de jovens para serviço militar.
Duas preocupantes situações em usinas nucleares também ocorreram neste final de semana, uma na cidade de Rostov, onde uma nova usina foi ligada e houve preocupações com uma unidade que teria algum problema de funcionamento, porém o engenheiro-chefe da usina, Andrey Gorbunov, afirmou segundo fontes da imprensa: “estamos trabalhando com a eficiência máxima”, dizendo que eram manutenções de rotina.
Mais grave foi um incêndio no dia de ontem, nas instalações da usina nuclear Zaporizhzhia, no sul da Ucrânia, neste domingo (11/08), conforme informa a agência Reuters, localizada em zona da guerra, em território ucraniano, mas sob o domínio da Rússia, ambos países trocaram acusações pelo incêndio causado, o presidente da Ucrânia, Zelensky, afirma que a situação está sob controle e os níveis de radiações está normal.
Evgeny Balitsky, um funcionário alocado pela Rússia na região ocupada de Zaporizhzhia, acusou a Ucrânia de iniciar o incêndio bombardeando a cidade vizinha de Enerhodar, e as autoridades russas disseram que a usina “sofreu sérios danos pela primeira vez” devido ao ataque.
Assim o perigo das guerras, que produzem enormes perdas e vidas humanas, o risco de um “acidente”, uma atitude precipitada ou cruel, como assassinatos, pode disparar processos irreversíveis e criar um clima mundial irreversível de guerras e horrores.
A esperança que as forças de paz, e no caso das usinas de forças técnicas competentes, evitem tragédias maiores do que aquelas que as guerras já causam, mortes e desespero humano de civis e pessoas inocentes.
O amor além da dor
A dor não é a resignação da interioridade absoluta: “o sujeito que trabalha na identidade, retornando a si mesmo na sua interioridade, assimilando o mundo, é incapaz da dor” (pg. 329), enquanto outros pensadores pararam na angústia ou na busca pela diferença ou ainda pelo sujeito destinado a um “espírito absoluto”, Heidegger vê na dor uma “tonalidade afetiva fundamental da melancolia” (Han, 2023, pg. 329), é a tonalidade do ser … da finitude … do pensamento finito, “é o traço idêntico que, como base certa maneira formal, sustenta toda tonalidade fundamental ocupada por algum conteúdo, o traço principal que, enquanto o mesmo, está na base do modo como respectiva afinação” (Han, 2023, pg. 330).
Não há um porque da dor senão uma separação de algo que a transcende, diz uma canção brasileira “quem não sofreu por amor, não amou”, mas pode-se inverter esta relação se conseguimos ver o divino como Puro Amor, Ele também através da dor nos ama por amor, talvez seja sua máxima essência, assim o símbolo cristão da cruz.
Toda a filosofia nos fala de estar separado de algo, de uma busca de algo, do desejo de infinito e de felicidade ágape (aquelas que não são duradouras são apenas paliativas), assim o nome do livro de Han “A sociedade paliativa”, fala da dor hoje.
Há uma atração neste tipo de essência, a relação entre dor e amor, não por causa de um espírito sofredor ou masoquista, mas justamente pela separação do infinito, da plenitude e do puro Ser, e somente a existência do Puro Ser pode nos atrair para este tipo de amor.
Uma frase de Han que é marcante é: “A perda moderna da fé, que não diz respeito apenas a Deus e ao além, mas à própria realidade, torna a vida humana radicalmente transitória.”, o filósofo coreano-alemão está muito mais próximo do budismo do que do cristianismo, mas entende uma relação essencial que existe neste Amor/Dor, neste Ser/Não Ser, não de forma dualista, mas em relação intima como o verdadeiro Amor.
Assim se há uma precedência na relação é Dor e Amor, mas não como negação da vida e sim como sua afirmação máxima.
HAN, B.C. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger. Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. Petrópolis: Vozes, 2023.
A dor e o divino
O capítulo do livro sobre a Voz no “O coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva” de Byung-Chul Han, esta Voz poderia ser final (o capítulo também), mas como Heidegger a via se tratava mais de uma Voz interior do que uma relação com o divino, e Han lhe foi fiel, para ele é parte do desenvolvimento do Ser, também ao falar da dor, assunto que Han tratou em a “Sociedade Paliativa: a dor hoje” (fizemos alguns posts), lembrando a maneira como tratamos a pandemia e outro flagelos numa sociedade que não quer olhar este lado da vida: o sofrimento e a dor.
Não por acaso, Heidegger trata isto ao elaborar sobre Parmênides, onde a ontologia está reduzida ao Ser é e não-Ser não é, para uma lógica A e não-A, não havendo terceira hipótese, ali Heidegger fala de “certa morte (sacrificial) do ser humano: “Mas a forma suprema da dor é o morrer da morte, que sacrifica o ser humano pela preservação da verdade do ser” (Han, 2013, pg. 321), assim não estão o sacrifício não é aqui, pois “o sacrifício tem em si sua própria essência e não precisa de objetivos nem de proveito? ” (idem) e assim isto deveria se encaminhar por algo além do terreno, do apenas humano.
Han citando Foucault indaga que “trata-se aqui de certa agonia despertar o pensamento de um “sono antropológico”?” (idem), talvez um despertar antropotécnico ou ainda como optamos um despertar onto-antropotécnico, uma vez que o esquecimento do ser não é categoria filosófica apenas, há algo nela transitório, não infinito e não aberto.
Ao abordar o vazio do homem moderno, a partir também da leitura de Foucault, Han lembra que Heidegger ao retomar a categoria metafísica “subjectum” que em “sua essência é o homem moderno é o “sujeito” e é exatamente aqui que Heidegger “critica implicitamente o pensamento antropológico” (pg. 322), ela é segundo Heidegger: “a continuação do cartesianismo”, Han citando-o: “Com a interpretação do homem como subjectum. Descartes cria o pressuposto metafísico para a futura antropologia do todo tipo e orientação” (pg. 323), as categorias sujeito e objeto são próprias da modernidade.
Assim não é a oposição do homem ao ente, mas a oposição equivocada da modernidade à linguagem: “a preocupação pela linguagem seria preocupação pela morte. Devolver a linguagem ao homem significaria, portanto, devolver-lhe a morte, a sua mortalidade” (pg. 324), e também não se trata do ‘ser’ ou ‘não-ser’ do ser humano” (pg. 325-326).
Para Heidegger o sujeito se reflete no mundo; “a imagem do mundo é de certa forma sua própria imagem especular” (pg. 326), por isso ela esconde o ser, já a dor “dilacera a interioridade subjetiva. Não se perde totalmente. Á dor está associada uma concentração peculiar, que, no entanto, não se estabelece como uma interioridade subjetiva” (pg. 327).
Embora o autor e Heidegger não o digam é por isto que existe o “sono idealista”, onde subjectum e ente estão divididos, e “na dor, o pensar se concentra naquilo que dá a pensar … na dispersão concentrada da dor, o pensar voltando-se para fora aprende de cor o exterior – deste lado de cá do saber e da ciência, os quais possibilitariam um aprendizado interiorizante assimilador” (pg. 327).
É importante ressaltar a economia calculista vista por Heidegger: “A dor é do ´por´, não do ´devido a” … o luto não lamenta, não procura preencher o lugar que ficou vazio … o luto sem enlutar só é concebível fora da economia (VIII.3)” (citado em Han, pg. 328).
HAN, B.C. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger. Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. Petrópolis: Vozes, 2023.
O que é Amor afinal
Num mundo polarizado e agora a beira de guerras regionais e que podem escalar, falar de amor parece algo inócuo e sem reflexo na realidade, mas há boas obras produzidas pela humanidade.
Paul Ricoeur escreveu e já postamos algumas vezes sobre isto o Le socius e le prochain (O sócio e o próximo), separando interesses do amor ao próximo verdadeiro.
Porém a obra de Hannah Arendt ainda que não seja definitiva quanto ao amor, o próprio orientador Karl Jaspers manifestou isto sobre seu doutorado “O conceito de amor em Santo Agostinho” (edição portuguesa Instituto Piaget, 1996) desenvolveu e se apropriou de algumas categorias fundamentais sobre o tema, não estamos falando de amor erótico nem do familiar.
Segundo o autor George McKenna, em resenha de sua tese, Arendt teria tentado incluir em sua “A condição humana” uma revisão, porém não fica muito claro no livro de Arendt, que apesar disto ele tem bom desenvolvimento.
Se pode também manifestar expressão deste amor na literatura grega antiga, como o amor ágape, aquele que se diferencia do eros e do philia nesta literatura, do ponto de vista cristão o melhor desenvolvimento feito é de fato o de Santo Agostinho.
Primeiro porque ele separou este conceito do maniqueísmo bem x mal, dualismo ainda presente em quase toda filosofia ocidental devido ao idealismo e ao puritanismo, depois porque foi de fato arrebatado ao descobrir o amor divino, escreveu: “Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu te amei! Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava fora!” (Confissões de Santo Agostinho).
Depois o homem deve amar o seu próximo como criação de Deus: […] o homem ama o mundo como criação de Deus; no mundo a criatura ama o mundo tal como Deus ama. Esta é a realização de uma autonegação em que todo mundo, incluindo você mesmo, simultaneamente recupera sua importância dada por Deus. Esta realização é o amor ao próximo (ARENDT, 1996, p. 93).
O homem pode amar ao próximo como criação ao realizar o retorno à sua origem: “É apenas onde eu pude ter certeza do meu próprio ser que eu posso amar meu vizinho em seu ser verdadeiro, que é em sua criação (createdness).” (ARENDT, 1996, p. 95)
Neste tipo de amor, o homem ama a essência divina que existe em si, no outro, no mundo, o homem “ama Deus neles” (ARENDT, 1996, 95).
Também a leitura bíblica sintetiza a lei e os profetas cristãos assim (Mt 22, 38-40): “Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: ‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’. Toda a Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos”.
O amor contém todas as virtudes: não se envaidece e não se encoleriza, sabe ver onde se encontram os verdadeiros sinais de felicidade, equilíbrio e esperança, mesmo num mundo conturbado.
ARENDT, Hannah. Love and Saint Augustine. Chicago: University of Chicago Press, 1996.
Que justiça e que paz queremos
No post anterior falamos de paz e liberdade, a paz não é a Pax Romana que significava a submissão dos vencidos, aqueles que praticam injustiças precisam desviar a vida de seu curso natural da vida dos povos, precisam mudar o humanismo transformando-o em algo perverso, transformam culturas milenares numa cultura estranha, retiram dela o que tem de mais originário e verdadeiro, desrespeitam os pobres e desamparados ao confundi-lo com desejos de poder e avareza próprios da opressão.
Poucos homens procuram desviar-se destas ciladas, com isto a ideia que uma pessoa “bem-sucedida” significa que teve sorte, foi “abençoada” ou através de estratégias soube acumular riqueza, mas também há estruturas perversas que se favorecem do poder, e muitas delas estão na estrutura de poder, por isto ele é fonte de influência.
Mas há outro caminho o da herança, ao longo da história somente os vencedores contam suas glórias, “ao Vencedor as batatas” (Robert Schwartz escreveu um livro com este título) diz o personagem Quincas Borba (figura) no romance de Machado de Assis com o mesmo nome, onde ele desenvolve a ideia do humanitas, que enxerga a guerra como uma forma de seleção dos mais aptos, assim justifica a opressão e o empobrecimento dos injustiçados.
O personagem Quincas Borba é uma espécie de filósofo ateu, que se tornou rico ao herdar os bens de um velho tio, morador de Barbacena, Estado de Minas Gerais, onde permanece um tempo nesta cidade antes de morrer.
Quem irá desfrutar da fortuna deixada por Quincas Borba será Rubião, um modesto habitante do interior de Minas Gerais, que recebe sua fortuna e decide ir viver no Rio de Janeiro, assim fala da migração do interior para as grandes cidades, não na perspectiva dos pobres que vão a busca de trabalho, mas dos ricos que vão em busca de boa vida.
Rubião vai para a cidade e tentará aplicar a filosofia do Humanitas desenvolvida por Quincas Borba e esta é na verdade o tema do livro.
Além do aspecto literário e histórico do romance, característico da época (o romance Quincas Borba foi publicado pela primeira vez em 1891), Rubião ao mesmo tempo que desfruta de uma fortuna fácil, é vítima de sua credulidade provinciana da qual seus amigos que o acolhem na “cidade grande” vão desfrutar.
O tema é universal, mesmo que pintado com cores históricas brasileiras, além das injustiças com pobres e desamparados, as artimanhas e maquinações que tiram também as posses de pessoas que por terem conquistado dinheiro fácil, não sabem como utilizá-lo bem e se perdem nas armadilhas preparadas por falsos amigos avarentos.
Assim a liberdade não pode estar condicionada a estruturas perversas e nem as formas autocráticas de poder, é preciso que ela contemple de fato a justiça dos simples e humildes, a armadilha do liberalismo está também no romance Eugenie Grandet de Balzac.
ASSIS, Machado. Quincas Borba. Rio de Janeiro, 1891. (ver o pdf da 3ª. edição)
Cresce a tensão mundial
O morte do líder do Hamas, Ismail Haniyeh, em pleno território iraniano por “um míssil de curto alcance” que estava no Irã para a posse do novo presidente do Irã Masoud Pezeshkian, elevou a tensão entre Israel e Irã ao nível máximo, e a resposta do Irã será inevitável.
O envio do ex-comandante das tropas na Ucrânia, Valerri Zaluzhnyi, para ser embaixador no Reino Unido, traz também sérias preocupações não só pela proximidade do governo britânico, que certamente se manterá informado das ações militares, o novo embaixador traçou um futuro sombrio e doloroso para o futuro da guerra no leste europeu.
A Ucrânia recebeu os esperados caças F-16 (foto) para reforçar sua defesa aérea, agradecei a Noruega, Holanda e Dinamarca, aparentemente os doadores desta remessa, entretanto ainda espera outras, o resultado político é um envolvimento maior das forças de outros países na guerra.
Países dos Balcãs e da Escandinava já começaram o recrutamento obrigatório para o serviço militar temendo uma expansão da guerra.
Também a América Latina sofre com a controvertida eleição Venezuelana, a agência de notícias AP obteve fotos de quase 79% das atas da eleição e comprovaria a eleição do candidato da oposição Edmundo Gonzáles, enquanto o CNE órgão de Maduro para apuração das urnas deu o ditador como ganhador.
As ruas tiveram vários protestos, e segundo o próprio Maduro já há mais de 2 mil detidos, havendo mortos e feridos nas manifestações que são reprimidas pelas forças militares.
Sempre há esperanças àqueles que acreditam na paz, respeito as diferenças culturais, religiosas e políticas, melhoria na distribuição de renda e socorro às populações carentes, os problemas do mundo atual são justiça e liberdade, a guerra só piora estas condições.