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Arquivo para a ‘Filosofia da Informação’ Categoria

A força dos laços fracos

18 abr

A teoria das redes, não no enfoque das mídias de redes sociais, mas dos laços entre atores tem algumas propriedades curiosas e duas são muito especiais: os seis graus de separação e a força dos laços fracos (Weak ties) que parecem estranham aos que desconhecem a teoria.

Os seis graus de separação indicam que vistos como redes as relações entre atores sociais, na realidade, estão mais conectadas do que se imagina, e isto não é apenas no mundo das mídias sociais (o que é incorretamente colocado equivalente com redes sociais).

Um experimento clássico, chamado de Experimento de Milgram devido o trabalho do psicólogo Stanley Milgram, que enviou cartas para determinadas pessoas distantes, e identificou de laços de conhecimento pessoal existente entre duas pessoas quaisquer, e descobriu uma distancia média de 5,5 de pessoas até as cartas chegarem ao destino.

O experimento teve falhas, como cartas que não foram enviadas para frente parando em algum intermediário e o desconhecimento do objetivo de determinadas pessoas no experimento, por exemplo, não ter entendido que a carta deveria ir o mais próximo do destino final.

Já o experimento de laços fracos que foram feitos por Mark Granovetter (1973) leva em contato o contato mais fracos e distantes em redes sociais, pode dentro de determinados contextos significar que os laços entre duas pessoas que tem interesses similares são fortes, mesmo que passe por algum intermediário C, e isto torna C também parte do laço forte.

Assim o laço fraco será justamente o oposto, A e B tem interesses e rotas de ligação distantes, que pode significar interesses diferentes ou apenas distantes, entretanto na teoria das redes estes laços são importantes para o funcionamento da rede e sua dinamização, ao contrário do que diz o senso comum.

O que Granovetter pesquisou é que quanto maior a força do laço entre duas pessoas, maior a chance de que o círculo de amigos e laços seja comum e que a mensagem fique apenas naquele círculo, não atingindo outros círculos de relacionamentos e ampliando a rede.

Neste sentido limitar ou proibir redes socais significa diminuir e tornar a rede social (que não é necessariamente feita via mídia) limitada, entretanto, existem redes que praticam determinados crimes e não devem ser legitimadas e quando possível proibidas.

Isto é discutido dentro da questão do poder, porque a teoria das redes contradiz a ideia de um poder cada vez mais forte e centralizado como solução para problemas sociais, porque ainda que proibidas, as redes sociais continuam funcionando conforme estabelece a teoria dos seis graus de separação e a distancia entre atores é menor do que supõe o poder centralizado, que ele é muitas vezes isolado em sua “bolha” social ou ideológica.

As redes sociais dinamizam as estruturas de laços sociais e ignorá-las pode ser uma fonte de empoderamento de diversos grupos sociais e ajuda a crescer a verdadeira vontade popular.

 

GRANOVETTER, Mark S. The Strenght of Weak TiesThe American Journal of Sociology, vol. 78, n. 6, p. 1360-1380, may 1973.

 

O medo, a sociedade e a esperança

09 abr

O medo não é algo destes dias e talvez da sociedade contemporânea, não é, porém, algo transitório e nem mesmo impossível de ser vencido.

Em diversas sociedade e pensamentos foram eles foram elaborados, no pensamento clássico antigo

Engano pensar que o cansaço, a cobrança e o medo sejam os problemas atuais, eles estão presentes a algum tempo em nossa sociedade: a competição e a cobrança de perfeição estão presentes na história da humanidade.

Heidegger (1889-1976) afirmava assim (não é literal aqui): o medo nos convida

a viver na impropriedade, não atribuímos sentido, deixamos que os outros e as circunstâncias o atribuam, nos alienamos de nós mesmo, vivemos sempre correndo, com nossas agendas cheias de distrações que nos ocupam.

É para alguns um modo mais fenomenológico e prático de ver o medo, como Pascal e Kierkegaard teriam um medo mais teológico, porém há um equívoco teológico “temor a Deus” não é necessariamente um medo, e sim um respeito, afinal o primeiro mandamento cristão é Amar a Deus sobre todas as coisas.

Então ver o medo como “coisa”, o sentido fenomenológico de Heidegger e outros não suprime a visão teológica, um pensamento limitado ao homem também limitará sua existência a este mundo sendo um intelecto limitado.

A obra de Kierkegaard “O Conceito de Angústia”, lembrando que fizemos um post sobre isto,  tem um demanda de perguntas muitas são feitas em relação  ao “medo da morte”, que em certo sentido é uma teológica frágil, já a obra de Pascal tem também um víeis de “arriscar em Deus”, ao pensar na alma.

Diz o filósofo: “A imortalidade da alma é uma coisa que nos preocupa tanto, que tão profundamente nos toca, que é preciso ter perdido todo sentimento para permanecer indiferente diante dela.”, não afirma, portanto, sua imortalidade, mas sim frente a dúvida.

Para Heidegger, ela é mais que um fenômeno psicológico e ôntico; ela tem uma dimensão ontológica, pois nos remete a totalidade da existência como ser-no-mundo, porém a angústia o homem só existe só é o homem se puder ter uma compreensão do Ser, embora não o diga, é uma realidade além da “coisa”, Hannah Arendt sua discípula, dirá além da vitta activa.

A vitta contemplativa (ver também Byung-Chul Han) nos leva a consciência do Ser, é um caminho para a superação do medo e da angústia.

 

O paradoxo da informação no cosmos

14 mar

A questão da informação com os buracos negros é que qualquer objeto que cai lá e você jamais o verá ou terá alguma informação que sobre o que aconteceu, até mesmo a fusão de dois buracos negros é impossível de ser desfeita, não se pode separá-los e o que acontece?

Os buracos negros simplesmente parecem não preservar nenhuma informação.

Em toda história da ciência as nossas leis científicas foram sendo escritas a partir de observações quantificáveis, essas informações são certas propriedades físicas mensuráveis de matéria e energia. Uma molécula ou uma partícula, como um próton ou um elétron por exemplo, contém um valor de massa, uma carga elétrica, um spin e diversas outras propriedades quânticas (número de bárions, léptons, hipercargas etc.).

Porém havia a famosa partícula de Higgs ou “de Deus” algo que atribuía massa as outras e uma experiência no Grande Colisor de Partículas (hadrons (LHC) conseguiu detectá-la, num buraco negro que absorva determinada quantidade de partículas, de matéria e energia ao longo do tempo, ele própria seja constituído de partículas com propriedades únicas, e assim ele deveria conter uma significativa quantidade de informação, mas onde está ?

A pergunta certa é para onde foi esta quantidade de informação? Em teoria, um buraco negro feito a partir do colapso de uma estrela normal, onde pode-se observar o buraco negro que surge, tem informações codificadas totalmente diferentes do que as de um buraco negro feito a partir do colapso de uma estrela de antimatéria (considerando-o possível), por exemplo.

Isto não é uma violação das leis físicas newtonianas, mas sim a própria teoria quântica, pois quando Stephen Hawking aplicou as regras da mecânica quântica aos buracos negros ele descobriu (ou supôs) que sistemas isolados emitiriam uma forma de radiação, chamada por isto de radiação de Hawking, que seria independente do estado inicial do buraco negro e dependeria apenas de sua massa, carga elétrica e momento angular.

Se a informação não se preserva ou se evapora inteiramente através da radiação de Hawking, tem-se um paradoxo, entre as hipóteses mais aceitas atualmente está a teoria das cordas, a principal candidata a uma nova teoria unificada da natureza, que aceita que a informação realmente escapa de um buraco negro.

Assim se você pular em um buraco negro, não irá necessariamente embora para sempre; ao invés disso, a informação do seu corpo poderá emergir, partícula por partícula, para reconstitui-lo de alguma forma a partir destas pequenas ondas, chamadas de “cordas”.

As observações do super laboratório espacial James Webb e os contínuos estudos para as fronteiras do pensamento nos levarão ainda mais longe, rumo as confins e enigmas do Cosmos.

 

Entre as alturas e a pequenez humana

12 mar

Antes de conseguir as viagens aéreas, agora as espaciais, o homem se deliciava com as alturas das montanhas, as paisagens vertiginosas dos picos, desfiladeiros e caminhos nas alturas que pudessem contemplar as casas, cidades e vegetações ao longe.

Um texto que fala destas sensações, e o início da filosofia de Schopenhauer foi escrito por Rüdiger Safranski, autor de obras consagradas sobre Heidegger e Nietzsche, que também escreveu sobre o rebelde filósofo Arthur Schopenhauer em obra intitulada: “Schopenhauer e os anos mais selvagens da filosofia” (São Paulo: Geração Editorial, 2011).

Nela o autor conta a experiência de Schopenhauer aos 16 anos quando escalou o Monte Pilatus (perto de Lucerna, na Suiça) em companhia de um guia da montanha, diz o texto: “Senti uma vertigem quando vi pela primeira vez aquele espaço abrangente que se entendia a minha frente … Percebi que tal panorama, visto do alto da montanha, era tão extraordinário que me levava à ampliação de todos os meus conceitos anteriores.  É tão diferente de tudo o mais que se torna impossível fazer uma descrição real de sua abrangência para quem não teve a oportunidade de vê-lo”.

Continua o texto: “Todos os objetos menores simplesmente desaparecem, apenas a grandeza pode ser entendida em seu conjunto. Todas as coisas se misturam umas com as outras; não se enxerga mais uma quantidade menor de objetos isolados, mas uma imagem imensa, colorida, brilhante, sobre a qual o olhar se prende por longo tempo, cheio de prazer”, destaque nosso.

A sagacidade de Safranski ao descrever o filósofo é importante para entender como vê o belo e o mundo, ele não vê mais os “objetos isolados”, mas nos olhos tornamos somente “os olhos” sobre uma “imagem imensa, colorida e brilhante”.

Conta outra experiência forte, mas esta mais “humana”, quando em 30 de julho de 1804, quando a grande viagem já se aproxima de seu fim, chega a escalada da montanha Scheekopp (O Pico da Neve), na Silésia, então alemão, mas hoje na Polónia.  A foto acima bem antiga é desta região, nesta região ao subir a montanha tiveram que parar a noite numa cabana em um planalto intermediário, no sopé do cume mais alto da montanha (a montanha ao fundo).

Diz sobre esta experiência “entramos em uma peça única cheia de pastore embriagados … Era insuportável sua quentura animalesca … produzia um calor candente”,  diz Safranski da passagem que “foi daqui que Schopenhauer tirou sua metáfora posterior dos porcos-espinho que se empurravam uns contra os outros para se defenderem do frio e do medo”, os leitores de Schopenhauer entenderão a imagem que de certa forma permeia seu discurso.

Há um mérito em Schopenhauer de tirar todo idealismo e romantismo da leitura filosófica e literária do seu tempo, sua visão de enxergar os objetos “do alto” o fez escapar do idealismo, mas sua visão dos homens é pessimista e a metáfora dos porcos-espinho demonstra isto.

Em uma armação da choupana onde está preso um livro para anotar recordações, está o que foi escrito por Schopenhauer: “Quem pode erguer-se sobre as montanhas e depois calar-se?”.

Porém as descobertas do pós-idealismo, pós-iluminismo é que o Cosmos é maior e enigmático.

 

O não-pensamento na atualidade

07 mar

O texto de Heidegger sobre a Serenidade, feito em 1949 em cerimônia de comemoração do centenário de morte de Conradin Kreutzer, em sua cidade natal   Meßkirch,, que por ser também a cidade Natal de Martin Heidegger, este foi chamado a falar no evento, livro é parte desta seu discurso.

O texto da serenidade revela o quanto nós somos induzimos a um pensamento calcula que corre de oportunidade em oportunidade, é fundamental para se entender que isto que é atribuído ao mundo digital, já ocorria muito antes deste, e não está restrito ao universo digital: “este pensamento continua a ser um cálculo, mesmo que não opere com números, nem recorra á máquina de calcular, nem a um dispositivos para grandes cálculos” (pg. 13), mesmo muito anterior ao universo digital, fala dele e diz que não é dele que está falando.

A dinâmica, que muitos atribuem ao universo digital já era a muito presente no homem moderno: “o pensamento que calcula (rechnend Denken) nunca para, nunca chega a meditar. O pensamento que calcula não é um pensamento que medita (ein besinnliches Denken), não é um pensamento que reflecte (nachdenkt), não é o sentido que reina em tudo o que existe” (idem, pg. 13), isto é, do final da década de 40 e anterior aos computadores modernos.

Convém traduzir as palavras alemãs: ein besinnliches Denken (um pensamento contemplativo) e nachdenkt (pensar sobre) e das rechnend Denken (pensamento calculista).

Assim para o filósofo existem duas formas de pensamento: o que calcula e o que medita, e pode-se pensar que o segundo não se apercebe da realidade, “não contribui em nada para levar a cabo a práxis” (pg. 14), pode levar a pura reflexão, a meditação persistente ser “demasiada “elevada” para o entendimento comum” (idem).

O autor diz que a única coisa correta é que a verdade de um pensamento que medita surge tão pouco espontaneamente quanto o pensamento que calcula, ambos requerem esforços.

O fato que o homem contemporâneo está vinculado a uma forma de pensar é porque é esta a forma atual em que o pensamento foi elaborado e treinado, ligado a logos racional e ideal.

Porém pondera que cada um pode seguir os caminhos da reflexão dentro de seus limites e a sua maneira: “Não precisamos, portanto, de modo algum, de nos elevarmos às “regiões superiores” quando refletimos. Basta demorarmo-nos (verweilen) junto do que está perto e meditarmos sobre o que está mais próximo: aquilo que diz respeito a cada um de nós, aqui e agora; aqui, neste pedaço de terra natal; agora, na presente hora universal” (pg. 14).

Claro Heidegger refletia sobre a comemoração em sua cidade Natal, mas isto vale para todos os eventos que vivemos em nossas vidas.

Heidegger, M. Serenidade. Trad. de Maria Madalena Andrade e Olga Santos. Lisboa: Instituto Piaget, s/d.

 

Existe um Ser interior

07 fev

A filósofa Hannah Arendt já havia desenvolvido o tema de Vita Contemplativa, e o ensaísta coreano-alemão Byung Chul-Han amplia este tema em seu livro com o mesmo nome, porém vamos apontar apenas as novidades ali, entre elas aquilo que retoma de Heidegger que é a disposição.

No Ser e o Tempo, Heidegger trabalha o verbo stimmen, usando a conjugação stimmung (que é traduzida por disposição) e usa também Gestiment-Sein (ser disposto), mas que no alemão é algo como estar afinado, estar em sintonia com algo e isto modifica o conceito de intenção.

Ao pé da letra disposição, um estado de espírito precede qualquer intencionalidade referida a objetos: “A disposição já abriu, porém, o ser-no-mundo como todo, e torna principalmente possível um dirigir a [algo]” (Heidegger apud Han, 2023, p. 66).

Assim a relação com o mundo exterior, com os objetos, com os entes e com tudo que vem de fora ao Ser, significa que estamos dispostos a, diz o texto: “A disposição nos abre o espaço unicamente no qual nos confrontamos com um ente. Ela desvela o Ser” (Han, idem).

Esta visão transforma o que somos e pensamos, em termos espirituais aquilo que a alma esta disposta e para o que se dirige a partir da interioridade, diz o texto: “A dimensão contemplativa que nele habita o transforma em um corresponder. Ele corresponde àquilo que “se dirige a nós como voz [Stimme] do ser”, ao se deixar de-finir por ela” (Han, 2023, p. 67).

Assim o pensar torna-se outra coisa do que articulação lógica ou discurso narrativo: “Pensar significa “abrir nossos ouvidos”; ou seja, escutar e ouvir atentamente. Falar pressupõe escutar e corresponder. “Philosophia é o corresponder verdadeiramente consumando que fala atenta ao chamado do ser do ente. O corresponde ouve a voz do chamado […]” (Han, 2023, pgs. 67-68).

Tudo isto parece excessivamente filosófico e o é de fato, porém significa conforme afirma o autor que há algo de-finido, e temos muitas definições pré-dispostas, é algo que está condensado em nossa mente e nossos pensamentos “no âmbito pré-reflexivo”, quer dizer dentro de nós.

Assim é o que temos dentro, em nossa interioridade que nos ajuda ou limita, diz o autor citando novamente Heidegger: “Se a disposição fundamental fica de fora, então tudo é um aglomerado forçado de conceitos e cascas de palavras” (Heiddeger apud Han, p. 68).

Assim não é o exterior e aquilo que tomamos fora de nós que nos define, mas o que temos dentro e por isso a interioridade é fundamental para qualquer análise.

HAN, Byung-Chul. Vita contemplativa: ou sobre a inatividade. Trad. Lucas Machado. Petrópolis, RJ: Vozes, 2023.

 

Ontologia e Poder

26 jan

Não os aspectos externos que evidenciam que tipo de poder alimentamos e defendemos no dia a dia, mas aqueles que concretamente colocamos no interior do nosso Ser e praticamos como consequência daquilo que temos dentro.

Assim como os vícios, as virtudes também podem ter um círculo virtuoso, podem se tornar hábitos, e diante de cada fenômeno ou coisa, tomamos uma atitude que tem uma intenção boa ou má.

O poder é força, capacidade e, ao mesmo tempo, autoridade, mas existe a autoridade do testemunho e do reconhecimento público, que é um poder que se impõe pelo respeito, a única relação que pode dar-lhe simetria (igualdade diante do Outro), e existe o poder da força, aquele que leva a opressão e em última análise, as guerras.

Encontramos isto na filosofia do Idealismo, que levou a uma concepção de Absoluto e de Estado, cujo auge foi o idealismo hegeliano, e podemos encontra-la no dia-a-dia em teorias de autoestima, de autovalorização em detrimento do Outro e literatura que enfatizam o “Eu”.

A ontologia que é o estudo mais profundo do Ser e do Ente, ao contrário vai em busca das raízes mais profundas deste Ser e da realização individual sem esquecer a relação com o Outro e com as coisas, se há uma ênfase nas “coisas” hoje (ver Não-coisas de Byung Chul Han), as relações concretas com a natureza, com os alimentos e com o dinheiro diz algo do que somos.

Nesta filosofia a essência é tratada como elemento característico do ser em alguém, como a racionalidade, que faz o homem, para santo Tomás de Aquino, esta essência é “quididade” (a coisa em-si) ou a “natureza” que abrange tudo que está expresso na definição da coisa, tanto na sua forma com a sua matéria.

Não há conceitos em Ontologia e sim uma conceitualização que é relação com Ser nas linguagens, hoje a chamada virada linguística vê o conceito assim.

Esta filosofia embora metafísica é considerada realismo, em oposição ao nominalismo onde o dar nome as coisas e conceitua-la é mais forte que a essência daquilo que é, observamos isto em todos campos da filosofia e da vida humana, somos um “rótulo” e não aquilo que somos interiormente e essencialmente.

A autoridade de quem expulsa aquilo que é mau para a essência da vida humana, do processo civilizatório deve ser analisada a luz destas categorias e não apenas na perspectiva do poder.

A essência da autoridade de Cristo, que dá base a sua “cultura” era um tipo de Autoridade em essência, diz a leitura: “Todos ficavam admirados com seu ensinamento, pois ensinava com quem tem autoridade, não como os mestres da Lei” (Mc 1,22) e até expulsava “demônios”.

 

Não coisas e a subjetividade, o eidos deturpado

12 jan

A subjetividade vem do idealismo que julga o Ser separado das coisas, assim só ser se projetado sobre os objetos, porém o “eidos” gregos, de onde veio o idealismo nascente, não havia esta separação, tanto nas 4 causas de Aristóteles: material, formal, eficiente e final, como também na teoria das ideias platônicas que é a essência e que já relacionamos à coisa.

Enganam-se aqueles que julgam o mundo imerso na erotização, seja o mundo da fantasia, aquela que vem das obras de ficção, do imaginário infantil e do olhar com esperança para um futuro melhor, hoje em um presente cada dia mais preocupante, Chul-Han escreve assim:

“Sem fantasia, só existe pornografia. Hoje, a própria percepção tem traços pornográficos. Ela ocorre como um contato imediato, mesmo como uma copulação de imagem e olho. O erótico ocorre no fechar dos olhos” (Han, 2022), ou seja, é justamente seu inverso, estamos no vazio existencial, na negação do Ser e nele só resta a pornografia, como degradação do Ser.

Citando Barthes, Hul-Han esclarece a parte do pedaço que é: “A subjetividade absoluta só pode ser alcançada em estado de silêncio, o esforço para alcançar o silêncio (fechar os olhos significa fazer a imagem falar no silêncio). A fotografia me toca quando eu a retiro de seu blábláblá habitual […] não dizer nada, fechar os olhos […]” (Han, 2022) e está citando Roland Barthes em sua obra (foto): A câmera clara (ou Lúcida, dependendo da tradução).

A fotografia é portanto uma forma de perpetuar o silêncio, o desejo de muitos tirarem fotos como ato de individual é assim retirá-la do cotidiano e inserir um que de eterno, enquanto a exposição pública que o universo digital permitiu é devolvê-la ao “blábláblá habitual”, diz o autor: “O desastre da comunicação digital decorre do fato de que não temos tempo para fechar os olhos” e talvez ele não saiba mas isto é inclusive físico, por não piscar os olhos devemos usar lubrificantes para a vista se a expomos muito tempo nos ecrãs.

“O ruído é tanto uma poluição acústica quanto uma poluição visual. Polui a atenção” (Han, 2022) e citando Michel Serres diz que este instinto é de origem animal, como os cães, tigres e outros animais que urinam para demarcar terreno, poluem com seu fedor para inibir que os outros animais se aproximem.

Permitir a aproximação do outro é não demarcar território, é sábia a resposta bíblica de Jesus ao contato inicial de dois novos discípulos (Jo 1,38): “Jesus perguntou: “O que estais procurando?” Eles disseram: “Rabi (que quer dizer: Mestre), onde moras?” e ele respondeu: “Vim e vede” e foram e ficaram com Ele, porque não demarcou terreno e não se fechou.

A lógica do silêncio é contrária ao ruído, que não significa apenas a poluição de um som audível, mas um completo vazio capaz de conter e receber o Outro.

HAN, Byung-Chul Não-coisas : reviravoltas do mundo da vida, tradução de Rafael Rodrigues Garcia. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2022.

 

A física e a mente de Deus

03 jan

A questão originária básica do homem é a linguagem, porém ao buscar a informação o homem foi obrigado a olhar o universo e a tentar entender seus enigmas, o geocentrismo (a terra como centro de tudo), o heliocentrismo (o sol como centro de tudo) dominaram a linguagem e o pensamento humano durante milênios, em todo este tempo o antropocentrismo dominou a concepção humana e com isto a tentativa de dominar toda a natureza cresceu, porém a física quântica mudou tudo.

Porém a natureza é indomável, a modernidade foi uma tentativa de dominar as forças da natureza e afirmar o antropocentrismo sobre ela, porém ela tem sua própria lógica, e ao olhar mais profundamente o universo que tinha uma explicação mitológicas deslocou-se para um foco mais claro de indagação escatológica: de onde viemos e para onde vamos.

O livro do físico teórico Michio Kaku: “A equação de Deus” dá um mergulho nesta questão a partir da física e da cosmologia contemporânea, o físico é o grande teórico da física das cordas (Hiperespaço é um de seus livros), professor de Harvard e apresentador de programas na Discovery Channel.

Em seu livro esclarece a busca de físicos como Stephen Hawking e Albert Einstein sobre a tentativa de explicar todas as forças do cosmos, aquilo que é chamado de teoria do tudo, e que em sua formulação atual é chamado Teoria da Física Padrão, a descoberta das forças quânticas das partículas, entre elas o bóson de Higgs, a visão do fóton com partícula de massa zero, as partículas do magnetismo terrestre ajudaram esta unificação, mas não é tudo.

Muitos físicos falharam, a explicação quântica rompe com a ideia de “coisa” que alguns autores dualistas continuam a ter, o “quantum” é algo além tem um terceiro estado, chamado na física de “terceiro incluído” onde uma partícula está entre o Ser e o Não-Ser e não é dual.

Se este estado da física quântica já é realidade, o que são de fato as partículas ainda é um mistério, e a “candidata mais promissora (e, na minha opinião, a única candidata) é a teoria das cordas, que diz que o universo não é feito de partículas puntiformes, mas sim de minúsculas cordas vibrantes, onde cada modo de vibração corresponde a uma partícula subatômica” (KAKU, 2022).

Precisaríamos de um microscópio poderoso o suficiente para ver elétrons, quarks, neutrinos, etc. são nada mais do que vibrações de laços minúsculos, parecidos com elásticos de borracha. Se colocarmos esses elásticos para vibrar inúmeras vezes e de formas diferentes, eventualmente conseguiremos criar todas as partículas subatômicas do universo, e isto quer dizer que as leis da física se resumem nestes modos de vibração das pequenas cordas.

Diz Kaku na introdução de seu livro: “a química é um conjunto de melodias que podemos tocar com elas. O universo é uma sinfonia. A mente de Deus, a que Einstein eloquentemente se referiu, e uma música cósmica que se espalha pelo espaço-tempo” (KAKU, 2022).

KAKU, Michio. A equação de Deus. Trad. Alexandre Cherman, R.J.: ed. Record, 2022.

 

Narrativas, Palestina e Israel

12 dez

A oralidade primária, período anterior a escrita impressa, era a forma de transmitir histórias e a cultura e tradição dos povos através da narração, vivemos na modernidade a cultura impressa e agora emerge uma cultura chamada por Byung Chul Han de “pós-narrativa”.

Diz Han: “hoje todo mundo fala em narrativa. O paradoxal é que o uso inflacionário das narrativas revela uma crise da própria narração”, diz no início de seu livro “A crise da narração”, estabelecendo uma oposição entre narrativas e narração.

Profetas e oráculos eram os responsáveis por narrativas no período anterior ao da escrita, é bom lembrar que os escribas e as tabletas de barro estavam presentes em culturas arcaicas, entretanto, foi a narrativa que sustentou tradições nas culturas orais, incluindo as originárias.

Uma interpretação moderna, feita por Walter Ong, discípulo de Marshal McLuhan, é que os mitos foram usados como um processo mneumotécnico, ou seja, “ganchos” para que a narrativa não se desviasse da narrativa inicial, mantendo culturas e tradições, assim grandes obras da cultura ocidental como Ilíada e Odisseia podem ser relidas neste aspecto.

Os profetas não se diferenciam destes aspectos cultuais, tem a pretensão ou de fato podem ser revelações divinas, já que inúmeros fatos nestas narrativas revelam a intervenção divina, a saída de Abrão (só depois será chamado Canaã) da região da Caldéia, dando origem ao povo hebreu, que significava do outro lado do rio, até a chegada a região onde nascerá seu filho Isaque, mas também terá um filho com a escrava Hagar, chamado Ismael, e só depois terá um filho com Sara, Isaque o qual terá dois filhos Esaú e Jacó (depois chamado de Israel, aquele que lutou com Deus).

Já no ventre da mãe os dois lutavam e diz a narrativa bíblica, Genesis 25:23: E o Senhor lhe disse: Duas nações  no teu ventre, e dois povos se dividirão das tuas entranhas: um povo será mais forte do que o outro povo, e o maior servirá ao menor”.

Desde a concepção a narrativa bíblica revela dois povos em luta, Rebeca era estéril e quando gerou os gêmeos, Esaú nasce primeiro por alguns minutos e deveria herdar as tribos, mas Jacó usando uma artimanha de se passar pelo irmão que era peludo, vai ao pai que está quase cego e pede que o abençoe, o que é feito, mas depois vendo que teria que lutar com o irmão, diz a narrativa, numa região chamada vau Jaboque (afluente do Jordão) ele luta com um anjo para Deus o abençoar, e a partir daí é chamado de Israel, que significando aquele que luta com Deus.

Porém os ismaelitas continuarão a existir e não se confundem com os Palestinos, que vem dos antigos povos chamados filisteus, inicialmente estavam na costa sudoeste de Canaã, formando a Filístia, apesar de terem adotado a cultura local Cananéia, estudos apontam uma origem indo europeia por inúmeras palavras e também nas primeiras guerra já sabiam fazer o aço, enquanto os israelitas dominavam ainda o bronze (na foto o mapa de 830 a.C.).

 «Origem dos filisteus pode ser finalmente revelada por DNA antigo». National Geographic. 15 de julho de 2019