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A pressa é inimiga da precaução
Os jornais do país anunciam que o Brasil fará acordo para ter a vacina Russa, a corrida para a vacina está causando em alguns governos o abandono das medidas de precaução necessárias para se chegar a uma vacina segura e que não cause um dano ainda maior que a pandemia, os procedimentos de testes das vacinas não são exigências quaisquer, são necessárias e por isto a fase de testes é longa.
Os dados mostram que a pandemia não está controlada no Brasil, e que os dados crescem na Europa, embora na Italia, o crescimento seja pequeno, pois é nde as medidas restritivas são mais duras, lá entramos no outono e o inverno virá.
Os prazos mais otimistas eram para dezembro deste ano ou inicio do ano que vem, algumas vacinas promissoras como a de Oxford/AstraZeneca que é testada também no Brasil pela FioCruz e a Pfizer que trabalha em acordo com a alemã BioNTech, e fazem a previsão da vacina para o final do ano, três meses a mais poderão evitar vidas e indenizações.
Porém o desejo de aparecer como heróis salvadores, de dizer ao mundo que damos uma lição, e principalmente de ceder as pressões econômicas de setores pouco preocupados com as vidas que estão sendo perdidas, fazem que a pressa ceda a precaução médica e sanitária necessária em meio a pandemia, que mesmo na Rússia cresce.
Já postamos aqui que o princípio da vacina da Pfizer é a técnica de RNA mensageiro (mRNA) que dá instruções ao organismo para orientar a produção de antígenos que permitem ao sistema imunológica reagir a doença.
A farmacêutica avalia também o potencial do tofacitinibe e da aziotromicina para o tratamento precoce da Covid-19.
A vacina russa segue o mesmo princípio da chinesa em teste no Brasil em parceria com o Instituto Butantã, a de uma carga viral reduzida que desperta o sistema imunológico que produz anticorpos necessários ao combate do vírus, porém esta técnica é questionável já que o vírus sofre mutações e a carga viral pode não ser inofensiva.
É preciso precaução, mas governo e autoridades sanitárias parecem ter entrado no caminho perigoso da pressa.
Se aquela noite vier
A Europa vive sobre o medo de uma nova onda da pandemia, e mesmo assim ainda a solidariedade aos que falecem é pequena, até há expressão de sentimentos ou alguma comoção, mas o sentimento humanitário fraterno é localizado às pessoas que sempre caminham em ações humanistas em momentos de crise.
O aconteceria se houvesse alguma catástrofe natural ou algo que chamasse a humanidade à consciência de um modo ainda mais grave, claro que não é desejável e não se deve espalhar este pânico, porém por hipótese se uma noite mais profunda se abatesse sobre a humanidade talvez uma nova tomada de consciência da grave situação da civilização fosse pensada e alcançada em larga escala.
Também é visível que são os últimos na valorização social aqueles que mais são solidários, já vivendo em situação grave a pandemia os torna mais solidários, ali a fraternidade é uma necessidade para a própria sobrevivência humana.
A noite e a cegueira não é anunciada agora pela pandemia, aqui neste blog em várias postagens chamamos a atenção para a noite cultural, social e até mesmo religiosa da humanidade, o caminho do processo civilizatório parece estar em colapso, isto quem observa a história ao longo dos últimos séculos é claramente visível, duas guerras, processo de isolamento social de culturas, raças e credos, preconceito a migrantes e principalmente aumento da desigualdade.
Se a noite vier, ao contrário daqueles que imaginam que as vidas humildes sejam “vidas desperdiçadas”, será ao contrário as vidas arrogantes e opulentes aquelas menos preparadas para uma “noite civilizatória” já em curso.
Não foi a pandemia que fez isto emergir, ela apenas tornou evidente e palpável o que já está em processo a algum tempo, porém o que se deve indagar é se houvesse uma noite alargada, visível que nos coloque em xeque.
Não se trata de uma visão apocalíptica ou mesmo profética, sem deixar de ter respeito por elas, um olhar profundo sobre os processos desumanos, violentos e antissociais que se vive, a decadência e o agravamento da crise está aí.
Se a noite vier, poucos estarão preparados, somente aqueles que já estão em ambientes e processos solidários, aqueles que durante o período de calmaria trabalharam e vivenciaram o lado fraterno, humano e solidário da vida cotidiana.
O inesperado e a ação
Entre muitos pensamentos que me causaram impacto no quase centenário Edgar Morin, a sua relação com o inesperado é a mais interessante e sábia, disse esta relação “torna-nos prudentes”, e disse isto referindo-se a ciência.
O vírus nos pegou de surpresa, mas a arrogância de muitos senhores midiáticos não deixou de analisar a pré pandemia, a própria pandemia e o pós-pandemia, não há mistérios na vida para eles, porém o que vemos ainda é muito mistério.
Diz Morin, “por mais que se saiba que tudo o que se passou e importante na história mundial ou em nossa vida era totalmente inesperado, continua agir-se como se nada de inesperado tivesse doravante a acontecer”, e é muito provável que mais coisas inesperadas aconteçam se conhecemos algumas leis da teoria da complexidade ou do caos.
É verdade indica o pensador, “a complexidade necessita de alguma estratégia”, gostaríamos de ter “segmentos programados para sequencias onde não intervém o aleatório”, mas esta é uma situação que pilotagem automática não é recomendada, diz o pensador: “o pensamento simples resolve os problemas simples sem pensamento”, não é o caso.
Já o pensamento complexo é “dar a cada um, um memorando, uma marca, que lembre: não esqueça que o novo pode surgir e, de qualquer modo vai surgir”, encontrei o que queria porque minha intuição diz isto, algo novo vai acontecer.
É neste ponto de partida que Morin aponta para “uma ação mais rica, menos mutiladora”, o que seria, diz “quanto menos um pensamento for mutilador, menos mutilará os humanos”, mas muitos não pensam, ignoram o futuro.
Anormal e simplificador seria se depois de um ano absolutamente anormal na história da humanidade, tudo voltasse ao cotidiano ou a “trivialidade” que alguns pensamentos mutiladores insistem em dizer, e o próprio termo “nova normalidade” é também mutilador, pois a questão é se haverá normalidade depois deste ano.
A ação possível e que deve ser pensada por cada um em particular, mas por todos como sociedade é como minimizar as perdas, como reorganizar a vida, como superar as dores ou ao menos suportá-la, e ajudar aqueles que não as suportam.
Será preciso de uma anormal fraternidade, aquela que ainda poucos viveram, e os que as pregam as vivam de verdade.
MORIN, Edgar. Preparar-se para o inesperado. In: MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Tradução de Dulce Matos. Lisboa: Instituto Piaget, 2008. p.120-122.
Acordo para agilizar a vacina
O acordo de vários países para agilizar a vacina (Covax), entre eles o Brasil que assinou na última hora na sexta feira, prevê um mínimo de vacinação de 10% da população (a opção do Brasil) até um máximo de 50% da população, que uma vez assinado não poderia desistir dos valores comprometidos, assim o Brasil assinou no mínimo, mas isto dá 42 milhões de doses, não é pouco e o risco é evidente pelo não cumprimento de todo o protocolo de testagem.
O governo não desistiu do acordo já assinado com a AstraZeneca com a chamada vacina de “Oxford” que tem a participação do prestigioso instituto da FioCruz, enquanto o governo do Estado de São Paulo promete acelerar o processo da vacina que é desenvolvida na China com participação do Instituto Butantã.
O acordo brasileiro entretanto prevê que se a vacina de Oxford chegar primeiro ao mercado ele pode optar por manter o acordo bilateral de comprar de vacinas, abrindo mão do fornecimento pela aliança, mas é provável que na pressa a vacina da aliança Covax chegue primeiro, então teremos que aceitar a vacinação, o que é temeroso.
O diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse em 13 de agosto que “COVAX já conta em sua carteira com nove vacinas candidatas, que se encontram na fase 2 ou 3 dos ensaios”, mas curiosamente as vacinas Janssen Pharmaceutics e BioNtech/Pfizer não estão na lista.
Para funcionar a aliança precisa de U$ 38 bilhões, mas conta com menos de U$ 3 bilhões, então pode ser que isto recaia sobre o ombro de países que entram na aliança apenas para cumprir acordos internacionais, isto também no aspecto social e econômico, o acordo é preocupante.
A priori o acordo é para que os países mais pobres tenham o mesmo acesso que países ricos às vacinas que tenham maior possibilidade de êxito, menos de 10 encontram-se na fase de testes, e o volume financeiro pode tornar o jogo de interesse mais sério, assim como deixar que o uso em países mais pobres não tenha a preocupação dos países ricos, seriam estes uma espécie de cobaia, a OMS alega o contrário diz que “é para garantir o acesso dos países pobres”.
O Brasil receberá 42 milhões de vacina, se houver algum problema quem se responsabilizará por isto, é claro que dirão que é o próprio país por ao assinar o acordo torna-se “consciente” dos “riscos”, embora eles não sejam mencionados.
Mesmo muito camuflado é um jogo de interesses que parece muito claro, é provável que os países menos ricos recebam primeiro doses da vacina, e se verificadas seguras é que serão usadas em países ricos, não é uma tese fácil de ser provada, porém a pressão nos países menos ricos foi enorme e o Brasil assinou na última hora sem dizer o real motivo.
Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Venezuela estão entre os países que assinaram o acordo, e o acordo Covax é apenas uma parte do “Acelerador de Acesso a ferramentas Covid-19”, ou simplesmente Acelerador ACT, que é o mecanismo de resposta que a OMS criou para a pandemia, apesar do termo “acelerador” ser evitado em entrevistas.
Espero estar errado, mas o jogo econômico continua a prevalecer sobre a saúde da população, em especial, dos pobres.
Justiça e desemprego na pandemia
O número de processos trabalhistas, e de injustiças que nem chegam aos tribunais deve crescer durante a pandemia, segundo dados de especialistas (alguns jornais citam as empresas Datalawyer e FintedLab), indicam que estes dados devem crescer, entre as reclamações estão o pagamento de verbas rescisórias, por exemplo o saldo do salário e a multa de 40% sobre o FGTS, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço no Brasil), e as condições de trabalho na pandemia.
Já salientamos em posts anteriores a importância de buscar modelos de empregabilidade que combatam a mudança de cenário acentuada no desemprego durante a epidemia, este que já era alto no Brasil, agora segundo o Ministério da Economia, de março a abril, cerca de 8 milhões de pessoas perderam o emprego ou tiveram corte salarial, sendo que 1.1 milhão de empregos com carteira tiveram seus contratos rescindidos, e os informais tem dados ainda mais volumosos.
É justo socorrer e pagar salário justos a estas pessoas, é claro que sim, a lógica de reduzir os salários e de abolir empregos não se justifica pois a pandemia não diminui a demanda em setores essenciais, além de criar demandas novas como serviços online, serviços home office, auxílio em áreas como a saúde, a educação e a segurança est]ao ai.
O quadro torna-se ainda mais grave com o aumento de preços, isto significa que alguns setores estão se beneficiando com a crise, além da espantosa corrupção na área da saúde, com hospitais que não foram usados, desvios de verbas e até de remédios e equipamentos é simplesmente criminosa, onera os estados e municípios, e desfavorece política públicas de auxílio e socorros emergenciais.
Há uma passagem bíblica onde é contada a parábola do vinhateiro que precisando de operários para sua vinha, ele sai as 9 da manhã para buscar mais operários e depois as 3 da tarde para buscar mais operários, combina com todos uma moeda de prata, parece injusto, mas quem paga e combina o salário é ele, e na verdade corrige a injustiça do desemprego.
Diz aos operários que contrata as 3 da tarde (Mt 20, 6-7): “ ´Por que estais aí o dia inteiro desocupados eles responderam: ´Porque ninguém nos contratou´. O patrão lhes disse: ´Ide vós também para a minha vinha’ “.
E todos receberam o mesmo salário, nada mais justo, esta deveria ser a lógica do combate ao desemprego na pandemia.
Ódio, desdém e reflexão
Não é por acaso que a região do cérebro de estruturas como o córtex frontal medial, cuja capacidade de argumentar e portanto de dialogar se encontra ali, tenha como núcleo o putâmen, o córtex pré-motor e o córtex insular, cujas estruturas participam também da percepção do desdém e do nojo, isto é a ativação do ódio está fisicamente no cérebro próximo àquelas áreas associadas ao julgamento e ao raciocínio, assim pode-se tanto ativar um como o outro, há as duas opções.
Os que querem justificar o ódio então estão cheios de argumentos, são capazes de raciocínios até profundos para agir contra o odiado, mas se a premissa for o diálogo o mesmo raciocínio pode ser usado para compreender, cuidar e desviar a violência do outro, como algumas artes marciais ensinam, desviado o “corpo”.
O ódio não desaparecerá esperando que as circunstâncias externas mudem, em geral ela não acontece, não é uma mágica, para curá-lo é necessário que se reconheça a diversidade, sua problemática, como diria Gadamer ter consciência dos pré-conceitos, isto é, dos fundamentos que iniciam uma desavença ou um tipo de crédito, reconhecer o Outro em sua bolha e reconhecer a nossa, ambas como tendo pré-conceitos.
Se de fato ativamos a parte do raciocínio, do pensamento e colocamos as desavenças neste nível, atenuamos um pouco a parte do ódio, mas é essencial perguntar e uma parte de nosso ódio viria abaixo ao refletir dessa forma: “Por que odeio? O que pretendo conseguir com isso? O que ganho e o que perco com meu ódio?”.
Não conheço situação que se resolveu neste caso, em geral levou a um conflito maior, a um ódio mutuo maior, se o objetivo é a guerra provavelmente chegaremos lá, mas creio que para a maioria das pessoas não é, então o que falta é refletir, analisar as origens de tal “mal” em suas bases mais profundas.
O ódio deve ser combatido com a compreensão e principalmente que leve a um novo tipo de ação, o que implica reconhecer em primeiro lugar que ele existe e é fomentando por dois lados e não por um só, nas manifestações das pessoas e em suas propagandas, as denuncias são recorrentes para dizer toda verdade está deste lado e no outro só mentira, é preciso explicar as consequências e que de fato quem se beneficia são aqueles cuja razão de existir e de pensar é mesmo o “ódio”.
Pessoas sábias de diversos matizes como Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Nelson Mandela ou madre Teresa de Calcutá com sabedoria e inteligência diante de conflitos enormes e absurdos souberam mostrar que a bondade e a generosidade, a criatividade e o respeito ao outro podem levar a buscar um bem coletivo maior e em embora um pouco mais demorado terão frutos mais duradouros, com menos violências e mortes, mas porque mesmo em grupos sérios o ódio persiste, a resposta é muito simples.
Incentivados por líderes e grupos que vivem em bolhas políticas, ideológicas ou religiosas, o principal recurso é a demonização do adversário, identificado com algum aspecto repugnante do mal: morte, corrupção, violência sexual, racial ou de gênero, enfraquecimento de valores ou algo do tipo, e uma vez unidos em grupo o medo desaparece e isso reduz a inibição de quem odeia para agir de outras formas não a da argumentação e exposição dos fatos, mas a violência contra a violência.
Os líderes que incitam este ódio, dizem já não poderem controla-lo, mas no fundo o desejaram, desenvolvem esta parte do raciocínio que dizemos no início perto da parte do cérebro do putâmen, e liberado o ódio será executado pelas pessoas que usam a outra parte com menos raciocínio e mais visceral, assim o ódio “explode”.
O que devemos pensar diante de fatos indignos, e neste momento não deveria haver nenhum maior que a pandemia, é que o sentimento de medo e de exaustão pelo confinamento é explorado não em conseguir modos de relaxamento e anti-stress, mas de liberá-lo em formas violentas, quais as consequências ? e a quem estão favorecendo ? penso que aos odiosos, e não aos amorosos que de fato tem amor pela humanidade e pelo apreço mais frágeis.
Parece um caminho sem volta, em meio a pandemia e com duas eleições tensas se aproximando, a nacional dos Estados Unidos e as municipais no Brasil, vejo pouca ou quase nenhuma discussão sobre a pandemia e sobre os que morrem todos os dias, as famílias enlutadas e a compaixão com estes, nem de um lado nem do outro.
Felizmente os níveis de mortalidade diminuíram, mas o fim de semana prolongado prometem aglomerações, a vila de carros para a praia era enorme, e a pandemia ?
Virus e mutações aórgicas
Certamente o que somos hoje como estrutura física e DNA não foi sempre assim, também nossa relação com doenças e vírus são diferenciadas, doenças “infantis” como sarampo, caxumba e rubéola tornaram-se comuns e uma vacina tríplice tornou-se obrigatória, combatem estas doenças mais comuns, ao passo que em tribos indígenas e alguns povos podem ainda ser mortais, isto porque suas estruturas físicas são diferenciadas.
Certamente algo aconteceu com o mundo inorgânico que influenciou o físico, parece assustador, mas é trivial dizer que o mundo físico antecedeu ao orgânico, portanto em nossa origem aconteceu uma mutação aórgica.
O homem não existiu sempre, acredita-se conforme estudos científicos que o homo sapiens surgiu na África Oriental por volta de 300 mil anos atrás (Hubrin, Ben-Ncer, 2017), se espalhou primeiro para o leste do mediterrâneo 100 mil anos atrás (Khan, 2015) e 60 mil anos foi para o oeste, pode ter chegado na China cerca de 80 mil anos (Sherwell, 2015), então porque variações de pele, de estrutura física e tolerância a doenças aconteceram, certamente devido a mudanças alimentares, climáticas e também variações na estrutura física conforme a adaptação ao ambiente, isto é também aórgicas, desde a estrutura primordial do homem formada a partir do mundo físico.
Muitas pesquisas sobre vírus que afetaram nossos antepassados já foram estudados, como o Mollivirus sibericum, classificado como um “vírus gigante” porque pode ser visto em um microscópio ótico simples, além dele também o Pithovirus Sibericum foi estudado por uma equipe francesa do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, assim há uma “evolução” e transformação dos vírus e como afetaram historicamente o homens e a natureza, porque agora surgem vírus cada vez mais “fortes” e com características diferentes, também é uma mudança aórgica, porém ela pode também afetar a natureza, a parte física do planeta e assim a história.
No embate entre razão e entendimento, diversos autores trataram a questão aórgica desde a análise estética até o física, por exemplo, usaram estes temas Schiller e Hölderling e a apropriação aqui, para fazer inferências sobre o inorgânico (vírus não é um organismo) e demonstrar que a totalidade orgânica (holismo orgânico) não é prevalente sobre ao inorgânico (holismo aórgico), que supõe um regime de ataxia e desordem, assim como o holismo sistêmico, o pretenso discurso único que invadiu a sociologia, a história a moda de Dilthey (Gadamer o contesta) e a polarização atual não é senão um holismo sistêmico, idealismo e física pré-quântica.
Por esta teoria do holismo aórgico pode-se supor que não apenas a estrutura física orgânica do humano poderá se modificar, mas até mesmo a estrutura do planeta, a retração de atividades, entre elas as milhares de viagens diárias de aviões, o não uso de combustíveis fósseis já estão alterando (para melhor) a estrutura de mares e da terra, assim a própria estrutura do planeta poderá se modificar, e também a natureza como todo reagirá, pode ser uma surpresa, mas a natureza nos socorrerá.
Referências:
HUBRIN, Jacques Hublin; Ben-Ncer, Abdelouahed «Scientists discover the oldest Homo sapiens fossils at Jebel Irhoud, Morocco». Nature. 2017, acesso em: 20 de agosto de 2020. disponível em: https://phys.org/news/2017-06-scientists-oldest-homo-sapiens-fossils.html .
KHAN, Amina. Discovery of 47 teeth in Chinese cave changes picture of human migration out of Africa. Los Angeles Times, Science. 14 oct. 2015, Acesso em: 20 de Agosto de 2020, Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/virus-gigante-pre-historico-da-siberia-sera-acordado-6d2dtw1rz8yudoz53visogbti/
SHERWELL, Phillip. Ancient teeth found in China reveal early human migration out of Africa. The Telegraph, 2015. Disponível em: The telegraph (acesso privado).
O medo, a morte e a salvação
A sociedade do cansaço, da busca da produtividade e do medo não é esta da pandemia, ela já existia antes deste evento sanitário, o que aconteceu agora é que, ao menos as pessoas que não perderam a sensatez, o medo da morte está presente e paira sobre toda a sociedade, e ignorar a morte não é boa atitude psicológica.
Assim falam psicólogos que trataram deste assunto relativo às crianças, é certo também que o medo pode levar ao pânico que não é saudável também, mas explicar e ajudar a sociedade a entender as limitações, até mesmo da produção da economia ajuda a todos, e o questionamento da hiperprodutividade que levou a sociedade e a natureza as portas do esgotamento é também saudável, agora porém vem a crise econômica e o que fazer com ela, novamente ser sensatos.
O poeta Hölderling escreveu “onde há medo, há salvação”, no início da pandemia pensávamos que era possível tratar a doença equilibradamente, reduzir um pouco a atividade que ajudaria a sociedade a reequilibrar-se, mas passados muitos meses o confinamento revelou-se também problemático, porém o medo da morte e uma certa cegueira de não desejar ver as consequências continua na sociedade, a morte é apenas uma fatalidade, e não uma possibilidade que leve-nos ao cuidado, o cuidado com a vida em todos os sentidos.
A salvação reside neste medo, a criança sem medo é imprudente, e o adulto muitas vezes também, não pensa e não age a favor da vida, da preservação de si e dos outros, pensa de maneira egoísta e isto não leva a salvação, leva ao morrer mais trágico que a fatalidade da morte, até mesmo morrer de medo, assim o saudável e equilibrado é tratar da morte, e aqueles que precisam manter-se ativos socialmente tomar os cuidados necessários, mas e a salvação, o reequilíbrio do humano.
Este está em jogo, aquilo que era tema antes da pandemia, agora reaparece de modo trágico e é preciso pensar na natureza, na produção e no dia-a-dia que levou a doenças como o pânico, a síndrome de Burnout e a sociedade do cansaço, para produzir felicidade não devemos caminhar para o extremo cansaço e o esgotamento da natureza e das forças produtivas.
A própria morte de Deus, que para muitos parece uma enorme tragédia, fundamentalista dizem o contrário e os fariseus que não devemos “propagar o medo”, quando Jesus avisa o tipo de morte que haveria de morrer, Pedro diz que Deus nunca permita tal coisa, e a reação de Jesus é no mínimo curiosa (Mt 16,23): “Jesus, porém voltou-se para Pedro e disse: “Vai para longe, Satanás! Tu és para mim uma pedra de tropeço, porque não pensas as coisas de Deus, mas sim as coisas dos homens!”, e pouca reflexão se faz sobre esta passagem, no máximo dizer que é porque ia morrer na cruz, mas naquele momento nada se sabia ainda.
A lição da pandemia, do medo da morte e do morrer, que é o mais duro, é que não há salvação sem sofrimento, as vezes sangue derramado mesmo, o pós-pandemia deve provocar uma discussão e um pensamento muito mais sério do que já ocorreu até aqui, conservadores dizem a vida deve voltar ao normal e outros dizem: “e preciso mudar o combate a pandemia”, que houve muitos erros sim, mas o problema essencial é mudar o comportamento e as estruturas sociais desumanas.
Conspiração do medo ou do silêncio
A pandemia gerou uma angústia e um medo diante da morte e das preocupações sanitárias, o vírus tornou-se um medo para todas pessoas sérias, porém não falar do perigo e das possibilidades presentes e futuras desta pandemia pode ser uma “conspiração do medo” ainda maior.
Alguns autores já falavam da “conspiração do silêncio” que atingia a sociedade antes da pandemia, Böemer e Adorno são dois autores clássicos que tocaram no tema da morte, tomei consciência desta questão em minha viagem para Portugal, onde o tema é tratado de forma diametralmente oposta ao Brasil, e a pandemia trouxe de volta o tema.
Já tocamos as raízes históricas e sociológicas da tragédia grega, particularmente nos textos de Nietzsche e Hölderling (veja o post), porém agora a questão é se falamos da pandemia e causamos mais medo e pânico ou evitamos e entramos numa espécie de “conspiração do silêncio”, aquela que vai passando de geração em geração, evitar que uma criança veja a morte, não ficar comentando a doença e o morte de alguém.
O silêncio relativo a morte é mais profundo que o morrer, que é tomado como um fato natural da vida, mas que só deve ser pensado quando a hipótese de fato existe, assim não faz sentido para uma criança ou para um jovem, também para mim era um tabu porque imaginava que o ciclo biológico natural: nascer, crescer, envelhecer e morrer estava rompido, ou inter-rompido, por isso a morte parece mais “natural” que o morrer, o evento contrário ao devir, vir-a-ser.
A proximidade, quase diária com a morte, continua por outro lado com a conveniência de não afetar a “todos” porém é demasiado desumano, e isto me fez repensar mais uma vez no morrer, antes questionado para crianças e jovens, agora penso também em idosos abandonados a própria sorte e as suas comorbidades.
A “conspiração do silêncio” é aquela atenuação do morrer, tentando afastar o medo do sofrimento, a degeneração, a solidão e o abandono, a ideia é tornar o homem privado de sua “morte” conforme dizem alguns autores (Carvalho, 1994), usando do homem privado de sua morte, de sua humanidade (14,15), com eufemismos ou alusões a falsas situações (viajou, está com a vovó, etc.) para mantê-la distante do mundo dos vivos e da fatalidade do morrer.
É cruel pensar no morrer, mas mais cruel não falar e não citar que muitos estão morrendo, que é possível que menos pessoas morram, e que além da prevenção, todos devemos sonhar com remédios que possam nos separar desta noite de sofrimento que envolve toda a humanidade, falar dele é solidarizar-se.
Adorno Y. Conversando com a criança sobre a morte. Campinas (SP): Psy, 1994; 20 p. 12. Araújo PVR, Vieira MJ. As atitudes do homem frente a morte e o morrer. Texto & Contexto, Florianópolis (SC) 2001 set/dez; 10(3): 101-17.
Böemer MR. A morte e o morrer. São Paulo: Cortêz; 1986.
Carvalho MMMJ, coordenadora. Introdução à Psiconcologia. Campinas (SP): Psy II; 1994.
Mistério não é ignorância
Histórias de culturas, de tradições culturais que envolvem o imaginário, e o próprio imaginário são envoltos em mistérios, mas não se deve confundi-los com ignorância ou superstições, é isto que pode-se ler no livro do quase centenário Edgar Morin “Conhecimento, Ignorância e Mistério”. le-se aí muito sobre o conhecimento, algo sobre a ignorância e o essencial sobre o mistério, a dosagem de Morin é perfeita e um bom remédio para o pandêmico.
Ele prepara um livro para a pandemia, mas como sempre se antecipa à história espero ler e acredito que ele é um dos poucos que pode falar sobre o novo nomrla ou o pós-pandêmico justamente porque enfatizou numa de suas conferências que a crise sanitária nos pegou de surpresa e nos colocou de joelhos.
Além de livros planetários como “Terra Pátria”, sobre epistemologia “O Método” em seis volumes, é um dos raros que se arriscou a trilhar novos caminhos em nossos dilemas globais através de “Para Sair do século 20” e “Diante do Abismo”, porém neste livro de 2018, o seu salto é sobre o mistério sem escorregar pelos caminhos fáceis da crendice e da ignorância, questiona tanto o fetiche da razão como o determinismo materialista, entre suas diversas obras estão os Estudos Transdisciplinares feito num no Centro destes estudos em Paris com o filósofo, importante para o mundo digital Michel Serres, recentemente falecido, e proclama que podemos com a disciplinaridade e com a excessiva especialização caminhar para um novo “obscurantismo”.
Separa claramente a ignorância do mistério, para ele ““Só podemos apreender o real por meio das representações e interpretações. A realidade do mundo exterior é uma realidade humanizada: não a conhecemos diretamente, mas por meio do nosso espírito humano, traduzida/reconstruída não só pelas nossas percepções, como também pela nossa linguagem, nossas teorias ou filosofias, nossas culturas e sociedades”, e o mistério é para ele equacionado pela transdisciplinaridade como “a contradição a que chega todo conhecimento aprofundado não é erro, mas última verdade concebível”.
Valoriza o mistério como caminho de descoberta e conhecimento: “O conhecimento complexo é o caminho necessário para chegar ao incognoscível. Caso contrário, continuamos ignorantes da nossa ignorância. O mistério em nada desvaloriza o conhecimento que a ele conduz.”
Chama o nosso meio atual como tendo uma “cultura do cancelamento”, uma meia-sola mais rancorosa nas velhas patrulhas ideológicas, e elas parecem agora recrudescer com o retorno da polarização ideológico, que no pós guerra criou uma tensão constante em toda humanidade.
Que lembra quando as crianças tapam os ouvidos e emitem cantilenas miméticas (ele chama de guturais) para não ouvir interlocutores que as contradizem (se você nunca fica sabendo que pode estar errado, estará certo para sempre), assim a polarização e radicalização parece vir da educação berçária.
Não é só o meio natural que precisa de biodiversidade, o meio cultural e a democracia também precisa, como afirma Morin na verdade “dependem da biodiversidade”, estamos dispostos a conviver com o que é diferente ou desejamos eliminá-lo, a resposta dada em escala global é assustadora, está sim não é mistério para ignorância e desprezo pelo Outro.
MORIN, Edgar. Conhecimento, Ignorância, Mistério. 1ª. edição. BR: Bertrand do Brasil, 2020.