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Arquivo para a ‘Museologia’ Categoria

A luz e a verdade

27 mar

Há uma luz única e verdadeira, embora sabemos que a luz pode se desdobrar em várias cores que vemos do vermelho ao violenta, e que não vemos como o infravermelho e o ultravioleta.

Cada vez mais nos aproximamos da ideia que o início do universo havia algo como uma luz, hoje pela Teoria da Física Padrão, o fóton já era teorizado por Einstein como partículas ou pequenos “pacotes” que transportam a energia contida nas radiações eletromagnéticas, os fótons em repousam possuem massa zero.

Assim a luz que emana desde a origem do Universo embora não se confunda como sua intenção (a de irradiar luz) está na origem de toda irradiação eletromagnética do Big Bang.

Os neoplatônicos, como Plotino (205 – 270), acreditavam no monismo e nessa irradiação de luz, existe um uno ou um deus (não era o Deus cristão) de onde emana uma fonte divina que irradia por toda a criação, nesta luz una que Agostinho de Hipona vai se apoiar para negar o dualismo maniqueísta que acreditara antes e dali se dará sua virada para o cristianismo.

Os textos de Plotino foram compilador por seu discípulo Porfírio e escritos na obra as Seis Enéadas (na verdade nove partes, pois ennéa em grego é 9), nela se destaca a questão da união da alma e do intelecto, é fundamentada nesta ideia que a Verdade habita no homem.

Assim a alma do mundo procede de um poder criador (não do poder, pois ele não o define), contemplando o Nous e multiplicando-se em todos os entes particulares do mundo sensível, sem dividir-se (esta é a interpretação de Fritz-Peter Hager em seu livro de 1962).

A verdade assim habita na alma e no interior de cada homem, é esta interioridade que alguns críticos definem como idealismo ou intimismo dos neoplatônicos, porém já há hoje diversas obras sobre a questão da Vitta Contemplativa, Hannah Arendt e Byung Chul Han a lembram, mas outros autores já passaram a mencionar como O rumor da língua de Barthes citado no post anterior.

Para os cristãos esta manifestação da verdade se dá ontologicamente na Encarnação, Paixão e morte de Jesus, morte porque é parte da vida humana e deveria vive-la como “pascoa” passagem que abre a vida eterna para os homens, sem esta passagem a vida plena não se realiza e perecemos como matéria, também este aspecto é problematizado por Plotino.

Na foto a obra de  Peter Paul Rubens sobre o Anti-Mileranismo de Santo Agostinho que não aceitava a leitura literal de Apocalipse 20:1-10.

Plotino, Enéadas, tradução de José Seabra Filho e Juvino Alves Maia Junior, Editora Nova Acrópole (este ano foi publicado o tomo 6 completando a obra), 2021.

Agostinho, Santo. A cidade de Deus, trad. Oscar Paes Leme. Petrópolis, Editora Vozes, 1999.

 

O ser, a clareira e as não-coisas

09 jan

Estudando a etimologia da Clareira, retirando-a da filosofia de Heidegger, ela vem da palavra alemã Lichtung, onde além do significado de clareira na floresta (ele próprio viveu alguns anos na floresta negra da Alemanha), enquanto Licht é a palavra para luz, significará coisas ocultas, ou entes cuja verdade deve vir à tona, assim alguns tradutores usam desvelar.

A luz lembra o que seguiam os magos que foram seguidos por uma estrela que levaram até o nascimento de Jesus, provavelmente eram persas seguidores de Zoroastro, uma pintura de Ravenna (figura numa parede da igreja de São Apolinário de 526 d.C.) que é bem antiga revela pelos gorros que usavam e as calças que eram daquela região.
A clareira é no contexto da filosofia moderna, o que está oculto dentro de um todo, onde deve emergir o Ser, e isto parece mais apropriado a modernidade, visto que a fragmentação onde apenas emerge a parte, é na maioria das vezes oposta ao todo ao qual o ente pertence, assim a questão do Ser.

O ente que se descobre, enunciou o próprio Heidegger: “deixa-se ver em seu ser e estar descoberto. O ser-verdadeiro (verdade) do enunciado deve ser entendido no sentido de ser-descobridor” (Heidegger, 1986, 219).
Primeiro vemos esta verdade ontológica como Ser, e não mais como lógica, segundo vemos esta relação entre conhecer o objeto e a própria relação com o Ser, o que na filosofia moderna poderia ser chamada de subjetividade, mas não é porque não são instâncias separadas, porém separadas de sua materialidade de objeto podem se tornar algo além do que foi concebido até recentemente, o filósofo Byung Chul-Han fez um ensaio sobre não-coisas, o mundo dos objetos digitais onde as “a inflação das coisas nos ludibria a acreditar no oposto”.

O autor vai se referir ao mundo contemporâneo como “Como caçadores de informação, nos tornamos cegos a coisas silenciosas, discretas, até mesmo coisas ordinárias, trivialidades ou convencionalidades que carecem de estímulo, mas que percebemos em nossa vida diária”, e assim mergulhamos numa obscuridade do Ser em oposto a clareira.

A ordem digital está tornando o mundo não terreno, não substancial, diz o autor no prefácio: “Hoje, a ordem terrena está sendo substituída pela ordem digital. A ordem digital descoisifica o mundo ao informatizá-lo” capturando uma categoria de Vilem Flusser afirma: “As não-coisas estão atualmente invadindo nosso ambiente de todos os lados, e estão suplantando as coisas. Essas não-coisas são chamadas de informação”, citando a obra de Flusser: Dinge und Undinge – Phenomenological Sketches. Munique, 1993, vale lembrar que Flusser viveu no Brasil de 1940 a 1972.

Escapa nesta lógica o silêncio, a vita contemplativa (outro livro do autor), desmorona o Ser.

 

Han, Byung-Chul Não-coisas : reviravoltas do mundo da vida / Byung-Chul Han ; tradução de Rafael Rodrigues Garcia. – Petrópolis, RJ : Vozes, 202

HEIDEGGER, M. Sein und Zeit. 17 ed. Tübingen, Niemeyer, 1986.

 

Globalismo ou Universalismo, um novo período

05 jan

A atual crise aponta claramente por uma crise civilizatória, as visões eurocêntricas e iluministas já mostravam seu esgotamento em períodos anteriores, por pensadores como Nietzsche e Shopenhauer que foram buscar elementos na filosofia ocidental, porém a física quântica e estudos sobre uma era chamada de “antropoceno” como os estudos transdisciplinares de Anna Tsing, fundadora da AURA (Arhus University Research on the Antropocene) e uma das editoras do Feral Atlas (feralatlas.org) publicado pela Stanford University Press.

Assim as teorias do globalismo e NOM (Nova Ordem Mundial) não passam de teorias conspiratórias, embora as forças políticas em jogo possam ter também influências de diversas organizações políticas que desejam formas novas de imperialismo e controle populacional.

O simples olhar para um universo cada vez mais complexo em que morrem velhos paradigmas copernicanos e newtonianos, de grande influência no pensamento ocidental, mostram uma realidade muito mais complexa, como a teoria das cordas apontada por Michio Kaku como uma das poucas alternativas para explicar o universo como vemos agora por megatelescópios.

Mesmo a ideia de Einstein de entender a mente de Deus é muito distante daquilo que significa realmente uma teoria do Tudo e do Todo, onde é quase impossível não pensar em um Ser com uma inimaginável inteligência que criou tudo, uma simples energia ou acaso é simplista demais e mesmo físicos teóricos como Albert Einstein, Stephen Hawking e Michio Kaku admitiram esta hipótese.

Porém é difícil imaginar uma consciência mega-inteligente diante de raciocínios tão primários que envolvem a maioria dos pensadores cristãos, figuras como Agostinho de Hipona, Thomas de Aquino, Duns Scottus e Boécio, estes dois últimos são considerados santos pelos católicos, parecem estarem ofuscados por um primarismo fundamentalista que ignora o universo complexo que vivemos e que se revela ainda incompreensível para os limites humanos.

Para religiosos sérios bastaria examinar a visita dos reis magos (veja o documentário da Discovery) que vieram adorar o recém-nascido em Belém para tomarem consciência que Deus é universal e não se limita aos ditames e costumes humanos, mas há muita falsa profecia.

O limite de um verdadeiro cristianismo deveria ser como dizia Agostinho de Hipona: “o limite do Amor é amar sem limites”, isto deveria ser essencial a um verdadeiro Deus de Amor.

Os 3 Reis Magos – Documentário Discovery Civilization l Dublado l (youtube.com)

 

O meio divino e a missa sobre o mundo

26 dez

Completaram 100 anos da Missa sobre o Mundo de Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955), era filósofo, paleontólogo, padre jesuíta e místico francês, entre suas obras de destaque estão “O lugar do homem na natureza”, “O meio divino” e dias comemorou-se 100 anos da Missa do Mundo.

No mundo científico depois de formar-se em Paleontologia, no Museu de História Natural de Paris, deu-se pela tese de doutorado: “Os mamíferos do eoceno inferior francês e seus sítios”, foi professor de geologia no Instituto Católico de Paris em 1920 no período do doutorado feito na Sorbonne.

Para Chardin depois de surgir a vida no período da cosmogenesis e geogenesis (formação do universo), forma-se a biosfera curso período avançado aparece o homem dando origem a homogenesis e nela o desenvolvimento do pensamento humano em meio ao divino: a noosfera (gráfico).

Numa ocasião que estava no deserto de Ordos, na Mongólia, e não tinha nem pão nem vinho, disse que sem poder celebrar a missa, em vez disso compôs a Missa Sobre o Mundo, um relato místico em certos trechos, mas não distante da doutrina cristão, onde remete ao “Ponto Òmega” e ao “Cristo Cósmico”, aspectos essenciais de seu pensamento.

Há trechos da Laudato Si que lembra esta “missa”: “No apogeu do mistério da Encarnação, o Senhor quer chegar ao nosso íntimo através de um pedaço de matéria. Não o faz de cima, mas de dentro, para podermos encontrá-Lo a Ele no nosso próprio mundo. Na Eucaristia, já está realizada a plenitude, sendo o centro vital do universo, centro transbordante de amor e de vida sem fim. Unido ao Filho encarnado, presente na Eucaristia, todo o cosmos dá graças a Deus. Com efeito a Eucaristia é, por si mesma, um ato de amor cósmico’ (Laudato Si’, 236)

 

O beato Duns Scotus

08 dez

A sabedoria e profundidade dos ensinamentos deste frade franciscano do século XIII, no entanto, levou 9 séculos para ser reconhecido e venerado pela Igreja Católica, somente no Pontificado de João Paulo II é que ele foi beatificado e reconhecido como santo.

O Papa Francisco em recente homilia exaltou as qualidades de Scotus afirmando: “Existem grandes doutos, grandes especialistas, grandes teólogos, mestres da fé, que nos ensinaram muitas coisas. Penetraram nos pormenores da Sagrada Escritura (…), mas não puderam ver o próprio mistério, o verdadeiro núcleo (…). O essencial permaneceu escondido! (…)”.

Dotado de uma inteligência brilhante e levado a especulação, essa inteligência pela qual mereceu o título de Doctor subtilis “Doutor sutil”, Duns Scotus foi dirigido a fazer estudos de filosofia e teologia nas célebres universidades de Oxford e Paris e sua obra

Dotado de uma inteligência brilhante e levada à especulação – essa inteligência pela qual mereceu da tradição o título de Doctor subtilis, “Doutor sutil”, Duns Scotus foi dirigido aos estudos de filosofia e de teologia nas célebres universidades de Oxford, Cambridge e de Paris, e assim suas obras receberam os títulos de Opus Oxoniense (Oxford), Reportatio Cambrigensis (Cambridge), Reportata Parisiensia (Paris).  

Entre suas obras místicas se encontram fez estudos sobre a encarnação, na Reportata Parisiense escreveu: “Pensar que Deus teria renunciado a esta obra se Adão não tivesse pecado seria totalmente irracional. Digo, portanto, que a queda não foi a causa da predestinação de Cristo, e que, ainda que ninguém tivesse caído, nem o anjo, nem o homem, nesta hipótese Cristo teria estado ainda predestinado da mesma forma” (in III Sent, d. 7,4).

Duns Scotus, ainda consciente de que, na realidade, por causa do pecado original, Cristo nos redimiu com sua Paixão, Morte e Ressurreição, reafirma que a Encarnação é a maior e mais bela obra de toda a história da salvação e que esta não está condicionada por nenhum fato contingente, mas é a ideia original de Deus de unir finalmente todo o criado consigo mesmo na pessoa e na carne do Filho.

Também o papa Paulo VI declarou esta visão da encarnação afirmada em Scotus: “fortemente “cristocêntrica”, abre-nos à contemplação, ao estupor e à gratidão: Cristo é o centro da história e do cosmos, é Aquele que dá sentido, dignidade e valor à nossa vida.” (homilia de 19 de novembro de 1970).

Não somente o papel de Cristo na história da salvação, mas também o de Maria é objeto da reflexão do Doctor subtilis. Na época de Duns Scotus, a maior parte dos teólogos opunha uma objeção, que parecia insuperável, à doutrina segundo a qual Maria Santíssima esteve isenta do pecado original desde o primeiro instante da sua concepção: o dogma da Imaculada concepção de Maria, defendido por Scotus séculos antes da igreja católica declará-lo.

Tamanha a convicção de Scotus deste dogma, que foi enterrado em igreja da Imaculada Conceição da Virgem Maria (foto), em Colônia, na Alemanha, onde morreu em 8 de novembro de 1308.

 

A contemplação e a polis

30 nov

O título do quinto capítulo do livro Vita Comtemplativa de Byung-Chul Han é O phatos da ação, começa descrevendo os dois conceitos sagrados da tradição judaica: Deus e Sabá, para a cultura judaica Deus é Sabá, ou seja, é redenção, o imortal (pag. 107), ontem o tempo é suspenso, ou seja, comparando com o conceito de Han é a inatividade.

A criação do ser humano não é o último ato da Criação, só o repouso do Sabá a consuma, o mundo é similar a câmara nupcial: “falta-lhe porém a noiva. Só com o sabá chega a noiva” (Han, 2023, p. 108), que é uma citação de “Der sabbat” de Heschel.

A analogia com a noiva será usada também nas parábolas das noivas, a chegada “daquele dia” em que o noivo vem busca-la e deve encontrar as lâmpadas acesas (desenvolvendo em torno do tema da prudência), Arendt vai modificar a ideia do repouso divino complementando-a com a liberdade princípio para um novo começo (ou recomeço, necessário em muitas etapas da vida), diz a citação de Han:

“com a criação do ser humano, o princípio do começo (que na criação do mundo estava nas mãos de Deus e, portanto, fora do mundo) aparece no próprio mundo e permanecerá imanente a ele enquanto houver seres humanos; o que, naturalmente, naturalmente, em última instância, não quer dizer outra coisa senão que a criação do ser humano como um ´alguém´ coincide com a criação da liberdade” (apud Arendt, Han, 2023, p. 109).

“O “sentimento de realidade” que se deve apenas a ação; ou seja, ao atuar e produzir um efeito, reprime completamente o sentimento de ser. O sentimento de festividade, no qual é possível experienciar uma realidade superior, é estranho a Arendt” (Han, 2023, p. 112).

Este conceito é o temenos da polis grega, que significa o espaço sagrado recortado do espaço público que é reservado às divindades; um peribolos (literalmente um cercadinho ou um cercado), ou seja, um espaço cercado, uma área do templo delimitado por muros. Temenos é um templum, um lugar consagrado e sagrado, a palavra contemplação remonta ao templum.

Assim o templum é parte da polis, na sua viagem à Grécia, Heidegger tem em mente a acrópole quando escreve sobre a polis: “ … essa polis não conhecia, assim, a subjetividade como medida de toda objetividade. Ela se submetia ao jugo dos deuses, que, por sua vez, estavam submetidos ao destino, à Moirá” (apud Heidegger, Han, 2023, p. 113-4) (na foto a Acrópole grega).

Ao apresenta-la apenas como liberdade e ação, Han critica Arendt, a dimensão cultural das festas, rituais e jogos não tem lugar em seu pensamento e elas eram integrantes da polis.

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa. Trad. Lucas Machado, Brasil, RJ: Petropolis, 2023.

 

O homo economicus e a redução do Ser

02 nov

Ainda sobre a Carteira de Identidade Humana, cap. 2 do livro Terra-Pátria de Edgar Morin, após um longo discurso sobre a questão pré-histórica, já há novos avanços e descobertas neste sentido, como por exemplo a Caverna de Chauvet (descoberta por espeleólogos amadores, em 1994, entre eles Jean- Marie Chauvet), mostram que aquilo que é chamado de subjetividade humana é algo presente e intrínseco no homem que nos faz repensar sua origem “genética”.

Esta caverna de 32 mil anos atrás (foto), do período Paleolítico, mostra através das pinturas e ambientes de uma caverna que o homem, mesmo que primitivo, guardava sentimentos já muito superiores ao que pensamos ser datados de nossa era.

Morin mostra a fragmentação desta visão de ser do homem: “Os caracteres biológicos do homem foram discutidos nos departamentos de biologia e nos cursos de medicina; os caracteres psicológicos, culturais e sociais foram divididos e instalados nos diversos departamentos de ciências humanas, de modo que a sociologia foi incapaz de ver o indivíduo, a psicologia incapaz de ver a sociedade, a história acomodou-se à parte e a economia extraiu do Homo sapiens demens o resíduo exangue do Homo economicus.” (MORIN, 2003, p. 61)

A filosofia, somente pode “se comunicar com o humano em experiências e tensões existenciais como as de Pascal, Kierkegaard, Heidegger, sem no entanto jamais poder ligar a experiência da subjetividade a um saber antropológico” (idem), e somente nas décadas de 50-60 aparecem os pensamentos sobre “as primeiras abordagens da dialética universal entre ordem, desordem e organização…” (ibidem) e que vai nos conduzir a uma base de uma antropologia fundamental.

Morin lança 5 pontos essenciais para sair da agonia planetária: “• estamos perdidos no cosmos; • a vida é solitária no sistema solar e provavelmente na galáxia; • a Terra, a vida, o homem, a consciência são os frutos de uma aventura singular, com peripécias e saltos espantosos; • o homem faz parte da comunidade da vida, embora a consciên[1]cia humana seja solitária; • a comunidade de destino da humanidade, que é própria da era planetária, deve se inscrever na comunidade do destino terrestre.” (MORIN, 2003, p. 63).

O pensamento de Morin não é um tratado sobre a humanidade, mas um alerta dos perigos que esta falsa aventura imperativa econômica, de poder e de desastre ambiental nos conduziu.

MORIN, E. e Kern, A.B. Terra-Pátria. Trad. por Paulo Azevedo Neves da Silva. Porto Alegre: Sulina, 2003.

 

Uma história da história

31 out

Este é o nome do primeiro capítulo do livro Terra-Pátria (Ed. Sulina, 1995) de Edgar Morin, a tentativa do autor era na época entender os diversos processos civilizatórios para encaminhar o mundo para um momento em que nos veríamos todos como cidadãos da mesma casa.

Escreve ali: “Mas, por diversas que tenham sido, constituíram um tipo fundamental e primário de sociedade de Homo sapiens. Durante várias dezenas de milénios, essa diáspora de sociedades arcaicas, ignorando-se umas às outras, constituiu a humanidade” (pag 15) e isto parece muito atual.

A história “impiedosa para com as civilizações históricas vencidas, foi atroz sem remissão face a tudo que é pré-histórico. Os fundadores da cultura e da sociedade do Homo sapiens são hoje vítimas definitivas de um genocídio perpetrado pela própria humanidade, que progrediu assim no parricídio” (pag. 15), pontua 10 mil anos na Mesopotâmia (os semitas), quatro mil anos no Egito, indo ao oriente “do Indo e no vale do Haung Po na China” (pg. 16) a 2.500 anos.

Esta história inicial é “o surgimento, o crescimento, a multiplicação e a luta até a morte dos Estados entre si; é a conquista, a invasão, a escravização, e também a resistência, a revolta, a insurreição; são batalhas, ruínas, golpes de Estado e conspirações […]” (pg. 16) e que parece se repetir nos dias atuais.

Depois esta história “começou a se tornar etnográfica, polidimensional. Hoje, o acontecimento e a eventualidade, que irromperam em toda parte nas ciências físicas e biológicas, aparecem nas ciências históricas”, nela aparece o que Edgar Morin chama de “homo sapiens-demens”.

Este “homo sapiens-demens. Deveria considerar as diversas formas de organização social surgidas no tempo histórico, desde o Egito faraónico, a Atenas de Péricles, até as democracias e os totalitarismos contemporâneos, como emergências de virtualidades antropo-sociais” (pg. 17), volto a esta reflexão porque o que deveria ser repensado, repete-se como ciclo cruel.

Coloca o autor: “Hoje, o destino da humanidade nos coloca com insistência extrema a questão chave: podemos sair dessa História? Essa aventura é nosso único devir?” (pg. 17).

O espírito sábio e profético de Morin anuncia: “Assim, uma fermentação múltipla, em diversos pontos do globo, prepara, anuncia, produz os instrumentos e as ideias do que será à era planetária” (pg. 18), mas com contornos graves e ameaças civilizatórios.

Fica sua pergunta essencial: “podemos sair dessa História?”, é preciso sabedoria e uma compreensão histórica que parece fugir das grandes lideranças mundiais.

MORIN, E. e Kern, A.B. Terra-Pátria. Trad. por Paulo Azevedo Neves da Silva. Porto Alegre : Sulina, 2003.

 

O que é o Amor afinal

27 out

Embora a obra de Hannah Arendt não seja definitiva quanto ao amor, o próprio orientador Karl Jaspers manifestou isto, desenvolveu e se apropriou de algumas categorias fundamentais em sua tese de doutorado “O amor em Santo Agostinho”.

Segundo o autor George McKenna, em resenha de sua dissertação, Arendt teria tentado incluir em sua “A condição humana” uma revisão, porém não fica muito claro no livro of Arendt, que apesar disto é ótimo.

Se podemos também manifestar expressão deste amor na literatura grega antiga, como o amor ágape, aquele que se diferencia do eros e do philia nesta literatura, do ponto de vista cristão o melhor desenvolvimento feito é de fato o de Santo Agostinho.

Primeiro porque ele separou este conceito do maniqueísmo bem x mal, dualismo ainda presente em quase toda filosofia ocidental devido ao idealismo e ao puritanismo, depois porque foi de fato arrebatado ao descobrir o amor divino, escreveu: “Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu te amei! Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava fora!” (Confissões de Santo Agostinho).

Depois o homem deve amar o seu próximo como criação de Deus: […] o homem ama o mundo como criação de Deus; no mundo a criatura ama o mundo tal como Deus ama. Esta é a realização de uma autonegação em que todo mundo, incluindo você mesmo, simultaneamente recupera sua importância dada por Deus. Esta realização é o amor ao próximo (ARENDT, 1996, p. 93).

O homem pode amar ao próximo como criação ao realizar o retorno à sua origem: “É apenas onde eu pude ter certeza do meu próprio ser que eu posso amar meu vizinho em seu ser verdadeiro, que é em sua criação (createdness).” (ARENDT, 1996, p. 95)

Neste tipo de amor, o homem ama a essência divina que existe em si, no outro, no mundo, o homem “ama Deus neles” (ARENDT, 1996, 95).

Também a leitura bíblica sintetiza a lei e os profetas cristãos assim (Mt 22, 38-40): “Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: ‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’. Toda a Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos”.

O amor contém todas as virtudes: não se envaidece, sabe ver onde se encontram os verdadeiros sinais de felicidade, equilíbrio e esperança.

ARENDT, Hannah. Love and Saint Augustine. Chicago: University of Chicago Press, 1996.

 

O amor na literatura ocidental

26 out

No post anterior comentamos um exemplo pouco comum na literatura que é o amor humano visto de um ponto de vista da narrativa cristã, há outros é claro, porém este pela repercussão da obra de Francine Rivers e sua recente transformação em filme (2022) e a crítica aplaudiu.

Na história podemos relembrar algumas obras que marcaram a literatura: O Banquete de Platão, A arte de amar de Ovídio e Sobre el Amor de Plutarco, destacaria no período medieval O Romance de Tristão e Isolda e Correspondências de Abelardo e Heloísa.

O estilo filosófico do Banquete onde há uma predominância de elementos mitológicos que explicam ou denotam o amor, talvez daí a ideia de amor platônico, mas que nada tem de sublime ou não carnal, o que dizem comentaristas é que há relações homoeróticas que fazem parte do diálogo entre parceiros nas relações.

Se há algo de elevado é no diálogo de Sócrates que define o chamado amor filosófico, este fora da esfera sentimental e inserido num idealismo (sempre lembro aqui que eidos para os gregos que lembrar o Ser em sua essência, e não algo que vive só na mente), é um amor que está relacionado com a beleza e o bem.

Já Ovídio (45 a.C. – 18 d.C.) não está interessado em alcançar esta ascese a um amor divinizado, procura encontrar as ferramentas necessárias para realizar um amor mais sensual num mundo carnal.

Ovídio não encerra o amor restrito a esfera conjugal, já Plutarco (45 – 120 d.C.) o vê dentro de uma instituição social e política, é um “caminho” dentro do casamento em direção à felicidade, como uma ascese do tipo que os gregos a concebiam, assim não é uma ascese espiritual.

O romance de Tristão e Isolda e as Correspondências de Abelardo e Heloísa devem ser entendidos numa realidade de domínio da filosofia cristã na Europa medieval, onde o Amor a Deus é indiscutível, mas já o amor como união de dois corpos é ainda suscetível de debates.

Este tipo de romance inserido na tradição trovadoresca, é imbuído de um elemento “cortês”, encontramos na obra de Denis de Rougemont, uma interessante descrição deste amor:

O que amam é o amor, é o próprio fato de amar. E agem como se tivessem compreendido que o que se opõe ao amor o garante e o consagra em seus corações, para exaltá-lo  ao infinito no  instante  do obstáculo  absoluto que  é a  morte.  Tristão gosta de  sentir  amor,  muito  mais  do  que  ama  Isolda,  a  loura.  E  Isolda  nada  faz  para  retê-lo  perto  de  si: basta-lhe  um  sonho apaixonado. 

Destacaria entre os romances modernos entre os mais característicos: Eugénie Glandet de Honoré de Balzac, Madame Bovary de Gustave Flaubert e Anna Karenina de Leon Tolstoi, enquanto Eugénie Grandet mostra a realidade do interesse material em torno do romance, Madame Bovary vai mostrar a falta de lucidez, o excesso e egoísmo humano, Anna Karenina mostra as cores trágicas da infidelidade dela com o marido Vronsky, porém há outros dois casamentos:  um casamento feliz (Levin e Kitty) e outro que apenas se suportam (Stiva e Dolly).

 

ROUGEMONT,  Denis  de.  A  História  do  Amor  no  Ocidente.  Trad.:  Paulo  Brendi  e  Ethel Brandi Cachapuz. São Paulo: Ediouro, 2003. 2ª Edição reformada.