Arquivo para fevereiro, 2022
Covid: início de uma provável queda
Enquanto a média móvel e o número de infecções se mantem em patamares ainda altos, já há indícios de uma tendência de queda, 58.056 casos nas últimas 24 horas, no entanto o número de mortes permanece em alta na maioria dos estados (880 mortes na média móvel), estando em estabilidade apenas em 4 estados: SC, AM, RR, GO, não divulgaram TO e DF, é necessário ressaltar que estados dados sempre se referem a “casos conhecidos” pois não existe uma política de testagem em massa.
O pesquisador Raphael Guimarães da Fiocruz defende que a adoção de políticas públicas de controle coletivo da pandemia, além das medidas de higiene que são mantidas, podem levar o país ao controle da pandemia já no primeiro semestre de 2022: “Neste momento, o Brasil reúne algumas condições favoráveis para bloquear o vírus”, explicou o pesquisador a órgãos de imprensa.
A manutenção do distanciamento, por exemplo, e a limitação em número de pessoas em eventos coletivos são importantes quando adotadas, mas o que se observa é que o distanciamento não é o comportamento coletivo da população e a fiscalização deixou de existir na maioria dos casos, salvo raras exceções, o resultado são hospitais ainda lotados, une-se a isto a vacinação da influenza que é ainda pequena e a vacinação de crianças que tem ainda apenas a primeira dose.
Enquanto na Europa a tendência de queda já observada, na América Latina 63% das pessoas já estão vacinadas, porém a cobertura continua desigual, dados de órgãos de saúde da região (OPAS) indicam que 14 países já vacinaram 70% da população enquanto os demais não conseguiram atingir nem 40% desta cobertura, informa a diretora da OPAS: Carissa F. Etienne: “Estes dados são cruciais para projetar campanhas de vacinação direcionadas, maximizar o impacto das doses e salvar vidas”, que agradeceu a países doadores de vacinas.
A diferença entre Europa e o hemisférico Norte com o sul tem fatores sazonais como o clima, lá estão no final do inverno, aqui estamos no final do verão e o período de frio é favorável aos vírus.
Os doadores que “ajudaram nossa região a garantir doses quando os suprimentos eram limitados”, citando as doações dos Estados Unidos, Espanha, Canadá, Alemanha e França, que totalizaram 26 milhões de doses, mas espera neste início de ano atingir o patamar de 100 milhões de doses de doação.
As políticas públicas devem ser mais afirmativas e não renunciar à necessária fiscalização, assim podemos imaginar um segundo semestre mais tranquilo quanto a Pandemia.
Felizes os que promovem a paz
O ciclo peste, fome e guerra em qualquer ordem que ele tenha acontecida na história é retroalimentado porque sucumbem as forças que promovem a paz e entre elas estão também as forças espirituais verdadeiras que desejam o progresso da alma humana, que é inseparável da substancialidade da vida, não apenas humana, mas de todo planeta.
O século XX além da segunda guerra mundial, todos que a viveram narram o horror deste período e as privações que passaram, em especial os mais pobres, foi marcado também pelos regimes autoritários e Franco, Salazar e De Gaule na Europa, as lutas de libertação coloniais, e a guerra civil na Espanha, todos envoltos em atrocidades e muitas mortes.
Com um fim da pandemia próximo, porém é preciso ressaltar que ainda avança no hemisfério sul, um ciclo de privações sociais se aproximando uma guerra seria o menos desejável e não há forças diplomáticas que consigam evitá-la, quais seriam as consequências de uma insanidade deste tipo é para todos os analistas, imprevisível em proporção e extensão.
Há nos subterrâneos das sociedades forças que lutam pela paz, o pronunciamento de hoje (11/02) do Papa Francisco é uma destas forças, porém mesmo no interior de religiões e espiritualidades (já discorremos sobre as verdadeiras asceses) há aqueles que sadicamente (porque não viveram e não leram testemunhos da guerra) não se incomodam com este perigo.
O papa disse de maneira contundente: “a guerra é uma loucura”, e pede o diálogo, várias tentativas diplomáticas foram feitas porém as vias de algum acordo bilateral parecem estar fechadas, de certa forma porque as partes não parecem dispostas a ceder em pontos problemáticos (a presença da Otan e da própria Rússia na Ucrânia, por exemplo), o papa também pediu que este diálogo fosse “sério” e que realmente cada lado estivesse disposto a ouvir e a ceder para um possível acordo.
Com o passar das horas as tentativas parecem estar se esgotando, aos cidadãos comuns de ambos países, aos pobres e aos vulneráveis, em sua maioria jamais aprovariam uma guerra, resta a esperança e a fé de que sejam minimamente poupados se o absurdo acontecer.
As vésperas de um mundial de clubes de futebol, onde a disputa se encerra com o final de uma partida e em meio as Olimpíadas de Inverno, apesar de todas rivalidades, neste caso o desejável é que além das torcidas em lados opostos, tudo se consuma a partir de determinado ponto final, e neste caso a torcida de dois ou mais times, é mais humana que a disputa insana por territórios e vantagens bélicas de uma guerra de consequências imprevisíveis.
Diz a liturgia bíblica, na passagem em que Jesus encontra seus discípulos e uma multidão numa planície (todos no mesmo plano) de Tiro e Sidônia (Lc 6,20=21): “bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus! Bem-aventurados vós, que agora tendes fome, porque sereis saciados! Bem-aventurados vós, que agora chorais, porque havereis de rir!” e explica que os ricos e poderosos já tiveram o consolo neste mundo e os falsos profetas que são aplaudidos, porque não tiveram coragem de dizer a verdade.
Tenhamos esperança que um resto de serenidade, tolerância e equilíbrio restem nas grandes forças bélicas mundiais e a guerra seja evitável.
Fome, pandemias e guerras
Grandes períodos de fome na antiguidade eram devidos as guerras de conquistas e pilhagens, o período babilônico, assírio, depois os persas e gregos e finalmente o império romano, segue-se o período dos Hunos e dos bárbaros do Norte da Europa.
A fome neste período era principalmente devido a pilhagem e a transformação dos povos dominados em escravos, na Antiguidade Grega é pensada pela primeira vez a ideia do Estado (cidades-Estado), porém ainda haviam escravos e na população havia a diferença social dos plebeus, era preciso ser “educado” como cidadão e não deixava de haver virtudes e certa religiosidade.
Também a história Bíblia, muitos fatos foram comprovados historicamente, grande número de guerras, pestes e fome são narrados, de modo especial no período de dominação egípcia, calcula-se que o período da fuga do povo hebreu do Egito se deu por volta de 1391 a 1271, outros historiadores sugerem 1592 (Jerônimo) e James Ussher sugeriu 1571 como período inicial.
Neste período teria acontecido as famosas 10 pragas e portando seguidos de fome naquela região, há muitas controvérsias sobre esta história.
A primeira grande fome devido a crises sociais e também climática foi datada de 1315-1322 que atingiu quase toda Europa, um ano de uma primavera com temo ruim de 1315, seguiram-se dois anos de muita seca e calor, neste período há um grande número de guerras quando foram se estabelecendo reinados e grão-ducados, porém depois seguiu-se o período da peste negra (ou bubônica) de 1347 a 1351, onde calcula -se que morreram de 75 a 200 milhões de pessoas (quadro de (Peter Bruegel “O triunfo da morte”, 1562).
Um período de fome também aconteceu na Irlanda no período de 1849 a 1852 devido um fungo aniquilou a plantação de batatas, onde a alimentação era bastante dependente na alimentação deste produto, enfrentou a fome, a mortalidade e a redução de 25% da população por morte ou imigração.
Ao período da guerra de Secessão de 1861 a 1865, basicamente pela defesa da escravidão para mantinha o sul e parte do leste num modelo agrário, para o Norte e Oeste mais industrial e que seguiu-se a um período de industrialização e que faz os Estados Unidos despontar como potencia industrial no período seguinte.
A Europa fodeste período mantinha quase toda a África (exceto a Libéria e a Etiópia) quase toda num modelo colonial, apesar disto no início do século começa um ciclo de crise financeira e superação do modelo agrário e superação do período nacionalista com muitos países, em especial França, Reino Unidos e a Russia com desejos expansionistas e a queda do chamado Império austro-húngaro.
Segue-se a este período em que é deflagrada a primeira Guerra Mundial com mais de 10 milhões de mortos, o período da gripe espanhola e de fortes imigrações de populações rurais para a própria África e para a América Latina, o Brasil recebeu além de populações italianas, alemãs e espanholas, também pequenas populações da Ucrânia, Polonia e até mesmo de japoneses.
A quebra financeira e a má solução da primeira guerra, nos tratados de Versalhes foram fermento para a segunda guerra mundial, a fome na Ucrânia no período estalinista foi feita em post desta semana e a fome que permanece no continente africano está feita no post de ontem.
A fome no mundo
O relatório Welthungerhife mostra o mapa da fome no mundo, nele fica evidente a concentração na África onde estão os países mais pobres e também restos de um período de colonização (ainda há esta presença lá) que pouco de importou com a população.
Ali estão concentrados os países com mais baixa renda per capita, em dólares: Somália: $ 953, República Centro Africana $996, República do Congo $1203, Moçambique $ 1338, Niger: $ 1503, Malawi $ 1503, Libéria $ 1623 e Madagascar $ 1630, também há guerras por divisão de territórios, diamantes e extração de minérios:, como é o caso do minério de fosfato no qual estão envolvidos: a Espanha, Marrocos e Mali, mas também rebeldes do Saara Ocidental lutam por independência em território reivindicado por Marrocos.
A guerra que tem interesses econômicos e neocolonização por trás sempre estiveram presentes ali, a Somália é um exemplo típico disto pois levou o país a uma miséria ainda maior e a Pandemia fez a crise tornar mais alarmante.
Ainda não existem estudos conclusivos sobre o real impacto da pandemia neste território, um recente relatório denominado “O Estado de Insegurança Alimentar e Nutrição no mundo (SOFI) de 2021 trans alguns esforços de agências das Nações Unidas para mapear e traçar uma política e estima que um décimo da população global, avaliado em torno de 811 milhões de pessoas no mundo estão subalimentados neste período da Pandemia, o que mostra um quadro alarmante.
Uma guerra de proporções mundiais poderia agravar ainda mais este quadro, também políticas sanitárias mais igualitárias (uma distribuição de vacina proporcional ao número de habitantes, por exemplo) são medidas necessárias para evitar que além da pobreza o número de mortos continue a crescer no rescaldo da pandemia.
Pequena história da Ucrânia
No século III a região foi habitada pelos godos (250-375), a região era chamada de Aujo, ali havia uma cultura cherniacove, os ostrogodos se estabeleceram em 350 com influência dos Hunos, ao norte havia um povo que tinha uma cultura de Quieve (depois mais tarde Kyiv ou Київ).
A origem da Ucrânia de hoje está em tribos eslavas que chegaram a este território nos séculos V e VI, no século IX chegaram invasores vikings, chamados variagi, os mongóis invadem em XIII, o rei Igor I com uma jovem adolescente variagi chamada Olga uniu os povos, este reino chamado Rus tinha como capital Kiev, o rei vai ser morto e Olga assume o poder com grande vigor e coragem, e domina os povos, Olga ocupará um papel especial e depois se converterá ao cristianismo com grande obra a favor dos pobres.
Olga é um capítulo a parte, depois de ser uma rainha forte e até certo ponto cruel com seus inimigos, o filho assume o reinado e ela se converte ao cristianismo, construiu igrejas, fez campanhas de evangelização, não conseguindo, porém, converter o filho Sviatoslav (Esvetoslau I), ajudou de tal forma os pobres e as pessoas doentes que se tornou uma santa reconhecida pela igreja ortodoxa no ano e pela igreja católica de rito bizantino, seu filho não se converteu, porém seu neto Vladimir I se converteu e também foi declarado santo.
Os variagi comandavam vários pontos estratégicos na Rússia e exploravam o transporte e o comércio, assim durante o século X e XI, o território da Ucrânia tornou-se centro de um estado poderoso e prestigioso na Europa, chamado na época de Rússia de Kiev (lembre era o reino de Rus) e também foram base para muitas nações eslavas subsequentes (como a Grande Bulgária e a Bielorussia, por exemplo), além dos próprios russos que eram então apenas tribos eslavas dispersas.
O estado foi conquistado por Casimirio IV da Polônia, enquanto o cerne da antiga Rússia de Quieve passaram ao controle do Grão-Ducado da Lituânia, mas o casamento do Grão-Duque Jagelão da Lituânia com a Rainha Edviges da Polônia, trocou o controle dos soberanos lituanos para a maior parte do território ucraniano e assim retornou a Ucrânia.
Damos um salto na história, que é também rica do período medieval, uma guerra civil que durou 4 anos depois da revolução russa (1917) em 1921 a Ucrânia se torna república socialista soviética, com expurgos e apropriações de terras que os agricultores ucranianos se recusavam a entregar, a Ucrânia é uma grande produtora de grãos.
O período stalinista e a ocupação nazista de seu território, que causaram mais de 10 milhões de mortos entre 1930 e 1945, a Ucrânia resistiu a coletivização russa e a invasão nazista, a Ucrânia no período soviético era responsável por ¼ da produção soviética no setor agrícola produzindo 40 milhões de cereais, um recorde para a época.
Por fim a problemática do território da Criméia, que tem origem na guerra de 1853 e 1856 onde houve um conflito entre a Rússia e uma aliança formada pela França-Reino Unido-Reino da Sardenha (hoje parte da Itália), em 2014 a guerra renasce com a tomada pela Rússia, seja esclarecido que havia um contrato entre a Ucrânia e a Rússia numa espécie de leasing para concessão do porto dos balcãs onde está a maior frota marítima da Rússia, em Sebastopol que era assim um território independente da Ucrânia.
Assim entre as análises mais absurdas, está aquela que diz que a Ucrânia seria inviável como estado independente, está fragilizada por uma guerra interna e sob pressão Russa.
Pandemia aumenta e países relaxam
A notícia é da BBC em português diversos países (Reino Unido, França, Holanda, Dinamarca, Espanha, Áustria, Finlândia, Bélgica, Grécia e Suécia), cansados da alteração da rotina muitos países, ambientes e até mesmo sanitaristas relaxaram no controle porque o isolamento é de fato difícil, no Brasil o número de mortes voltou a casa de milhares.
A pressão na realidade é política e econômica, e as autoridades se virão sob pressão de reabrir a economia e com isto liberar ambientes de comércio e convívio social, porém o custo econômico também poderá ser grave com o número de pessoas que vão se afastar, mesmo que seja por casos menos graves, é visível em alguns setores, no caso do Brasil, que muitos funcionários contraem o Covid na variante Omicron, e neste caso devem se afastar por ao menos 10 dias, mas também aqui foi reduzido para 5 dias, ou seja, menor precaução e mais contágio.
Na terça-feira passada (1/2) a OMS declarou a preocupação com este relaxamento, mas os comissários e sanitaristas europeus se apressaram em dizer que o fim da pandemia está próximo, há pequenos sinais de que o pico (ainda estamos nele) possa atenuar, mas é cedo demais para inferir que podemos relaxar, o normal seria esperar a curva baixa (gráfico).
Segundo a Agência Brasil o brasil registrou 197.442 mil casos na sexta-feira e 1.308 mortes em 24 horas, isto totaliza 26.473.273 casos e 631.802 óbitos, pelo alto número é muito improvável que os casos sejam apenas de não vacinados ou de crianças.
A vacinação das crianças em sua grande maioria ainda é a primeira dose, e em muitos estados no dia de hoje já estarão de volta as aulas, podiam ao menos esperar um pouco, mas os países que retornam aos postos de trabalham precisam ter onde deixar os filhos, assim a motivação também é econômica e não de preocupação de fato com as crianças.
É muito provável que a Pandemia entre num ciclo de arrefecimento, talvez não desapareça completamente, porém os cuidados deveriam ser mantidos e não é o que se observa, a menos de alguns países asiático onde procura-se elevar a tolerância a zero, um exemplo são as restrições da olimpíada de Inverno e no mundo árabe, o Campeonato Mundial de Clubes disputado em Abu Dhabi que são notícia no mundo todo, basta fazer uma comparação das medidas lá e as medidas aqui.
Avançar para uma verdadeiro pensamento
Nenhum pensamento é completo se não possui uma espiritualidade, aquilo que a modernidade chama de subjetividade porém que está separada da objetividade como é próprio do dualismo, cria duas realidades e nenhuma delas é parte do todo.
Contemplar o todo significa considerar a profundidade do nosso Ser e entender que fazemos parte de um imenso universo cheio de mistérios, e que nossa alma anseia pelo infinito e é para lá que caminha uma verdadeira espiritualidade, que não está separada da substancialidade da vida (o que é chamado na modernidade de objetividade, que é só a parte) e que sem ela não contemplamos e vivemos o todo, vivemos uma vida segmentada.
Substituí-la por uma pequena parte, pequenos vícios e prazeres, é caminhar na frivolidade, na superficialidade, nenhuma ascese verdadeira prescinde de uma espiritualidade, e não há espiritualidade sem contemplar a alma humana como parte do todo de nosso Ser, assim ultrapassar a antropotécnica e chegar uma onto-antropotécnica que olha para as coisas e também para a alma.
Muitos exercícios, do físico ao espiritual, são feitos buscando esta ascese, neste ponto Sloterdijk tem razão quase todas elas são “desespiritualizadas” porém sua explicação é incompleta porque não há em suas esferas uma escatologia, este raciocínio é feito especialmente em Esferas II, qual é o todo para o qual caminhamos, é possível ir até Ele.
Sim é possível se avançamos para águas mais profundas, buscar a completitude de nossa substancialidade superando o antropocentrismo e entendendo a Terra e o Universo como nossa casa, nossa morada, mas principalmente caminhando e lançando as redes para pensamentos e espiritualidades mais profundas, há em alto mar, ainda que revolto, aquilo que nossa alma anseia: o eterno.
Diz a passagem bíblica Lc 5,4-5, logo após Jesus ensinar as multidões e Pedro (Simão) reclamar que não haviam pescado nada, Jesus lhe responde: “quando acabou de falar, disse a Simão: “avança para águas mais profundas, e lançai vossas redes para a pesca”, Simão responde que trabalhou a noite inteira e não pescou nada, mas obedeceu e lançou as redes.
O resultado foi uma grande pescaria, vale aqui a substancialidade dos alimentos e também a espiritualidade de avançar “pra águas mais profundas”.
Diversas reações ao pensamento dominante
Em países que foram colônias da Europa, emergiu o termo decolonização que se diferencia de descolonização porque penetra justamente no pensamento e na epistemologia dominante (alguns autores chamarão por isto de epistemicídio) que não é a simples liberação de dominação, mas também o ressurgimento de culturas subalternas.
Assim apareceram autores na África (como Achiles Mbembe), na América Latina (Aníbal Quijano e Rendón Rojas y Morán Reyes), além de autores de cultura originária como os indígenas (Davi Kopenawa e Airton Krenak), porém é possível um diálogo com autores europeus abertos a esta perspectiva como Peter Sloterdijk (fala da Europa como Império do Centro) e Boaventura Santos (fala do epistemícidio e também alguns conceitos de decolonização), há muitos outros claro.
Deve-se destacar nestas culturas também a cultura cristã, vista por muitos autores como colaboradora do colonialismo, não se pode negar a perspectiva histórica e também de doutrina que é a libertação dos povos e uma cultura de fraternidade e solidariedade, ela é também minoritária hoje na Europa e perseguida em muitos casos.
Entre os europeus que defendem um novo humanismo, ou um humanismo de fato já que o iluminismo e as teorias materialistas não conseguiram contemplar a alma humana como um todo, e são por isto um humanismo de uma perna só, entre os europeus destaco Peter Sloterdijk e Edgar Morin, o primeiro que defende o conceito de comunidade como um “escudo protetor” capaz de salvar nossa espécie, e o segundo, um humanismo planetário, onde o homem seja cidadão do mundo e as diversidades sejam respeitadas.
Ambos consideram as propostas populistas, é bom saber que elas existem a esquerda e a direita, devem perder com a crise atual e o consumismo global depende de uma atmosfera de “frivolidade” ou de superficialidade que a humanidade será obrigada a repensar, não voltaremos aquilo que consideramos estável, os próprios escritores originários, como Davi Krenak destaca em várias entrevistas, o que queremos voltar não era bom, não havia uma felicidade e bem estar real naquilo que era considerado normal.
Como aspecto de construção do pensamento, em Sloterdijk destaco a antropotécnica, para ele a modernidade foi uma desverticalização da existência e uma desespiritualização da ascese, enquanto o conhecimento e a sabedoria proposta na antiguidade sair do empírico e do enganoso para ir em direção do eterno e do verdadeiro, como para ele não existe a religião, seria um movimento de sabedoria e conhecimento, e não apenas uma ascese de exercícios, onde a alma imortal foi trocada pelo corpo.
Já na perspectiva de Edgar Morin é o hologramático que pode dar ao homem uma visão do todo agora fragmentada pela especialização e pela particularidade de cada ramo da ciência, paradoxo do complexo sistema no qual o homem é uma parte que deve se integrar ao todo, onde “não somente a parte está no todo, mas em que o todo está inscrito na parte”, a pandemia nos ensinou isto, mas a lição ainda foi mal aprendida, em plena crise pandêmica resolveu-se que está tudo liberado e não há protocolo de proteção de todos em cada um (cada parte), e não há co-imunidade.
A verdade científica e a humildade
A partir da revolução copernicana, com a descoberta de Galileu e com os avanços científicos deveria estar mais claro, ainda mais agora com as descobertas de forças desconhecidas do universo e com o novo telescópico James Webb, deveria estar cada vez mais claro que o homem não é o centro do universo, embora seja capaz de muito estrago se não deixar de lado a visão antropocêntrica e iluminista que o coloca como um “todo-poderoso”.
Nessa linha seguiu também Schopenhauer um dos primeiros a critica a “coisa-em-si” kantiana e seu sistema metafísico de colocar em seu lugar uma “Vontade” (que é a mesma coisa de quanto o homem foi colocado com centro do universo e a terra onde habita o seu centro), abriu uma perspectiva filosófica nova onde nada existe de propósito, tudo e todos somos consequencias de um sistema sem fim, com determinações e objetivos, e que somos responsáveis por um destino ferindo ao outro, estamos nos ferindo.
Desta forma Schopenhauer quis representa de maneira compassiva que pode representar em si a dor de outro, e isto nos valeria um grande passo para paz, embora seja capital a frase deste filósofo: “O homem é propriamente falando, um animal que agride” (Arthur Schopenhauer), que volta ao “homem lobo do homem” e justifica um estado agressor.
O conhecido fundamento da ética kantiana é o imperativo categórico (age de tal forma a ser modelo para os outros) que serve para orientar o agir dos sujeitos, e este por sua vez é princípio de um “factum” da razão, que faz parte do mundo numêmico, o qual consegue influenciar (não sentido princípio) o mundo fenomênico, de maneira a orientar as ações do sujeito racional de forma universal e necessária, Schopenhauer neste ponto faz uma crítica importante, embora não seja suficiente para uma crítica profunda desta ética.
Numérico refere-se àquilo que é conhecido sem fazer parte dos sentidos, é uma crítica ao empirismo porém não reconhece o fenomênico (que se manifesta como coisa).
Para ele, o programa ético kantiano é desprovido de sentido porque possui como fundamento último da ação um aspecto metafísico que desqualifica ações que vem de qualquer outra instância que não seja a razão, a relação que existe entre a razão e a metafísica (veja que a metafísica de Kant não faz parte do mundo, mas não é teológica nem divina), é que os sujeitos racionais (transcendentais em relação aos objetos) partilham do incognoscível, uma vez que conseguem pensar em coisas metafísicas, mas não conhece-las.
Esta lacuna onde não existe o mistério, é natural que tenha se distanciado da transcendência divina e teológica, porém é uma razão objetivada, sem aspectos subjetivos, ou seja próprios do sujeito, e Schopenhauer aponta corretamente para a dor do outro que é capaz de conceber, porém este princípio de compaixão não terá um desenvolvimento, outros autores fenomenológicos trata da questão do Outro, e este sim é um princípio para a crítica da razão.
Olhar mais profundo sobre a guerra
Em tempos de crise o mais difícil é entender a profundidade e a extensão da crise: social, política, ecológica e humana, a pandemia acelerou a níveis maiores e não há grandes análises nem pensamentos que deem conta da realidade, na verdade, muito achismo e sofismo, saídas fáceis para problemas complexos, o pior deles uma possível guerra.
Karl Kraus reclamava do jornalismo e da mentalidade de sua época sobre a possibilidade de uma nova guerra, que de fato aconteceu a Primeira Guerra mundial, em sua ironia assim se expressava: “existem imbecis superficiais e imbecis profundos”, e pouco a pouco a guerra de fez.
A crise instalada entre a Rússia e os Estados Unidos retorna a tensão sobre a qual a humanidade viveu todo o período da guerra fria, que aparentemente havia se afastado, mas lembramos da crise de 2014 na própria Ucrânia onde a Criméia voltou a ser posse russa, as várias crises com o Irã e o Afeganistão, a crise com a Coréia do Norte e a permanente crise com a China, que vai desde o campo comercial até o bélico.
Em meio a uma crise humanitária sem precedentes, já é tão grave quanto a gripe espanhola e a peste negra, a covid 19 agora se aproxima de uma endemia, uma doença com a qual teremos que conviver, mas é bom lembrar que os cuidados devem ser mantidos, e as autoridades de saúde não podem perder de vista o controle e medidas preventivas.
Peter Sloterdijk e Edgar Morin reclamam uma maior profundidade no olhar sobre a crise humanitária, já reclamavam antes da pandemia, certamente agora tem um olhar ainda mais aguçado e crítico sobre a superficialidade com que tratamos de temas tão graves e com necessidade de uma análise profunda, neste momento: uma possível guerra.
Olhando as análises parece que a mídia está interessada em possibilidades de vitória de um dos lados, de estratégias e posicionamentos que cada lado pode tomar, um possível corte no gás russo que abastece a Europa que está em pleno inverno, mas as consequências humanitárias e mundiais para todos, com maior gravidade para Rússia e Ucrânia é claro, pode ter consequências que tornem o próprio planeta e a civilização irreconhecíveis se o alarme de guerra soar, todos perderão e os mais pobres serão levados a penúria total com aumento de preços e escassez de alimentos.
Sim as etapas de negociação continuam, a Rússia reafirma que não invadirá, mas o acúmulo de forças em torno da Ucrânia é uma escalada proporcional apenas ao período da segunda guerra mundial, o posicionamento é também estratégico para uma guerra, o conselho de segurança da ONU que no processo de revezamento agora tem a Rússia na presidência, se reúne para tentar viabilizar a via diplomática.
Quem cederá, o que é possível cada lado ceder, a OTAN não tornar a Ucrânia país membro e a Rússia deixar de dar apoio as forças que atuam internamente na Ucrânia, porém o raciocínio de que há uma polarização ideológica planetária não pode ser deixado de lado, a origem da tensão é esta polarização e ela está presente hoje em todos país, uma nova cultura de paz é necessária para a humanidade, e esta profundidade da reflexão não pode ser deixada de lado.