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Arquivo para a ‘Método e Verdade Científica’ Categoria

Fragilidade humana diante do Infinito

14 fev

Uma das obras importantes para entender a viragem linguística do ponto de vista da ontologia é a obra de Emmanuel Levinas, destacando aqui uma obra que toda a questão da impossibilidade de objetivação do Outro e da limitação humana diante de debilidades como os vícios, as dificuldades éticas e a guerra.

Levinas tira parte de sua experiência do que viveu na segunda guerra mundial, onde foi mantido preso pelo regime nazista, além de ter seus pais e irmãos executados, viu as atrocidades da então dita “razão esclarecida” que se mostrou violenta e totalitária, estas experiências estão em tensão em seu pensamento, e são importantes num contexto de ameaça de uma nova guerra mundial.

A ontologia tem seu papel dentro da metafísica segundo o autor, mas não seu primado como o de filosofia primeira, a transcendência do âmbito do “si” e do “ser”, uma vez que este movimento desvelou-se (as categorias de re-velar é um novo velamento) retornando o movimento ao si mesmo, ao idêntico, ao ser e e sua preservação, não ao reconhecimento do Outro.

Em contraposição a Heidegger, para quem a relação do ser com outrem é subordinada a uma relação com o ser em geral e nada interfere no surgimento do eu, Levinas entende que o eu não se deve ao Ser, mas ao Outro, e assim esta relação é fundamental como em Paul Ricoeur.

O autor propõe em Totalidade e Infinito uma nova escolha para a compreensão do ser em que a exterioridade não seja sacrificada, assim a relação com o Outro e com o “mundo” exterior é reflexo e caminho para a interioridade, nela encontra uma relação com o todo e infinito.

Esta relação do eu com o rosto do Outro que apresenta uma resistência ética, para o autor, é pela sua epifania, pela sua “aparição” (categoria fundamental na fenomenologia), que a exterioridade do ser infinito pode se manifestar como resistência.

O seu pensamento é mais complexo, mas podemos entender que a debilidade e limitação do eu, se mantida em tensão com a exterioridade e com o Outro, desvela o infinito e nossa relação com ele, que não pode ser outra que o reconhecimento de sua “transcendência”.

Levinas, E. Totalidade e infinito. Lisboa : 70, 1988.

 

Sobre a Ira e a Esperança

08 fev

O filósofo romano antigo Sêneca (4 a.C.–65 d.C.) fez um belo ensaio Sobre a Ira que embora esteja em três livros, pode ser dividido em duas partes, é dirigido ao seu irmão mais velho Gálio, a primeira parte trata de questão teórica (I-II.17) e fala dos horrores da Ira e suas definições, a segunda parte dá dicas de como acalmar as pessoas, tanto crianças coo adultos, usados casos reais como exemplos.

Embora os textos sejam muito interessantes e inteligentes há uma lacuna essencial que não se pode obter seu uma ascese espiritual, a Esperança que o contexto se modifique por ações que extrapolam o nível pessoal, social ou de grupo, elevar o nível de saúde espiritual de um grupo.

Segundo o filósofo, um grande homem não deve irar-se nunca e, quando não for possível evitar a ira, ele deve tentar se acalmar o mais cedo possível, é famosa sua frase:

Nenhum homem se torna mais corajoso por meio da ira, exceto alguém que, sem ira, não teria sido corajoso: a ira, portanto, não vem para ajudar a coragem, mas para tomar seu lugar” (I.13).

Porém na vida social existem situações em que homens bons e justos estão sujeitos ao poder de autoritários, presunçosos e arrogantes que humilham, exploram e maltratam humildes.

A isto o estóico rebate com outra frase; “Que nada lhe seja permitido enquanto estiver irado. Por que razão? Porque irá querer que tudo lhe seja permitido.” (III.12), dito de modo atual, se perdemos a calma ao apontar um equívoco podemos perder a razão em reagir ao erro.

A esperança é fundamental quando toda uma situação social, política ou mesmo religiosa se torna difícil e aponta para um caminho que parece sem o da destruição, do erro e do medo, não se trata de estar em conformidade, escrevemos no post anterior sobre a disposição que precede a intenção, mas a intenção de acalmar de propagar a paz e evitar a ira torna tanto a esperança quando a possibilidade de correção de rota viável, a ira não, inicia ou amplia o confronto.

É preciso acreditar que a união de forças que desejam a mudança positiva tem uma luz que é superior ao conjunto das forças humanas, porque podem melhor a “disposição”, o clima a favor de atitudes sensatas e construtivas e elevar o padrão moral num círculo virtuoso.

 

Existe um Ser interior

07 fev

A filósofa Hannah Arendt já havia desenvolvido o tema de Vita Contemplativa, e o ensaísta coreano-alemão Byung Chul-Han amplia este tema em seu livro com o mesmo nome, porém vamos apontar apenas as novidades ali, entre elas aquilo que retoma de Heidegger que é a disposição.

No Ser e o Tempo, Heidegger trabalha o verbo stimmen, usando a conjugação stimmung (que é traduzida por disposição) e usa também Gestiment-Sein (ser disposto), mas que no alemão é algo como estar afinado, estar em sintonia com algo e isto modifica o conceito de intenção.

Ao pé da letra disposição, um estado de espírito precede qualquer intencionalidade referida a objetos: “A disposição já abriu, porém, o ser-no-mundo como todo, e torna principalmente possível um dirigir a [algo]” (Heidegger apud Han, 2023, p. 66).

Assim a relação com o mundo exterior, com os objetos, com os entes e com tudo que vem de fora ao Ser, significa que estamos dispostos a, diz o texto: “A disposição nos abre o espaço unicamente no qual nos confrontamos com um ente. Ela desvela o Ser” (Han, idem).

Esta visão transforma o que somos e pensamos, em termos espirituais aquilo que a alma esta disposta e para o que se dirige a partir da interioridade, diz o texto: “A dimensão contemplativa que nele habita o transforma em um corresponder. Ele corresponde àquilo que “se dirige a nós como voz [Stimme] do ser”, ao se deixar de-finir por ela” (Han, 2023, p. 67).

Assim o pensar torna-se outra coisa do que articulação lógica ou discurso narrativo: “Pensar significa “abrir nossos ouvidos”; ou seja, escutar e ouvir atentamente. Falar pressupõe escutar e corresponder. “Philosophia é o corresponder verdadeiramente consumando que fala atenta ao chamado do ser do ente. O corresponde ouve a voz do chamado […]” (Han, 2023, pgs. 67-68).

Tudo isto parece excessivamente filosófico e o é de fato, porém significa conforme afirma o autor que há algo de-finido, e temos muitas definições pré-dispostas, é algo que está condensado em nossa mente e nossos pensamentos “no âmbito pré-reflexivo”, quer dizer dentro de nós.

Assim é o que temos dentro, em nossa interioridade que nos ajuda ou limita, diz o autor citando novamente Heidegger: “Se a disposição fundamental fica de fora, então tudo é um aglomerado forçado de conceitos e cascas de palavras” (Heiddeger apud Han, p. 68).

Assim não é o exterior e aquilo que tomamos fora de nós que nos define, mas o que temos dentro e por isso a interioridade é fundamental para qualquer análise.

HAN, Byung-Chul. Vita contemplativa: ou sobre a inatividade. Trad. Lucas Machado. Petrópolis, RJ: Vozes, 2023.

 

Aretê e retidão

01 fev

É preciso compreender que na filosofia antiga, principalmente em Aristóteles e Platão, o objetivo é desenvolver uma filosofia para a polis, educação o político (para Platão ele deve ser um filósofo no sentido de excelência do pensamento) e para Aristóteles o cidadão, considerando que somente homens livres estavam aptos para a cidadania.

Assim aretê traduzido como virtude, é também uma característica de uma excelência particular, mas não é sua tradução como propõe alguns interpretes, a palavra que Aristóteles usa para isto é phronesis, um pensamento teórico prático que leva a uma sabedoria especial.

Não podemos supor que homens que não tem uma vida particular de “excelência” e a vive com sabedoria sejam homens aptos ao exercício público, o apego ao poder, ao dinheiro e aos vícios da vida contemporânea, feitos em nome da liberdade, inibem a capacidade do político.

Não se fala mais no campo moral, não se trata do roubo e da mentira, o nome dado hoje é de fake News devido sua publicização pela mídia, e a mentira pode ter perna curta, mas sua ação confunde a vida social, desinforma e leva a outros vícios, além do fanatismo pessoal.

É importante abordar também a questão da liberdade, podemos fazer o que quisermos, mas não podemos ignorar as consequências, uma vida imoral e desonesta não leva a uma vida social justa e equilibrada, os outros vícios acompanharão a ganância e o poder pelo poder.

Assim não tarda a aparecer naqueles que veem a liberdade neste sentido equivocada pagam com deformações na vida pessoal, envolvimento com forças antissociais, por exemplo, desde o tráfico até mortes e trafego de pessoas, como aqueles que já ganharam publicidade.

É difícil neste contexto de uma visão equivocada de liberdade, falam de retidão, de bons costumes, do pessoal ao social, de empatia e solidariedade, o que existe é demagogia apenas para o exercício imoral da política, do poder e do dinheiro público.

 

Cultura, Inteligência e Sabedoria

31 jan

O problema da cultura contemporânea já foi abordado em vários posts, o psiquiatra Anthony Daniels que assina seus livros como Theodore Dalrymple (O que fizemos de Nossa Cultura, Qualquer coisa serve, A faca entrou, etc.), a inteligência segue sendo questionada agora com o bode expiatório do universo digital, mas cuja crise vem desde o início do século passado (o neopositivismo, o neologicismo e a visão simplista da realidade), agora toma contornos de uma falta de equilíbrio, de bom senso e até mesmo de algum sentido de humanidade.

Edgar Morin explica esta falta de sabedoria através da visão disciplinar e segmentada da realidade, uma ausência completa de uma visão complexa e ampla que dá origem ao que ele chama de policrise, porém é importante questionar o que é sabedoria.

No sentido grego não é um saber privado no sentido da  moral e sim público e social, que visa minimizar exacerbações de impulsividade egocêntrica do eu, quando colocada numa perspectiva da obra de arte atinge um patamar de princípio universal, bom e belo.

A palavra grega como “amigo do saber” ou do conhecimento é reducionista, uma das palavras judaicas para sabedoria é chokmah ou tushiya que significam sabedoria que conduz a um sucesso prático, parece mais adequado a realidade atual, porque é sábio se tem sentido prático para a vida de cada pessoa e do conjunto da humanidade.

Isto está bem de acordo com a palavra grega proposta em função de uma virtude, a phronesis, que costuma-se traduzir por prudência, termo que o filósofo contemporâneo Hans-Georg Gadamer adota mas o traduz por serenidade, julgando mais próximo que prudência.

Os que clamam por um saber meramente objetivo, bem ao sabor idealista, na realidade são pouco práticos indicando ausência de sabedoria, tornam-se impulsivos e activos (no sentido da Vita activa que Hanna Arendt e Byung Chul Han reclamam), típico da sociedade do cansaço.

Queremos um saber rápido, consumista ou midiático e ele nada ou pouco tem a ver com a sabedoria, que requer pensamento, contemplação e pensamento não imediato sobre os fatos.

A sociedade atual desviou-se do saber prático porque reclama por inteligência e cultura sem perceber a conexão profunda que deve ter com sabedoria que vem de uma reflexão mais profunda sobre o Ser, as coisas e a essência da vida.

Defendemos a paz, mas não evitamos a catástrofe, a guerra, o ódio e o diálogo e o respeito com o diferente, não há sabedoria prática neste tipo de pensamento contemporâneo.

 

A resistência do espírito da humanidade

29 jan

Victor Serge escreveu “Meia noite do século” em 1939, já em plena 2ª. guerra mundial, agora em artigo publicado em La Reppublica, em 24-01-2024, o sociólogo francês Edgar Morin publicou um artigo: “A resistência do espírito” sobre a crise das guerras atuais.

Serge, um anarquista de origem, que chegou a apoiar a Revolução Russa, viu ela se burocratizar e perseguir todos os inimigos reais e imaginários no período stalinista, descrito em “O grande Terror” (1934-38), anos antes de descrever o horror a meia noite, e o que disser de hoje.

A guerra na Ucrânia mobilizou ajudas econômicos de boa parte do mundo, enquanto do lado russo enfraquecido economicamente pelas sanções impostas pelas nações ocidentais, tanto fortaleceu o desenvolvimento técno-científico quanto o bloco formado com a China.

Um novo foco surgiu após um massacre de civis feito pelo Hamas no dia 7 de outubro de 2023, aos quais se seguiram bombardeios mortais de Israel na faixa de Gaza.

Na análise de Morin, já a algum tempo desenvolvida, o progresso do conhecimento se deu criando barreiras em disciplinas cada vez mais fechadas em seu objeto, que leva a um novo tipo de pensamento quase cego, ligado ao domínio do cálculo num mundo tecnocrático, o progresso do conhecimento não dá conta da complexidade da realidade e torna-se cego.

O resultado de uma falta de clareza e compreensão da vida humana exposta pela facilidade de acesso ao conjunto da vida no planeta, sem sua compreensão, levou aos dogmatismos e aos fanatismos, e uma crise da moral enquanto se espalham os ódios e as idolatrias.

Lembrando os anos da ocupação nazista na França (foto Carentan France, June 1944 From the LIFE Magazine Archives), em que o próprio Morin foi membro da Resistência Francesa, ele evoca agora uma resistência do espírito que evita uma ação quase desesperada ou realmente desesperada, e mantém a esperança através da Resistência.

Esta resistência implica em salvaguardar ou criar um oásis de comunidades dotadas de uma palavra de relativa autonomia (agroecológica) e de redes de economia social e solidária.

Esta ação também implica em associações que se dediquem à solidariedade e rejeição ao ódio.

 

Ontologia e Poder

26 jan

Não os aspectos externos que evidenciam que tipo de poder alimentamos e defendemos no dia a dia, mas aqueles que concretamente colocamos no interior do nosso Ser e praticamos como consequência daquilo que temos dentro.

Assim como os vícios, as virtudes também podem ter um círculo virtuoso, podem se tornar hábitos, e diante de cada fenômeno ou coisa, tomamos uma atitude que tem uma intenção boa ou má.

O poder é força, capacidade e, ao mesmo tempo, autoridade, mas existe a autoridade do testemunho e do reconhecimento público, que é um poder que se impõe pelo respeito, a única relação que pode dar-lhe simetria (igualdade diante do Outro), e existe o poder da força, aquele que leva a opressão e em última análise, as guerras.

Encontramos isto na filosofia do Idealismo, que levou a uma concepção de Absoluto e de Estado, cujo auge foi o idealismo hegeliano, e podemos encontra-la no dia-a-dia em teorias de autoestima, de autovalorização em detrimento do Outro e literatura que enfatizam o “Eu”.

A ontologia que é o estudo mais profundo do Ser e do Ente, ao contrário vai em busca das raízes mais profundas deste Ser e da realização individual sem esquecer a relação com o Outro e com as coisas, se há uma ênfase nas “coisas” hoje (ver Não-coisas de Byung Chul Han), as relações concretas com a natureza, com os alimentos e com o dinheiro diz algo do que somos.

Nesta filosofia a essência é tratada como elemento característico do ser em alguém, como a racionalidade, que faz o homem, para santo Tomás de Aquino, esta essência é “quididade” (a coisa em-si) ou a “natureza” que abrange tudo que está expresso na definição da coisa, tanto na sua forma com a sua matéria.

Não há conceitos em Ontologia e sim uma conceitualização que é relação com Ser nas linguagens, hoje a chamada virada linguística vê o conceito assim.

Esta filosofia embora metafísica é considerada realismo, em oposição ao nominalismo onde o dar nome as coisas e conceitua-la é mais forte que a essência daquilo que é, observamos isto em todos campos da filosofia e da vida humana, somos um “rótulo” e não aquilo que somos interiormente e essencialmente.

A autoridade de quem expulsa aquilo que é mau para a essência da vida humana, do processo civilizatório deve ser analisada a luz destas categorias e não apenas na perspectiva do poder.

A essência da autoridade de Cristo, que dá base a sua “cultura” era um tipo de Autoridade em essência, diz a leitura: “Todos ficavam admirados com seu ensinamento, pois ensinava com quem tem autoridade, não como os mestres da Lei” (Mc 1,22) e até expulsava “demônios”.

 

Pensamento do Estado

24 jan

O modelo de estado, conforme visto em posts anteriores, vindo da antiguidade clássica, foi profundamente transformado pelo contratualismo (Hobbes, Locke e Rousseau) e pelo pensamento de estado de Hegel, cria categorias como Filosofia do Espírito e um complexo pensamento baseado na tríade que desenvolve um caminho cíclico, passando por contradição de opostos (tese e antítese) e síntese que gera novos opostos.

Supõe que o Estado possui ética e lei superiores que se só se objetiva se for cumprida, por ser apenas formal (ou seja, permanece idealista) e a Constituição resulta supostamente do espírito do povo e deve ser pensada como em constante formação.

O Estado, na sua suposição teórica, existe para si em virtude de uma necessidade natural, que para ele é “divina”, pois esta necessidade, para se fundar, não tem necessidade do consentimento dos indivíduos, nem de nenhum contrato, enfim, é um Absoluto poder.

Sua teoria tem a pretensão de representar um pensamento acabado, que tem por fim de ser o limite da própria filosofia, dá aqui para entender a frase paradoxal de Marx (um hegeliano) que afirma que os filósofos agora devem mudar a realidade, criando o estado “puro” sonhado por Hegel, seria um fim da filosofia, sistema que sem dúvida se iniciou com Platão e tinha como objetivo a política (a formação dos cidadãos para a polis).

Este pensamento último, afirma Hegel “essa ciência é a unidade da arte e da religião. Por conseguinte, a filosofia se determina de modo a ser um conhecimento da necessidade do conteúdo da representação absoluta” (HEGEL, 1995, p. 351).

Em seus escritos de juventude Hegel escreveu seu tema central sobre a problemática teológica, isso porque o futuro professor de Berlim formulou inúmeras reflexões acerca do cristianismo, sempre tendo a cultura grega como base para o ideal de organização política, chegando a comparar Jesus a Sócrates, assim estas teorias são mais antigas do que se pensa.

No terceiro volume da Enciclopédia das Ciências Filosóficas, ensaia o que aprofundará depois em sua publicação da Filosofia do Direito, em 1821, um estudo do Estado (eticidade) que se diferencia da época porque retoma uma concepção teleológica da relação entre universal- particular, sua filosofia e elaboração na medida em que usa o Direito não deixa de ser ideal.

Sendo um de seus seguidores Hegel foi fortemente influenciado por Friedrich Wilhelm Joseph Schelling (1775-1854), que tenta estabelecer uma relação entre o real-ideal da concepção política, Marx fará uma crítica a estes filósofos “mais idealistas” se autodenominando neo-Hegeliano, uma filosofia da terra “para o céu”, ou seja, um idealismo invertido, mas ainda é.

A ideia que esta teoria política poderia se aproximar da ontologia, vem de um simplismo onde o Ser é confundido com o pensar (lembremos que isto é cartesiano: Penso logo existo) e assim sua ontologia seria que o Ser, compreendido pela dimensão do pensamento, identidade absoluta, busca a superação do objeto-sujeito, ser-pensar e nesta última relação é preciso ver não um dualismo, mas uma separação, já que na ontologia clássica se estuda o ser como são e não com suas propriedades particulares e fatos, é retornar a sua essência metafísica.

HEGEL, G. W. F. 1995.  Enciclopédia das Ciências Filosóficas V. III. São Paulo: ed. Loyola.

 

O sofisma moderno

23 jan

Além da crise do pensamento, da crise social que não conseguimos resolver em mais de um século de um espetacular desenvolvimento das forças e tecnologias que interferem na natureza e deveriam ajudar o homem e não destruir a natureza, talvez a crise civilizatória mais comum esteja na política, uso talvez porque o pensamento que dá base a ela se perdeu.

O modelo da sociedade moderna começou na Grécia antiga e Platão se refere a este modelo principalmente em sua obra “A república”, porém o embate inicial é contra aquilo que era usado como forma de poder de seu tempo: o pensamento sofista.

É preciso definir o sofista para que ele não seja confundido com o filósofo ou com o político, Platão parte do pressuposto de que a nenhum homem é dado o poder de conhecer todas as coisas, o que o tornaria um deus, e na propaganda enganosa do sofista, ele poderia ensinar tão somente uma aparência de ciência universal, e aqui se encontrar a dificuldade de estabelecer o que é a falsidade e a verdade de um discurso enganador, assim está presente em qualquer discurso.

Esta dificuldade entre a verdade e a falsidade é aquela que fomenta uma discussão ontológica, se estabelece assim uma arte da ilusão, faz-se necessário investigar quais são os parâmetros que assim a delimitam e o que propicia esse poder de ilusão, além de determinar qual o seu objeto e sua relação com o que é imitado, assim o sofista não é um leigo, ele possui sim uma arte que deve ser justificada como ilusória e prejudicial quando se pretende formular uma crítica e estabelecer o princípio ou norma ideal para se educar.

Este é o sofisma moderno, o que é educar, agora não se tratam apenas de correntes de Piaget, Skinner, Construtivista, Vygotsky ou qualquer uma das “modernas” teorias da aprendizagem, e sim o problema da fragmentação e vulgarização do conhecimento, onde até questões básicas de matemática, geografia ou literatura, por exemplo, são completamente ignoradas no ensino.

Dois sofismas modernos, só para dar um exemplo, de argumentos aparentemente lógicas que levam a conclusões equivocadas: “Quem não trabalha tem muito tempo livre”, a ideia de usar a força do conhecimento da multidão levou muitas pessoas a investirem o “tempo ocioso” em atividades de mídias sociais, jogos virtuais que são caça níqueis etc., outra espiritual é aquela que imagina um Deus ou uma energia criadora de fortunas e resolução automáticas de coisas complexas da vida, a lógica é “Se Deus é amor e eu amo a Deus minha vida está resolvida”, o esforço, a dedicação e o trabalho pessoal deve vir junto a esta atitude e isto sim significa ter atitudes compatíveis com uma vida digna religiosa: honestidade, fraternidade com os que dependem de nós e resiliência em momentos de dificuldades, que são normais na vida.

Platão ao elaborar a República não esqueceu as virtudes do homem público e toda filosofia trabalhou neste sentido, porém os equívocos no pensamento (filosofia) e na sociedade (ou na política) são decorrentes do desenvolvimento do pensamento antigo em uma direção sempre verdadeira, apesar de lógica, pois a lógica instrumentalizada pode ser um sofisma em certos contextos.

 

O tempo da clareira

19 jan

Se estamos em tempos impróprio para o pensamento e a inteligência, impróprios para valores humanos e morais, significa que também é um tempo de clareira, é um tempo que muitas consciências e homens poderão despertar e enxergar e encontrar a clareira.

É preciso para isto uma metanóia no pensamento filosófico, política, cotidiano e até religioso, lembrem-se que os profetas foram mortos e ignorados justamente por gente “religiosa”.

O limiar de uma crise civilizatória e humanitária sem limites está próximo, mas se olharmos a cultura cotidiana, disto falamos tanto do brasileiríssimo Ariano Suassuna até o inglês Anthony Daniels nos posts anteriores, também a política e o pensamento parece polarizado entre dois estremos que em muitos valores se confundem, e um deles é a guerra e o desejo de poder.

Até mesmo os que invocam a paz escondem interesses de poder, de ganância por maior riqueza e opressão daqueles que julga proteger, é triste um cenário de pouca luz e onde os homens de boa vontade que desejam um olhar menos sombrio para o futuro devem ter.

Olhando a etimologia da palavra clareira na filosofia de Heidegger, ela vem da palavra alemã Lichtung, cujo significado além do de clareira na floresta (ele próprio viveu alguns anos na floresta negra da Alemanha), sua raiz Licht é a palavra para luz, que significará coisas ocultas, ou entes cuja verdade deve vir à tona, assim alguns tradutores usam como desvelar.

Que tempo propício é este, e porque nos aproximamos dele, porque sempre que as palavras proféticas de pensadores e místicos que pedem uma mudança de rumo na humana não foram ouvidas, se aproxima este tempo de escuridão seguido de uma grande clareira.

Na passagem bíblica de Marcos 1,1-19, Jesus esclarece que a morte de João Batista é este sinal da clareira, que Herodes pediu a cabeça numa bandeja para a esposa depois que a filha Herodíade dançou para o rei, a morte do último e maior profeta inicia um novo tempo.

Diz a leitura (Mc 1,15): “O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei- vos e crede no Evangelho”, e para os que creem na clareira bíblica, é o tempo da mudança.

Tempo de recuperar e viver verdadeiros valores humanitários, ainda que não sejam cristãos, o desejo de paz, de olhar para o Outro com a dignidade que cada um tem e de viver a justiça.