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Escutar, epoché e crescer

01 set

Num mundo cada vez mais fechado, polarizado e com pouco exercício do pensamento, escutar é cada vez mais um grande esforço e para conhecer e ampliar os horizontes é necessário ouvir.

Dizia Rubem Alves, em seu famoso texto sobre a escutatória: “Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil…” e continua o belo texto.

Também o poeta Alberto Caeiro (pseudônimo de Fernando Pessoa) dizia algo parecido: “Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma”, por isto a dificuldade: a gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dizer algo melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer…

Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais presente devido a nossa pouca leitura e uma dose sutil de arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais sábios, mais belos e mais convictos que os outros, é também uma negação da alteridade, da relação com o Outro.

Porém a sabedoria, o pensamento e principalmente o desenvolvimento de soluções a problemas e situações complexas da humanidade, e nós estamos num destes momentos, exigiram de pensadores, estadistas e ativistas sociais fazem um grande vazio para poder elaborar novos pensamentos, os gregos chamavam isto de “epoché”, suspensão de juízo.

Para os racionalistas também Descartes elaborou o “cogito”, e para os fenomenólogos, o epoché é um colocar entre parêntesis nossos pré-conceitos para poder ouvir outras perspectivas de novos horizontes e entrar num círculo hermenêutico que compõe o que Hans Georg Gadamer chamou de fusão de horizontes.

Aqueles que conseguem fazer estes exercícios conseguem contemplar tanto a beleza porque ela precisa de silêncio para ser “capturada”, e saber ouvir os outros significa uma grande capacidade de comunhão, significa, portanto, também uma capacidade de encontrar o mais profundo do Outro, e conviver com maior harmonia e alegria.